Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 20/2018-T
Data da decisão: 2018-07-16  IMT  
Valor do pedido: € 5.067,75
Tema: IMT - Isenção de IMT (artigo 7.º do CIMT e artigo 270.º, n.º 2, do CIRE) – Competência do Tribunal Arbitral.
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

 

I. Relatório

 

1. A..., Lda., com sede na Rua..., n.º..., ..., n.º..., ...-... Guimarães, com o número identificação de pessoa coletiva..., requereu, “ao abrigo da alínea a), do n.º 1, do artigo 2.º, do n.º 2, do artigo 5.º, do n.º 1, do artigo 6.º e dos artigos 10.º e seguintes, todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e ainda dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março”, a constituição de Tribunal Arbitral com Árbitro Singular, sindicando a legalidade da liquidação oficiosa de Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis, no valor de € 5.062,20 e da liquidação de juros compensatórios no valor de €5,55, pedindo a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) no reembolso dos montantes indevidamente pagos, acrescido de juros indemnizatórios.

 

2. Compulsados os autos a partir do Sistema de Gestão Processual do CAAD, daí resulta, com interesse para a perceção do caso decidendo, a seguinte tramitação processual:

2.1. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite no dia 16 de janeiro de 2018, tendo nessa mesma data sido remetido à AT email informativo da entrada do pedido e do número de processo atribuído;

2.2.  A AT foi notificada da apresentação do pedido no dia 22 de janeiro de 2018, tendo, na sequência, procedido à designação das Senhoras Dras. B... e C..., juristas da Direção de Serviços de Consultadoria e Contencioso da Requerida, para intervirem no presente processo;

2.3. Posteriormente, o Conselho Deontológico do CAAD procedeu, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e na alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º, ambos do RJAT, à designação do signatário como árbitro, o qual comunicou a aceitação do encargo dentro do prazo disposto para o efeito;

2.4. As Partes foram notificadas da nomeação do árbitro nos termos na alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º, do RJAT, não tendo manifestado vontade de recusar tal designação;

2.5. Na sequência, com respeito pela disposição do artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, foi comunicada às Partes a constituição do Tribunal ocorrida no dia 26 de março de 2018;

2.6. Nesse mesmo dia, foi proferido despacho arbitral a notificar a Senhora Diretora-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, na qualidade de dirigente máxima dos serviços, para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta, proceder à junção de cópia integral do processo administrativo e, querendo, solicitar a produção de prova adicional;

2.7. A AT, na resposta, arguiu a incompetência de tribunal, apresentando igualmente defesa por impugnação e requereu que fosse dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, bem como a dispensa da realização de alegações. Juntou ainda dois documentos e o processo administrativo;

2.8. Compulsado o teor da Resposta, o Tribunal proferiu despacho arbitral determinando a notificação da Requerente para responder à matéria da exceção e para se pronunciar sobre a possibilidade de serem dispensadas tanto a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, como a produção de alegações;

2.9. A Requerente pronunciou-se pela improcedência da exceção e na mesma peça apresentou “defesa por impugnação” – artigos 26.º a 35.º –, concordando com a dispensa da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e com a produção de alegações;

2.10. Notificada dessa peça processual, a Requerida arguiu a nulidade desse requerimento na parte em que a Requerente apresentou defesa por impugnação;

2.11. Por fim, o Tribunal proferiu despacho considerando não escritos os artigos 26.º a 35.º do Requerimento de “Resposta à Pronúncia” da AT, dispensou a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e a produção de alegações, fixando a data da prolação da decisão arbitral.

 

3. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e encontram-se devidamente representadas, não enfermando o processo de quaisquer nulidades.

 

4. Tendo a Requerida suscitado questão prévia que constitui obstáculo ao conhecimento do mérito da causa, cumprirá apreciar prioritariamente tal questão.

 

 

II. Fundamentação

 

5. Matéria de facto

5.1. Factos provados

Com interesse para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:

5.1.1. Por escritura pública de compra e venda celebrada no Cartório Notarial de ..., no dia 26 de junho de 2014, perante o Notário D..., a Requerente adquiriu, pelo preço de € 77.880,00, o prédio urbano composto pelo Lote n.º...– Terreno para construção com a área de 1019 m2, situado no lugar de ..., freguesia de .., concelho de Guimarães, descrito na Conservatória do Registo Predial, Comercial e Automóveis de Guimarães sob o n.º .../...” (cf. Documento n.º 3, junto ao pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se considera aqui integralmente reproduzido).

5.1.2. Esse imóvel foi adquirido no âmbito da liquidação do ativo imóvel da massa insolvente da sociedade E..., S.A., contribuinte n.º..., no âmbito do processo que correu termos sob o n.º .../12...TBBRG-L, do ... Cível do Tribunal Judicial de Braga (cf. Documentos n.os 3 e 4, juntos ao pedido de pronúncia arbitral, aqui considerados integralmente reproduzidos).

5.1.3. No dia 19 de junho de 2014, foi emitida declaração pelo Administrador F..., com informação de que a mesma “se destina ao pagamento do Imposto de Selo e da liquidação do IMT”, onde se fez constar que o imóvel supra referido (cf. 5.1.1.) fora “adjudicado a A..., pelo valor de € 77.880,00, “no âmbito da liquidação do ativo imóvel da Massa Insolvente de E..., S.A., NIF:..., processo que corre termos sob o n.º .../12... TBBRG, ... Juízo Cível do Tribunal Judicial de Braga” (cf. Documento n.º 4, junto ao pedido de pronúncia arbitral, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

5.1.4. Tendo em vista a celebração da escritura notarial, a Requerente apresentou, em 25 de junho de 2014, no Serviço de Finanças de Guimarães –..., a declaração “Modelo 1 de IMT” relativa ao imóvel referido em 5.1.1., onde identificou como alienante a E..., NIPC..., que o bem se destinava a revenda, e que o valor global do ato ou contrato ascendia a €77.880,00 (cf. Documento n.º 5, junto ao pedido de pronúncia arbitral, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);

