Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 610/2017-T
Data da decisão: 2018-09-17  IRC  
Valor do pedido: € 1.058.232,66
Tema: IRC - SGPS; Artigo 32.º do EBF; Revogação; Circular 7/2004 - Vinculação.
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ACÓRDÃO ARBITRAL

  1. RELATÓRIO

1.A A..., S.A., pessoa coletiva n.º..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa com o mesmo número, com sede na ..., n.º..., ...– ... Lisboa, com o capital social de € 3.656.537.715 (na qualidade de sociedade dominante do Grupo B...), sujeita ao Regime de Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (abreviadamente “RETGS”), doravante designada por Requerente, apresentou o pedido de pronúncia arbitral no dia 22 de novembro de 2017, sendo demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante designada por Requerida ou AT.

A Requerente solicita a declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, a anulação parcial da autoliquidação de IRC do exercício de 2014, bem como o pagamento de juros indemnizatórios sobre o montante do imposto pago em excesso em virtude da não consideração do gasto de € 1.058.232,66, uma vez que a AT desatendeu a dedução de encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais nos exercícios de 2008 a 2013

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou como árbitro-presidente, a Senhora Conselheira Maria Fernanda Maçãs, e como co-árbitros a Dra. Cristina Coisinha e a Dra. Vera Figueiredo (árbitros vogais) as quais comunicaram a aceitação da designação dentro do prazo.

As partes foram notificadas da designação dos árbitros não tendo arguido qualquer impedimento.

No dia 6 de fevereiro de 2018 ficou constituído o tribunal arbitral.

2.A fundamentar a sua pretensão, a Requerente alega, em síntese, que:

  1. Se encontra sujeita ao Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (doravante apenas designado «RETGS») desde o exercício de 2001, sendo a sociedade dominante do Grupo, o qual incluía, em 2014, para além da Requerente, 31 outras sociedades;
  2. Nesse período esteve abrangida pelo regime previsto no artigo 32.º do EBF, nos termos do qual podia beneficiar de uma isenção de mais-valias na venda de participações sociais detidas há mais de um ano (entre outras condições), mas que limitava a dedução de encargos financeiros (juros de financiamento) incorridos com a aquisição das referidas participações;
  3. Ao longo dos exercícios de 2008 a 2013 recorreu a financiamentos com vista a adquirir participações noutras sociedades e, em cumprimento do regime vigente à data, não procedeu à dedução dos juros suportados e acresceu ao seu lucro tributável o montante global de € 1.058.232,66;
  4. Na liquidação respeitante ao exercício de 2014 não foi reconhecido como gasto do período o montante dos encargos financeiros não deduzidos pela C... relacionados com aquisições de participações sociais entre os exercícios de 2008 e 2013;
  5. A não dedutibilidade de tais encargos financeiros resulta da doutrina administrativa vertida na Circular n.º 7/2004, de 30 de março de 2004, da Direção de Serviços do IRC;
  6. Por força da aplicação da metodologia de cálculo decorrente da Circular n.º 7/2004, durante o acima mencionado período a Requerente não deduziu os juros suportados no montante de € 1.058.232,88, antes pelo contrário, acresceu tal quantia ao cômputo do seu lucro tributável ao longo dos exercícios (de 2008 a 2013), suportando anualmente um incremento da sua matéria coletável;
  7. A Circular n.º 7/2004 é contrária ao princípio da especialização e da homogeneidade entre custos e os rendimentos sujeitos a imposto, uma vez que as SGPS deviam deduzir anualmente os encargos financeiros suportados com a aquisição de participações mas apenas quando as participações em causa fossem alienadas poderiam ser acrescidas à matéria coletável;
  8. As participações não foram transmitidas em momento anterior à revogação do regime fiscal das SGPS (31 de dezembro de 2013), tendo a Requerente passado a deduzir os encargos financeiros suportados anualmente em razão dos financiamentos contraídos para a aquisição de participações, sem que tivesse apurado qualquer mais-valia não tributada, a partir de 1 de janeiro de 2014;
  9. A Requerente sustenta a possibilidade de reclamar em 2014 a dedutibilidade dos juros que se viu impossibilitada de deduzir em 2013, pois a revogação do regime fiscal das SGPS em 2014 dispôs sobre o conteúdo da relação jurídica de imposto aplicando-se, por isso, às relações constituídas que subsistam à data da sua entrada em vigor[1];
  10.  Com a revogação do regime fiscal das SGPS, tendo a Requerente mantido as participações em questão sem ter beneficiado da não tributação de quaisquer eventuais mais-valias, deixaram de estar reunidos os requisitos para a não dedutibilidade dos encargos financeiros incorridos com os financiamentos para a aquisição dessas participações, em clara violação dos princípios da tributação pelo lucro real e da igualdade;
  11. A não consideração desses custos constitui uma entorse ao princípio constitucional da igualdade tributária;
  12. O regime fiscal em apreço não excluía a eventualidade de correção dos custos não deduzidos em períodos tributários anteriores, caso a alienação das participações não revestisse os requisitos para a aplicação do regime especial de exclusão de tributação das mais-valias;
  13. Aliás conforme refere o ponto 6 da Circular 7/2004, de 30 de março, da DSIRC, “Caso se conclua, no momento da alienação das participações, que não se verificam todos os requisitos para aplicação daquele regime, proceder-se-á, nesse exercício, à consideração como custo fiscal dos encargos financeiros que não foram considerados como custo nos exercícios anteriores;
  14. Os requisitos de aplicação do regime da Participation Exemption, introduzido no Código do IRC através da Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, são substancialmente diferentes da anterior regra de isenção das mais-valias das SGPS, cujo regime foi consumido e, na prática consistiu num alargamento do atual regime a todas as sociedades, independentemente do estatuto de SGPS ou SCR;
  15. A dedutibilidade do gasto fiscal dos encargos financeiros deixou de sofrer qualquer limitação para além da limitação geral à dedutibilidade dos encargos financeiros válido para a generalidade dos encargos financeiros suportados pelas empresas e não para os encargos financeiros contraídos para a aquisição de participações;
  16. A introdução deste regime não deve afetar a legitimidade das SGPS para deduzir os encargos financeiros que foram por estas acrescidos em exercícios anteriores, ao abrigo do revogado artigo 32.º do EBF.

Nesta sequência, pede a Requerente:

a) a declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa;

b) a anulação parcial da autoliquidação de IRC do exercício de 2014;

c) e a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios que se mostrem devidos.

3. Notificada para o efeito, a AT apresentou resposta, defendendo a manutenção do ato tributário sindicado e pedindo a absolvição do pedido, alegando o seguinte:

  1. O n.º 2 do Art.º 32.º do EBF estatuía que não concorriam para a determinação do lucro tributável as mais-valias e menos-valias fiscais realizadas pelas SGPS na alienação de partes sociais, verificadas determinadas condições, mormente, desde que estas participações fossem detidas por período não inferior a um ano;
  2. Por outro lado, também os encargos financeiros suportados pelas SGPS para a aquisição dessas participações sociais não concorriam para a determinação do lucro tributável;
  3. O regime fiscal da tributação das SGPS visava atribuir maior competitividade através da isenção de tributação em sede de IRC, das mais-valias realizadas, verificadas determinadas condições, por outro lado procedeu ao alargamento da base tributável, por via da desconsideração dos encargos financeiros que estavam na base da aquisição das participações sociais;
  4. Alega a entidade Requerida que foi emitida  uma orientação interpretativa[2] no sentido de impor a indedutibilidade dos encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital, logo que eles fossem incorridos independentemente da (eventual) aplicabilidade futura da isenção prevista para as mais-valias geradas pelas partes de capital com que se conexionam os referidos encargos financeiros;
  5. A invocação da ilegalidade da Circular n.º 7/2004 não pode constituir fundamento para a violação do regime do Artigo 32.º, n.º 2, do EBF, traduzido no não acréscimo ao resultado líquido do exercício dos encargos financeiros imputáveis a partes de capital;
  6. As SGPS estavam obrigadas a proceder à afetação dos encargos financeiros à aquisição de partes de capital, recorrendo a um método direto ou indireto, sendo de privilegiar o método da afetação direta e só na impossibilidade de utilização do mesmo recorrer supletivamente a um método indireto (o preconizado na Circular ou outro);
  7. É inconstitucional o Art.º 32.º, n.º 2 do EBF quando interpretado no sentido de que, sendo inaplicável, porque ilegal, a Circular n.º 7/2004, todos e quaisquer encargos financeiros suportados com financiamentos relacionados com aquisições de participações sociais são dedutíveis, independentemente da prova promovida, porquanto violador do princípio da capacidade contributiva, ínsito no artigo 104.º, n.º 2, da CRP;
  8. A Requerente não pode pretender deduzir os gastos com a aquisição de participações sociais com base no referido fundamento, pois a revogação do regime fiscal das SGPS não constitui um requisito para a sua desaplicação relativamente a fatos ocorridos na sua vigência;
  9. A revogação do regime fiscal das SGPS não pode ser equiparado à situação de falta de preenchimento de requisitos para a aplicação do regime de exclusão de tributação de mais-valias previsto no Art.º 32.º n.º 2 do EBF e, nessa medida, não constitui um requisito de desaplicação do Art.º 32.º do EBF relativamente a factos ocorridos na sua vigência;
  10. Não colhe, pois, apoio na letra da lei a equiparação entre a revogação do regime de tributação das SGPS e a situação de falta de preenchimento dos requisitos para a aplicação do regime de exclusão de tributação das mais-valias previsto no n.º 2 do Art.º 32.º do EBF, até porque os encargos financeiros ocorreram inteiramente no âmbito de aplicação temporal do regime fiscal das SGPS, que se encontrava previsto no Art.º 32.º EBF;
  11. A pretensão do Requerente é ilegal, na medida em que viola o princípio da especialização dos exercícios consignado no artigo 18.º do CIRC – no sentido de que os custos devem ser deduzidos no exercício em que foram incorridos – e leva à violação do princípio do lucro pelo rendimento real;
  12. Aos encargos vencidos até 31.12.2013, na esfera da SGPS, aplica-se o regime especial previsto no n.º 2 do Art.º 32 do EBF, estando as mais-valias geradas isentas de tributação caso essas participações fossem alienadas até ao final do exercício de 2013;
  13. Não obstante o Art.º 32.º do EBF ter sido revogado, a isenção de tributação de mais-valias continuou a ser consagrado no regime designado por “participation exemption (artigo 51.º-C do CIRC), desde que cumpridos os requisitos nele prevenidos, p.i., qualquer transmissão de participações sociais que ocorra na sua vigência recebe o mesmo tratamento fiscal que receberia caso ainda vigorasse o artigo 32.º do EBF;

4. Por despacho, de 13 de março de 2018, por não ter sido requerida a produção de prova e ressalvando a hipótese de as partes desejarem produzir alegações orais, foi dispensada a reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT e convidadas as mesmas a apresentar alegações escritas com carácter sucessivo. Foi fixado o dia 6 de agosto de 2018 como prazo limite para prolação da decisão arbitral, posteriormente prorrogado, por despacho de 30 de julho, para o dia 6 de outubro de 2018.

5.As partes apresentaram alegações escritas. Em sede de alegações a AT reiterou a argumentação defendida na contestação no sentido da inconstitucionalidade da interpretação do Art.º 32.º n.º 2 do EBF, quando interpretado no sentido da inaplicabilidade do disposto neste artigo, na parte relativa à indedutibilidade dos encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital, quando não seja possível proceder à sua afetação específica, decorrendo de tal norma legal a exigência de que, direta ou indiretamente, o financiamento seja destinado às referidas aquisições, porquanto tal é violador do princípio da igualdade tributária e do princípio da capacidade contributiva ínsitos nos artigos 13.º, 103.º e 104.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.

 

 

  1. SANEAMENTO

6.1.O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.

6.2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de Março.

6.3. O processo não enferma de nulidades.

6.4 Não se verificam quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.  

 

  1. Do MÉRITO

III.1. MATÉRIA DE FACTO

7.1. Factos que se consideram provados

  1. A Requerente encontra-se sujeita ao Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades («RETGS»), sendo a sociedade dominante do Grupo desde 2001(Cfr. PA junto aos autos);
  2. No exercício de 2014 o grupo integrava, para além da Requerente, 31 outras sociedades, de entre as quais a C... SGPS, S.A. que é detida pela D..., S.A. sendo esta última, por sua vez, detida pela Requerente;
  3. A C... tem como objeto social a gestão de participações noutras sociedades como forma indireta de exercício de atividades económicas encontrando-se, por isso, sujeita ao Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro, o qual define o regime jurídico das sociedades gestoras de participações sociais e, bem assim, ao disposto no artigo 32.º do EBF, em vigor até 31 de Dezembro de 2013;
  4. A C... apenas passou a ser abrangida pelo perímetro do grupo do qual a Requerente é a sociedade dominante em 2009. (Cfr. Artigo 14.º do Requerimento inicial - confissão da Requerente);
  5. No âmbito da sua atividade de gestão de participações sociais e com o intuito de adquirir participações noutras entidades, no exercício de 2008, a C... foi financiada por suprimentos da sua sócia única D..., S.A., suprimentos esses que venciam juros (cfr. doc. n.º 7 junto pela Requerente);
  6. Em 2008 a C... adquiriu uma participação na E..., no montante de € 927.599 (cfr. doc. n.º 8 junto pela Requerente);
  7. Nesse mesmo ano, a C... adquiriu uma participação da F... no montante de € 285.927, (cfr. doc. n.º 8 junto pela Requerente);
  8. No exercício de 2008, por aplicação da fórmula de cálculo definida na Circular n.º 7/2004, a C... acresceu o montante de € 7.579,14 ao seu lucro tributável, decorrente de encargos financeiros suportados em virtude do financiamento contraído para aquisição de participações na E... e na F... (cfr. doc. n.º 2 junto com o PA);
  9. Em 2009, a C... aumentou o capital subscrito naquelas duas entidades (a E... e a F...) (cfr. doc. n.º 10 junto pela Requerente);
  10. No exercício de 2009 acresceu ao seu lucro tributável o montante de € 73.957,42, decorrente de encargos financeiros suportados em virtude do financiamento contraído para aquisição de participações na E... e na F... (Cfr. Doc. n.º 3 junto com o PA);
  11. Em 2010 a C... voltou a aumentar o capital subscrito na E... e na F... (cfr. doc. n.º 12 junto pela Requerente);
  12. Ainda em 2010, a C... veio a adquirir, numa operação de aumento de capital da G..., uma primeira participação nesta sociedade (cfr. doc. n.º 12 junto pela Requerente);
  13. No exercício de 2010, por aplicação da fórmula de cálculo definida na Circular n.º 7/2004, a C... acresceu o montante de € 143.158,43 ao lucro tributável (cfr. doc. n.º 4 junto com o PA);
  14. No exercício de 2011 a C... subscreveu mais capital na E... e na F... e adquiriu uma participação de capital na H... (Cfr. Doc. n.º 14 junto pela Requerente);
  15. Neste exercício (de 2011) a C... acresceu o montante de € 207.461,10 ao seu lucro tributável, recorrendo à aplicação da fórmula de cálculo definida na Circular n.º 7/2004 (Cfr. Doc. n.º 5 junto com o PA);
  16. No exercício de 2012 a C... subscreveu mais capital na E... e na F..., reforçou o investimento na H... e I... por força de aumento de capital (cfr. Doc. n.º 16 junto pela Requerente);
  17. E, no mencionado exercício, por aplicação da fórmula de cálculo definida na Circular n.º 7/2004, acresceu ao seu lucro tributável € 260.410,53 (cfr. Doc. n.º 6 junto com o PA);
  18. No ano de 2013 a C... realizou novas subscrições de capital da E... e na F..., o que se traduziu na atualização do valor das respectivas participações e reforçou o investimento na G... (cfr. Doc. n.º 18 junto pela Requerente);
  19. Neste ano adquiriu uma participação de capital na G... a uma entidade relacionada no montante de € 5.999.860;
  20. Por aplicação da fórmula de cálculo definida na Circular n.º 7/2004, no exercício de 2013 a C... acresceu o montante de € 365.666,13 ao seu lucro tributável (Cfr. Doc. n.º7 junto com o PA);
  21. No período compreendido entre 2008 e 2013 a C... acresceu ao lucro tributável encargos financeiros no montante total de € 1.058.232,66 (somatório dos acréscimos ao seu lucro tributável no período de 2008 a 2013);
  22. No final do período de 2014 a C... era titular de investimentos em empresas associadas nas sociedades G..., I... e J... e em investimento de capital de risco nas empresas K..., F..., H...(Cfr. Doc. n.º 8 junto com o PA);
  23. Em Maio de 2017 a Requerente deduziu reclamação graciosa do ato tributário de autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), requerendo a sua anulação parcial relativo ao período de tributação de 2014, consubstanciado na liquidação n.º 2016..., de 8 de junho de 2016 (Cfr. PA junto aos autos);

