Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 683/2017-T
Data da decisão: 2018-07-12  IMI  
Valor do pedido: € 25.010,88
Tema: AIMI – Competência do Tribunal – Inconstitucionalidade.
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O Árbitro Marisa Almeida Araújo, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar este Tribunal Arbitral Singular, toma a seguinte,

 

DECISÃO ARBITRAL

 

 

I – RELATÓRIO

 

A..., S.A., pessoa coletiva n.º ... (adiante designada por “Requerente”), com sede em ..., ..., ..., ...-... ..., veio, ao abrigo do art. 2.º n.º 1, al. a) e dos arts. 10.º e seguintes do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, previsto no Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo art. 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de dezembro (doravante abreviadamente designado “RJAT”) e dos arts. 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, apresentar pedido de pronúncia arbitral sobre a ilegalidade da liquidação do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (AIMI) com o n.º 2017 ... relativo ao ano de 2017, no montante de € 25.010,88, pretendendo a declaração de ilegalidade da referida liquidação e consequente anulação, bem como o reembolso do valor pago, acrescido de juros indemnizatórios. Subsidiariamente, peticiona que sejam desaplicados, ao caso concreto, os arts. 135.º-A e 135.º-B do CIMI por inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade e, consequentemente, seja declarada a ilegalidade do acto tributário de liquidação de AIMI sub judice, porque assente em normas inconstitucionais, sendo o mesmo anulado, com as consequências legais.

 

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “AT” ou “Requerida”).

 

 O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) a 28/12/2017 e automaticamente notificado à Requerida nos termos regulamentares.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do art. 6.º e da al. b) do n.º 1 do art. 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redacção introduzida pelo art. 228.º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitro do tribunal arbitral singular a signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo legal.

Em 14/02/2018, as Partes foram devidamente notificadas, não tendo manifestado, nos termos e prazo legais, vontade de recusar a designação do árbitro (art. 11.º, n.º 1, al. a) e b) do Regime Jurídico de Arbitragem Tributária (RJAT), conjugado com os arts 6.º e 7.º do Código Deontológico).

Em conformidade com o preceituado na al. c), do n.º 1, do art. 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 06/03/2018.

Devidamente notificada, a Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que defendeu a improcedência do pedido e que deve ser notificado o Ministério Público da decisão final.

Foi dispensada a reunião a que alude o art. 18.º do RJAT.

A Requerente não apresentou alegações e a Requerida apresentou as suas alegações escritas a 29/05/2018 reiterando, sumariamente, posição assumida na sua resposta.

 

A Requerente sustenta o seu pedido, sumariamente, alegando que,

  1. É uma sociedade imobiliária cujo objecto social compreende a compra e venda de imóveis detendo património imobiliário.
  2. A Requerente foi notificada de liquidação de AIMI, relativo ao ano de 2017, com referência ao património imobiliário desta, no valor global de € 25.010,88 que, apesar de entender não ser devido, pagou a 19.09.2017.
  3. Segundo a sua concepção, a Requerente sustenta que o AIMI apenas se aplica a prédios urbanos afectos a fins habitacionais e os terrenos para construção tal como definidos no art. 6.º do CIMI.
  4. Excluindo o legislador, segundo a Requerente, os prédios urbanos afectos às actividades económicas, reconhecendo que a mera detenção desses imóveis não constitui um factor demonstrador de riqueza, nem um indicador suficiente da capacidade contributiva dos titulares desses imóveis.
  5. Estando esta ratio legis, segundo a Requerente, na génese da regra de exclusão de incidência objectiva, consagrada no n.º 2 do art. 135.º-B do CIMI, e assenta essencialmente em não sobrecarregar fiscalmente sujeitos passivos que, por força das suas actividades económicas, detêm imóveis para prossecução do respectivo objecto social.
  6. As sociedades imobiliárias, como a Requerente, tem o objecto circunscrito à realização de operações relacionadas com a exploração onerosa de bens imóveis e, deste modo, a detenção de imóveis assume uma função instrumental na prossecução da actividade económica destas sociedades.
  7. Pelo que, segundo a Requerente, não pode incidir sobre o património destas sociedades um imposto que não incide sobre as “actividades económicas”.
  8. Os imóveis da Requerente, objecto da presente liquidação, encontram-se afectos a “serviços”, ainda que se encontrem inscritos na matriz enquanto imóveis afectos à “habitação”.
  9. Contudo, segundo a Requerente, tal afectação não se encontra actualizada, o que se ficou a dever a múltiplos atrasos na emissão de licenças de utilização turística dos mesmos.
  10. Os imóveis são explorados exclusivamente, segundo a Requerente, no âmbito da actividade hoteleira desenvolvida pela sociedade B..., o que acontece através da celebração de contrato de promessa, entre a Requerente e esta sociedade, datado de 1998 através do qual foi cedida a exploração dos estabelecimentos e apartamentos turísticos em apreço nos autos, e posteriormente celebrado o contrato prometido ao qual foram incluídos novos imóveis entretanto construídos.
  11. Desta forma, não está nenhum dos imóveis em apreço afecto, de facto, à habitação, não se encontram verificados os pressupostos de aplicação do AIMI.
  12. Devendo considerar-se a substância sobre a forma não sendo, portanto, segundo a Requerente, os imóveis afectos a “habitação” tal como consta nas cadernetas prediais.
  13. Subsidiariamente a Requerente suscita que o legislador pretendeu assegurar, com o AIMI, que os prédios afectos a actividades económicas não estariam sujeitos a tributação em AIMI e, in casu, estes imóveis consubstanciam verdadeiros elementos do processo produtivo da actividade da Requerente e não podem ser comparados com elementos demonstradores da sua riqueza pelo que nunca poderia estar legitimada a aplicação do AIMI.
  14. O AIMI – conforme resulta dos arts. 135.º-A e ss. do CIMI – não poderá, jamais, incidir sobre imóveis detidos pela Requerente no âmbito da sua actividade, conquanto não se encontram verificados os princípios subjacentes à tributação aqui em análise.
  15. Concluindo a Requerente que a liquidação de AIMI emitida sobre os imóveis detidos pela Requerente é ilegal por erro nos pressupostos de facto e de direito devendo ser anulada.
  16. Por fim, subsidiariamente, a Requerente sustenta a inconstitucionalidade do regime legal do AIMI.
  17. A Requerente entende que o regime de tributação em AIMI é contrário ao princípio da igualdade e capacidade contributiva.
  18. O regime legal do AIMI, em concreto os arts. 135.º-A e 135.º-B, ambos do CIMI, e a tributação resultante do mesmo, promovem um tratamento diferenciado e uma desigualdade injustificada entre os contribuintes.
  19. Segundo a Requerente, o legislador pretendeu tributar os prédios com fins habitacionais, enquanto manifestações de riqueza e foi clara, segundo a Requerente, a intenção do legislador de excluir do âmbito de aplicação do AIMI todos os prédios afectos a actividades económicas, pelo que, no que concerne à tributação de “terrenos para construção” deve entender-se, segundo a Requerente, que estão excluídos também aqueles que se encontrem afectos a actividades económicas.
  20. Sob pena de, não fazendo esta interpretação, se geram situações de discriminação sem fundamento legal.
  21. Na análise constitucional a Requerente suscita, ainda, a natureza dos sujeitos passivos onerados com a tributação, devendo ser excluídos aqueles que, como a Requerente, exerçam actividade de compra e venda, construção e arrendamento de imóveis, desde que compreendida nos respectivos objectos estatutários já que, não se verifica, nestes casos e para estes sujeitos o pressuposto da tributação em sede de AIMI, uma acrescida capacidade contributiva.
  22. Dando origem, se assim não se entender, segundo a Requerente, a uma discriminação negativa injustificada das pessoas colectivas que detêm bens imóveis enquanto factores produtivos ou meios para o exercício da sua actividade.
  23. Devendo, por isto, o art. 135.º-A do CIMI ser interpretado no sentido de não ser aplicado a pessoas colectivas que desenvolvam uma actividade imobiliária.
  24. Quanto aos terrenos para construção de entidades que promovam actividades económicas, a aplicação do AIMI, segundo a Requerente, promove um tratamento diferenciado e uma desigualdade injustificada entre os contribuintes, em clara violação do princípio da igualdade fiscal e capacidade contributiva.
  25. Em qualquer caso, peticiona a Requerente a anulação da liquidação do AIMI, peticionando o reembolso da quantia paga e juros indemnizatórios.

