Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 594/2017-T
Data da decisão: 2018-05-15  Selo  
Valor do pedido: € 18.218,20
Tema: Imposto do Selo e Tabela Geral do Imposto do Selo - Isenção em uniões de facto - Caducidade do direito à liquidação – Prescrição - Suspensão do procedimento de liquidação por pendência de litígio judicial.
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

Partes

Requerente: A...., NF..., titular do passaporte ..., emitido pela República Federativa do Brasil, em 24.10.2013, residente na Rua..., no..., ..., CEP ... ..., São Paulo, Brasil

Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)

 

I.         RELATÓRIO

 

  1. Em 13 de Novembro de 2017, a Requerente entregou no CAAD um pedido de pronúncia arbitral (ppa) solicitando, ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), a constituição de tribunal arbitral singular (TAS).

 

O PEDIDO

 

  1. A Requerente, na qualidade de herdeira e cabeça de casal por óbito, ocorrido em 12.06.2008 em São Paulo – Brasil, de B..., NF ..., com quem vivia em união de facto, pretende, quanto ao Imposto do Selo da verba 1.2 da Tabela Geral do Imposto do Selo, incidente sobre a transmissão gratuita de bens existentes em Portugal, constante das liquidações ... de 05.07.2017 (primeira) e ... de 17.07.2017 (adicional), a primeira de 18 208,20 euros e a segunda de 18 208,69 euros (aqui tendo-se incluído 0,49 euros de juros compensatórios) obter a sua anulação, por estarem feridas de ilegalidades;
  2. Conclui o seu pedido nos seguintes termos: “nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente pedido para a constituição de tribunal arbitral ser aceite e deferido, de modo a que o mesmo se pronuncie, declarando: a) - A anulação do acto tributário de liquidação de Imposto de Selo, nos termos da qual foi considerado que a transmissão dos bens em causa está sujeita a pagamento de IS por: I - à data em que a mesma ocorreu já havia caducado o direito à liquidação, II - por à data em que ocorreu a liquidação o eventual imposto se encontrava prescrito. b) - Caso se entenda que há condições para apreciar o acto de liquidação, então entende-se que este Tribunal deverá reconhecer a isenção subjectiva da ora Requerente, logo não estando obrigada a qualquer tributação (caso a mesma tivesse sido liquidada no prazo legalmente previsto para tal), sob pena de violação do disposto no artigo 45º da LGT, do nº 1, do artigo 39º do CIS, do artigo 48º do CIS e do artigo 6º alínea e), do CIS. c) - Nessa medida deverá ser declarada como indevida a exigência de pagamento de Imposto do Selo no valor de 18.208,20€, das custas, e dos juros, anulando-se assim o acto de liquidação nº de participação nº.../nº..., datado de 17.07.2017, e demonstração da liquidação nº .../nº ... datada de 05.07.2017, por o mesmo ser ilegal e indevido; d) - de igual modo, e como decorrência daquela ilegalidade, deverá ser declarada a extinção do processo de cobrança coerciva dos valores constantes da citação que corre termos sob o no ...2017...”.

 

A CAUSA DE PEDIR

 

  1. Muito embora a Requerente tenha entregue apenas em 28.07.2016, a declaração de Modelo 1 de Imposto de Selo (participação de transmissões gratuitas) e a partilha dos bens do “de cujus” ter sido decidida no Tribunal de São Paulo – República Federativa do Brasil (Juízo de Direito da ... Vara de Família e Sucessões da Comarca de São Paulo), por sentença de 19 de Março de 2014, confirmada por sentença do Tribunal da Relação de …, de 24 de Setembro de 2015;
  2. porque a data do óbito, no Brasil, foi 12 de Junho de 2008, entende que ocorrem os pressupostos da caducidade do direito às liquidações (ocorridas em 05.07.2017 e 17.07.2017) e a prescrição da dívida de imposto, daqui decorrendo a ilegalidade nas liquidações.
  3. Por outro lado, tendo em conta que a Requerente, enquanto companheira (união de facto), nos termos do artigo 1790º do Código Civil Brasileiro, é herdeira do falecido e tal qualidade lhe foi reconhecida nas decisões judiciais acima indicadas, entende que beneficia da isenção estabelecida na alínea e) do artigo 6º do CIS, não refletida nas liquidações, pelo que por este motivo enfermam de ilegalidade.
  4.  A Requerente fundamenta ainda o pedido de extinção do processo de cobrança coerciva, na decorrência subsequente da procedência da anulação das liquidações.

