Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 653/2017-T
Data da decisão: 2018-08-21  IRC  
Valor do pedido: € 87.163,73
Tema: IRC - EBF: Artigo 22.º/6; Fundo de Investimento Imobiliário; Rendimentos prediais
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Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Sofia Ricardo Borges e José Ramos Alexandre, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, na seguinte

 

 

DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

I – RELATÓRIO

 

  1. No dia 14 de Dezembro de 2017, A...– SOCIEDADE GESTORA DE FUNDOS IMOBILIÁRIOS, S.A., NIPC..., com sede na ..., ..., ..., ..., ...-... Lisboa, apresentou, na qualidade de gestora do Fundo Especial de Investimento Imobiliário fechado B... (em liquidação), pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de liquidação adicional de IRC n.º 2016 ... e da demonstração da liquidação de juros n.º 2016..., no valor global de € 87.163,73, referentes ao exercício de 2014.

 

  1. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese que:
  1. a matéria colectável, conforme o artigo 22.º do EBF, deverá ter por base os resultados contabilísticos relevantes, pelo que o recurso a fluxos de caixa propostos pela AT, é ilegal;
  2. mesmo que se adoptasse a tributação com base de caixa, tal implicaria necessariamente a desconsideração, da base de incidência do IRC, dos recebimentos dos redébitos realizados pelo “Fundo” aos lojistas ou a dedução dos respectivos pagamentos;
  3. o “Fundo” deverá ser tributado de acordo com o rendimento predial obtido pela exploração do prédio urbano que corresponde ao C... Retail Park, sendo a este deduzidos os encargos de conservação e manutenção suportados com o imóvel gerador de rendimentos na sua globalidade, ainda que parte do mesmo não tenha gerado rendimentos.

 

  1. No dia 15-12-2017, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

  1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  1. Em 01-02-2018, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 21-02-2018.

 

  1. No dia 06-04-2018, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se unicamente por impugnação.

 

  1. Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.

 

  1. Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.

 