 

Por sua vez, a Requerida, sustenta a sua posição, sumariamente, alegando que,

  1. Está em causa uma liquidação referente ao AIMI referente a prédios inscritos na matriz como afectos: a “habitação” e “terreno para construção”.
  2. A soma do valor patrimonial tributário considerada como matéria colectável do imposto diz respeito a prédios urbanos com afectação habitação e sob a espécie de terrenos para construção – alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 6.º do Código do IMI, assim inscritos na matriz a 01.01.2017.
  3. Segundo a Requerida, os prédios cabem no âmbito da incidência objectiva consagrada no n.º 1 do artigo 135.º-B do Código do IMI, não lhes sendo aplicável a exclusão constante do n.º 2 do mesmo preceito.
  4. A AT defende que não poderia ter outra actuação, sendo que, nos termos do n.º 2 do artigo 266.º da CRP, a Administração está obrigada a actuar em conformidade com o princípio da legalidade, sendo tal princípio concretizado a nível infraconstitucional no n.º 1 do artigo 3.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA).
  5. Defende a AT que não podia/ pode recusar a aplicação de uma norma ou deixar de cumprir a lei invocando ou questionando a sua constitucionalidade, pois está sujeita ao princípio da legalidade, conforme estatuído nos arts. 266.º n.º 2 da CRP, 3.º n.º 1 do CPA e 55.º da LGT;
  6. No que concerne ao AIMI incidente sobre os prédios urbanos de que sejam proprietários, usufrutuários ou superficiários pessoas colectivas e estruturas equiparadas (n.º 2 do art.º 135.º-A do CIMI) o imposto assume a natureza de imposto real, na medida em que a modelação do quantitativo a pagar abstrai da dimensão económica das entidades, designadamente a qualificação como pequena, média ou grande empresa, bem como não atinge a totalidade do património líquido das entidades.
  7. No que respeita às pessoas colectivas e estruturas equiparadas, o AIMI tem natureza de tributação de natureza real, reflectindo desta forma a ideia de que os elementos integrantes do património imobiliário detido por estas entidades desempenham, em regra, uma função económica, não representando, por isso, uma mera acumulação de riqueza.
  8. Segundo a AT, o enquadramento em que se moveu o legislador ao traçar a configuração do âmbito de incidência subjectivo e objectivo do AIMI, balizando as suas opções também por outras considerações específicas como sejam, a de mitigar o impacto desta imposição sobre o exercício empresarial das actividades económicas em geral, através da exclusão dos prédios urbanos com fins industriais, comerciais e de serviços, e “outros”.
  9. No que respeita ao n.º 3 do art.º 104.º da CRP, segundo a AT, o princípio da igualdade, no que concerne ao património, tem que ser interpretado com restrição, no sentido de que não envolve um particular e autónomo conteúdo jurídico do princípio da igualdade no âmbito da tributação sobre o património.
  10. O princípio da igualdade concretiza-se e possui, assim, diversas dimensões, como sejam (i) a proibição do arbítrio, (ii) a proibição da discriminação e (iii) a obrigação de diferenciação.
  11. Segundo a AT impõe-se determinar se as escolhas subjacentes à delimitação da incidência objectiva do AIMI, efectuadas dentro da margem de “liberdade de conformação legislativa”, constituem uma lesão do princípio da igualdade, pelo facto de sujeitos passivos com igual capacidade contributiva poderem ser desigualmente afectados pelo imposto em razão do diferente peso que os prédios urbanos para fins habitacionais e os terrenos para construção podem representar nos respectivos patrimónios globais.
  12. A comparação de capacidades contributivas em ordem a determinar a observância do princípio da igualdade tributária pressupõe apelar, no âmbito da tributação do património, para um imposto geral ou sintético sobre o património.
  13. A Requerente, não questionando esta opção segundo a AT, vem invocar a inconstitucionalidade do regime do AIMI por violação dos princípios da igualdade (art. 13.º da CRP) com fundamento na discriminação negativa das empresas que se dedicam à actividade imobiliária relativamente às demais empresas, contribuintes individuais e heranças indivisas.
  14. Bem como invoca a dita inconstitucionalidade por o AIMI incidir sobre todos os terrenos para construção, mesmo que estejam classificados como comerciais, industriais e serviços.
  15. Todavia, segundo a AT, das normas consagradas não resultam diferenças injustificadas de tratamento entre contribuintes ao arrepio daqueles princípios constitucionais.
  16. As escolhas subjacentes à delimitação da incidência objectiva do AIMI são efectuadas dentro da margem de “liberdade de conformação legislativa”.
  17. Tentando-se assinalar, segundo a AT, a teleologia do imposto, este visa, primeiramente, atingir uma parcela do património dos sujeitos passivos do imposto, incidindo sobre os bens imóveis constitutivos de um património, reconhecível juridicamente como capital de uma determinada entidade (singular ou colectiva), independentemente do mesmo estar afecto a qualquer processo produtivo ou gerador de rendimentos - crê-se ser este o propósito do n.º 1 do artigo 135.º-B do Código do IMI.
  18. Porém, o legislador optou no n.º 2 daquele preceito por uma delimitação negativa da incidência, excluindo do AIMI imóveis que, pela sua potencial afectação, podem ser economicamente reconhecidos como factores de produção, a título de capital, ou seja, como bens intermediários que, conjugados com os demais factores de produção, produzem novas utilidades – bens económicos que satisfazem necessidades.
  19. Para o efeito, recorreu a um critério, segundo a AT, que convoca a estrutura de tipologias de prédio urbano previstas no artigo 6.º do Código do IMI e que opera através da subtracção ao AIMI dos prédios urbanos que, fruto do licenciamento de utilização declarado pelos municípios ou, na sua falta, do respectivo destino normal, são reconduzidos às tipologias das alíneas b) e d) do n.º 1 daquele preceito.
  20. O universo de prédios urbanos sujeitos ao AIMI, segundo a AT, é apurado por recurso às restantes duas tipologias constantes do n.º 1 do artigo 6.º: prédios urbanos habitacionais e terrenos para construção.
  21. Nesta delimitação da incidência real fica patente que o critério adoptado pretende ser universalmente objectivo, induzindo maior uniformidade e igualdade no tratamento dos prédios alvo da tributação, em detrimento de outros critérios que apelassem a verificações casuísticas sobre o destino efectivo dado aos prédios.
  22. A diferente valoração e tributação de um imóvel com afectação habitacional face a um imóvel destinado a comércio, indústria ou serviços resulta da sua diferente aptidão dos imóveis em causa, a qual sustenta o diferente tratamento dado pelo legislador que, por razões económicas e sociais, decidiu, no âmbito da sua liberdade conformadora, afastar da incidência do imposto os imóveis destinados a outros fins que não os habitacionais.
  23. É, pois, inequívoco, segundo a AT, que se está perante uma norma de incidência objectiva de carácter geral e abstracto, aplicável de forma indistinta a todos os casos em que se preencham os respectivos pressupostos de facto e de direito.
  24. O imposto em sindicância não visa uma tributação genérica do património. Nem esta é, aliás, exigida pelo n.º 3 do artigo 104.º da CRP. Está, segundo a AT, apenas um imposto parcelar sobre determinadas manifestações de capacidade contributiva.
  25. O legislador definiu um específico pressuposto económico constitucionalmente válido para alcançar o desiderato de tributação de realidades particularmente reveladoras de riqueza e a legitimar, por conseguinte, uma contribuição complementar para a consolidação orçamental.