5.1.5. No mesmo dia 25 de junho de 2014, e na sequência dessa declaração, a AT emitiu o documento n.º..., onde consta, entre o mais, “Valor Patrimonial IMT: € 611.452,58 Valor Declarado: € 77.880,00 Benefícios: 15 – Prédios para revenda (Art.º 7.º do CIMT), 100% sobre a matéria colectável Matéria Colectável: € 611.452,58 Taxa: 6,50% Colecta: € 0.00 Valor Global do acto ou Contrato: € 77.880,00” (cf. Documento n.º 6, junto ao pedido de pronúncia arbitral, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

5.1.6. Na escritura refere-se terem sido exibidos os “Documento n.º. ... e ..., comprovativos respectivamente da isenção do pagamento do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis; e do pagamento do selo previsto na verba 1.1. da Tabela, emitidos em 25 do corrente, pela AT – Autoridade Tributária e Aduaneira” (cf. Documento n.º 3, junto ao pedido de pronúncia arbitral, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

5.1.7. A Requerente declarou na escritura que o imóvel adquirido se destinava a revenda (cf. Documento n.º 3, junto ao pedido de pronúncia arbitral, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

5.1.8. No dia 4 de agosto de 2017, deu entrada no Serviço de Finanças de Guimarães –..., um requerimento no qual a Requerente, tendo em conta que “o prédio em referência não foi revendido dentro do prazo de três anos”, solicitou a liquidação de IMT, considerando, para apuramento da matéria tributável, a regra 16.ª do n.º 4 do artigo 12.º do Código do IMT (cf. Documento n.º 7, junto ao pedido de pronúncia arbitral, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

5.1.9. Nesse mesmo requerimento, a Requerente pugnou pela “anulação da liquidação de IMT obrigatoriamente solicitada, onde se aplicou a isenção condicionada do artigo 7.º do Código do IMT, por vício de violação de lei, nomeadamente pela não aplicação de uma isenção de carácter automático, como é a do disposto no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, com todas as consequências legais, designadamente a emissão de nova liquidação em que se aplique a isenção de IMT prevista no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE” ou que, subsidiariamente, seja “ordenada a convolação da isenção condicionada do artigo 7.º do EBF na isenção automática estabelecida no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE” (cf. Documento n.º 7, junto ao pedido de pronúncia arbitral, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

5.1.10. A AT, através do ofício n.º..., de 6 de outubro de 2017, notificou a Requerente para solicitar as guias para realizar o pagamento de € 5.067,75, sendo € 5.062,20 de IMT e € 5,55 de juros compensatórios, deixando consignado que “[e]sta liquidação resulta do benefício obtido da isenção de IMT nos termos do artigo 7.º do CIMT, visto ter declarado que o prédio adquirido se destinava a revenda. [§] Sucede que um dos pressupostos para poder beneficiar da isenção era a venda desse imóvel, no prazo de três anos, sem ser novamente para revenda (...) havendo assim lugar à liquidação prevista no n.º 5 do art. 11.º do citado diploma” (cf. Documento n.º 8, junto ao pedido de pronúncia arbitral, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

5.1.11. O imposto e respetivos juros compensatórios foram liquidados nos termos constantes do documento n.º ... da AT (cf. Documento n.º 1, junto ao pedido de pronúncia arbitral, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

5.1.12. A Requerente efetuou o pagamento no dia 24 de outubro de 2017 (cf. Documento n.º 2, junto ao pedido de pronúncia arbitral, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

5.1.13. No dia 15 de janeiro de 2018, a Requerente formulou requerimento dirigido ao Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa, requerendo a constituição do Tribunal Arbitral, onde peticionou a “declaração de ilegalidade dos actos de IMT e de juros compensatórios em crise, com todas as demais consequências legais, incluindo o reembolso dos montantes pagos com os devidos juros legais, incluindo os juros indemnizatórios”.

 

5.2. Factos Não Provados

5.2.1. Não se provou que no dia 25 de junho de 2014, tivesse sido apresentada no Serviço de Finanças de Guimarães –..., conjuntamente com a “Modelo 1 de IMT”, a declaração emitida pelo administrador judicial e a escritura pública de compra e venda do prédio em referência.

 

5.3. Motivação da matéria de facto

Incumbe ao Tribunal o dever de selecionar a matéria de facto pertinente para a decisão judicativa, tomando em consideração a causa de pedir que sustenta a pretensão da Requerente. No caso sub judice, a decisão sobre os factos provados e não provados radicou, segundo o princípio da livre apreciação da prova, no acervo documental presente nos autos, tanto com o requerimento de pronúncia arbitral, como, posteriormente, com o Processo Administrativo, organizado nos termos do artigo 111.º do CPPT, e junto com a Resposta da Requerida.

Cumpre referir, quanto ao facto não provado, que sendo a escritura posterior à apresentação da declaração Modelo 1, encontramo-nos perante uma impossibilidade histório-material, determinando, et pour cause, que a mesma não pudesse ser apresentada num momento em que ainda não existia. Quanto à apresentação da declaração do administrador judicial, para além de não existirem referências a quaisquer anexos, pedidos ou declarações que acompanhassem a Modelo 1, a administração apurou a matéria tributável no valor de € 611.452,58, sem ter em consideração o disposto no artigo 12.º, n.º 4, regra 16.ª, do CIMT, algo a estaria vinculada por força da declaração em causa, sem que o sujeito passivo contra tal reagisse ou manifestasse.

 

6. Da exceção da incompetência do CAAD para o conhecimento do pedido formulado pela Requerente

 

6.1. Na sua Resposta, a Requerida apresentou defesa por exceção e por impugnação. Relativamente à matéria da exceção, os argumentos apresentados ao Tribunal foram os seguintes:

“(...)

4.º

A alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT determina que a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação da declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta.

5.º

E refere o artigo 4.º do RJAT que “A vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos.”

6.º

Ou seja, não estão abrangidos no âmbito da competência material do Tribunal Arbitral a apreciação de matérias relativas ao reconhecimento de isenções e benefícios fiscais.

7.º

Justamente, decorre do pedido e da causa de pedir deduzidos que a pretensão da Requerente consiste no reconhecimento de que reunia os pressupostos para usufruir da isenção prevista no artigo 270.º, n.º 2 do CIRE.

8.º

Assim resulta das disposições legais atrás invocadas, nomeadamente o disposto nos artigos 2.º e 4.º do RJAT, que o tribunal arbitral é incompetente em razão da matéria para apreciar e decidir o pedido da Requerente ou conhecer da matéria a ele respeitante.