 

DO TRIBUNAL ARBITRAL SINGULAR (TAS)

 

  1. O pedido de constituição do TAS foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT no dia 13-11-2017.
  2. Pelo Conselho Deontológico do CAAD foi designado árbitro o signatário desta decisão, tendo sido disso notificadas as partes em 08.01.2018. As partes não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
  3. O Tribunal Arbitral Singular (TAS) encontra-se, desde 30.01.2018, regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto deste dissídio (artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 30.º, n.º 1, do RJAT).
  4. Todos estes actos se encontram documentados nos registos constantes do Sistema de Gestão Processual que aqui se consideram reproduzidos.
  5. Logo em 30-01-2018 foi a AT notificada nos termos e para os efeitos do artigo 17º-1 do RJAT. Respondeu em 05.03.2018, juntando 3 documentos em anexo à resposta e o Processo Administrativo (PA) composto por um ficheiro informatizado, designado por “PRG ... pdf” com 31 folhas.
  6. Por despacho de 05.03.2018 foram as partes convidadas a tomar posição sobre a necessidade de realização ou não da reunião de partes a que se alude no artigo 18º do RJAT e caso concordassem com a sua não realização, o TAS fixaria, oportunamente, prazo de 10 dias para alegações escritas e sucessivas.
  7. A Requerente, por requerimento de 07.03.2018 e a Requerida, por requerimento de 14.03.2018, concordaram com a não realização da reunião de partes do artigo 18º do RJAT, pelo que. por despacho de 14.03.2018, foi fixado prazo de 10 dias, para apresentação de alegações escritas e sucessivas.
  8. Em 20.03.2018 a Requerente apresentou alegações escritas e em 10.04.2018 contra-alegou a Requerida. Por despacho de 23.04.2018, corrigido em 26.04.2018, foi agendada como data limite para a prolacção desta decisão, o dia 15.05.2018.

 

PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

 

  • Legitimidade, capacidade e representação – As partes são legítimas, gozam de personalidade jurídica e de capacidade judiciária e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março). 
  • Princípio do contraditório - Foi notificada a AT nos termos da alínea k) deste Relatório. Todas as peças processuais e todos os documentos juntos ao processo foram disponibilizados à respectiva contraparte no Sistema de Gestão Processual do CAAD. Da sua junção foram sempre notificadas ambas as partes.
  • Excepções dilatórias - O procedimento arbitral não padece de nulidades e o pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo prescrito na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, como resulta do facto da Requerente ter apresentado o pedido de pronúncia em 13.11.2017 e porque se trata de imposto a pagar a pronto - com desconto -  ou em prestações, mas sempre com data limite de 30.09.2017 (conforme notas de liquidação que constituem os documentos nºs 1 e 2 juntos com o PPA), face à alínea a) do artigo 102º do CPPT.

 

SÍNTESE DA POSIÇÃO DA REQUERENTE

 

  1. A Requerente refere que “a herança em apreço resultou do óbito do Sr. B..., ocorrido no dia 12.06.2008 ou seja, o óbito ocorreu há 9 anos, conforme resulta da certidão iá entregue junto do Serviço de Finanças de...”, “à data do óbito, a ... Requerente vivia em união de facto com o falecido  conforme foi expressamente declarado e informado ao Serviço de Finanças de ...”, “conforme aliás, também resulta da certidão da sentença proferida no processo judicial de inventário que correu os seus termos no Brasil, cuja sentença foi objecto de revisão de sentença por meio de Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de …, no dia 28.09.2015, que correu termos sob o no .../15..., conforme cópia certificada que foi entregue junto de Serviço de Finanças de ...”, acrescentando que “... tanto assim é que lhe foi reconhecida a sua qualidade de herdeira ao abrigo da lei Brasileira”.
  2. Invoca a caducidade do direito à liquidação, nos termos do nº 1 do artigo 39º do Código do Imposto do Selo, uma vez que “... o óbito ocorreu em 12.06.2008, logo o prazo para liquidar o imposto findou em 13.06.2016 pelo que à presente data, e já em 17.07.2017 (data da demonstração) aquando da notificação para o teor da liquidação, o direito à liquidação por parte da Autoridade Tributária havia caducado, excepção que expressamente se invoca para os devidos efeitos legais”.
  3. Invoca ainda a prescrição da dívida de imposto ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 48º do Código do Imposto do Selo, concluindo que “... tendo o facto tributário ocorrido no momento do óbito - 12.06-2008 - à presente data - Novembro de 2017 - a eventual dívida tributária a título de imposto de selo, já há muito que se encontra prescrita, mais precisamente desde o dia 13.06.2016”, “prescrição que expressamente ... invoca para todos os efeitos legais, e que apesar de invocada perante a Autoridade Tributária, a mesma não reconheceu de forma expressa como a isso se encontrava obrigada, e que por isso deverá ser declarada tendo em conta a data em que a AT procedeu à demonstração da liquidação — 17.07.2017”.
  4. Invoca, por último, a Requerente, quanto a si própria, a isenção de imposto do selo que deveria ter sido reflectida nas liquidações, ao abrigo da alínea e) do artigo 6º do Código do Imposto do Selo, referindo o seguinte: “estando a ora impugnante na situação prevista no disposto na ala e), do citado artigo 6º, devidamente reconhecida por sentença proferida no Tribunal de São Paulo, Brasil, e legalmente revista pelo Tribunal da Relacão de …, logo, com plena eficácia na ordem jurídica portuguesa, não poderia a Autoridade Tributária ignorar tal facto, liquidando imposto quando o mesmo não se mostra legalmente devido por dele se encontrar subjectivamente isenta”.
  5. Termina pedindo nos seguintes termos: “nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente pedido para a constituição de tribunal arbitral ser aceite e deferido, de modo a que o mesmo se pronuncie, declarando: a) - A anulação do acto tributário de liquidação de Imposto de Selo, nos termos da qual foi considerado que a transmissão dos bens em causa está sujeita a pagamento de IS por: I - à data em que a mesma ocorreu já havia caducado o direito à liquidação, II - por à data em que ocorreu a liquidação o eventual imposto se encontrava prescrito. b) - Caso se entenda que há condições para apreciar o acto de liquidação, então entende-se que este Tribunal deverá reconhecer a isenção subjectiva da ora Requerente, logo não estando obrigada a qualquer tributação (caso a mesma tivesse sido liquidada no prazo legalmente previsto para tal), sob pena de violação do disposto no artigo 45º da LGT, do nº 1, do artigo 39º do CIS, do artigo 48º do CIS e do artigo 6º alínea e), do CIS. c) - Nessa medida deverá ser declarada como indevida a exigência de pagamento de IS no valor de 18.208,20€, das custas, e dos juros, anulando-se assim o acto de liquidação nº de participação .../nº..., datado de 17.07.2017, e Demonstração da liquidação no .../nº... datada de 05.07.2017, por o mesmo ser ilegal e indevido. d) De igual modo, e como decorrência daquela ilegalidade, deverá ser declarada a extinção do processo de cobrança coerciva dos valores constantes da citação que corre termos sob o no ...2017...”.
  6. Em sede de alegações a Requerida reiterou o que já tinha referido no pedido de pronúncia e juntou um documento que tinha anexado ao Modelo de do IS que apresentou à AT, em 28.07.2016.