  1. Foi fixado o prazo de 60 dias para a prolação de decisão final, após a apresentação de alegações pela Requerida.

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

  1. A Requerente é, e era em 2014, gestora do Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado B... (em liquidação, doravante designado por “Fundo”).
  2. O “Fundo” é, e era em 2014, um fundo fechado de investimento imobiliário de distribuição integral, constituído por subscrição particular.
  3. A constituição do “Fundo” foi autorizada pela Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários em 18-05-2006 e ocorreu a 10 de Agosto do mesmo ano.
  4. O “Fundo” foi constituído com um capital inicial de €5.000.000,00, representado por 1.000.000 unidades de participação com o valor unitário de €5,00 de forma exclusivamente nominativa, integralmente subscritas por um único participante.
  5. Em 01-02-2012, foi deliberado o aumento de capital até ao limite de 470.864 unidades de participação, sendo que a subscrição do aumento de capital ocorreu no dia 08-02-2012 e a liquidação financeira no dia 09-02-2012, tendo sido subscritas 470.864 unidades de participação.
  6. Com o aumento de capital, o “Fundo” ficou com 9.730.986 unidades de participação emitidas e com o capital de €37.999.997,90.
  7. Em 21-03-2013, foi deliberado um novo aumento de capital até ao limite de 474.345 unidades de participação, sendo que a subscrição do aumento de capital ocorreu no dia 27-03-2013, ocorrendo a liquidação financeira no dia 28-03-2013, tendo sido subscritas 474.345 unidades de participação.
  8. Com este aumento de capital, o “Fundo” ficou com 10.205.331 unidades de participação e com o capital de €38.660.997,66.
  9. Em 28-04-2015 foi deliberado um novo aumento de capital até ao limite de 10.573.858 unidades, tendo a subscrição do aumento de capital ocorrido a 11-05-2015 e a liquidação financeira a 12-05-2015.
  10. Com este aumento de capital, o “Fundo” ficou com 10.573.858 unidades de participação e com o capital de €38.860.997,26.
  11. O “Fundo” tinha uma duração inicial de cinco anos, prorrogável por períodos não superiores a três anos, sujeita a autorização da CMVM e deliberação favorável da Assembleia de Participantes.
  12. Em 21-07-2014, a Assembleia de Participantes deliberou a prorrogação pelo prazo de um ano e sete meses, tendo esse prazo sido renovado.
  13. Em 16-12-2015 a Assembleia de Participantes deliberou a liquidação do “Fundo”.
  14. Em 06-12-2017, a CMVM deliberou a prorrogação do prazo de liquidação do “B...” até 16-12-2017.
  15. O “Fundo” tinha por objectivo alcançar, numa perspectiva de médio e longo prazo, uma valorização crescente de capital, através da constituição e gestão de uma carteira de imóveis caracterizáveis como “Retail Parks” localizados fora dos centros urbanos.
  16. A Requerente é, e era em 2014, responsável pela administração, gestão e representação do “Fundo”, competindo-lhe celebrar os negócios jurídicos e realizar todas as operações necessárias à implementação e execução da política de investimentos e exercer os direitos, direta e indiretamente, relacionados com o “Fundo”.
  17. Em 29-07-2007, o “Fundo” adquiriu o C... Retail Park, um imóvel sito na ..., freguesia de ..., concelho de ..., o qual foi por si detido até Dezembro de 2015, data em que o mesmo foi alienado.
  18. O C... Retail Park era constituído por duas áreas distintas: a loja ocupada pela D..., Lda. e um imóvel dividido por vários andares e divisões com utilização independente (lojas que integram o C... Retail Park), identificadas pelas letras A a J.
  19. O C... Retail Park além de integrar espaços destinados exclusivamente ao comércio a retalho e a serviços acessórios de restauração e de bebidas, para utilização por consumidores finais, era servido por infra-estruturas comuns, tais como, acessos, arruamentos, zonas verdes e parqueamento automóvel, bem como uma administração e serviços comuns.
  20. No decurso do período de 2014, o “Fundo” manteve os contratos celebrados pelo anterior proprietário do C... Retail Park por forma a ceder a utilização de espaços aos lojistas, no sentido de estes exercerem as suas atividades comerciais junto do público.
  21. O “Fundo” e os lojistas celebraram contratos de utilização de espaço em zona comercial e prestação de diversos serviços acessórios.
  22. Mediante a celebração destes contratos, o “Fundo” obrigou-se a ceder aos lojistas o direito de utilização temporária do espaço comercial correspondente à loja, para os fins comerciais associados a cada uma daquelas entidades e a assegurar a organização, gestão e funcionamento do empreendimento, nomeadamente através da prestação aos lojistas de serviços de manutenção, conservação e limpeza das zonas comuns, segurança de pessoas e bens e promoção e publicidade do C... Retail Park.
  23. Por outro lado, cada lojista ficou obrigado a pagar ao “Fundo” uma retribuição mensal fixa, bem como um montante mensal a título de comparticipação nas despesas comuns do C... Retail Park, onde se incluem as despesas correntes de administração, de funcionamento, de manutenção, conservação e reparação das áreas comuns e as despesas com serviços comuns.
  24. Entre Julho de 2008 e 31 de Dezembro de 2014, a actividade do “Fundo” foi totalmente dedicada à gestão do C... Retail Park.
  25. Os montantes com encargos de conservação e manutenção do C... Retail Park suportados pelo “Fundo” correspondem, em grande medida, aos valores mensais cobrados aos lojistas.
  26. No exercício de 2014, o “Fundo” registou na sua contabilidade um montante global de rendimentos de €595.894,45, que correspondem aos valores facturados aos lojistas.
  27. Por amostragem aos extractos da contabilidade relativos aos clientes, a AT concluiu que os valores apresentados correspondem aos valores contabilisticamente registados como recebimentos de clientes deduzidos do respectivo IVA.