  26. No quadro de uma tributação parcelar do património, in casu, incidente sobre prédios urbanos habitacionais e terrenos para construção, os termos que adequadamente devem ser tomados como base de comparação, para aferir da observância do princípio da igualdade, são os patrimónios de entidades imobiliárias.
  27. Seleccionando o legislador um elemento do património para tributar é necessariamente consequente que os contribuintes (singulares ou colectivos) detentores desse património sejam onerados.
  28. Deste modo, o AIMI respeita uma tributação parcelar do património sem visar especificamente empresas, pois compreende toda a espécie de sujeitos passivos que sejam titulares dos direitos reais enunciados sobre os prédios em causa, independentemente de assumirem carácter empresarial ou não, abrangendo, assim, para além de sociedades, fundações, associações, pessoas singulares.
  29. Sendo, assim, segundo a AT, inviável convocar, em atenção ao âmbito de aplicação da norma em apreciação, princípios de vocação estritamente empresarial.
  30. Contrariamente ao que pretende a Requerente, entende a Requerida que não é possível configurar a inconstitucionalidade de uma norma fiscal com base simplesmente em que a mesma possui influência significativa nas decisões económicas dos contribuintes - por natureza, isso é um efeito típico das regras fiscais.
  31.  Segundo a AT, os terrenos para construção não são meramente instrumentais ao exercício da actividade, ao contrário, integram o próprio núcleo da actividade económica, são o objecto do comércio ou indústria, pois, destinam-se a revenda ou a transformação em caso de neles serem erigidas construções para subsequente venda.
  32. Diferentemente, os imóveis excluídos da sujeição ao AIMI, nos termos do n.º 2 do art.º 135.º-B do CIMI, é que desempenham uma função instrumental às actividades económicas industriais, comerciais ou de serviços, na medida em que constituem edificações que servem de suporte ao funcionamento das referidas actividades, e não são por si mesmos geradores de rendimentos.
  33.  E ainda que os terrenos para construção possam revelar-se instrumentais da actividade da sociedade de promoção imobiliária, a AT conclui que os mesmos são idóneos a indicar que aquela pessoa colectiva é titular de bens que, em si mesmos, evidenciam uma específica abastança face aos demais proprietários imobiliários.
  34. Qualquer derivação em sentido contrário do exposto não é pertinente, conquanto a tributação consubstanciada no AIMI traduz-se numa imposição específica sobre o património (cf. art. 4.º, n.º 1 da LGT) e não sobre o rendimento.
  35. Como qualquer imposto sobre o património, o AIMI está dissociado de uma eventual realização de lucro com a venda dos bens imóveis, bem como da existência, ou não, de situação líquida negativa ou positiva, relevando, para a economia do imposto, apenas o valor patrimonial dos terrenos.
  36.  O AIMI é, além do mais, um gasto dedutível, influenciando negativamente o lucro tributável do exercício, ou é dedutível à colecta do IRC quando os prédios na matéria colectável sejam incluídos rendimentos gerados por imóveis, a ele sujeitos, no âmbito de actividade de arrendamento ou hospedagem (n.os 1 e 2 do art.º 135.º-J CIMI).
  37. Quanto ao facto de o AIMI incidir sobre todos os terrenos para construção, mesmo que estejam classificados como comerciais, industriais e serviços, o juízo de inconstitucionalidade em face de uma propalada, mas inexistente, violação do princípio da igualdade assenta na diferença que existirá face às pessoas singulares.
  38. Conforme decorre da factualidade descrita, sem prejuízo de a Requerente ter sido tributada por referência a terrenos para construção, com afectação habitacional, bem como por referência a prédios de espécie habitacional.
  39.  No demais está vedada a discussão da legalidade, por ser a mesma abstracta, uma vez que não tem conexão efectiva com a factualidade que deve ser dada como provada pelo Tribunal.
  40. Sem tal nexo de dependência entre a matéria do litígio e os fundamentos do juízo de inconstitucionalidade da norma em jogo tudo se limita a uma valoração abstracta do confronto entre a norma ou o princípio constitucional e a norma ordinária, portanto, sem conexão directa e efectiva com o "feito submetido a julgamento" (art. 204.º da CRP), com a consequência de se determinar a desaplicação de uma norma por inconstitucionalidade com base em fundamentos inaplicáveis à matéria do litígio.
  41. O que, determina, consequentemente a incompetência do Tribunal Arbitral para conhecer da questão, o que se peticiona.
  42. Não procede o entendimento de que é inconstitucional, por infracção ao princípio da igualdade, a tributação dos terrenos para construção sem atender ao tipo de prédio que nestes poderá vir a ser edificado.
  43. Porque a realidade factual dos autos e a respectiva subsunção destes às normas legais, não é alterada pela configuração, em termos singulares, desta afectação potencial, sob pena de o presente Tribunal efectuar um juízo (vedado) de inconstitucionalidade parcial vertical.
  44. O que aqui está em causa na situação configurada para efeitos do juízo de inconstitucionalidade é simplesmente a caracterização normativo-tributária de prédio urbano, a qual resulta dos conceitos próprios do CIMI (cf. art.º 6.º) e, onde, os terrenos para construção são um dos tipos de prédios urbanos aí previstos.
  45. Assim, por força da exclusão de tributação prevista no n.º 2 do artigo 135.º-B do Código do IMI, a aferição deve ser feita, conforme resulta do aí previsto, nos termos da tipologia prevista no artigo 6.º do Código do IMI.
  46. Não é pertinente, segundo a AT, nem conforme com o princípio da igualdade fazer relevar, para efeitos de um juízo de conformidade constitucional do AIMI, a eventual componente da futura edificação em causa no terreno para construção.
  47. Desta forma, na data da tributação em AIMI dos terrenos para construção, só cabe atender à própria realidade do terreno, tal como o mesmo é legalmente caracterizado, e tendo em conta o VPT constante da matriz.
  48. Não uma edificação futura, com a consequente espécie de prédio urbano que venha a surgir subsequentemente, incluindo as fracções autónomas ou andares susceptíveis de utilização independente que possam existir, que, verdadeiramente, são meras abstracções virtuais de situações não constituídas nem jurídica, nem factualmente.
  49. Isto significaria, afinal, que a tributação se determinaria, em vez da capacidade contributiva actual e efectiva, em função de uma capacidade contributiva futura e eventual.
  50. O juiz, ao aplicar a lei, não poderá fazer discriminação entre situações iguais e o legislador não poderá editar leis que acarretem tratamentos desiguais a situações iguais.
  51. Conclui a AT que, atento todo o exposto, não pode, por conseguinte, haver no presente excurso, qualquer censura sobre a conformidade jurídico-constitucional do AIMI.
  52. Não merecendo a liquidação impugnada qualquer censura, deve o pedido arbitral ser julgado improcedente, com as demais consequências legais.
  53. No que se refere ao pagamento de juros indemnizatórios, por tudo quanto supra se disse, entende-se não enfermar o acto de liquidação de vício que deva ditar a sua anulação/ declaração de nulidade.
  54. No entanto, e sem conceder, sempre se dirá que, embora a Requerente não concretize em que termos peticiona os respectivos juros, os mesmos não são devidos já que aos serviços da AT não pode ser imputado qualquer erro de facto ou de direito, dada a obediência à lei que enforma toda a sua actividade.