No âmbito do procedimento de reclamação a Unidade dos Grandes Contribuinte (UGC) produziu o projeto de decisão consubstanciado na Informação n.º 172-AIR2/2017, bem como a informação n.º 204-AIRA/2017, tendo indeferido o pedido formulado pela Requerente na reclamação (Cfr. PA junto aos autos).

 

 

7.2. Factos que não se consideram provados

Não existem quaisquer outros factos com relevância para a decisão arbitral que não tenham sido dados como provados.

 

7.3. Fundamentação da matéria de facto que se considera provada e não provada

            Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, de resto não contestados pelas partes.

 

III-2. DO DIREITO

A Requerente, sociedade dominante de um grupo tributado ao abrigo do RETGS de que fazia parte a C... SGPS, a qual nos exercícios de 2008 a 2013 manteve participações sociais noutras sociedades não tendo, por aplicação do n.º 2 do artigo 32.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (a seguir designado por EBF), conjugado com a Circular n.º 7/2004, procedido à dedução dos juros suportados com a aquisição das mesmas, em sede de IRC, vem defender que com a revogação daquele preceito, deixaram de estar reunidos os requisitos para a não dedutibilidade dos mesmos.

Assim, a Requerente pretende, por força da aplicação da referida Circular, em especial o seu n.º 6, deduzir em 2014 os juros com encargos financeiros que se viu impossibilitada de deduzir desde 2008 até 2013.

Por seu turno, defende a Requerida que carece de sentido a equiparação da revogação do regime fiscal da tributação das SGPS e a situação de falta de preenchimento dos requisitos, que tal regime exigia para efeitos de exclusão da tributação de mais-valias.

Assim sendo, a questão central a decidir consiste em determinar as consequências fiscais da revogação do artigo 32.º, n.º 2, do EBF relativamente às participações sociais detidas àquela data. Em particular, prende-se saber qual o tratamento fiscal a dar aos gastos financeiros incorridos pela C... desde 2008 a 2013 e imputados às referidas participações decorrentes da aplicação da limitação prevista no n.º 2 do artigo 32.º, de acordo com a aplicação que a Circular 7/2004, em especial, o seu n.º 6, fazia daquela norma.

A resposta à questão que vem posta exige que se comece por exposição, ainda que breve, sobre os normativos aplicáveis.

 

A1) Regime de tributação das SGPS em vigor até 31 de dezembro de 2013

O regime previsto no n.º 2 do artigo 31.º foi aditado pelo n.º 5 do artigo 38.º da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2003):

De acordo com o exposto no Relatório do Orçamento do Estado para 2003:

«(…) Principais alterações em sede de IRC:

• Alargamento da base tributável e medidas de moralização e neutralidade

− Estabelece-se a desconsideração da dedutibilidade, para efeitos de determinação do lucro tributável, dos encargos de natureza financeira directamente associados à aquisição de partes sociais por parte das SGPS;

− O regime de exclusão das menos-valias em partes sociais deixa de ser aplicável às SGPS e às aquisições onerosas de participações sociais efectuadas entre sociedades e entidades domiciliadas em países e territórios que integrem a lista de “paraísos fiscais” ou com as quais existam relações especiais; (…)

• Regime das mais-valias

− Isentam-se de IRC as mais-valias realizadas pelas SGPS e pelas SCR com a alienação de partes de capital, seguindo-se, neste particular, o regime holandês. Todavia, adoptam-se medidas conducentes a evitar o planeamento fiscal ao determinar a tributação dessas mais-valias sempre que as mesmas resultem da transmissão de partes sociais adquiridas, em certas circunstâncias, a off-shores ou a empresas com as quais haja relações especiais.(…)».

Tratou-se, assim, de promover uma alteração do regime de tributação das mais-valias das SGPS’s, seguindo numa ótica de reforço da competitividade dessas sociedades uma tendência comum à maioria dos países da União Europeia, nomeadamente o regime holandês, ao consagrar um regime de desconsideração (não sujeição) de mais-valias realizadas com participações sociais, bem como dos encargos financeiros diretamente associados a essas participações sociais.

O regime previsto no artigo 31.º do EBF passou a constar do artigo 32.º na renumeração operada pelo Decreto-lei n.º 108/2008 de 26 de junho:

art32_2008

Tendo a redação do n.º 2 do artigo 32.º sido alterada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2012), passando a ter a seguinte redação:

art32_2011

No que respeita às SGPS’s, o regime previsto no n.º 2 do artigo 32.º manteve-se inalterado desde 2003.

O sentido e alcance do preceito não foi pacífico, como se pode ver pelo consignado no Acórdão Arbitral proferido no processo n.º 258/2015-T “(…) a referida não-dedutibilidade de encargos e menos-valias pretendia jogar simetricamente com o facto de as mais-valias realizadas pelas SGPS terem passado a estar isentas de concorrerem para a formação do lucro tributável em IRC – o que resulta do Relatório do Orçamento do Estado para 2003, no qual, sob o título "Principais alterações em sede de IRC," e com a epígrafe "Alargamento da base tributável e medidas de moralização e neutralidade", se aponta a isenção de tributação em IRC das mais-valias realizadas pelas SGPS com a alienação de partes de capital detidas há mais de um ano, como uma medida associada ao estabelecimento de regime de desconsideração da dedutibilidade, para efeitos de determinação do lucro tributável de tais sociedades, dos encargos de natureza financeira directamente associados à aquisição das participações sociais correspondentes – tudo procurando constituir medidas conducentes a evitar o planeamento fiscal abusivo, aproximando o regime nacional do modelo holandês (visando-se com isso conferir maior competitividade ao regime fiscal nacional e ao mesmo tempo promover-se o alargamento da base tributável)” [3].