9.º

Na verdade, os atos tributários relativos ao reconhecimento das isenções tributárias constituem atos destacáveis do procedimento tributário, suscetíveis de reação por parte dos sujeitos passivos através de meio próprio, não podendo a liquidação de imposto dela decorrente ser posta em causa através de impugnação judicial ou, no caso que ora interessa, através de pedido de pronúncia arbitral, conforme, por exemplo, é referido na jurisprudência plasmada no acórdão do STA n.º 0188/09, de 09/09/2009.

10.º

A propósito cumpre invocar o que se decidiu no Processo arbitral n.º 17/2012-T, de 14 de Maio de 2012:

“Na verdade, a falta de vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira ao tribunal arbitral traduz-se na imediata impossibilidade da eficácia subjectiva de um julgado que, se fosse proferido por este tribunal nas matérias excluídas, não produziria quaisquer efeitos sobre a parte que haveria de o executar, consubstanciando, portanto, falta de jurisdição, a qual é delimitada em função da matéria e, portanto, consubstancia a incompetência material deste tribunal. É, pois, para nós inequívoco, que a falta de jurisdição do tribunal para dirimir o litígio configura efectivamente a excepção dilatória de incompetência e não qualquer outra, fazendo- se, atenta a natureza arbitral do tribunal, uma leitura integrada do no1 do artigo 2º do RJAT, com o nº 1 do seu artigo 4º e, ainda, com o mencionado artigo 2.º da Portaria de Vinculação acima transcritos.”. (Sublinhado nosso).

11.º

Também a decisão proferida no Processo Arbitral n.º 310/2014-T, de 26 de Novembro de 2014, concluiu pela procedência da exceção da incompetência absoluta do Tribunal Arbitral em razão da matéria: “Ora, conforme tem sido jurisprudência constante deste Tribunal, a Requerida não se encontra vinculada à Jurisdição do CAAD quanto às matérias peticionadas pela Requerente (...).”

12.º

Considerando que a AT não se encontra vinculada à jurisdição arbitral relativamente a atos de reconhecimento de isenções em matéria tributária, será, assim de concluir pela incompetência do presente tribunal arbitral para decidir o presente litígio.

13.º

A incompetência do tribunal constitui uma exceção dilatória de conhecimento oficioso que determina a absolvição da instância nos termos do artigo 576.º e alínea a) do art.º 577.º do Código de Processo Civil (CPC) aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, o que desde já se requer.

14.º

Em consequência, deve o tribunal abster-se de conhecer ou de pronunciar-se sobre quaisquer questões relativas ao reconhecimento da isenção prevista no artigo 270.º, n.º 2 do CIRE, ou, em concreto nos presentes autos, a convolação de isenção pedida pela Requerente.

(...)”.

 

6.2. Tendo sido dispensada, com o acordo das partes, a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, foi notificada a requerente para exercer o contraditório sobre a referida exceção, o que veio a fazer, nos termos seguintes:

“(...)

3.º

Relativamente à excepção por incompetência do Tribunal Arbitral Tributário em razão da matéria, a AT afirma que “não estão abrangidos no âmbito da competência material do Tribunal Arbitral a apreciação de matérias relativas ao reconhecimento de isenções e benefícios fiscais.”.

4.º

Desde logo cumpre referir que não se entende como a AT consegue chegar a tal conclusão, uma vez que a Requerente requer expressamente (ao contrário do que refere a AT) a anulação “dos actos de liquidação adicional de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) titulada pelo documento único de cobrança n.º ... (no valor de € 5.062,20) e de liquidação de juros compensatórios titulada pelo mesmo documento único de cobrança n.º ...(no valor de € 5,55) dos quais resultou um valor global a pagar de € 5.067,75.” (nosso sublinhado).

5.º

Conforme o Tribunal oportunamente terá ocasião para verificar, o pedido da Requerente, no âmbito do presente processo, foi o da anulação das mencionadas liquidações de IMT, sendo que a menção à isenção de IMT na insolvência, como é a do disposto no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, constitui o fundamento legal, ao abrigo do qual se requer a anulação da referida liquidação.

6.º

Pelo que, não se entende, o motivo pelo qual a AT insiste ao longo de toda a sua resposta que o que realmente pretende a Requerente é o reconhecimento de que reunia os pressupostos para usufruir da isenção prevista no artigo 270.º, n.º 2 do CIRE.

7.º

Seria de facto bastante desejável que a AT, por sua própria iniciativa e em cumprimento do princípio da legalidade a que está obrigada por força do artigo 55.º da LGT, tivesse entendido, como era seu dever, que por se tratar de uma aquisição de um activo da massa insolvente, e no âmbito do processo de liquidação da massa insolvente da vendedora, o negócio jurídico de compra e venda descrito na petição inicial beneficiava da isenção prevista pelo n.º 2 do artigo 270.º do CIRE.

8.º

Mas como não o fez até ao presente (não encontrando a Requerente justificação para tal inércia), nada mais resta à Requerente do que pedir anulação da liquidação de IMT titulada pelo documento único de cobrança n.º..., com fundamento na sua ilegalidade, uma vez que tal acto não teve em consideração a isenção de carácter automático, como o é a do disposto no n.º 2 do artigo 270.o do CIRE, à luz, entre outros, do princípio da legalidade, da cooperação, da justiça e da colaboração (cfr. artigos 48.º do CPPT, 8.º, 55.º e 59.º, todos da LGT, 266.º da CRP e 3.º do CPA).

9.º

Como certamente este Tribunal terá oportunidade de verificar (e o que, lamentavelmente, por razões inexplicáveis no quadro de um Estado de Direito, a AT se recusa a fazer).

10.º

Diga-se ainda, que na resposta apresentada pela AT é citada jurisprudência do CAAD, que nos propomos aqui sumariamente analisar, sempre na perspetiva de apurar da razão da sua invocação e se, efectivamente, a mesma pode ser utilizada a seu favor.

11.º

Começando pelo processo n.º 17/2012-T (Árbitro-presidente Alexandra Coelho Martins, Árbitro-adjunto Conceição Gamito e Árbitro-adjunto Júlio Tormenta).