 

 

 

 

SÍNTESE DA POSIÇÃO DA REQUERIDA

 

  1. A Requerida invoca em primeiro lugar a excepção e incompetência do TAS quanto ao “pedido de reconhecimento de isenção subjetiva”, referindo quando ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária: “não figura, no leque de competências atribuídas a este Tribunal Arbitral, alguma que lhe permita o reconhecimento de qualquer direito ou isenção”.
  2. Quanto ao pedido de extinção do processo de execução fiscal refere “... verifica-se também, quanto a este pedido, que o Tribunal carece de competência para apreciar o pedido nestes termos, pois, como se viu anteriormente, em sede arbitral apenas se afere da legalidade de actos de liquidação”.
  3. Relativamente à invocada caducidade do direito à liquidação e à prescrição da dívida tributária, conjugando a Resposta com o teor da contra-alegações, refere  “pelas mesmas questões de facto e de direito, aplicam-se os mesmos argumentos no que diz respeito à alegada prescrição”, defendendo que “... recorde-se que o óbito de B... ocorreu no Brasil a 12 de Junho de 2008, e que a partilha dos seus bens foi decidida, no mesmo país, por sentença de 19 de Março de 2014”, “sentença essa que o Tribunal da Relação de … homologou em 24 de Setembro de 2015” e “apesar de a sentença do TR… ter transitado em julgado em 12 de Outubro de 2015, a Requerente apenas se dirigiu ao SF de ... em 28 de Julho de 2016”, “o que significa que, até àquela data, a AT não teve, nem podia ter, conhecimento do óbito de B..., não podendo por isso desencadear qualquer procedimento de liquidação”, “pois a Requerente não deu cumprimento ao prazo previsto no artigo 26º nº3 do CI Selo, nem tampouco ao do artigo 34º do mesmo Código”.
  4. E continua referindo: “assim, ... não pode vir agora a Requerente pretender tirar proveito de uma situação originada por dupla omissão sua, pois sem a comunicação por parte do contribuinte da ocorrência do óbito e da homologação da partilha, não poderia a AT tomar conhecimento da ocorrência do facto tributário nem proceder à liquidação oficiosa do imposto”, “como, aliás, é patente nas excepções constantes dos nºs 2 e 3 do supra citado artigo 39º do CI Selo, de onde se percebem as intenções do legislador ao colocar o termo inicial do prazo de oito anos no momento em que os herdeiros são determinados ou conhecidos
  5. Refere ainda: “sobre a importância da data do conhecimento dos factos, embora relativo a matéria distinta à dos presentes autos, veja-se o acórdão do TCA Norte de 21-10-2004 (processo n.º 00092/04)”. Conclui: “argumentos estes que, por seu turno, se encontram em consonância com o determinado nos artigos 329º, 331º e 325º do Código Civil, dispondo o primeiro que “o prazo de caducidade, se a lei não fixar outra data, começa a correr no momento em que o direito puder legalmente ser exercido.””
  6. Quanto à isenção invocada pela Requerente refere que: “... a participação do óbito ocorreu em 28 de Julho de 2016, mediante o preenchimento da declaração mod.1 de Imposto de Selo e dos respectivos anexos”, e porque “... no nosso ordenamento jurídico-tributário vigora o princípio da declaração no apuramento da matéria tributável, previsto no artigo 75º da LGT e no artigo 27º nº2 do CI Selo”, “... a liquidação em causa não podia deixar de ter por objecto o rendimento colectável determinado com base nos elementos declarados pelo Requerente que não só não preencheu diversos elementos como o NIF do cônjuge, como, no campo que lhe era destinado, não se identificou como cônjuge”, pelo que “... atentas as normas legais citadas, sem prejuízo dos elementos carreados pela Requerente, atento o por si declarado na modelo 1, a AT liquidou em conformidade”.
  7. Refere ainda que “se o Tribunal eventualmente considerar a liquidação ilegal relativamente à Requerente, por entender estar a mesma isenta nos termos do artigo 6º alínea e) do CI Selo, o que apenas se admite por mero dever de patrocínio,  não o poderá fazer quanto aos restantes herdeiros uma vez que, quanto a esses, não há qualquer isenção que se lhe aplique, nem a Requerente a invoca, devendo assim determinar-se apenas a anulação parcial da liquidação controvertida na parte que se refere à tributação em IS da Requerente”.
  8.  E conclui: “ademais, sempre se recorde que, nos termos do artigo 2º nº 2 alínea a) do CI Selo, a cabeça de casal, mesmo que isenta, é responsável pelo pagamento do imposto da herança indivisa, referente aos outros herdeiros não isentos”.
  9. Termina pugnando pela procedência das excepções dilatórias invocadas ou quando assim não se entenda, pugnando pela improcedência dos pedidos.