  1. No exercício de 2014, o “Fundo” contabilizou um saldo positivo entre reversões e ajustamentos, referentes a créditos de cobrança duvidosa, no montante de €4.867,81.
  2. O “Fundo” registou gastos com a conservação e manutenção do C... Retail Park no valor global de €346.910,75, distribuídos da seguinte forma:
  • €34.157,50 correspondentes ao IMI suportado;
  • €91.124.54 correspondentes a consultoria técnica;
  • €138.316,35 correspondentes a obras de construção civil, remodelações e reparações;
  • €38.453,32 correspondentes à diferença entre as despesas comuns incorridas pelo “B...” e o montante cobrado aos lojistas a este título;
  • € 44.857,04 correspondentes a seguros de responsabilidade civil.
  1. No exercício de 2014, o “Fundo” apurou os rendimentos prediais líquidos da seguinte forma:

  1. O “Fundo” pagou as seguintes despesas imputadas às diferentes lojas do C... Retail Park:

 

  1.  No exercício de 2014, as lojas F, G e H não produziram quaisquer rendimentos, tendo o Fundo incorrido em encargos, relativamente às mesmas, num montante de € 183.200,70.
  2. No ano de 2014, o Fundo incorreu em despesas num montante global de € 180.673,59, referente a água, comunicações, energia e electricidade, gestão, marketing e publicidade, reparações, limpeza, segurança e vigilância, entre outras.
  3. O “Fundo” registou como “rendimentos de activos imobiliários” apenas os montantes fixos de rendimentos correspondentes à utilização do espaço da loja, e não os valores cobrados a título de comparticipação nas despesas comuns.
  4. Os rendimentos prediais que o “Fundo” sujeitou a IRC, tendo por base a contabilidade, não incluíam o redébito dos gastos comuns com o C... Retail Park ou os gastos subjacentes.
  5. O “Fundo”, enquanto Fundo de Investimento Imobiliário, é, e era em 2014, sujeito passivo de IRC e encontra-se sujeito a um regime especial de tributação previsto no artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.
  6. O “Fundo” adoptou como procedimento de apuramento dos rendimentos prediais sujeitos a imposto, os contabilisticamente registados, acrescendo-lhes o saldo entre reversões e ajustamentos de cobrança duvidosa.
  7. No exercício de 2014, o “Fundo” calculou uma base tributável de €253.851,51 da qual resultou o apuramento de um montante de IRC de €63.462,88.
  8. Os valores apresentados pela Requerente constantes da sua contabilidade, foram validados pela Inspecção Tributária, não tendo sido verificadas divergências.
  9. O “Fundo” foi objecto de um procedimento inspectivo externo, através da Ordem de Serviço n.º 2016..., para o exercício de 2014.
  10. Através do Ofício n.º..., o “Fundo” foi notificado do Projecto de Relatório de Inspecção Tributária e para, querendo, exercer o direito de audição.
  11. Em 04-08-2016 o “Fundo” apresentou o direito de audição prévia, no qual contestou a fórmula de determinação da matéria colectável apontada pela AT.
  12. Em 23-08-2016, o “Fundo” foi notificado do Relatório Final de Inspecção Tributária no qual se mantiveram as correções propostas no Projecto de Relatório:

  1. Do RIT consta, para além do mais, que:

 

 

 

 

  1. O “Fundo” foi notificado da liquidação adicional de IRC n.º 2016 ... e da demonstração da liquidação de juros compensatórios n.º 2016 ... .
  2. O “Fundo” foi citado no âmbito do processo de execução fiscal n.º ...2016... para pagamento da dívida de imposto de €85.361,14, acrescida de €359,14 de custas processuais, tendo procedido ao pagamento da dívida exequenda e acréscimos legais. 
  3.  A Requerente apresentou reclamação graciosa contra o acto de liquidação adicional de IRC referente ao período de 2014 e respectiva liquidação de juros compensatórios.
  4. Em 28-09-2017, a Requerente foi notificada da decisão final de indeferimento da reclamação graciosa.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13[1], “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