12.º

Trata-se de um pedido de pronúncia arbitral sobre a legalidade de actos tributários de liquidação adicional de IVA, com base na aplicação de métodos de avaliação indirectos.

13.º

O Tribunal entendeu que não pode apreciar a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação adicional do IVA por “se está vedada a apreciação de pretensões que se refiram à decisão do procedimento de revisão, cujo objecto é o da determinação da matéria tributável por métodos indirectos, e se a causa de pedir da presente acção é precisamente o excesso de quantificação dessa matéria (cerne do próprio procedimento de revisão), então dúvidas não restam de que a apreciação do acto de liquidação, com fundamento nesse excesso de quantificação, está excluída da jurisdição deste tribunal.”.

14.º

Pelo que, não se compreende a razão de ser da invocação, pela AT, desta decisão como sendo a seu favor, tendo em conta que a questão da excepção que nos preocupa nos presentes autos não é abordada naquela decisão.

15.º

Relativamente ao processo n.º 310/2014-T (Tribunal: a Árbitro Filipa Barros) trata-se de um

“pedido de anulação dos atos tributários alicerça-se no não preenchimento dos pressupostos legais de aplicação de métodos indiretos e no excesso de quantificação da matéria coletável, também por via da aplicação critérios de avaliação indireta.”.

16.º

Tendo o Tribunal decidido que “conforme tem sido jurisprudência constante deste Tribunal, a Requerida não se encontra vinculada à Jurisdição do CAAD quanto às matérias peticionadas pela Requerente, que são objeto das liquidações adicionais de IVA, efectuadas exclusivamente por recurso a métodos indiretos, e não por força da violação do regime de preços de transferência, conforme resulta claramente do processo administrativo.”.

17.º

Pelo que, uma vez mais, não entendemos a razão pela qual a AT invocou na sua resposta esta decisão, utilizando-a, pretensamente, a favor da sua tese.

18.º

Com efeito, isso sim, de forma muito cristalina e bem fundamentada, o Tribunal Arbitral Tributário, no processo n.º 252/2016-T, tendo em conta tratar-se de um caso que é de todo semelhante ao da Requerente, refere que, “Ora, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral por não se conformar com o acto de liquidação adicional de IMT a que se referem os presentes autos.”.

19.º

Pelo que, o Tribunal Arbitral entendeu que, “É claro que a análise a que o tribunal arbitral terá de proceder pode incluir um juízo sobre a susceptibilidade de poder a Requerente beneficiar das mencionadas isenções, mas essa apreciação será sempre feita à luz do necessário discernimento sobre a ilegalidade, ou não, do acto de liquidação adicional de IMT que motivou o presente pedido de pronúncia arbitral.” (nossos negritos).

20.º

Assim, a Requerente não pode deixar de afirmar que o Tribunal Arbitral é materialmente competente para apreciar o pedido formulado, nos termos do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

21.º

É importante invocar ainda a decisão referente ao processo n.º 742/2015-T, do Tribunal Arbitral, que merece da Requerente absoluta concordância, “(...) No caso concreto em apreço, o ato sindicado pela Requerente não é, tout court, a revogação do benefício fiscal que inicialmente lhe foi reconhecido pela AT, que admite não lhe ser aplicável, mas sim o ato de liquidação subsequente a essa revogação (...).”.

22.º

Diga-se até, que o próprio Tribunal Arbitral tem competência para verificar os pressupostos legais de que depende a isenção em causa.

23.º

A matéria foi já objecto de apreciação pelos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, por isso, vale apena atender ao que ficou dito no acórdão referente ao processo n.º 599/2015- T:

“Na verdade, não há qualquer norma especial do processo de insolvência que atribua competência aos tribunais judiciais para reconhecerem isenções fiscais e o regime geral dos benefícios fiscais contraria inequivocamente essa hipótese.

Com efeito, o Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) aplica-se a todos os benefícios fiscais (seu artigo 1.º). Do artigo 5.º do EBF resulta que os benefícios fiscais, quando são automáticos, não são objecto de qualquer acto autónomo de reconhecimento, pelo que é no próprio momento adequado a decidir se deve ser praticado um acto de liquidação que se coloca a questão da verificação pela Autoridade Tributária e Aduaneira da ocorrência ou não dos pressupostos do benefício fiscal.

No específico caso da isenção prevista no artigo 270.º do CIRE, está-se perante um benefício fiscal para o qual só se prevê, no artigo 16.º, n.º 2, do CIRE, a necessidade de reconhecimento prévio pela Autoridade Tributária e Aduaneira quando aplicado no âmbito de processo de reestruturação e revitalização de empresas, previsto no Decreto-Lei n.º 178/2012, de 3 de Agosto. Nos outros casos enquadráveis no artigo 270.º do CIRE, não se prevendo expressamente a necessidade de reconhecimento prévio (nem no CIRE, nem no EBF, nem no artigo 10.º do CIMT), está-se perante isenção de reconhecimento automático, competindo a sua verificação e declaração ao serviço de finanças onde for apresentada a declaração prevista no artigo 19.º, n.º 1, do CIMT, como resulta do disposto na alínea d) do n.º 8 daquele artigo 10.º.

Por outro lado, sendo o direito a benefícios fiscais direito em matéria tributária, a possibilidade do seu reconhecimento directo pelos Tribunais está reservada aos Tribunais Tributários, através da acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária, nos termos dos artigos 212.º, n.º 3, da CRP, 144.º, n.º 1,da Lei da Organização do Sistema Judiciário (Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto), 49.º, n.º 1,alínea c), do ETAF, 101.º, alínea b) da LGT e 97.º, n.º 1, alínea h) e 145.º do CPPT, pelo que não há qualquer suporte legal para afirmar a competência exclusiva dos Tribunais Judiciais para reconhecimento da isenção em apreço.”.