 

II - QUESTÕES QUE AO TRIBUNAL CUMPRE SOLUCIONAR

 

A primeira questão a decidir é a invocada excepção de incompetência da jurisdição arbitral, em razão da matéria, relativamente ao pedido atinente à verificação da norma isentiva da alínea e) do artigo 6º do Código do Imposto do Selo.

 

Em segundo lugar, analisar-se-á o “pedido atinente à indemnização por omissão de atuação do órgão de execução fiscal” face ao que é referido nos artigos 38º e 39º do PPA (pedido de pronúncia arbitral), uma vez que a AT o configura como não podendo ser apreciado por este TAS, por incompetência, em razão da matéria.

 

O TAS apreciará ainda a circunstância de, neste caso, existirem duas liquidações, versando sobre o mesmo facto tributário, sendo que a segunda diverge da primeira, quer porque surge com mais 0,49 euros de juros compensatórios, quer porque os beneficiários das transmissões são 4 e não 3, como ocorre na primeira liquidação.

 

Em terceiro lugar, apreciar-se-ão as desconformidades face à lei, assacadas pela Requerente às liquidações, de caducidade do direito à liquidação e de prescrição da dívida tributária.

 

Depois, caso se conclua que não procedem as desconformidades, face à lei, atrás referidas, apreciar-se-á sobre se deveria ou não ter-se em conta, nas liquidações, a isenção da alínea e) do artigo 6º do CIS, invocada pela Requerente.

 

Por último, apreciar-se-á o pedido de extinção do processo de execução fiscal, configurado como sendo matéria que o TAS não pode apreciar por falta de competência sobre a matéria.

 

III.      MATÉRIA DE FACTO PROVADA E NÃO PROVADA.

FUNDAMENTAÇÃO

 

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (conforme artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (conforme anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos abaixo elencados, indicando-se, por cada ponto levado à matéria de facto assente, os meios de prova que se consideraram relevantes, como fundamentação.

 

Factos provados

 

  1. O cidadão português, engenheiro, B..., com o NF ..., faleceu no dia 12.06.2008, no estado de viúvo de C..., na Rua ...,  ...,  ..., São Paulo, Estado de São Paulo, República Federativa do Brasil – conforme artigos 13º a 16º do PPA e documentos nºs 3 e 5 juntos com o PPA (certidão de óbito brasileira do “de cujus” e assento de óbito português do ex-cônjuge);
  2. A Requerente A..., NF ..., vivia em união de facto com B..., com o NF ..., conforme sentença proferida em 19 de Março de 2014, no processo ..., pelo Juízo de Direito da ... Vara de Família e Sucessões da Comarca de São Paulo, Brasil, que homologou a partilha dos bens deixados pelo “de cujus”,  confirmada por sentença do Tribunal da Relação de …, de 24.09.2015, no processo .../15... … – conforme artigos 17º a 19º do PPA, documentos nºs 4 e 6 juntos com o PPA e artigo 14º da Resposta;
  3. Em 28.07.2016 a Requerente entregou à AT a declaração de modelo 1 de Imposto modelo - participação de transmissões gratuitas. No quadro II, relativo aos elementos identificadores do autor da transmissão, a Requerente não preencheu nos campos respectivos qualquer elemento referente ao estado civil do falecido, ao regime de casamento ou NIF do cônjuge. No quadro IV – relativo à identificação do cabeça de casal e do NIF da Herança - ficou em branco. No quadro V, como beneficiários da transmissão, a Requerente identificou-se a si própria e ainda D..., E... e F... . Na identificação da primeira beneficiária – a Requerente – indicou “H” (Herdeira) no tipo de beneficiário e, 

na indicação da relação de parentesco, indicou “H”. Relativamente aos restantes beneficiários, indicou a qualidade de herdeiros (“H”) e Outros (“O”) na relação de parentesco. Como património declarado constam os bens localizados em território português, melhor identificados nos anexos à participação – conforme artigo 5º a 13º da Resposta e documento nº 1 junto com a resposta e não impugnação do documento ou dissentimento perante estes factos, da Requerente, em sede de alegações;