“Por outras palavras, o objectivo do regime instituído em 2003 foi o de contrabalançar a atribuição de um benefício – a exclusão total de tributação das mais valias – com a não concorrência de certos encargos financeiros suportados, criando um ambiente de neutralidade entre os eventuais ganhos com determinados activos (certas imobilizações financeiras) e o passivo necessário à criação das condições para a obtenção de tais ganhos, isto é, o passivo relacionado com a aquisição de tais participações.”[4]

“No fundo, o legislador não quis que se cumulassem dois benefícios: as SGPS já viam as suas mais-valias de partes de capital ficarem isentas de imposto; pelo que, quando tal sucedesse, não poderiam elas cumular com o benefício de aceitação fiscal dos juros suportados com o financiamento para a aquisição dessas partes de capital.”[5]

Tendo-se suscitado dúvidas de interpretação relativamente a alguns aspetos do regime fiscal aplicável às SGPS, previsto no então artigo 31º do EBF, a Direção de Serviços do IRC sancionou o seguinte entendimento, através da emissão da Circular 7/2004, da qual destacamos os seguintes parágrafos pelo interesse que têm na presente causa:

«(…) Aplicação temporal do novo regime

4 .O n.º 5 do art.º 38.º da Lei n.º 32-B/2002, por sua vez, prescreve que "a alteração introduzida no art.º 31.º do EBF aplica-se às mais-valias e às menos-valias realizadas nos períodos de tributação que se iniciem após 1 de Janeiro de 2003, sem prejuízo de se continuar a aplicar, relativamente à diferença positiva entre as mais-valias e as menos-valias realizadas antes de 1 de Janeiro de 2001, o disposto nas alíneas a) e b) do n.º 7 do artigo 7º da Lei nº 30-G/2000, de 29 de Dezembro, ou, em alternativa, no n.º 8 do artigo 32.º da Lei nº 109-B/2001, de 27 de Dezembro."

5.Assim, no que concerne ao âmbito de aplicação temporal do novo regime e aplicável aos encargos financeiros suportados nos períodos de tributação iniciados após 1 de Janeiro de 2003, ainda que sejam relativos a financiamentos contraídos antes daquela data.

 

 

Exercício em que deverão ser feitas as correcções fiscais dos encargos financeiros

6.Relativamente ao exercício em que deverão ser desconsiderados como custos, para efeitos fiscais, os encargos financeiros, dever-se-á proceder, no exercício a que os mesmos disserem respeito, à correcção fiscal dos que tiverem sido suportados com a aquisição de participações que sejam susceptíveis de virem a beneficiar do regime especial estabelecido no n.º 2 do art.º 31º do EBF, independentemente de se encontrarem já reunidas todas as condições para a aplicação do regime especial de tributação das mais-valias. Caso se conclua, no momento da alienação das participações, que não se verificam todos os requisitos para aplicação daquele regime, proceder-se-á, nesse exercício, à consideração como custo fiscal dos encargos financeiros que não foram considerados como custo em exercícios anteriores.

Método a utilizar para efeitos de afectação dos encargos financeiros às participações sociais

7. Quanto ao método a utilizar para efeitos de afectação dos encargos financeiros suportados à aquisição de participações sociais, dada a extrema dificuldade de utilização, nesta matéria, de um método de afectação directa ou específica e à possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria, deverá essa imputação ser efectuada com base numa fórmula que atenda ao seguinte: os passivos remunerados das SGPS e SCR deverão ser imputados, em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados por estas concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afectando-se o remanescente aos restantes activos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição. (…)».

 

A2) Regime de tributação das SGPS a partir de 1 de janeiro de 2014

Entre 2012 e 2014 sucederam-se várias alterações legislativas em sede de tributação de sociedades.

Com relevo para o caso em apreço, a Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro), revogou o artigo 32.º do EBF. O artigo 210.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2014), sob a epígrafe “Norma revogatória no âmbito do Estatuto dos Benefícios Fiscais” limitou-se a estatuir o seguinte: “São revogados o artigo 32.º, os n.os 1 e 2 do artigo 32.º-A e 4 a 7 do artigo 41.º, o artigo 42.º e a alínea b) do n.º 5 e os n.os 9 a 11 do artigo 60.º do EBF, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de julho.”

No Relatório do Ministério das Finanças sobre o Orçamento do Estado para 2014 não se encontram notas justificativas sobre a revogação do regime de tributação das SGPS’s, as quais se encontram no Relatório Final da Comissão para a Reforma do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, datado de 30 de junho de 2013 a propósito da entrada em vigor do novo regime de participation exemption:

“(…) Numa preocupação de escopo diametralmente oposto, a adoção do novo regime de participation exemption veio tornar redundantes, na perspetiva da Comissão de Reforma, diversos regimes fiscais especiais atualmente existentes. Por esta razão, propõe-se a eliminação dos seguintes regimes: (…)

c) uma vez que o novo regime também consome o regime fiscal previsto para as SGPS, e atendendo a que estas não lograram atingir o objetivo originariamente proposto de se afirmarem como veículo de investimento fiscalmente competitivo no plano internacional, propõe-se a eliminação do artigo 32.º do EBF, recomendando ainda que seja extinto o regime jurídico-societário destas entidades, hoje previsto no Decreto-lei n.º 495/88, de 30 de dezembro; por razões de idêntica natureza, julga-se apropriada a revogação do artigo 32.º-A (sociedade de capital de risco e investidores de capital de risco) do mesmo EBF; (…).

Despesa fiscal decorrente da exclusão de tributação aplicável às mais-valias e menos-valias obtidas por sociedades gestoras de participações (SGPS), sociedades de capital de risco (SCR) e investidores de capital de risco (ICR)

A criação de um regime de participation exemption, justificada neste relatório no respetivo Capítulo f., traduzir-se-á na transposição para o Código do IRC de um modelo de tributação dos rendimentos de partes de capital que mantém, no essencial, as vantagens que o Estatuto dos Benefícios Fiscais concedia a este tipo de entidades.

Acresce que é entendimento da Comissão que a eliminação deste regime não se traduziria na captação de um montante equivalente de receita fiscal, na medida em que, na sua ausência, um número elevado das operações que dele beneficiam não seriam concretizadas, ou o seriam por vias que, usando configurações alternativas, produziriam resultados idênticos.(…)”.

A reforma do IRC viria a constar da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, a qual veio a aditar ao Código do IRC o artigo 51.º-C, que prevê um regime de desconsideração de mais e menos-valias realizadas com a alienação onerosa de participações sociais por sociedades residentes, verificados determinados requisitos, aplicável a todos os tipos de sociedades, SGPS’s ou não.

Como resulta do Relatório da Comissão de Reforma do IRC, a eliminação do regime das SGPS’s esteve sempre relacionado com a entrada em vigor do regime de participation exemption, motivo pelo qual o intérprete não pode desligar os dois acontecimentos legislativos, a revogação do regime de tributação das SGPS’s e a introdução do regime de participation exemption previsto no novo artigo 51.º-C do Código do IRC. É assim sobretudo no que respeita ao ponto de vista da continuidade dos regimes de exclusão de tributação de mais e menos-valias de participações sociais. No que concerne aos encargos financeiros, a revogação do artigo 32.º do EBF implica a aplicação às SGPS do regime de dedução de encargos financeiros previsto nos artigos 23.º e 67.º do Código do IRC.

Ou seja, com a revogação do artigo 32.º do Código do IRC, as SGPS, nomeadamente a C... SGPS SA passou a beneficiar de um regime de:

  • não sujeição a tributação de mais e menos-valias de participações sociais previsto no artigo 51.º-C do Código do IRC;
  • dedução de encargos financeiros nos termos do regime geral de dedutibilidade de gastos indispensáveis para a atividade sujeita a imposto, previsto no artigo 23.º, mas com as limitações previstas no artigo 67.º do Código do IRC.

 

Com relevo para o caso em apreço importa realçar que não se previram normas transitórias para a situação de revogação de benefícios fiscais, contrariamente a outras situações de revogação e alteração legislativa, que mereceram a atenção do legislador.