24.º

Pelo que, desde já, se requer a não procedência da excepção invocada pela AT pois o pedido e a causa de pedir deduzidos consistem na anulação da liquidação adicional de IMT e respectivos juros compensatórios, apreciação que o Tribunal deve efectuar à luz do necessário discernimento sobre a ilegalidade, ou não, dos referidos actos de liquidação que motivaram o presente pedido de pronúncia arbitral, nomeadamente, por aqueles assentarem nos seguintes erros sobre os pressupostos de facto e de direito:

a)  Por se tratar de uma aquisição de um activo da massa insolvente, e no âmbito do processo de liquidação da massa insolvente da vendedora, o negócio jurídico de compra e venda em referência beneficiar da isenção prevista pelo n.º 2 do artigo 270.º do CIRE;

b)  Por se tratar de uma isenção prevista na lei, sem estipulação de qualquer limite ou condição, sendo a mesma automática; 


c)  Por se tratar de uma posição da AT que esbarra com o princípio da legalidade consagrado no artigo 8.º da LGT e no âmbito do qual a AT exerce estritamente as suas funções (vide artigo 55.º da LGT); 


d)  Por se tratar de uma situação evidente em que a AT, se não conhecia, pelo menos não podia ignorar estarem reunidos os requisitos de que depende o reconhecimento da isenção estabelecida no artigo 270.º, n.º 2 do CIRE, pelo que devia ter reconhecido a isenção, enquadrando adequadamente a situação ao quadro legal em vigor; 


e)  Por se tratar, essencialmente, de a Requerente solicitar a anulação da liquidação adicional de IMT e respectivos juros compensatórios, devido em razão da não aplicação de uma isenção de carácter automático, como é a do disposto no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, à luz, entre outros, do princípio da legalidade, da cooperação, da justiça e da colaboração (cfr. artigos 48.º do CPPT, 8.º, 55.º e 59.º, todos da LGT, 266.º da CRP e 3.º do CPA).

25.º

Pelo que, pelo menos em obediência ao princípio da legalidade cremos que deve ser só por si apreciado pelo Tribunal Arbitral e, por conseguinte, serem declarados ilegais os actos de liquidação adicional de IMT e respectivos juros compensatórios, objecto do ora pedido de pronúncia arbitral, pois não vemos nenhum fundamento válido para se pretender impedir tal apreciação neste processo nem qualquer argumento que justifique a legalidade de tais liquidações.

(...)”.

 

6.3. Expostas as posições das partes sobre a matéria da exceção, cumpre agora julgar.

A Requerida estriba o seu entendimento relativo à incompetência deste Tribunal no facto de aí não se poderem apreciar ou decidir matérias relativas ao reconhecimento de isenções e benefícios fiscais, sendo que, in casu, decorre dos autos que a ponderação prudencial da pretensão da Requerente importa o “reconhecimento de que reunia os pressupostos para usufruir da isenção prevista no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE”.

A exceção em causa, e, bem assim, a argumentação que substancialmente a sustenta, constitui, mutatis mutandis, matéria já discutida em diversas decisões singulares e arestos do CAAD, tendo inclusivamente transposto as fronteiras da jurisdição arbitral e sido já julgada pelo Tribunal Central Administrativo Sul, no Acórdão de 29 de junho de 2016, tirado no Processo n.º 09420/16 e disponível em www.dgsi.pt, onde se considerou e avalizou a competência do CAAD para o conhecimento da legalidade de atos de liquidação de IMT que hajam desconsiderado a aplicação da isenção consagrada no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE.

Na jurisdição arbitral, a questão, ponderada expressis verbis por referência à isenção prevista no artigo 270.º do CIRE, colocou-se, entre outros, nos Processos n.os 123/2015-T, 599/2015-T, 693/2015-T, 252/2016-T, 283/2016-T, não se vislumbrando quaisquer razões jurídicas procedentes que determinem uma inflexão argumentativa e decisória face ao que vai assumido nas decisões mencionadas.

No último dos arestos supra mencionados, discorreu o tribunal sobre a referida questão de incompetência do seguinte modo:

“(...)

Ora, estabelece o artigo 2º, nº 1 do RJAT no que se refere à competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD,

“1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais;”

Esta competência é limitada pela vinculação da AT que veio a ser definida, de acordo com o artigo 4º, nº 1 do RJAT, pela Portaria n.º 112-A/2011, de 12 de Março, que estabelece o seguinte:

“Artigo 2.º

Objecto da vinculação

Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto -Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes:

a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;

b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;

c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e

d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira.”

Cingindo-se o processo arbitral aos actos de liquidação de tributos, (…) incluindo os actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação, entende-se que o pedido deduzido pela Requerente de declaração de ilegalidade do acto de liquidação de IMT, com base na violação do artigo 270º, nº 2 do CIRE, é susceptível de apreciação pelo Tribunal Arbitral.

Como ensina Jorge Lopes de Sousa (cfr. Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, in Guia da Arbitragem Tributária, Editora Almedina, Coimbra, 2013, pág. 105), quanto ao âmbito da competência dos tribunais arbitrais tributários, “a competência destes tribunais arbitrais restringe-se à atividade conexionada com atos de liquidação de tributos, ficando fora da sua competência a apreciação da legalidade de atos administrativos de indeferimento total ou parcial ou de revogação de isenções ou outros benefícios fiscais, quando dependentes de reconhecimento da Administração Tributária, bem como de outros atos administrativos relativos a questões tributárias que não comportem apreciação da legalidade do ato de liquidação, a que se refere a alínea p) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT, bem como dos atos de agravamento à coleta, de apreensão e de adoção de providências cautelares pela Administração Tributária, a que se reportam o mesmo artigo 97.º, n.º 1, na sua alínea e) e os artigos 143.º e 144.º do mesmo Código.

Nesse sentido, e acompanhando aqui a decisão arbitral proferida no Processo 599/2015-T, a competência dos tribunais do CAAD, com excepção do que se refere a matérias aduaneiras, “é definida apenas tendo em atenção o tipo de actos que são objecto da impugnação, não havendo, designadamente, qualquer proibição de apreciação de matérias relativas a isenções fiscais ou quaisquer outras questões de legalidade relativas aos actos dos tipos referidos no artigo 2.º do RJAT. (…)

No caso em apreço, é impugnado um acto de liquidação de IMT, que se insere na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, e cuja apreciação não é excluída por qualquer das normas da referida Portaria.

Assim, no processo arbitral pode, em regra, ser imputada aos actos de liquidação qualquer ilegalidade, como decorre do artigo 99.º do CPPT, subsidiariamente aplicável.