  1. Em 28.07.2016 a Requerente entregou ainda, juntamente com a declaração referida no número anterior, um requerimento dirigido ao Chefe de Serviço de Finanças, onde informou que D... era irmã do falecido, E... era irmão do falecido e F... era casada com E..., irmão do falecido, no regime de comunhão universal de bens (brasileiro) – conforme ponto 9 das alegações da Requerente e documento nº 1 junto com as alegações da Requerente, face à falta de contestação da AT em contra-alegações da Requerida, apreciada nos termos do nº 7 do artigo 110º do CPPT;
  2. Em 17.07.2017 a Requerente, na qualidade de cabeça-de-casal da herança NF ..., foi notificada da seguinte liquidação (primeira) de imposto do selo:

conforme artigo 2º do PPA, documento nº 3 em anexo ao PPA e averiguação oficiosa do TAS no site CTT Expresso do registo RY...PT;

  1. Em 28.07.2017 a Requerente, na qualidade de cabeça-de-casal da herança NF..., foi notificada da seguinte liquidação (adicional) de imposto do selo:

 

 

 

 

conforme artigo 2º do PPA, documento nº 2 em anexo ao PPA e          averiguação oficiosa do TAS no site CTT Expresso do registo RY...PT;

  1. Em 04.08.2017 a Requerente apresentou reclamação graciosa quanto às liquidações acima referidas, sem que tenha sido proferida decisão até à data da entrega, pela Requerente, do PPA no CAAD – conforme artigo 3º do PPA, documento nº 4 em anexo ao PPA e artigo 16º da Resposta da AT;
  2. Em 15.10.2017 a Requerente, na qualidade de cabeça-de-casal da herança NF..., foi notificada pelo Serviço de Finanças … —..., para o teor de uma execução fiscal, no valor de 18.344 51€ - conforme artigo 1º do PPA e documento nº 1 em anexo ao PPA;
  3. Em 13 de Novembro de 2017 a Requerente entregou no CAAD o presente pedido de pronúncia arbitral (ppa) – registo de entrada no SGP do CAAD do pedido de pronúncia arbitral.

 

Factos não provados

 

Não existe outra factualidade alegada que não tenha sido considerada provada e que seja relevante para a composição da lide processual.

 

Os factos levados à matéria assente configuram-se como sendo aceites, expressa ou tacitamente, por ambas as partes.

 

IV. APRECIAÇÃO DAS QUESTÕES QUE AO TRIBUNAL ARBITRAL SINGULAR (TAS) CUMPRE SOLUCIONAR

 

  • Excepção de incompetência da jurisdição arbitral, em razão da matéria, relativamente ao pedido atinente à aplicação da norma isentiva da alínea e) do artigo 6º do Código do Imposto do Selo.

 

O º 1 do artigo 2º do RJAT refere que “a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões: a) a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta; b) a declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais.(…)”.

 

Como é notório a isenção da alínea e) do artigo 6º do CIS é uma isenção automática, que opera por força da lei, uma vez que nenhuma disposição legal prevê um procedimento para a sua verificação (nº 1 do artigo 4º do EBF) pela Autoridade Tributária.

 

Tal benefício fiscal é até irrenunciável como decorre, taxativamente, do nº 8 do artigo 12º do EBF.

 

Ora, quando os tribunais arbitrais apreciam a legalidade da “liquidação” de impostos têm que apreciar todo o percurso do item tributário: incidência - exclusões tributárias - determinação da matéria colectável - taxa - colecta - pagamento.

 

A verificação da existência de factos interruptivos da tributação (no caso a verificação da existência dos pressupostos de uma isenção subjectiva, automática, irrenunciável e de funcionamento “ope legis”, coetânea com o procedimento de liquidação) é óbvia tarefa que comete ao juiz arbitral, sem o que ficava prejudicada a sua competência de apreciação da legalidade de uma liquidação de impostos, a funcionar no procedimento de liquidação, dada a sua natureza automática.

 

Improcede, pois, a alegada excepção de incompetência do TAS em razão da matéria, relativamente ao pedido atinente à aplicação da norma isentiva da alínea e) do artigo 6º do Código do Imposto do Selo.

 

  • Pedido de indemnização por omissão de atuação do órgão de execução fiscal face ao que é referido nos artigos 38º e 39º do PPA (pedido de pronúncia arbitral), uma vez que a AT o configura como não podendo ser apreciado, por este TAS, por incompetência em razão da matéria.

 

Nos artigos 38º e 39º do PPA a Requerente, alegando que a AT deveria, no processo de execução fiscal referido em 8 da matéria de facto assente, apreciar a alegada prescrição da dívida, refere o seguinte:

 

“... a omissão, por parte do órgão da execução fiscal, do dever de declarar prescrita a dívida no momento oportuno e de se abster da prática de posteriores actos executivos, constitui um facto ilícito à luz do conceito de ilicitude previsto no artigo 9º da Lei no 67/2007, de 31 de Dezembro (diploma que estabelece o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas no domínio dos actos de gestão pública), gerando o direito de o lesado ser indemnizado pelos danos causados por esse acto omissivo que constitui o facto ilícito”. “Perante a omissão da declaração da prescrição invocada deverá ser declarado e reconhecido que estamos em presença de uma grave omissão do órgão da execução fiscal, o que em si constitui uma violação do dever de declarar prescrita a dívida no momento oportuno e de se abster da prática de posteriores actos executivos, facto ilícito à luz do conceito de ilicitude previsto no artigo 9º da Lei no 67/2007, de 31 de Dezembro (diploma que estabelece o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas no domínio dos actos de gestão pública), que gera o direito de o lesado ser indemnizado pelos danos causados por esse acto omissivo que constitui o facto ilícito”.