Com efeito, no artigo 12.º da Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, o legislador dispôs sobre alguns efeitos dos atuais requisitos de aplicação do artigo 51.º-C do Código do IRC relativamente às situações pré-existentes:

“3 - O disposto no artigo 51.º-C do Código do IRC, na redação dada pela presente lei, é aplicável à parte da diferença positiva entre as mais-valias e as menos-valias, realizadas antes de 1 de janeiro de 2001, ainda não incluída no lucro tributável nos termos do disposto nas alíneas a) e b) do n.º 7 do artigo 7.º da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de dezembro, ou do n.º 8 do artigo 32.º da Lei n.º 109-B/2001, de 27 de dezembro, quando o reinvestimento tenha sido concretizado, no respetivo prazo legal, na aquisição de partes sociais. (…)

12 - Para efeitos do cálculo da percentagem a que se refere o n.º 4 do artigo 51.º-C do Código do IRC apenas se consideram os imóveis adquiridos em ou após 1 de janeiro de 2014. (…)

14 – O novo prazo previsto nos artigos 14.º, 51.º, 51.º-A, 51.º-C e 91.º-A do Código do IRC, na redação resultante da presente lei, aplica-se às participações detidas à data de entrada em vigor da presente lei, bem como às participações que venham a ser adquiridas em momento posterior, computando-se na contagem daquele prazo o período decorrido até aquela data.” (sublinhado nosso). Recorde-se a norma transitória da Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, acima transcrita, em que o legislador veio dispor sobre a aplicação da lei nova a situações pré-existentes.

Assim, no caso de aplicação do novo regime de participation exemption, o legislador veio determinar que o novo prazo de detenção das participações sociais se aplicaria às participações detidas à data de entrada em vigor da presente lei (e às adquiridas posteriormente), relevando o período de detenção  que já tivesse decorrido até à data de entrada em vigor da lei nova.

Pelo que, o legislador não ignorou que a entrada em vigor da Reforma do Código do IRC poderia ter efeitos em relações jurídicas pré-existentes, que começaram a produzir efeitos ao abrigo da lei antiga que se prolongavam no domínio da lei nova. Mas, ainda assim, no caso da revogação do artigo 32.º do EBF o legislador optou por não salvaguardar quaisquer efeitos.

Da mesma forma, também havia estabelecido um período transitório para a aplicação do limite à dedução dos encargos financeiros (70% em 2013, 60 % em 2014, 50 % em 2015, 40 % em 2016 e 30 % em 2017).

 

  1. Impacto da revogação do artigo 32.º do EBF relativamente aos encargos financeiros suportados entre 2008 e 2013

Como vimos, no caso sub judice, a C... SGPS esteve entre 2008 e 2013 abrangida pelo regime previsto no artigo 32.º do EBF, nos termos do qual seriam desconsideradas:

i)          as mais e menos-valias realizadas com a alienação de participações sociais detidas há mais de um ano (entre outras condições);

ii)         encargos financeiros (juros de financiamento) incorridos com a aquisição das referidas participações.

Como resulta dos factos dados como provados, a C... SGPS que, à data das autoliquidações de IRC de 2008 a 2013, inclusive, era uma SGPS, não tendo alterado a sua forma jurídica, estava, de acordo com o disposto no artigo 32.º do EBF, sujeita a regime especial de tributação, que lhe permitia beneficiar da não tributação em sede de IRC de eventuais mais-valias, mas que também não admitia a dedução de menos-valias, nem de encargos financeiros incorridos com a aquisição dessas mesmas participações sociais.

Com revogação do regime fiscal das SGPS’s pela Lei do Orçamento do Estado para 2014, pretende a Requerente deduzir os encargos incorridos entre 2008 e 2013, na declaração modelo 22 de 2014. Para tanto, socorre-se, entre o mais, da interpretação administrativa vertida na parte final do parágrafo 6 da Circular 7/2004 e do disposto no artigo 12.º do Código Civil.

 

Vejamos.

B.1) Da não aplicação ao caso em apreço da norma do n.º 6 da Circular n.º 7/2004

Em primeiro lugar, independentemente do valor jurídico da referida circular, a situação dos autos não se inscreve na previsão da norma do parágrafo 6 da referida Circular, em especial, da segunda parte, cujo teor, recorde-se, é o seguinte “(…) “Caso se conclua, no momento da alienação das participações, que não se verificam todos os requisitos para aplicação daquele regime, proceder-se-á, nesse exercício, à consideração como custo fiscal dos encargos financeiros que não foram considerados como custo em exercícios anteriores.”

Com efeito, assiste, neste aspeto razão à Requerida no sentido de que a revogação só por si do regime fiscal das SGPS não pode ser equiparado à situação de falta de preenchimento de requisitos para a aplicação do regime de exclusão de tributação de mais-valias previsto no artigo 32.º, n.º 2, do EBF, não constituindo, nessa medida, um requisito de desaplicação do artigo 32.º, n.º 2, do EBF relativamente a factos ocorridos na sua vigência.

Realce-se que uma das condições exigidas para a aplicação da referida norma é “o momento da alienação das participações”, condição relevante atendendo ao binómio incindível subjacente ao artigo 32.º, n.º 2, do EBF, entre encargo financeiro não dedutível/realização de mais-valias isenta.

No caso em apreço esse binómio não existe. Existem apenas encargos financeiros não dedutíveis, dado que a Requerente não terá alienado até essa data as participações financeiras. Por conseguinte, não se verifica a condição essencial de que depende a aplicação do n.º 6 da Circular 7/2004: alienação de participações financeiras que pudesse beneficiar do regime do n.º 2 do artigo 32.º do EBF até 2013.

Por outro lado, não são transponíveis para o caso dos autos os pressupostos em que assentou o Acórdão Arbitral n.º 754/2016-T, invocado pela Requerente nas alegações.

Com efeito, neste caso, o tribunal arbitral pronunciou-se no sentido de que uma sociedade poderia ter considerado como gasto no exercício de 2013 os encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais, que desconsiderou nos exercícios de 2003 a 2012, na medida em que deixou de ser uma SGPS, a partir do exercício de 2013, inclusive. Assim sendo, concluiu-se que naquele exercício deixou de ser possível ser tributada segundo o regime previsto no artigo 32.º, n.º 2, do EBF.

A este propósito pode ler-se no mencionado Acórdão que “(…) A doutrina da referia Circular, embora refira o momento da alienação como aquele em que se pode concluir pela verificação ou não de todos os requisitos de aplicação do regime  deve ser entendida, por interpretação declarativa, como admitindo a aplicação desse entendimento às situações em que se possa concluir, antes do momento da alienação, que o regime já não pode ser aplicado, pois o que é relevante para viabilizar a dedução dos encargos, é a conclusão segura de que não se verificam os requisitos de aplicação daquele regime.

Por isso, é de concluir, em sintonia com o entendimento a que a Administração Tributária está vinculada, que todos os encargos financeiros suportados entre 2003 e 2012, inclusive, com a aquisição de partes de capital detidas durante pelo menos um ano devem relevar como gastos do exercício de 2013, exercício em que se constata «que não se verificam todos os requisitos para aplicação daquele regime» e por isso, «proceder-se-á, nesse exercício, à consideração como custo fiscal dos encargos financeiros que não foram considerados como custo em exercícios anteriores».

Pelo exposto não ocorre a referida consolidação na ordem jurídica dos encargos acrescidos pela Requerente nos exercícios de 2003 a 2011, nem a sua desconsideração no exercício de 2013 contende com o princípio da certeza e segurança jurídica que decorre do princípio do Estado de Direito democrático, proclamado no artigo 2.º da CRP.

Antes pelo contrário, o que contenderia com esse princípio, na vertente de protecção da confiança, seria não aplicar o regime previsto no referido n.º 6 da Circular, aos contribuintes que agiram em sintonia com o entendimento que a Administração Tributária decidiu adoptar, quanto a possibilidade de deduzir os encargos quando se viesse a verificar que não podia ser aplicado o regime referido. (...)