(…) Sendo o acto de liquidação lesivo dos interesses da Requerente, por não ser nele aplicada uma isenção mais favorável, e sendo aquele o único acto praticado pela AT na sequencia da Declaração Modelo 1 de IMT apresentada pela Requerente, tem de ser assegurada a sua impugnabilidade contenciosa com fundamento em qualquer ilegalidade, como decorre do princípio da tutela judicial efectiva, consagrado nos artigos 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da CRP.

Por outro lado, a questão de saber se o acto de liquidação é legal ao não reconhecer uma isenção, tem a ver com a legalidade da liquidação apreciada nos tribunais tributários em processo de impugnação judicial, como decorre da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT.”

De facto, no caso sub judice, estamos perante uma isenção de reconhecimento automático, nos termos do artigo 10º, nº 8, al. d) do CIMT, pelo que é no próprio momento adequado a decidir se deve ser praticado o acto de liquidação que se coloca a questão da verificação pela AT da ocorrência ou não dos pressupostos do benefício fiscal.

E é a apreciação da legalidade desse acto de liquidação que a Requerente pretende.

Também a tese defendida pela AT de que só o órgão judicial onde correu o processo de insolvência teria competência para a verificação dos pressupostos legais exigidos no artigo 270º, nº 2 do CIRE, não tem qualquer fundamento legal.

Citando o mesmo acórdão:

“Na verdade, não há qualquer norma especial do processo de insolvência que atribua competência aos tribunais judiciais para reconhecerem isenções fiscais e o regime geral dos benefícios fiscais contraria inequivocamente essa hipótese.

Com efeito, o Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) aplica-se a todos os benefícios fiscais (seu artigo 1.º). Do artigo 5.º do EBF resulta que os benefícios fiscais, quando são automáticos, não são objecto de qualquer acto autónomo de reconhecimento, pelo que é no próprio momento adequado a decidir se deve ser praticado um acto de liquidação que se coloca a questão da verificação pela Autoridade Tributária e Aduaneira da ocorrência ou não dos pressupostos do benefício fiscal.

No específico caso da isenção prevista no artigo 270.º do CIRE, está-se perante um benefício fiscal para o qual só se prevê, no artigo 16.º, n.º 2, do CIRE, a necessidade de reconhecimento prévio pela Autoridade Tributária e Aduaneira quando aplicado no âmbito de processo de reestruturação e revitalização de empresas, previsto no Decreto-Lei n.º 178/2012, de 3 de Agosto. Nos outros casos enquadráveis no artigo 270.º do CIRE, não se prevendo expressamente a necessidade de reconhecimento prévio (nem no CIRE, nem no EBF, nem no artigo 10.º do CIMT), está-se perante isenção de reconhecimento automático, competindo a sua verificação e declaração ao serviço de finanças onde for apresentada a declaração prevista no artigo 19.º, n.º 1, do CIMT, como resulta do disposto na alínea d) do n.º 8 daquele artigo 10.º

Por outro lado, sendo o direito a benefícios fiscais direito em matéria tributária, a possibilidade do seu reconhecimento directo pelos Tribunais está reservada aos Tribunais Tributários, através da acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária, nos termos dos artigos 212.º, n.º 3, da CRP, 144.º, n.º 1,da Lei da Organização do Sistema Judiciário (Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto), 49.º, n.º 1,alínea c), do ETAF, 101.º, alínea b) da LGT e 97.º, n.º 1, alínea h) e 145.º do CPPT, pelo que não há qualquer suporte legal para afirmar a competência exclusiva dos Tribunais Judiciais para reconhecimento da isenção em apreço.”

Sufragando este entendimento, consideramos também, pelas razões indicadas, que não ocorre incompetência material.

Acresce que o STA tem repetidamente apreciado a verificação dos pressupostos da isenção prevista no artigo 270, nº 2 do CIRE, como pode ver-se nos acórdãos proferidos nos procs nºs 1350/2015, 1345/2015, 1085/2015 e 1067/2015, de entre muitos mais, todos eles recursos interpostos em processos de impugnação judicial, o que contraria igualmente a posição da AT ao defender a “acção administrativa ou outro” como meio processual de reacção à não atribuição da isenção de IMT ao abrigo do artigo 270, nº 2 do CIRE.

(...)”.

Por seu turno, no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 29 de junho de 2016, trilhou-se caminho análogo.

Na parte circunstancialmente relevante, disse o Tribunal que:

 “De acordo com as normas acabadas de mencionar [artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março], a competência do Tribunal Arbitral é definida apenas tendo em atenção o tipo de actos que são objecto da impugnação, não havendo designadamente, qualquer proibição de apreciação de matérias relativas a isenções fiscais ou quaisquer outras questões de legalidade atinentes aos actos tributários identificados no art. 2.º, do RJAT. Uma liquidação de imposto que parta da desconsideração de uma isenção não deixa de ser um acto tributário de liquidação. E a apreciação da legalidade, ou ilegalidade, dessa desconsideração não deixa, portanto, de se reconduzir à apreciação de uma pretensão relativa a declaração de ilegalidade de actos de liquidação (cfr. Jorge Lopes de Sousa, comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pp. 104 e ss.).

No caso em apreço, foi pedida a constituição do Tribunal Arbitral para a apreciação de actos de liquidação de I.M.T., que se inserem na previsão do citado art. 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

Por outro lado, não existe qualquer norma especial do processo de insolvência que atribua competência específica aos Tribunais Judiciais para reconhecerem isenções fiscais e o regime geral dos benefícios fiscais contraria inequivocamente essa hipótese, antes tal matéria sendo da competência dos Tribunais Tributários, nomeadamente, a isenção de IMT consagrada no art. 270.º, n.º 2, do CIRE (cfr. Ac. TCA Sul-2.ª Secção, 19/11/2015, proc. 8063/14)”.

 

Estes argumentos, que aqui se deixam expressamente reiterados, implicam a improcedência da questão prévia suscitada pela Requerida.