 

No entanto, a Requerente, tendo referido o que referiu, não veio na parte final (parte conclusiva ou de síntese do pedido) a peticionar fosse o que fosse relativamente a esta temática, pelo que o TAS considera que se tratou de mera alegação e de mera sustentação do petitório que veio a ser concretizado a final, onde não se incluíu esta temática.

 

A forma como a questão é colocada, não gera no TAS a obrigação de pronunciar sobre a  matéria, dela não se tomando conhecimento, sendo que, face ao nº 1 do artigo 2º do RJAT sempre improcederia este pedido, caso se considerasse como concretamente formulado.

 

  • Pedido de extinção do processo de execução fiscal, configurado como sendo matéria que o TAS não pode apreciar por falta de competência.

 

No último segmento do pedido da Requerente, escreveu-se: “de igual modo, e como decorrência daquela ilegalidade, deverá ser declarada a extinção do processo de cobrança coerciva dos valores constantes da citação que corre termos sob o no ...2017...”, referindo-se à execução fiscal a que se alude no ponto 8 da matéria de facto provada.

 

Nos termos do nº 1 do artigo 2º do RJAT “... a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões: a) a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta; b) a declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais.(…)”.

 

Daqui decorre que este TAS não tem competência para apreciar este pedido, mas nem por isso a Requerente, em caso de anulação total ou parcial das liquidações aqui em causa, fica impossibilitada de requerer a extinção da execução, total ou parcial, juntando esta decisão, transitada em julgado, se antes a AT não tiver promovido oficiosamente a sua extinção ou alteração, como resulta da alínea b) do nº 1 do artigo 176º do CPPT, uma vez que toda a execução fiscal tem por base um título executivo, que no caso, será a certidão do título de cobrança do imposto do selo (artigo 162º do CPPT) que não foi pago no prazo fixado.

 

Improcede, pois, o pedido constante no PPA, nesta parte, pela procedência da excepção de incompetência da jurisdição arbitral deste TAS.                               

 

  • Existência de duas liquidações, versando sobre o mesmo facto tributário, sendo que a segunda diverge da primeira, quer porque surge com mais 0,49 euros de juros compensatórios, quer porque os beneficiários são 4 e não 3, como ocorre na primeira liquidação.

 

Neste caso, causa perplexidade a existência de duas liquidações, com base no mesmo facto tributário, como se pode constatar dos pontos 5 e 6 da matéria de facto assente. E nem a Requerente, nem a Requerida, abordaram esta específica temática, uma vez que ambas as partes racionaram como se se tratasse e uma única liquidação, sendo que

  1. A primeira – ponto 5 da matéria de facto – data de 05.07.2017, diz-se ser a “primeira”, tem três beneficiários e colecta e o total liquidado é de 18 208.20 euros, sendo a matéria colectável de 182 082,00 euros;
  2. A segunda – ponto 6 da matéria de facto – data de 17-07-2017, diz-se ser “adicional”, tem quatro beneficiários e colectas e o total liquidado é de 18 208,69 euros, sendo a matéria colectável de 182 082,00 euros;

 

Nenhuma justificação é aduzida neste processo sobre a necessidade da liquidação adicional, que de adicional relativamente à primeira, apenas acrescenta 0,49 euros de juros compensatórios e em vez dos 3 beneficiários iniciais das transmissões, constam agora 4 beneficiários.

 

Analisada a segunda liquidação, verificamos que se considera como “herdeiro”, com vocação sucessória igual aos demais herdeiros (com um quinhão hereditário como se fosse irmã do falecido), o cônjuge de E..., irmão germano do “de cujus”, de nome F... NF ..., certamente por ser casada em regime de comunicação universal de bens (brasileiro) (artigos 1667º a 1671º do Código Civil Brasileiro, disponível em - http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406) o que, na leitura que este TAS faz, não se configura ser o mais assertivo.

 

O quinhão que pertence a E..., NF..., irmão germano do “de cujus” (bilateral, segundo o CC brasileiro), em conjunto com o seu cônjuge F... NF ..., mesmo sendo herdeira por força do regime de bens do casal, parece dever ser de 1/3 da herança, como resultará do ponto III do artigo 1790º do Código Civil Brasileiro, disponível no site referido no parágrafo anterior.

 

Esta alteração impõe-se, porque a Requerente, caso esteja isenta do imposto do selo, terá benefício fiscal sobre 1/3 da herança (primeira liquidação) e não sobre ¼ da herança (segunda liquidação, a adicional).

 

Nesta conformidade, relega-se para a parte dispositiva desta decisão, a apreciação desta desconformidade com a lei (neste caso, a lei brasileira), uma vez que o TR... tornou válida, na jurisdição portuguesa, a partilha feita na jurisdição brasileira e não se vislumbra dos documentos juntos a este processo (mormente a certidão da sentença do TR...), que a partilha tenha sido outra, face ao que resulta da lei brasileira.