 

II – SANEADOR

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos arts 4.º e 10.º do RJAT e do art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

Quanto à competência do Tribunal.

A Requerida suscita a incompetência do Tribunal Arbitral para apreciação de qualquer uma das questões que ultrapassem a apreciação da tributação por referência aos terrenos para construção, com afectação habitacional, bem como por referência a prédios de espécie habitacional já que, quanto ao mais, não tendo, segundo a Requerida conexão efectiva com a factualidade que deve ser dada como provada pelo tribunal, está vedada a discussão da legalidade, por ser a mesma abstrata.

Segundo a Requerida, sem tal nexo de dependência entre a matéria do litígio e os fundamentos do juízo de inconstitucionalidade da norma em jogo tudo se limita a uma valoração abstracta do confronto entre a norma ou o princípio constitucional e a norma ordinária, portanto, sem conexão directa e efectiva com o "feito submetido a julgamento" (art.º 204.º da CRP), com a consequência de se determinar a desaplicação de uma norma por inconstitucionalidade com base em fundamentos inaplicáveis à matéria do litígio.

Para além disso, não cabe, segundo a Requerida, qualquer hipótese de julgamento de inconstitucionalidade do AIMI com base na violação do princípio da igualdade e capacidade contributiva partindo-se de premissas que se baseiam numa comparação entre o que é factual do que são meros juízos de prognose sobre situações não constituídas.

Quanto a isto, que sendo um pressuposto processual, tem que ser apreciado antes da relação material controvertida em apreço nos presentes autos, pelo que cumpre decidir:

O Tribunal Arbitral tem a sua competência determinada no art. 2.º n.º 1 al. a) do RJAT quanto à apreciação da legalidade dos actos de liquidação.

No caso em apreço foi impugnado um acto de liquidação em relação ao qual a Requerente suscita ilegalidades no exercício do seu direito de sindicância do aludido acto.

Desta forma, cabe ao Tribunal Arbitral apreciar os alegados vícios e se os mesmos afectam ou não a liquidação.

As questões suscitadas pela Requerente e a forma como enquadra a matéria constitui o âmbito da procedência, ou não, do pedido pelo que, nessa esteira, sempre incumbirá ao Tribunal determinar, nada tendo a ver, ou comprometendo, a competência do Tribunal Arbitral.