Com efeito, importa notar que o pedido realizado pela requerente concerne direta e imediatamente a uma questão de legalidade de um ato de liquidação com fundamento na violação do disposto no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE, pelo que, não só estamos perante um ato de liquidação passível de impugnação arbitral, como, por outro lado, do facto dessa ilegalidade decorrer da violação de norma relativa a um benefício fiscal que se concretiza numa isenção de reconhecimento automático, não implica o afastamento da jurisdição arbitrária quanto ao conhecimento da invocada ilegalidade, porquanto, em última análise é a legalidade da liquidação que vem controvertida pelo Requerente.

Como se esclarece no Acórdão proferido neste CAAD no processo n.º 599/2015-T:

[A] competência é definida apenas tendo em atenção o tipo de actos que são objecto da impugnação, não havendo, designadamente, qualquer proibição de apreciação de matérias relativas a isenções fiscais ou quaisquer outras questões de legalidade relativas aos actos dos tipos referidos no artigo 2.º do RJAT. Uma liquidação de imposto que parta da desconsideração de uma isenção não deixa de ser um acto tributário de liquidação. E a apreciação da legalidade ou da ilegalidade dessa desconsideração não deixa, portanto, de ser a apreciação de uma pretensão relativa à declaração de ilegalidade de actos de liquidação.

No caso em apreço, são impugnados actos de liquidação de IMT, que se inserem na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, e cuja apreciação não é excluída por qualquer das normas da referida Portaria.

Assim, no processo arbitral pode, em regra, ser imputada aos actos de liquidação qualquer ilegalidade, como decorre do artigo 99.º do CPPT, subsidiariamente aplicável.

Só não será assim, nos casos em que a lei preveja a impugnabilidade autónoma de actos administrativos que são pressuposto dos actos de liquidação, como pode suceder com os actos de reconhecimento de isenções fiscais, que, nos casos das isenções não automáticas, assumem a natureza de actos destacáveis, para efeitos de impugnação contenciosa. Mas, para haver esta limitação à impugnabilidade do acto de liquidação impugnado, teria de ser praticado, anteriormente, algum acto administrativo que fosse pressuposto do acto de liquidação, o que não sucedeu no caso em apreço.

Por outro lado, neste caso, está-se perante uma isenção de reconhecimento automático, como resulta da alínea d) do n.º 8 do artigo 10.º do CIMT, pelo que nem tinha de haver qualquer acto autónomo de reconhecimento da isenção, sendo no momento apropriado para a prática de um acto de liquidação a Autoridade Tributária e Aduaneira terá de apreciar se o interessado usufrui de benefício fiscal.

Por isso, sendo os actos de liquidação lesivos dos interesses da Requerente, por não ser neles aplicada uma isenção mais favorável do que a que foi aplicada, e sendo aqueles os únicos actos praticados pela Administração Tributária na sequência das declarações modelo 1 de IMT apresentadas, tem de ser assegurada a sua impugnabilidade contenciosa com fundamento em qualquer ilegalidade, como decorre do princípio da tutela judicial efectiva, consagrado nos artigos 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da CRP.

Por outro lado, a questão de saber se o acto de liquidação é legal ao não reconhecer uma isenção, tem a ver com a legalidade da liquidação, pelo que deve ser apreciada nos tribunais tributários em processo de impugnação judicial, como decorre da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT.

Assim, não tem qualquer suporte legal a tese da Autoridade Tributária e Aduaneira de que está «fora da jurisdição da arbitragem tributária a apreciação de quaisquer questões referentes ao reconhecimento de isenções fiscais», pois os limites definidos no artigo 2.º, n.º 1 do RJAT são definidos exclusivamente com base no tipo de actos e não com base no tipo de questões de ilegalidade que lhes são imputadas.

No que concerne à tese defendida pela Autoridade Tributária e Aduaneira de que seria exclusivamente competente o Tribunal Judicial onde correu termos o processo de insolvência, é claro que ela não tem qualquer fundamento legal.

Na verdade, não há qualquer norma especial do processo de insolvência que atribua competência aos Tribunais Judiciais para reconhecerem isenções fiscais e o regime geral dos benefícios fiscais contraria inequivocamente essa hipótese.

Com efeito, o Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) aplica-se a todos os benefícios fiscais (seu artigo 1.º). Do artigo 5.º do EBF resulta que os benefícios fiscais, quando são automáticos, não são objecto de qualquer acto autónomo de reconhecimento, pelo que é no próprio momento adequado a decidir se deve ser praticado um acto de liquidação que se coloca a questão da verificação pela Autoridade Tributária e Aduaneira da ocorrência ou não dos pressupostos do benefício fiscal. No que concerne aos benefícios fiscais dependentes de reconhecimento, este é feito através de acto administrativo, como resulta dos n.ºs 2 e 3 do mesmo artigo 5.º, em consonância com os artigos 54.º, n.º 1, alínea d), da LGT e 65.º do CPPT.

No específico caso da isenção prevista no artigo 270.º do CIRE, está-se perante um benefício fiscal para o qual só se prevê, no artigo 16.º, n.º 2, do CIRE, a necessidade de reconhecimento prévio pela Autoridade Tributária e Aduaneira quando aplicado no âmbito de processo de reestruturação e revitalização de empresas, previsto no Decreto-Lei n.º 178/2012, de 3 de Agosto ( [1] ). Nos outros casos enquadráveis no artigo 270.º do CIRE, não se prevendo expressamente a necessidade de reconhecimento prévio (nem no CIRE, nem no EBF, nem no artigo 10.º do CIMT), está-se perante isenção de reconhecimento automático, competindo a sua verificação e declaração ao serviço de finanças onde for apresentada a declaração prevista no artigo 19.º, n.º 1, do CIMT, como resulta do disposto na alínea d) do n.º 8 daquele artigo 10.º

Por outro lado, sendo o direito a benefícios fiscais direito em matéria tributária, a possibilidade do seu reconhecimento directo pelos Tribunais está reservada aos Tribunais Tributários, através da acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária, nos termos dos artigos 212.º, n.º 3, da CRP, 144.º, n.º 1,da Lei da Organização do Sistema Judiciário (Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto), 49.º, n.º 1,alínea c), do ETAF, 101.º, alínea b) da LGT e 97.º, n.º 1, alínea h) e 145.º do CPPT, pelo que não há qualquer suporte legal para afirmar a competência exclusiva dos Tribunais Judiciais para reconhecimento da isenção em apreço.