 

  • Desconformidades face à lei, assacadas pela Requerente às liquidações. Caducidade do direito à liquidação e prescrição da dívida tributária.

 

Quanto à caducidade

 

No artigo 26º do Código do Imposto do Selo consagra-se a obrigação do cabeça-de-casal e os beneficiários de transmissões gratuitas apresentarem a declaração de Modelo 1 do IS, participando o falecimento do autor da sucessão, até ao final do 3º mês seguintes ao nascimento da obrigação tributária (nºs 1, 2 e 3 do artigo 26º do CIS).

 

Nos termos da alínea p) do artigo 5º do CIS, a obrigação tributária nasce na data da abertura da sucessão.

 

Nos termos do artigo 2031º do Código Civil, a sucessão abre-se no momento da morte do seu autor e no lugar do domicílio dele.

 

Quanto à invocada caducidade do direito da AT em proceder à liquidação de imposto do selo, pelo decurso de prazo superior a 8 anos, refere-se no artigo 39º do Código do Imposto do Selo (CIS) (redacção actual que, no que interessa a este caso é idêntica à que vigorava em 2008, data do óbito do autor da herança):

 

1 - Só pode ser liquidado imposto nos prazos e termos previstos nos artigos 45.º e 46.º da LGT, salvo tratando-se das aquisições de bens tributadas pela verba 1.1 da Tabela Geral ou de transmissões gratuitas, em que o prazo de liquidação é de oito anos contados da transmissão ou da data em que a isenção ficou sem efeito, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.

2 - Se forem entregues ao ausente quaisquer bens por cuja aquisição não lhe tenha ainda sido liquidado imposto, os oito anos contar-se-ão desde a data da entrega.

3 - Sendo desconhecida a quota do co-herdeiro alienante, para efeitos do artigo 26.º do CIMT, ou suspendendo-se o processo de liquidação, nos termos dos artigos 34.º e 35.º, aos oito anos acrescerá o tempo por que o desconhecimento ou a suspensão tiver durado.

4 - Nos actos ou contratos por documento particular autenticado, ou qualquer outro título, quando essa forma seja admitida em alternativa à escritura pública, o prazo de caducidade do imposto devido conta-se a partir da data da promoção do registo predial.”

 

E refere o artigo 34º do CIS:

 

1 - Se estiver pendente litígio judicial acerca da qualidade de herdeiro, validade ou objecto da transmissão, ou processo de expropriação por utilidade pública de bens pertencentes à herança ou doação, o cabeça-de-casal, o testamenteiro ou os donatários podem requerer, em qualquer altura, a suspensão do processo de liquidação, apresentando certidão do estado da causa.

2 - A suspensão refere-se apenas aos bens que forem objecto do litígio.

3 - Transitada em julgado a decisão, devem os interessados declarar o facto dentro de 30 dias no serviço de finanças competente, juntando certidão da decisão, prosseguindo o processo de liquidação ou reformando-se no que for necessário, conforme o que houver sido julgado.”

 

Por seu turno o artigo 329º do Código Civil refere que “o prazo de caducidade, se a lei não fixar outra data, começa a correr no momento em que o direito puder legalmente ser exercido”.

 

O nº 4 do artigo 45º da LGT refere que “o prazo de caducidade conta-se ... nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu ...”

 

A alínea a) do nº 2 do artigo 46º da LGT, refere que o prazo de caducidade, suspende-se “em caso de litígio judicial de cuja resolução dependa a liquidação do tributo, desde o seu início até ao trânsito em julgado da decisão”.

 

Ora, como se retira dos factos assentes, a Requerente não cumpriu a obrigação prescrita no artigo 26º do CIS, no prazo de 3 meses contados desde o fim do mês em que nasceu a obrigação tributária.

 

Só em 28.07.2016 veio cumprir essa obrigação fiscal. Só nesta data se deu conhecimento à AT do falecimento do autor da herança, o que é aqui determinante, uma vez que o instituto da caducidade do direito à liquidação do imposto do selo, está desenhado na lei fiscal, pressupondo sempre que os contribuintes cumprem as suas obrigações declarativas e não pretendem reverter a seu favor, um regime, pelo facto de incumprirem essas obrigações.

 

Por isso é que o nº 1 do artigo 34º do CIS estabelece o regime de suspensão do procedimento de liquidação, enquanto estiver pendente um processo judicial que influencie a liquidação, como aconteceu no caso presente.

 

No caso concreto, face aos factos provados, conclui este TAS que o prazo de caducidade se suspendeu, desde o nascimento da obrigação tributária até ao trânsito em julgado da sentença do TR... que confirmou a sentença de partilhas do Tribunal de São Paulo, por força do regime do artigo 34º do CIS e da alínea a) do nº 2 do artigo 46º da LGT.

 

Improcede, pois, a invocada caducidade do direito à liquidação do imposto do selo aqui em discussão.

 

Quanto à prescrição da dívida de imposto

 

 

A este propósito refere-se no artigo 48º do CIS:

 

 

“1 - O imposto do selo prescreve nos termos dos artigos 48.º e 49.º da LGT.

2 - Se forem entregues ao ausente quaisquer bens por cuja aquisição não tenha ainda sido liquidado imposto, o prazo de prescrição conta-se a partir do ano seguinte ao da entrega.