A configuração do objecto da impugnação, das circunstâncias em que a Requerente o enquadra é suficiente para que sejam questões concretas, mormente no que tange à constitucionalidade, já que a posição que se assumir tem potenciais reflexos na liquidação em apreço.

Desta forma, conclui-se que o Tribunal Arbitral é competente para apreciar as questões suscitadas.

Não se verifica outra matéria de excepção para apreciar, o processo não enferma de nulidades, pelo que se impõe conhecer, agora, do mérito da causa.

 

 

III. MÉRITO

  1.  MATÉRIA DE FACTO
    1. Factos provados e não provados

Cabe ao tribunal selecionar os factos que importam para a decisão da causa e discriminar a matéria provada da não provada (conforme artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (conforme anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos abaixo elencados.

 

  1. A Requerente é uma sociedade imobiliária cujo objecto social compreende a compra e venda de imóveis detendo património imobiliário.
  2. A Requerente foi notificada do acto tributário de liquidação de AIMI com o n.º 2017..., de 30.06.2017, relativo ao ano de 2017, no montante de € 25.010,88 (Doc. N.º 1 junto com o pedido arbitral).
  3. Para efeito de liquidação adicional de AIMI, foi considerado como matéria colectável o somatório do valor patrimonial tributário dos dez prédios de que a Requerente é titular com os arts. matriciais n.os ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ..., Freguesia de ..., concelho de ..., inscritos na matriz como afectos: a “habitação” e “ terreno para construção” (Conforme Doc. N.º 1 junto com o pedido arbitral e cadernetas prediais juntas com a Resposta).
  4. Os arts. ..., ..., ..., ... e..., correspondem a terreno para construção com a menção de “habitação” no tipo de coeficiente de localização, quanto aos demais artigos têm a menção de “habitação” no tipo de coeficiente de localização (vd. cadernetas prediais juntas com a Resposta).
  5. A Requerente procedeu, em 19.09.2017, ao pagamento da referida liquidação (doc. N.º 2 junto com o pedido arbitral).
  6. A Requerente celebrou um denominado contrato de promessa de cessão de exploração a 14/01/1998, e um denominado contrato de cessão de exploração, com B..., Lda., de estabelecimento de restauração, complexo de bar e piscinas, apartamentos turísticos e instalações de apoio, situados em ..., na freguesia de ..., ... (docs. n.os 3 e 4 juntos com o pedido arbitral).
  7. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi apresentado em 27.12.2017.

 

Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa, considerando as possíveis soluções de direito.

Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, a prova documental junta aos autos e que os factos que resultam provados destes elementos probatórios, com relevo para a decisão, não se deu como provado o facto abaixo elencados.

 

  1. Quais os imóveis que fazem parte do âmbito do objecto do contrato de promessa de cessão de exploração e do contrato definitivo de cessão de exploração referidos na alínea f) supra.

 

  1. Motivação quanto à matéria de facto

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pelas Partes, bem como nas posições assumidas pelas Partes nas suas peças escritas.

Quanto aos factos dados como não provados, com relevância para a causa, cuja prova incumbia à Requerente e que esta não fez.

Das cadernetas prediais juntas aos autos identificam-se 10 prédios da Requerente, da Freguesia de ..., concelho de ..., inscritos na matriz como afectos: a “habitação” e “terreno para construção”, conforme dado como provado.

Do teor das cadernetas resulta, da descrição dos prédios que são, ou terrenos para construção ou os prédios em que a construção descrita se encontra em propriedade total sem andares nem divisões susceptíveis de utilização independente sendo que, para os prédios em apreço, o Mod. 1 do IMI foi apresentado sempre depois de 2012.

É do suporte documental que partimos e, ainda que se desse prevalência à substância em detrimento da declaração formal, a verdade é que aquela importa um exercício probatório que afaste este elemento formal e permita, com segurança, concluir que a relação material é distinta e, portanto, deve prevalecer sobre o elemento documental, in  casu, o teor das cadernetas prediais.

O que não se verificou, de todo, nos presente autos.

Do contrato de promessa de cessão de exploração, celebrado em 1998 e a partir do qual, segundo a Requerente, iniciou imediatamente os seus efeitos, resulta a identificação do objecto deste contrato preliminar – no anexo I deste documento por referência ao considerando A. – em que são descritas as infraestruturas de um estabelecimento, como sejam a piscina, o restaurante, o bar, o welnes center e um conjunto de 36 apartamentos (de diferentes tipologias) e 3 moradias mas do qual não permite qualquer correspondência com o ou os, todos ou em parte, prédios em apreço nos autos.

No próprio considerando A. do contrato de promessa, a Requerente descreve a propriedade de que é titular, mas sem qualquer referência a qualquer um dos prédios em apreço, ou sequer se se refere a parte deles, ou a todos. Menciona, isso sim, que a Requerente é proprietária e legítima possuidora de um “estabelecimento de restauração, do complexo de bar e piscinas, os apartamentos turísticos e das instalações de apoio situados em ..., na freguesia de..., ..., identificados na relação que fica junta ao presente contrato-promessa e dele fazendo parte integrante como Anexo I”.

Da propriedade deste estabelecimento e conjunto de infraestruturas da Requerente, somos emetidos para o anexo I, como referido, mas do qual, também não retiramos qualquer outra informação que pudesse permitir fazer a correspondência entre esse “complexo” e qualquer um dos prédios em apreço nos autos.

Ao que acresce o facto de, com o contrato de cessão de exploração, este o contrato definitivo, se refere a anexos, com identificação de imóveis, sem os mesmos resultarem de qualquer parte do contrato com a descrição que permita fazer essa correspondência com o que está em análise neste processo.

Ainda que se pudesse admitir que o objecto do contrato definitivo era o mesmo do contrato de promessa, a verdade é que neste contrato definitivo as partes referem-se a mais 10 apartamentos – conforme, nomeadamente, considerando D. do contrato de cessão de exploração – e, portanto, com um objecto distinto do contrato de promessa, mas que, em momento algum os mesmos resultam identificados, nem a Requerente o fez, como lhe incumbia, neste processo para poder afastar o elemento formal dando prevalência à substância.

Assim, face ao teor dos contratos, a descrição do estabelecimento e demais complexo hoteleiro que dos mesmos resulta não nos permitem fazer uma correspondência com os prédios em apreço nos autos, seja em parte, seja em todo, considerando a descrição dos prédios que consta das cadernetas prediais.