 

            O dissídio em causa na presente acção arbitral reporta-se às correcções efectuadas pela AT com referência ao exercício de 2014, referentes a rendimentos prediais, e radica, consensualmente, na interpretação do artigo 22.º/6, al. a) do EBF aplicável (redacção em vigor em 2014, dada pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro) cujo texto prescreve:

“6 - Os rendimentos dos fundos de investimento imobiliário, que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, têm o seguinte regime fiscal:

a) Tratando-se de rendimentos prediais, que não sejam relativos à habitação social sujeita a regimes legais de custos controlados, há lugar a tributação, autonomamente, à taxa de 25%, que incide sobre os rendimentos líquidos dos encargos de conservação e manutenção efetivamente suportados, devidamente documentados, bem como do imposto municipal sobre imóveis, sendo a entrega do imposto efetuada pela respetiva entidade gestora até ao fim do mês de abril do ano seguinte àquele a que respeitar, e considerando-se o imposto eventualmente retido como pagamento por conta deste imposto;”

            Em execução de tal norma, a Requerente apurou o seu lucro tributável, apresentou a sua declaração de imposto (IRC) e liquidou o mesmo, tendo por base os seus registos contabilísticos, registos, estes que, como resulta da matéria de facto, foram validados pela AT em sede de inspecção.

            A AT, por seu lado, considerou que o procedimento assim adoptado pela Requerente não era o que legalmente se lhe impunha, entendendo que o lucro tributável sujeito a imposto, no caso, deveria ser computado com base nos rendimentos líquidos dos encargos de conservação e manutenção efectivamente suportados pelo fundo e devidamente documentados (e IMI), tendo em conta o disposto no artigo 8.º/1 e 2 do CIRS.

            Sustenta a Requerida, em abono da  sua tese, que “sem prejuízo da existência de regimes fiscais de tributação de rendimentos prediais previstos separadamente para efeitos de IRS e para efeitos de tributação dos FII em sede de IRC, que é de todo impossível considerar o segundo (tributação dos FII) sem considerar o primeiro (tributação em sede de IRS).”, já que “o conceito fiscal de renda apenas se encontra definido no n.º 2 do artigo 8.º do CIRS, tratando-se, para efeitos fiscais, de um conceito de renda amplo, que vai para além da qualificação legal ou convencional, abrangendo a celebração de outros negócios de efeito económico equivalentes não tipificados na lei.”.

            Louvando-se na Circular 20 de 13/07/1994, do Serviço de Administração do Imposto sobre o Rendimento, aventa a Requerida que “a tributação apenas incidirá sobre as rendas efectivamente recebidas, atenta a neutralidade fiscal face aos investidores directos, pessoas singulares, consagrada no actual regime dos Fundos de Investimento” ,  concluindo que “não parecem restar dúvidas que o legislador fiscal sempre entendeu a neutralidade fiscal face às pessoas singulares como pedra basilar do regime de tributação dos rendimentos prediais dos FII, o que se opõe à argumentação da Requerente ao pretender que o legislador fiscal tencionasse introduzir descriminação fiscal tão pesada permitindo aos FII a dedução de encargos não directamente relacionados com os imóveis efectivamente geradores de rendimentos prediais, enquanto não o permitia às pessoas singulares beneficiárias de rendimentos da mesma natureza.”.