3 - Sendo desconhecida a quota do co-herdeiro alienante, para efeitos do artigo 26.º do CIMT, ou suspendendo-se o processo de liquidação, nos termos dos artigos 34.º e 35.º, ao prazo de prescrição acresce o tempo por que o desconhecimento ou a suspensão tiver durado.

4 - Nos actos ou contratos por documento particular autenticado, ou qualquer outro título, quando essa forma seja admitida em alternativa à escritura pública, o prazo de prescrição do imposto conta-se a partir da data da promoção do registo predial.”

 

Também aqui se remete o regime da suspensão para o artigo 34º do CIS atrás transcrito.

 

O nº 1 do artigo 48º da LGT refere que “as dívidas tributárias prescrevem ... nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu”...

 

E o nº 1 do artigo 306º do Código Civil refere que “o prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido; se, porém, o beneficiário da prescrição só estiver obrigado a cumprir decorrido certo tempo sobre a interpelação, só findo esse tempo se inicia o prazo da prescrição”.

 

Valem aqui as considerações acima tecidas, relativamente à caducidade do direito à liquidação, quanto à falta de cumprimento da obrigação declarativa do artigo 26º do CIS e quanto à pendência do processo de partilhas no Tribunal de São Paulo e depois em sede de confirmação do julgado no TR....

 

Resultando, nos termos conjugados dos artigos 49º e 34º do CIS, com o nº 1 do artigo 306º do CC, que o prazo de prescrição apenas iniciou a sua contagem após o trânsito em julgado da sentença do TR..., que confirmou a sentença de partilhas do Tribunal de São Paulo.

 

Improcede, pois, a invocada prescrição da prestação tributária de imposto do selo aqui em discussão.

 

 

  • Aplicação da norma isentiva da alínea e) do artigo 6º do CIS, invocada pela Requerente, na sua condição de vivência em união de facto com o “de cujus”.

 

Conforme consta do ponto 2 da matéria assente, provou-se que a Requerente vivia em união de facto com o autor da herança, pelo que, na parte do imposto do selo que lhe foi liquidado, beneficia da isenção estabelecida na alínea e do artigo 6º do CIS. Ocorreu, desta feita, uma ilegalidade nas liquidações aqui em causa.

 

Segundo o inciso III do artigo 1790º do Código Civil Brasileiro (disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm) é de um terço da herança o quinhão do companheiro ou companheiro, quando concorra com outros parentes sucessíveis. Sendo esta parte alíquota da herança que beneficia de isenção, na parte dos bens situados em território português.

 

Significando que, aos dois irmãos do autor da herança, pertencerão os remanescentes 2/3 da herança, não existindo norma isentiva, em sede de imposto do selo, que obste à tributação.

 

Procede nesta parte, o PPA, conforme aliás a AT admite nos artigos 60º a 63º da resposta e no ponto 19 das contra-alegações.

 

V - DISPOSITIVO

 

Nos termos e com os fundamentos acima expostos:

 

  1. Julga-se improcedente a excepção de incompetência do TAS, em razão da matéria, relativamente ao pedido atinente à aplicação da norma isentiva da alínea e) do artigo 6º do Código do Imposto do Selo;
  2. Não se toma conhecimento da indemnização por omissão de atuação do órgão de execução fiscal, face ao que é referido nos artigos 38º e 39º do PPA, matéria que a AT configura como não podendo ser apreciada por incompetência em razão da matéria, uma vez que no pedido final, a Requerente não colocou, em concreto, esta matéria a julgamento e a sequente decisão;
  3. Julgam-se improcedentes os pedidos de verificação da caducidade do direito à liquidação e de prescrição da prestação tributária, por não se verificarem os pressupostos, nos termos acima referidos;
  4. Julga-se parcialmente procedente o PPA, na parte da liquidação do imposto do selo imputado à Requerente, na parte em que se considerou o seu quinhão hereditário inferior a 1/3 da herança dos bens do falecido, situados em território português e ainda, na parte em que se liquidaram juros compensatórios.
  5. Consequentemente, anulam-se, parcialmente, as liquidações constantes dos documentos reproduzidos nos pontos 5 e 6 da matéria de facto provada, por estarem em desconformidade com a lei, mormente com a alínea e) do artigo 6º do CIS;
  6. Julga-se ainda procedente a excepção dilatória de incompetência do TAS para apreciar o pedido de extinção do processo de execução fiscal referido no ponto 8 da matéria de facto assente, absolvendo-se da instância, nesta parte, a Requerida.

 

Valor do processo: de harmonia com o disposto no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (e alínea a) do nº 1 do artigo 97ºA do CPPT), fixa-se ao processo o valor de 18.218,20 € euros.

 

Custas: nos termos do disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1 224,00 segundo Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, sendo 50% a cargo da Requerente (612,00 euros) e 50% a cargo da Requerida (612,00 euros), em face dos decaimentos.

 

Notifique.

Lisboa, 15 de Maio de 2018

Tribunal Arbitral Singular (TAS),

Augusto Vieira

 

 

 

 Texto elaborado em computador nos termos do disposto no artigo 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º do RJAT.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.