Na verdade, a regra aplicável à generalidade das sociedades que não são SGPS, é a da dedutibilidade de todos os encargos financeiros, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, na redacção anterior à Lei n.º 2 /2014, de 16 de Janeiro. Por isso, nada obsta a que a Requerente, precisamente por ter deixado de ser uma SGPS em 2013, possa deduzir neste exercício os encargos financeiros que não deduziu nos exercícios anteriores, pelo facto de ter adoptado o entendimento perfilhado pela Administração Tributária no ponto 6 da referida Circular. Com efeito, a não dedutibilidade dos encargos financeiros prevista na parte final do n.º 2 do artigo 32.º do EBF, nem constituía um «benefício fiscal» de que gozassem as SGPS, sendo antes um regime tributário penalizador, quando comparado com o regime geral de dedução de encargos financeiros. De qualquer forma, deixando de ser SGPS, tem direito a deduzir encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC. (…)”.

O mencionado Acórdão sem deixar de realçar igualmente como relevante o momento da alienação das participações sociais, conclui que, naquele caso, se estava perante uma situação equiparável, porquanto, tendo a sociedade em causa deixado de ser SGPS, se podia concluir que “antes do momento da alienação, que o regime já não pode ser aplicado, pois o que é relevante para viabilizar a dedução dos encargos é a conclusão segura de que não se verificam os requisitos de aplicação daquele regime.”.

Nesta sequência, tendo a sociedade deixado de ser uma SGPS e passado ao regime geral de tributação de sociedades, antes da entrada em vigor do regime da participation exception, o tribunal encontrou base para presumir com segurança que antes do momento da alienação o regime das SGPS já não lhe podia ser aplicado.

Acontece que, ainda que fosse de transpor para o caso dos autos aquela jurisprudência, por com ela se concordar, a verdade é que não há qualquer paralelismo entre a situação do Acórdão proferido no processo n.º 754/2016-T e a do caso em apreço.

No caso do Acórdão supra mencionado estava em causa, como vimos, uma SGPS que deixou de o ser, o que implicou a transição de um regime especial de tributação para o regime geral. Trata-se, desta forma, de uma situação caracterizada pela mutação de regimes de tributação, cabendo ao intérprete a responsabilidade de, interpretando um regime imutado, subsumir-lhe um caso particular.

Diferentemente, no caso dos autos, verifica-se a continuidade, quer quanto à forma de sociedade, quer quanto ao regime aplicável caracterizado, no essencial, pela generalização de um regime que antes era o específico das SGPS.

Com efeito, enquanto que no caso versado no Acórdão relativo ao processo n.º 754/2016-T, a sociedade em causa tendo deixado de ser SGPS deixou de poder beneficiar em especial da isenção de mais-valias, no caso em apreço, como vimos, o regime denominado participation exemption mantém no essencial o regime das SGPS consagrado no artigo 32.º, n.º 2, do EBF generalizando-o às demais empresas.  

Em síntese, quando uma SGPS deixava de ser SGPS e as demais sociedades não podiam beneficiar da isenção de mais-valias (que é o precedente que se invoca) podia fazer sentido acertar contas.

O mesmo se diria em caso de o regime ter sido suprimido.

Ora acontece que, no caso em apreço, o regime não foi suprimido, mas sim estendido no geral às sociedades qualquer que seja a forma jurídica adotada. 

Atento o exposto, independentemente de se concordar ou não com a jurisprudência sufragada, a verdade é que falham, no caso dos autos, as circunstâncias de facto e de direito que permitiram ao tribunal no acórdão supra referenciado presumir que estavam reunidos os pressupostos de aplicação da disposição administrativa do n.º 6 da Circular 7/2004. 

 

B.2) Valor jurídico das circulares 

A Circular 7/2004, tal como qualquer outra, não é, em geral, vinculativa para os Tribunais.  

Sobre o papel das circulares emitidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira no ordenamento jurídico-fiscal Português, versa o artigo 68.º-A da LGT, que estabelece que:

«1 - A administração tributária está vinculada às orientações genéricas constantes de circulares, regulamentos ou instrumentos de idêntica natureza, independentemente da sua forma de comunicação, visando a uniformização da interpretação e da aplicação das normas tributárias. (…)».

Daqui resulta que as circulares apenas têm eficácia vinculativa para a AT e efeitos meramente informativos para os contribuintes.[6]

Como já decidiu o STA no processo n.º 0364/2014, datado de 21-06-2017, a propósito do juízo de inconstitucionalidade sobre a Circular 7/2014, «(…) Ora o problema da relevância normativa das Circulares da Administração Tributária foi já colocado e apreciado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional nº 583/2009 e 42/14, de 18.11.2009 e de 09.12.2014, respectivamente, tendo aquele Tribunal decidido, com o que concordamos, que as prescrições contidas nas Circulares da Administração Tributária, independentemente da sua irradiação persuasiva na prática dos contribuintes, não constituem normas para efeitos do sistema de controlo de constitucionalidade cometido ao Tribunal Constitucional.

Como se sublinhou naquele primeiro aresto (Acórdão 583/2009) “[…] Esses atos, em que avultam as “circulares”, emanam do poder de auto-organização e do poder hierárquico da Administração. Contêm ordens genéricas de serviço e é por isso e só no respetivo âmbito subjetivo (da relação hierárquica) que têm observância assegurada. Incorporam diretrizes de ação futura, transmitidas por escrito a todos os subalternos da autoridade administrativa que as emitiu. São modos de decisão padronizada, assumidos para racionalizar e simplificar o funcionamento dos serviços. Embora indiretamente possam proteger a segurança jurídica dos contribuintes e assegurar igualdade de tratamento mediante aplicação uniforme da lei, não regulam a matéria sobre que versam em confronto com estes, nem constituem regra de decisão para os tribunais. A circunstância de a Administração Tributária ficar vinculada (n.º 1 do artigo 68.º-A da Lei Geral Tributária) às orientações genéricas constante de circulares que estiverem em vigor no momento do facto tributário e de ter o dever de proceder à conversão das informações vinculativas ou de outro tipo de entendimento prestado aos contribuintes em circulares administrativas, em determinadas circunstâncias (n.º 3 do artigo 68.º da LGT), não altera esta perspetiva porque não transforma esse conteúdo em norma com eficácia externa. É certo que o administrado pode invocar, no confronto com a administração, o conteúdo da orientação administrativa publicitada e, se for o caso, fazê-lo valer perante os tribunais, mesmo com sacrifício do princípio da legalidade (cfr. Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária, comentada e anotada, 3.ª ed., pág. 344). Mas é ao abrigo do princípio da boa fé e da segurança jurídica, não pelo seu valor normativo, que o conteúdo das circulares prevalece. O administrado só as acata se e enquanto lhe convier, pelas mesmas razões que justificam que possa invocar informações individuais vinculativas que o favoreçam (artigo 59.º, n.º 3, alínea e) e artigo 68.º da LGT).»

No mesmo sentido, o processo n.º 379/2017-T deste tribunal arbitral, datado de 22-11-2017: «As circulares apenas têm eficácia vinculativa para a Autoridade Tributária e Aduaneira, tendo efeitos externos apenas de natureza informativa para os contribuintes, que podem saber antecipadamente qual o entendimento que será por aquela adoptado. (…) Não sendo ilegal a emissão de circulares que interpretem diplomas legislativos com eficácia interna, a ilegalidade de actos em matéria tributária que apliquem os entendimentos nelas perfilhados não pode derivar da sua aplicação, em si mesma, mas, apenas, da ilegalidade desse entendimento em face do regime legal aplicável previsto no diploma legislativo interpretado.»

Feito este enquadramento, só a AT está vinculada ao teor da Circular 7/2004, mormente à disposição administrativa n.º 6 da mesma.

Donde decorre que nem os particulares nem os tribunais estão vinculados à interpretação administrativa que a Circular 7/2004 faz do disposto no n.º 2 do artigo 32.º do EBF.