            Sugere, por fim, a Requerida, que “Uma interpretação literal da al. a) do n.º 6 do art.º 22.º do EBF também parece conduzir em direcção oposta à pretendida pela Requerente”, porquanto “não se pode deixar de considerar o facto da norma em causa incluir a expressão “rendimentos prediais” (e não “rendimento predial”), da mesma forma que, em sentido inverso, se tem que valorizar o facto do código do IRC prever no seu art.º 17.º a determinação de um “lucro tributável” (e não de “lucros tributáveis”) e nos seus artigos 15.º e 16.º de uma “matéria tributável” (e não de “matérias tributáveis”)”, considerando que “se o objectivo da al. a) do n.º 6 do art.º 22.º do EBF fosse a tributação de um rendimento predial uno obtido por um FII – constituído pelo somatório das rendas recebidas e dos gastos suportados com imóveis independentemente dos mesmos terem gerado rendimentos prediais ou não, conforme pretendido pela Requerente – teria o legislador utilizado a expressão “rendimento predial”, o que não fez.”, já que “um FII, à semelhança de uma pessoa singular que arrende um imóvel, obtém um rendimento predial por cada renda recebida no decurso do arrendamento de um imóvel e essa renda, tendo que ser considerada líquida para efeitos fiscais, é deduzida de determinados gastos incorridos com o imóvel que a gerou.”.

            Ressalvado o respeito devido, julga-se não ser correcta a interpretação formulada e aplicada pela AT, como fundamento das correcções sub iudice.

            Com efeito, quer o postulado do preenchimento do regime do artigo 22.º/6 al. a) do EBF aplicável com recurso ao regime da tributação de rendimentos da categoria F do IRS, quer o postulado da “neutralidade fiscal face às pessoas singulares como pedra basilar do regime de tributação dos rendimentos prediais dos FII”, carecem de fundamento material  e teleológico conforme se passará a explicar.

            Assim, e desde logo, o processo hermenêutico seguido pela AT, e ora sustentado pela Requerida, obnubila um dado fundamental, que é a circunstância de, por definição, os Fundos de Investimento Imobiliário (FII), enquanto sociedades e sujeitos passivos de IRC, se dedicarem a actividades empresariais, com consequentes reflexos para a Requerente na sua qualidade de representante legal do FundoB...

            Tal circunstância, desde logo, face à predominância do regime da categoria B sobre a categoria F em IRS, consagrado, para além do mais, no artigo 3.º/1 e 2/a) do CIRS, evidencia a desadequação do operado preenchimento do regime do artigo 22.º/6 al. a) do EBF aplicável com recurso ao regime da tributação de rendimentos da categoria F do IRS, assim como a falácia do raciocínio da suposta neutralidade fiscal do regime dos FII em relação às pessoas singulares em IRS.

            Efectivamente, os rendimentos das pessoas singulares que, como os FII, se dediquem empresarialmente a actividades geradoras de rendimentos prediais, serão tributados, por força do já referido artigo 3.º/1 e 2/a) CIRS, de acordo com o regime da categoria B, não sendo considerados rendimentos da categoria F, assim se demonstrando que a posição aplicada pela AT e sustentada pela Requerida não realiza, de modo algum, qualquer espécie de neutralidade em relação aos sujeitos passivos de IRS que aufiram rendimentos prediais nas mesmas circunstâncias dos FII – ou seja, empresarial e profissionalmente - , notando-se que o artigo 41.º/1 do CIRS aplicável, que incorpora o método de tributação aplicado in casu pela AT, se restringe aos “rendimentos brutos referidos no artigo 8.º”, ou seja aos rendimentos prediais sujeitos a tributação na categoria F, e não àquela espécie de rendimentos quando enquadráveis como rendimentos da categoria B em IRS.

            Acresce ainda que a tributação pela categoria F em IRS tem outras características próprias, que não se verificam relativamente aos FII, como é o caso da inexistência de obrigação de contabilidade organizada (obrigatoriedade que em IRS está restringida a determinados casos de rendimentos da categoria B – cfr. artigo 28.º do CIRS aplicável), o que, desde logo, justifica que os rendimentos sujeitos à categoria F do IRS tenham um regime específico (e porventura mais restritivo) no que à consideração de gastos diz respeito.