Assim, do teor das cadernetas prediais dos imóveis de que a Requerente é titular e, não havendo demonstração de afectação distinta que nos permita concluir quais os prédios afectos a outro fim que não seja “habitação”, seja no todo ou em parte, temos que nos cingir ao conteúdo destas conforme dado como provado.

Afastar esta afectação constituía um ónus da Requerente que esta não cumpriu, ou seja, sempre se imporia que a Requerente demonstrasse que, materialmente, os prédios tinham uma afectação distinta, considerando que esta afirma que todos os imóveis se encontram afectos a exploração no âmbito da actividade hoteleira, quer os existentes à data da celebração do contrato de promessa, quer outros apartamentos, novos, entretanto construídos e inseridos no âmbito do contrato definitivo mas, do teor dos documentos que junta esse exercício de subsunção não resulta possível.

A verdade é que não há qualquer anexo ou descrição em qualquer um dos contratos de onde resulte qualquer identificação dos prédios, ou qualquer forma de identificação cabal que permitisse, pelo menos com uma descrição ainda que não fosse o próprio artigo matricial, fazer correspondência com algum dos imóveis em apreço nos autos.

Do teor documental e, consequentemente da prova produzida, não há qualquer identificação cabal que permita concluir que os prédios em apreço nos autos se incluem no âmbito do objecto de qualquer um daqueles negócios.

Da prova produzida pela Requerente damos como não provado o facto supra descrito.

Desta forma, ainda que a Requerente junte contratos aos autos, em momento algum – considerando até o teor dos documentos que se refere concretamente a anexos, seja referentes a uma parte do contrato ou a outro elemento ou suporte, para identificar quais os imóveis que se incluirão no negócio – podemos, face à prova produzida pela Requerente, ou à falta dela, e a quem incumbia fazê-lo, concluir que os prédios em apreço nos autos, parte deles ou todos, fazem parte do âmbito do objecto do contrato de promessa e do contrato de cessão de exploração referidos na alínea f) supra.

Desta forma, damos como não provado que os imóveis que se podem incluir no âmbito dos aludidos contratos são, actualmente, os dez prédios de que a Requerente é titular com os arts. matriciais n.os ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e..., da Freguesia de ..., concelho de ..., inscritos na matriz como afectos: a “habitação” e “terreno para construção” e que foram considerados para efeito de liquidação adicional de AIMI em apreço nos autos.

 

2. MATÉRIA DE DIREITO

 

2.1. Questões principais

 

Do peticionado pela Requerente resultam as seguintes questões de fundo a apreciar neste processo e que elencamos de seguida:

  1. Da incidência objectiva do AIMI em função da afectação às actividades económicas dos imóveis e da relevância, para efeitos de incidência, dos prédios detidos por sociedades comerciais, como a Requerente.
  2. O apuramento do valor patrimonial tributário sujeito a AIMI em prédios urbanos classificados como “comerciais, industriais e para serviços” e dos "terrenos para construção” cuja potencial utilização coincida com fins “comerciais, industriais ou serviços”.
  3. Da inconstitucionalidade do regime de tributação em AIMI por violação do princípio da igualdade, consagrado no art. 13.º da CRP, e dos princípios da igualdade fiscal e da capacidade contributiva consagrados no art. 104.º, n.º 3 da CRP.

 

Indicando a Requerente uma ordem de subsidiariedade na imputação de vícios à liquidação impugnada, será de observá-la na sua apreciação, como decorre da alínea b) do n.º 2 do artigo 124.º do CPPT, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

 

Cumpre decidir:

 

  1. Da incidência objectiva do AIMI em função da afectação às actividades económicas dos imóveis e da relevância, para efeitos de incidência, dos prédios detidos por sociedades comerciais, como a Requerente.

 

O Adicional ao IMI, aditado ao Código do IMI pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, com alterações subsequentes, estabelece, no seu art. 135.º-A, que

1 - São sujeitos passivos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis as pessoas singulares ou coletivas que sejam proprietários, usufrutuários ou superficiários de prédios urbanos situados no território português.

2 - Para efeitos do n.º 1, são equiparados a pessoas coletivas quaisquer estruturas ou centros de interesses coletivos sem personalidade jurídica que figurem nas matrizes como sujeitos passivos do imposto municipal sobre imóveis, bem como a herança indivisa representada pelo cabeça de casal.

3 - A qualidade de sujeito passivo é determinada em conformidade com os critérios estabelecidos no artigo 8.º do presente Código, com as necessárias adaptações, tendo por referência a data de 1 de janeiro do ano a que o adicional ao imposto municipal sobre imóveis respeita.

4 - Não são sujeitos passivos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis as empresas municipais.

 

Quanto à incidência objectiva deste imposto adicional estabelece o seguinte:

Artigo 135.º-B

Incidência objectiva

1 - O adicional ao imposto municipal sobre imóveis incide sobre a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos situados em território português de que o sujeito passivo seja titular.

2 - São excluídos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis os prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º deste Código.

A Requerente defende que este regime exclui da incidência do AIMI «os prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º» do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), pelo que apenas são abrangidos os prédios urbanos afectos a fins habitacionais e os terrenos para construção, tal como definidos naquele artigo 6.º.

 

O artigo 6.º do CIMI estabelece o seguinte:

1 - Os prédios urbanos dividem-se em:

a) Habitacionais;

b) Comerciais, industriais ou para serviços;

c) Terrenos para construção;

d) Outros.

2 - Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.

3 - Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infraestruturas ou equipamentos públicos.

4 - Enquadram-se na previsão da alínea d) do n.º 1 os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem se encontrem abrangidos pelo disposto no n.º 2 do artigo 3.º e ainda os edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os referidos no n.º 2 e ainda os da excepção do n.º 3.

Desta delimitação negativa de incidência, a Requerente extrai a conclusão de que se pretendeu criar um imposto sobre a fortuna imobiliária, em que os prédios urbanos afectos às actividades económicas não estarão sujeitos a tributação em AIMI.

Quanto a esta questão, que inclui de forma abrangente quer as actividades económicas, quer o concreto sujeito passivo que detém os prédios, seguimos a posição adoptada com o acórdão proferido a 04.05.2018, no proc. 675/2017-T (que pode ser consultada em www.caad.org.pt), que transcrevemos:

“A preocupação legislativa de “evitar o impacto deste imposto na atividade económica” foi anunciada na Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2017 e era concretizada através da exclusão do âmbito de incidência dos «prédios urbanos classificados na espécie “industriais”, bem como os prédios urbanos licenciados para a atividade turística, estes últimos desde que devidamente declarado e comprovado o seu destino» e da dedução ao valor tributável do montante de «€ 600 000,00, quando o sujeito passivo é uma pessoa coletiva com atividade agrícola, industrial ou comercial, para os imóveis diretamente afetos ao seu funcionamento».