Em suma, conforme resulta da jurisprudência dos tribunais superiores, a vinculação da Circular é meramente interna, pelo que a ser aplicável a interpretação a que se chegou, a mesma teria que resultar das regras gerais de interpretação e aplicação da lei no tempo, nomeadamente do disposto no artigo 12.º da LGT e artigo 12.º do Código Civil, e não da Circular.

Somente não será assim, conforme jurisprudência e doutrina uniformes, se a observância das circulares pelos administrados conduzirem a uma situação violadora dos princípios da boa-fé, da confiança e da segurança jurídica. O eventual relevo das circulares deriva, desta forma, não do seu valor normativo intrínseco, mas sim da violação autónoma de princípios jurídico-constitucionais.

Ora, no caso não se vislumbra que o SP possa beneficiar da invocação de tais princípios.

Com efeito, importa salientar a numerosa jurisprudência, quer do CAAD, quer dos Tribunais estaduais, sobre a ilegalidade das disposições administrativas da referida circular.

Em segundo lugar, também não se verifica qualquer situação de eventual violação dos princípios da boa-fé, da segurança jurídica e da proteção da confiança, uma vez que não se pode dizer que o regime de participation exemption rompa de forma inovadora com o anterior regime, que vigorava para as SGPS, consubstanciado nas regras do artigo 32.º dos EBF.

Muito pelo contrário.

Na verdade, o regime de não tributação das mais-valias continua, no essencial, a ser aplicável às SGPS, como - desde 2014 - às demais sociedades. Não é, portanto, por ter havido revogação do regime do artigo 32.º do EBF que a isenção de mais-valias deixa de poder ser aplicada. Como já ficou demonstrado, podemos dizer que com aquele regime o legislador se limitou, no essencial, a generalizar a todas as empresas um regime que antes era específico das SGPS, com a manutenção da isenção de tributação de mais- valias, desde que cumpridos os demais requisitos do artigo 51.º-C do CIRC e dedução de encargos ao abrigo da norma geral do artigo 23.º do CIRC. Assim, qualquer transmissão de participações sociais que ocorra na sua vigência recebe tratamento fiscal praticamente idêntico, senão mais favorável ao nível da dedução de encargos, que receberia caso ainda vigorasse o artigo 32.º do EBF.

O que o princípio da proteção da confiança exige é que no caso de não ser possível obter a vantagem (o que só se saberá no momento da alienação das participações sociais - ou, v.g., no momento do desaparecimento das entidades a que elas respeitam) se tenha então – mas só então - em conta os encargos financeiros suportados na sua aquisição. 

Assim sendo, quando muito, afigura-se plausível que a Requerente possa vir a poder deduzir os encargos financeiros relacionados com participações financeiras, não deduzidos nos exercícios de 2008 a 2013, no exercício em que a mesma aliene as participações sociais, se não vier a beneficiar, a final, de uma isenção de mais-valias previsto no artigo 51.º-C do Código do IRC. Só então se poderá equacionar a invocação a favor da pretensão da Requerente dos princípios constitucionais da igualdade, da tributação pelo lucro real e da proteção da confiança.

Com efeito, é esse o procedimento preconizado na Circular que, ao desconsiderar fiscalmente os encargos financeiros no exercício em que são suportados e ao diferir a sua dedução para o momento da alienação das participações, mais não está que a “determinar” a “imputação fiscal” dos encargos financeiros ao valor de aquisição das participações financeiras, de tal modo que, no momento da alienação, se houver isenção, não há qualquer correção a efetuar (o benefício corresponde à mais-valia, deduzida dos encargos financeiros imputados). Se houver sujeição a imposto, para determinação da mais-valia fiscal, o valor de aquisição das partes sociais deve incluir o valor dos encargos financeiros imputados, o que corresponde à sua aceitação como gasto no exercício da alienação (a tributação corresponde à mais-valia, deduzida dos encargos financeiros imputados).   

 

 

 

C) Da omissão de base legal para a dedução em 2014 dos encargos financeiros não deduzidos de 2008 a 2013

Para além das invocadas a pretensão da Requerente enfrenta ainda outros obstáculos.

Como ficou dito, no caso em apreço rege a lei nova que é precisamente o normativo do artigo 51.º-C do Código do IRC, a qual deveria aplicar-se ao Requerente caso tivesse realizado mais ou menos-valias com alienação das participações sociais descritas nos autos a partir de 2014. Relativamente aos encargos financeiros suportados a partir de 2014, também serão de aplicar as disposições em vigor desde 1 de janeiro de 2014, ou seja, dedução dos encargos financeiros ao abrigo da norma geral do artigo 23.º do Código do IRC, com a limitação prevista no artigo 67.º do Código do IRC.

É verdade que em relação aos encargos financeiros suportados até 2014, só a eventualidade de não virem a ser realizadas mais-valias permitirá, como adiante se verá, deduzir os gastos incorridos, mas essa é uma eventualidade incerta (dependente da desvalorização das participações sociais detidas em 2014), e é exatamente a mesma situação em que a Requerente estaria se o legislador não tivesse alterado o regime fiscal. Tendo-o feito de forma que lhe conferiu vantagens adicionais (a partir de 2014 pode beneficiar da isenção de mais-valias e da dedução dos encargos financeiros, nos termos gerais) não faz sentido pretender invocar para o passado uma argumentação que, por opção legislativa, só colhe para futuro.

Diga-se, aliás, que conceder provimento ao pedido da Requerente seria como que admitir ficar na disponibilidade do SP escolher o ano de dedução dos encargos, fora do quadro legal, quer anterior, quer vigente.

Por outro lado, seria também colocar a Requerente numa situação mais favorável do que a que decorria do regime do artigo 32.º, n.º 2, do EBF para as SGPS’s.  

Na verdade, no quadro do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, às SGPS apenas era permitido, no momento da alienação das participações sociais, deduzir os encargos (até esse momento incorridos) com a aquisição das mesmas, caso a vantagem obtida (a isenção de mais-valias) não pudesse ser obtida. 

Ora o que a Requerente pretende é, sem alienar as participações, deduzir desde já os encargos incorridos no passado com a aquisição de participações sociais, num quadro jurídico em vigor que lhe garante simultaneamente a isenção da tributação de eventuais mais-valias que possa vir a obter.

O que significaria favorecer a Requerente em relação a todas as demais SGPS que não tenham formulado pretensão idêntica. 

Acresce que, ao contrário da pretensão da Requerente o regime ora aplicável a partir de 1 de Janeiro de 2014 não viola o princípio da igualdade.

Se não vejamos.

Todas as SGPS que transitem de um regime para o outro enquanto tais (ie: que fossem SGPS antes e depois dessa mudança de regime) estão na mesma situação da Requerente. Todas, portanto, terão visto os seus lucros tributáveis aumentados na medida da não dedução dos encargos com a aquisição de participações sociais e beneficiaram da isenção das mais-valias.

Já às restantes empresas foi aceite a dedução fiscal dos encargos financeiros, mas não beneficiaram da isenção das mais-valias.

É certo que relativamente às participações em carteira, que beneficiarão de isenção numa futura transmissão, sejam ou não detidas por SGPS, os encargos financeiros suportados para a sua aquisição não foram deduzidos pelas SGPS e foram deduzidos pelas restantes empresas.

Todavia, a possibilidade de, a pretexto de uma mudança de regime, se vir permitir agora o que não era permitido antes – que é o que a Requerente reclama –, criaria uma situação de eliminação retroativa de parte do regime das SGPS, precisamente a que é desfavorável às SGPS, isto é, a desconsideração dos encargos financeiros. 