            Nota-se, ainda, que a putativa neutralidade sempre seria esvaziada, pela circunstância de, conforme apontado no RIT, os rendimentos prediais dos FII serem tributados autonomamente às taxas de 20% (até 2012) e 25% (de 2013 em diante), enquanto que os rendimentos prediais da categoria F em IRS são sujeitos às taxas de 15% (até 2011), 16,5% (2102) e 28% (a partir de 2013), o que denota a ausência de propósito do legislador de estabelecer qualquer conjugação entre os dois regimes.

             Julga-se, deste modo, não ter fundamento o entendimento da Requerida, segundo o qual “cada loja individualmente considerada consubstancia a existência de um rendimento predial bruto que poderá ser deduzido de determinados encargos suportados com a loja em causa; por outro lado, no caso particular de qualquer loja em que não exista contrato de arrendamento ou não se verifique o recebimento efectivo das rendas não existe rendimento predial, pelo que não pode operar qualquer dedução de encargos suportados pelo Fundo com a loja em causa.”.

            Considera-se, antes, que os FII, enquanto sujeitos passivos de IRC (v. artigo 2.º do CIRC), devem ser tributados nos termos das regras do respectivo Código, com as adaptações necessárias à aplicação do artigo 22.º/6 do EBF[2], o que significa, para além do mais, a aplicação do artigo 17.º/1 do CIRC aplicável, ou seja, e no que diz respeito aos rendimentos prediais, a sua determinação com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos do CIRC.

            Deste modo, dever-se-ão considerar como rendimentos prediais aqueles que nos termos das normas contabilísticas são qualificáveis como tal, deduzidos dos gastos que, nos mesmos termos, se revistam da mesma natureza, acrescidos dos que tenham a natureza de gastos comuns, na proporção em sejam imputáveis àqueles rendimentos.

            A tal entendimento não obstará a letra do artigo 22.º/6, al. a) do EBF, ao contrário do que parece à Requerida.

            Com efeito, e crê-se ser, no que à matéria da literalidade diz respeito, suficientemente esclarecedor, o artigo 3.º/2/a) do CIRS aplicável, referente à tributação de rendimentos prediais no âmbito da categoria B de IRS, utiliza precisamente a mesma expressão do artigo 22.º/6, al. a) do EBF – “rendimentos prediais” – sem que se tenha conhecimento de qualquer entendimento que defenda que tais rendimentos deverão ser tributados nos termos ora sustentados pela AT.

            Face ao exposto, e encontrando-se provado que a Requerente apurou o  IRC do Fundo B... de acordo com a sua contabilidade, e que a  mesma foi validada pela AT, que não lhe detectou incorreções, atento o erro de direito verificado, deverá ser anulada a liquidação de IRC objecto da presente acção arbitral, bem como a liquidação de juros que naquela assenta, e, nos termos do artigo 24.º/1/b) do RJAT, devolvidos à Requerente os valores pagos no respectivo processo de execução fiscal, procedendo assim o pedido.

 

*

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

  1. Anular a liquidação adicional de IRC n.º 2016... e a demonstração da liquidação de juros n.º 2016...;
  2. Condenar a Requerida na restituição dos valores pagos pela Requerente no processo de execução fiscal n.º ...2016...;
  3. Condenar a Requerida nas custas do processo, no montante abaixo fixado.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 87.163,73, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.754,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela AT, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 21 de Agosto de 2018

 

O Árbitro Presidente

 

 

 

(José Pedro Carvalho)

 

O Árbitro Vogal

 

 

(Sofia Ricardo Borges)

 

O Árbitro Vogal

 

(José Ramos Alexandre)

 

 



[1]  Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.

[2]  O que, de resto, foi reafirmado pela redacção dada pelo  DL n.º 7/2015, de 13 de Janeiro ao artigo 22.º do EBF, que no n.º 1 passou a dispor que “São tributados em IRC, nos termos previstos neste artigo, os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.” (sublinhado nosso).