No entanto, não foi com base na actividade a que estão afectos os imóveis que veio a ser definida a exclusão de incidência, pois na redacção que veio a ser aprovada, definiu-se a não incidência apenas com base nos tipos de prédios indicados no artigo 6.º do CIMI, sem qualquer alusão à afectação ou não ao funcionamento das pessoas colectivas.

Se tivesse sido mantida, na redacção final do Orçamento, a intenção legislativa de afastar a incidência sobre os imóveis diretamente afectos ao funcionamento das pessoas colectivas, decerto teria sido mantida a referência a esta afectação que constava da proposta e que expressava claramente essa opção legislativa.

Assim, tendo sido suprimida essa alusão à afectação dos imóveis, não há suporte legal para concluir que os prédios habitacionais e os terrenos para construção afectos ao funcionamento das pessoas colectivas não relevem para a incidência do AIMI”.

 Como resulta da decisão, cuja posição sufragamos, «na falta de outros elementos que induzam à eleição do sentido menos imediato do texto, o intérprete deve optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas, e designadamente ao seu significado técnico-jurídico, no suposto (nem sempre exacto) de que o legislador soube exprimir com correcção o seu pensamento»[1].

Na situação que estamos a analisar, não há razão para concluir que o legislador não soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, como tem de se presumir, por força do disposto no artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil.

Por isso, é de concluir que o facto de a Requerente deter os imóveis referidos nos autos no âmbito das suas actividades económicas, ainda que afectos a “habitação”, não afasta a incidência do AIMI.

 

2.1.2. O apuramento do valor patrimonial tributário sujeito a AIMI em prédios urbanos classificados como “comerciais, industriais e para serviços” e dos "terrenos para construção” cuja potencial utilização coincida com fins “comerciais, industriais ou serviços”

 

No entender da Requerente está expressamente excluída do âmbito da incidência objectiva deste Adicional os “prédios urbanos classificados como comerciais, industriais ou para serviços” que, segundo a Requerente o perspectivou, seria o caso.

De facto, a Requerente juntou um contrato de promessa de cessão de exploração e um contrato definitivo, mas não resulta de qualquer um dos documentos quais os imóveis que se encontram no âmbito desses negócios.

A Requerente não cumpriu o ónus de prova que lhe incumbia de demonstrar, materialmente, a afectação de cada um dos imóveis em apreço nos autos, já que, e isso sim fica demonstrado, das cadernetas prediais juntas, cada um dos imóveis em apreço se destina a “habitação” o que não foi actualizado, segundo a Requerente por “múltiplos atrasos na emissão das licenças turísticas dos mesmos”.

Considerando que o contrato de promessa referido seja de 1998 e tendo, com base neste, segundo a Requerente, logo nessa altura (1998) sido cedida a exploração, pouco credível se assume que o atraso nas aludidas licenças dure há vinte anos.

De qualquer forma, e independentemente disso, dos elementos documentais existentes resulta, isso sim, que para cada um dos prédios, a afectação é “habitação”, não sendo esta realidade afastada, o que sempre incumbiria à Requerente fazer, remetendo, nesta parte, para a fundamentação da matéria de facto dada como não provada supra.

Assim, concluímos que os prédios em apreço nos autos se destinam a “habitação”.

Desta forma, os prédios em causa encontram-se no âmbito da incidência objectiva do AIMI não havendo nada mais a considerar quanto a esta questão por ausência da demonstração que os prédios se destinam a fim distinto do que consta da caderneta, a saber: “habitação”.

Quanto ao terreno para construção:

A Requerente alega, com grande acuidade, que o art. 135.º-B do CIMI deve ser interpretado no sentido de que não se deve considerar para efeitos de AIMI os terrenos para construção que não se destinam a habitação em coerência com a opção de excluir a incidência sobre os prédios classificados como “comerciais, industriais u para serviços”.

Mas, e independentemente do alegado pela Requerente quanto à futura construção, a verdade é que, tal como ficou dado como provado, o tipo de coeficiente de localização é “habitação” não tendo sido demonstrado qualquer outro fim para aqueles terrenos como incumbiria à Requerente fazer.

Alias, o mesmo aqui se diga quanto aos contratos de promessa de cessão de exploração e de exploração juntos que são omissos quanto à cabal identificação dos prédios objecto do negócio.

Desta forma, nada há a ponderar já que a Requerente, tal como lhe incumbia, teria que, desde logo demonstrar e provar – o que não fez – que a potencial utilização coincida com fins “comerciais, industriais ou serviços”.

O que, não tendo ficado provado, e considerando o tipo de afectação que consta da caderneta predial o prédio encontra-se no âmbito da incidência objectiva do AIMI.

 

 

2.1.3. Da inconstitucionalidade do regime de tributação em AIMI por violação do princípio da igualdade, consagrado no art. 13.º da CRP, e dos princípios da igualdade fiscal e da capacidade contributiva consagrados no art. 104.º, n.º 3 da CRP.

 

A Requerente invoca, ainda, a título subsidiário, a inconstitucionalidade do AIMI, com argumentos que apreciamos, separadamente:

 

2.1.3.1. A tributação dos "terrenos para construção": a (ilegal) desconsideração do critério legal da afectação do prédio

 

A Requerente sustenta «que o regime de tributação em AIMI é contrário ao princípio basilar da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP e, em paralelo, contrário ao princípio da igualdade fiscal e da capacidade contributiva consagrados no artigo 104.º, n.º 3 do mesmo diploma.

Sustenta então a Requerente que o regime legal do AIMI, em concreto, os respectivos artigos 135.º-A e 135.º-B do CIMI – quando interpretados no sentido de incluir no âmbito de aplicação do AIMI os “terrenos para construção” com fins de comércio, indústria, serviços ou outros – promovem um tratamento diferenciado e uma desigualdade injustificada entre contribuintes, em manifesta violação do princípio da igualdade consagrado no art. 13.º da CRP.

Não estando, in casu, um terreno para construção cuja afectação seja para fins de comércio, indústria ou serviços, esta questão encontra-se já foi apreciada no ponto anterior, pelo que se remete para o que aí foi referido.