Ou seja: as SGPS tiveram, entre a entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2003 e a entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014, um regime fiscal especial em sede de tributação de mais-valias decorrentes de alienação de participações sociais. Esse regime tinha uma vantagem (isenção de mais-valias) e uma desvantagem (indedutibilidade de custos de financiamento para a aquisição dessas participações sociais) em relação ao que era aplicado às demais sociedades. A partir de 2014, esse regime passou a ser a regra (com pequenos ajustes), razão pela qual não foram as SGPS que passaram para o regime das restantes sociedades (o que, reconheça-se, implicaria um cuidado acrescido na transição de regimes), foram as demais sociedades que passaram para o regime das SGPS.

As SGPS ficaram, portanto, onde sempre tinham estado, não se afigurando que,  devam agora ser aceites fiscalmente os encargos financeiros desconsiderados ao longo da vigência do regime e que se encontram “imputados” ao valor de aquisição das participações financeiras em carteira, sem existir base legal nesse sentido  

Tal medida, a dever ser adotada, caberia na liberdade de conformação do legislador.

Impõe-se, por fim, abordar um problema, que, no fundo, é o que a Requerente invoca: em conformidade com o regime anteriormente vigente, e na expectativa de evitar uma futura tributação em mais-valias, a Requerente deixou de deduzir encargos de financiamento com a aquisição dessas participações que majoraram o pagamento dos impostos que pagou.

A questão relevante é a de saber se esse “custo” de formação de uma futura vantagem deve ser-lhe devolvido. Afigura-se óbvio que a resposta dependerá de a vantagem ainda lhe poder ser atribuída ou não. Se ela incorreu em custos para obter uma certa vantagem que o legislador depois lhe sonegou, é de toda a justiça que seja ressarcida desses custos: outra coisa seria violar os princípios mais elementares do Estado de Direito, se é que não legitimar a fraude legal. Se ela incorreu em certos custos e a vantagem que pretendia obter com eles lhe continua a ser devida, então parece igualmente óbvio que a decisão de a dispensar desses custos cabe por inteiro ao legislador.

Portanto, deve concluir-se que, no que respeita aos encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais e não deduzidos nos exercícios de 2008 a 2013, inclusive, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 32.º do EBF, os mesmos só poderiam ser dedutíveis em 2014 caso tivesse havido alienação das suas participações sociais sem mais valias, ou caso existisse norma expressa que permitisse essa dedução.

Pode ainda retorquir-se, voltando a um argumento já utilizado, que a Requerente assumiu um custo para obter uma vantagem, e essa vantagem que o legislador continua a reconhecer-lhe é agora extensível a todas as sociedades, mesmo àquelas (as que não assumem a forma de SGPS) que não incorreram em custo algum para a obterem. Ora, as sociedades que não incorreram nos custos impostos às SGPS (não dedutibilidade dos gastos de financiamento na aquisição de participações sociais, com a correspondente majoração dos impostos pagos) também não tiveram, durante a mais de uma década em que durou a divergência de regimes, a possibilidade de beneficiarem da correlata vantagem (isenção de mais-valias na alienação das participações sociais). Ao que acresce que faz parte da tendência da evolução económica que os primeiros beneficiários de uma vantagem paguem mais por ela do que os subsequentes beneficiários, quando ela, por fim, se generaliza.

Conforme referido acima, não tendo o legislador previsto uma norma transitória que salvaguardasse os efeitos da revogação do artigo 32.º do EBF, no que concerne à dedução dos encargos financeiros anteriormente incorridos, não pode o mesmo pretender deduzir os referidos encargos financeiros na totalidade em 2014.

Considerando o princípio geral de interpretação da lei estabelecido no n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil, terá o intérprete que presumir que “(…) o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”.

Com efeito, o legislador previu normas transitórias para as situações acima descritas de entrada em vigor da lei nova, pelo que, se tivesse querido salvaguardar a dedução da totalidade dos encargos financeiros no ano de 2014, tê-lo-ia previsto na Lei que revogou o artigo 32.º do EBF ou, no limite, na Lei da Reforma do IRC.

Logo, não tendo estabelecido uma norma transitória sobre os encargos financeiros não deduzidos ao abrigo da lei antiga, não pode o intérprete criar essa norma transitória, admitindo a dedução dos referidos encargos financeiros, na totalidade, no exercício de 2014.

Até porque a Requerente se limita a alegar que os requisitos de isenção de mais-valias são diversos no artigo 32.º do EBF e no artigo 51.º-C do Código do IRC. A Requerente não alega nem prova em que participações sociais não beneficiou/beneficiará do regime de isenção de mais-valias previsto no artigo 51.º-C do Código do IRC, por não se verificarem os requisitos do regime que não eram exigidos pelo artigo 32.º do EBF.

A Requerente repete-se pretende que o Tribunal Arbitral reconheça a possibilidade de dedução em 2014 da totalidade dos encargos financeiros incorridos com participações sociais e não deduzidos nos exercícios de 2008 a 2013, inclusive, sem a verificação da condição legalmente imposta (alienação das participações sociais) e independentemente do regime fiscal dessa alienação.

Nestas circunstâncias, conceder provimento ao pedido da Requerente seria admitir a dissociação, para o passado, entre os encargos financeiros não deduzidos e as mais-valias isentas, solução essa que não encontra apoio no regime anterior nem foi salvaguardada pelo atual.

Termos em que, por tudo o quanto vai exposto, se julga improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, com a consequente manutenção na ordem jurídica do ato de indeferimento da reclamação graciosa e o ato de autoliquidação de IRC, na parte impugnada, relativo ao exercício de 2014.

 

D. Questões prejudicadas

Sendo negado provimento ao pedido fica prejudicada a análise das questões de inconstitucionalidade suscitadas pela Requerida no que respeita à interpretação feita pela Requerente do disposto no artigo 32.º, nº2, do EBF mormente quanto à eventual violação dos princípios da igualdade tributária e do princípio da capacidade contributiva ínsitos nos artigos 13.º, 103.º e 104.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.

 

E. Juros indemnizatórios e reembolso da quantia paga

Sendo de julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, improcedem igualmente os pedidos de juros indemnizatórios e de reembolso da quantia paga.

 

V. DECISÃO

            Termos em que se decide neste Tribunal:

  1. Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se o ato de indeferimento da reclamação graciosa e o ato tributário de autoliquidação de IRC, na parte impugnada, relativo ao exercício de 2014;
  2. Absolver, em conformidade, a Requerida dos pedidos formulados;
  3. Condenar a Requerente nas custas.

 

V. VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em € 1.058.232,66 (um milhão e cinquenta e oito mil duzentos e trinta e dois euros e sessenta e seis cêntimos]), nos termos do art.º 32.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no art.º 29.º, n.º 1, als. a) e b), do RJAT, e no art.º 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

VI. CUSTAS 

Custas a cargo da Requerente, no montante de € 14.688,00, nos termos da Tabela I do RCPAT, e em cumprimento do disposto nos art.º 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, bem como do disposto no art.º 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

Notifique.

Lisboa, 17 de Setembro de 2018.

Os Árbitros,

 

(Fernanda Maçãs)

 

(Cristina Coisinha)

 

                                                         (Vera Figueiredo)

 

 



[1] Artigo 12.º do Código Civil

[2] Circular n.º 7/2004, de 30 de março

 

[3] Veja-se a extensa análise deste processo legislativo no Acórdão n.º 42/2014 do Tribunal Constitucional.

[4] Moura, Luís Graça, "A «Nova» Tributação do Rendimento das SGPS: Reflexões acerca da Tributação de Mais-Valias no Quadro do Princípio da Segurança Jurídica", Revista Jurídica da Universidade Portucalense Infante D. Henrique, n.º 10, 2003, p. 122.

[5] Processo n.º 12/2013-T do CAAD.

[6] Cfr. Decisão arbitral no processo n.º379/2017-T, de 22-11-2017, disponível em https://www.caad.org.pt/