 

2.1.3.2. A inconstitucionalidade por tributação do substrato de uma actividade económica e da natureza dos sujeitos passivos

 

Quanto a esta temática, uma vez mais, assumimos a posição do acórdão proferido pelo CAAD em 04.05.2018, no proc. 675/2017-T (que pode ser consultada em www.caad.org.pt), que passamos a citar:

«No que respeita à invocada obrigação de a Autoridade Tributária e Aduaneira aplicar a lei, não lhe competindo fiscalizar a inconstitucionalidade, é irrelevante para apreciação da legalidade da liquidação impugnada, pois este Tribunal Arbitral tem tal competência, pois não pode «aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados» (artigo 204.º da CRP).

Por isso, a obrigação de a Autoridade Tributária e Aduaneira aplicar a lei não constitui fundamento para afastar a eventual ilegalidade da liquidação.

O artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa proclama o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei e o artigo 104.º, n.º 3, da CRP estabelece que “a tributação do património deve contribuir para a igualdade entre os cidadãos”.

Como vem sendo uniformemente entendido pelo Tribunal Constitucional, o princípio da igualdade, como limite à discricionariedade legislativa, não exige o tratamento igual de todas as situações, mas, antes, implica que sejam tratados igualmente os que se encontram em situações iguais e tratados desigualmente os que se encontram em situações desiguais, de maneira a não serem criadas discriminações arbitrárias e irrazoáveis, porque carecidas de fundamento material bastante.

O princípio da igualdade não proíbe que se estabeleçam distinções, mas sim, distinções desprovidas de justificação objectiva e racional[2].

A criação do AIMI, como tributo complementar sobre o património imobiliário, que visou introduzir na tributação «um elemento progressivo de base pessoal, tributando de forma mais elevada os patrimónios mais avultados» (Relatório do Orçamento para 2017, página 60) compagina-se com o objectivo de a tributação do património dever contribuir para a igualdade entre os cidadãos, afirmado no n.º 3 do artigo 104.º da CRP, pois a progressividade tem como corolário, tendencialmente, impor maior tributação a quem tem maior capacidade contributiva.

Por outro lado, a exclusão de tributação dos prédios especialmente vocacionados para a actividade produtiva, designadamente os «comerciais, industriais ou para serviços», encontra fundamento constitucionalmente aceitável na obrigação de o Estado promover o aumento do bem-estar económico, que pressupõe bom funcionamento das actividade produtivas e constitui uma das suas incumbências prioritárias no âmbito económico [artigo 81.º, alínea a), da CRP].

Para além disso, na linha do que se entendeu no acórdão arbitral de 17-03-2016, proferido no processo n.º 507/2015-T, deverá entender-se que, enquanto a titularidade de património imobiliário destinado a habitação de valor elevado é um indício tendencialmente seguro de abastança económica, superior à da generalidade dos cidadãos, não se pode considerar que exista indício seguro de superior capacidade contributiva quando se está perante a titularidade de direitos sobre imóveis destinados ao exercício de actividades económicas (comerciais, industriais, prestação de serviços ou afins), pois eles têm de ser adequados ao funcionamento das respectivas empresas, não sendo a sua dimensão e correlativo valor indício de abastança”.

  Quanto à titularidade destes prédios habitacionais e terrenos para construção de prédios habitacionais, como é o caso, e independentemente da actividade que desenvolvem não se afigura ser merecedor de um tratamento discriminatório (positivamente) em relação aos demais cidadãos.

A questão da constitucionalidade, como o legislador enquadrou, tem fundamento quando restringe a incidência do AIMI aos prédios habitacionais e terrenos para construção de prédios habitacionais que, aliás, veio a ser consagrada na redacção aprovada para o n.º 2 do artigo 135.º-B do CIMI (e com a interpretação que resulta no que tange a terrenos para construção), seja quem for o seu titular e a que actividade se dedique.

Esta restrição que o legislador fez excluindo os imóveis afectos a actividades comerciais, industriais ou serviços encontra fundamento constitucional mas, na senda da decisão que temos vindo a seguir, “(…) a titularidade de um património imobiliário de valor elevado evidencia, como em relação a qualquer proprietário de imóvel destinado a habitação, uma especial capacidade económica para poder contribuir adicionalmente para o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, a que está consignada a receita do AIMI, e que «corresponde ao objetivo do programa do governo de alargar a base de financiamento da Segurança Social» (Relatório do Orçamento para 2017, página 57).

Por isso, a imposição à generalidade dos detentores de imóveis habitacionais ou terrenos para construção de prédios habitacionais não se afigura materialmente inconstitucional, à face dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva”.

 

            Improcedendo os pedidos de pronúncia arbitral, fica prejudicado, por ser inútil [art. 130º do Código do Processo Civil (CPC)], o conhecimento das demais questões colocadas, mormente quanto ao reembolso se quantias pagas e juros indemnizatórios.

 

IV. DECISÃO

 

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

  1. Julgar totalmente improcedentes os pedidos de pronuncia arbitral e, em consequência, absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira dos respectivos pedidos.
  2. Condenar a Requerente nas custas do processo.

 

V. VALOR DO PROCESSO

 

De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.º 2 do CPC, 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 25.010,88.

 

VI.  CUSTAS

 

Nos termos do art. 22º, nº 4 do RJAT, fixa-se o montante das custas em
€ 1.530,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, ficando a cargo da Requerente.

 

VII.  NOTIFICAÇÃO AO MINISTÉRIO PÚBLICO

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira requer a notificação desta decisão arbitral ao Ministério Público.

Uma vez que o Ministério Público não tem representação especial perante os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD (artigo 4.º, n.º 1 do Estatuto do Ministério Público), comunique-se esta decisão à Procuradoria-Geral da República, para os fins que tiver por convenientes.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 12 de julho de 2018

 

O árbitro,

 

 

Marisa Almeida Araújo

 



[1] BAPTISTA MACHADO, Introdução do Direito e ao Discurso Legitimador, página 182.

[2] Neste sentido, os acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 149/88, de 29-6-1988, proferido no processo n.º 282/86, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 378, pág. 192; n.º 169/90, de 30-5-1990, proferido no processo n.º 1/89, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 397, pág. 90; ou n.º 335/94, de 20-4-1994, proferido no processo n.º 61/93, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 436, pág. 129, entre outros.