Aliás, o Supremo Tribunal Administrativo, como órgão judicial máximo em matéria tributária, tem reiterada e pacificamente apreciado se se verificam os pressupostos da isenção prevista no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE, como pode ver-se pelos seguintes acórdãos

– de 30-05-2012, processo n.º 0949/11;

– de 3-7-2013, processo n.º 765/13;

– de 17-12-2014, processo n.º 01085/13;

– de 11-11-2015, processo n.º 968/13;

– de 18-11-2015, processo n.º 1067/15;

– de 18-11-2015, processo n.º 575/15;

– de 16-12-2015, processo n.º 01345/15.

 

É de salientar, além do inequívoco reconhecimento da competência dos tribunais tributários para apreciarem a verificação dos pressupostos da isenção, que todos os recursos apreciado pelo Supremo Tribunal Administrativo neste processo foram interpostos em processos de impugnação judicial, o que também afasta qualquer dúvida sobre o entendimento uniforme do Supremo Tribunal Administrativo sobre a viabilidade de apreciação em processo de impugnação judicial da verificação dos pressupostos da isenção prevista no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE, o que tem como corolário a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD para a apreciação da legalidade de liquidações deste tipo”.

 

            Pelo exposto, conclui-se, assim, pela improcedência da exceção deduzida pela Requerida quanto à incompetência do CAAD para apreciar, sindicando, a legalidade da liquidação de IMT aqui posta em crise.

 

            7. Matéria de direito

            7.1. A questão a analisar refere-se à legalidade do ato de liquidação de IMT que não aplicou a isenção prevista no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE, à aquisição de um imóvel adquirido no âmbito da liquidação da massa insolvente, o que impõe que se apreciem duas questões essenciais: a) a de saber se a referida isenção apenas opera relativamente a vendas, permutas ou cessão de empresas ou estabelecimentos enquanto universalidades de bens, como defende a Requerida, com apoio na redação original da Circular n.º 10/2015, ou se essa isenção opera também relativamente a vendas, permutas ou cessão de imóveis, enquanto elementos do seu activo, desde que enquadradas no âmbito de um plano de insolvência ou de pagamento, ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente, como sustenta a Requerente; b) impõe-se ainda saber se, tendo sido emitida uma primeira liquidação com fundamento no artigo 7.º do CIMT, pode ser requerida a aplicação do artigo 270.º, n.º 2, do CIRE após a caducidade daquele benefício fiscal, sendo ilegal a liquidação que não faça aplicação dessa norma, uma vez verificados os seus pressupostos.

           

7.2. A questão da isenção de IMT respeitante às aquisições de bens imóveis em processo de insolvência constitui hodiernamente uma matéria pacífica[da], porquanto, após inúmeros diferendos entre os sujeitos passivos e a administração (cf., sem preocupações de exaustividade, as seguintes decisões do STA: acórdão de 30 de Maio de 2012, proferido no processo n.º 949/11; acórdão de 17 de Dezembro de 2014, proferido no processo n.º 1085/13; acórdão de 11 de Novembro de 2015, proferido no processo n.º 968/13; acórdão de 18 de Novembro de 2015, proferido no processo n.º 575/15; acórdão de 16 de Dezembro de 2015, proferido no processo n.º 1345/15; acórdão de 20 de Janeiro de 2016, proferido no processo nº 1350/15, todos disponíveis em www.dgsi.pt), a administração tributária, dando inédito cumprimento ao artigo 68.º-A, n.º 4, da LGT, emitiu, na sequência do Despacho do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais n.º 14/2017-XXI, de 26 de janeiro, a Circular n.º 4/2017, onde determinou, em substituição dos dois primeiros parágrafos do ponto III do anexo à Circular 10/2015, que: 

“[§] A aplicação dos benefícios fiscais previstos no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE não depende da coisa vendida, permutada ou cedida abranger a universalidade da empresa insolvente ou um seu estabelecimento. [§] Assim, os atos de venda, permuta ou cessão, de forma isolada, de imóveis da empresa ou de estabelecimentos desta estão isentos de IMT, desde que integrados no âmbito de planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente”, dando acolhimento à jurisprudência do STA, que, poucos meses volvidos e na sequência de uma Decisão do CAAD (processo n.º 200/2015-T), se vê uniformizada pelo Acórdão do STA, proferido no processo  n.º 1512/15, publicado no Diário da República Iª Série, n.º 103, de 29 de maio de 2017, no sentido de que a “isenção de IMT prevista pelo n.º 2 do art.º 270.º do CIRE aplica-se, não apenas às vendas ou permutas de empresas ou estabelecimentos enquanto universalidade de bens, mas também às vendas e permutas de imóveis, enquanto elementos do ativo de sociedade insolvente, desde que enquadradas no âmbito de um plano de insolvência ou de pagamento, ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente”.

            É, pois, dado pacificamente aceite, tanto pela jurisprudência como pela própria administração, no que se ilustra um exemplo da kooperative Zusammenwirken der Gewalten (no sentido referido por Roman Seer, Verständigungen in Steuerverfahren, p. 253), qual o sentido jurídico-normativo adequadamente concretizador da previsão do artigo 270.º, n.º 2, do CIRE, e que no mesmo se integram as vendas de imóveis enquanto enquadradas no âmbito de um plano de insolvência ou de pagamento, ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.

            Ora, preteritamente à estabilização desta dogmática, muitas das questões controvertidas diziam respeito a problemas jurídico-concretos onde os contribuintes, em momento prévio ao da liquidação do imposto, solicitavam tanto a isenção prevista no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE, como, por via subsidiária, a isenção prevista no artigo 7.º do CIMT, sendo esta geralmente reconhecida em detrimento daquela, o que trouxe para os tribunais a apreciação da ilegalidade da liquidação fundada num juízo de inaplicabilidade do regime do CIRE, por falta de verificação dos pressupostos legais, tais como estes eram entendidos pela doutrina administrativa constante da Circular n.º 10/2015 e, posteriormente a substituição desse entendimento pelo constante da Circular 4/2017.

           

7.2.1. No caso sub judicio, a primeira questão a resolver prende-se com o alcance da isenção prevista no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE.

Trata-se, como já se referiu, de uma questão já pacífica[da]. Pelo que, remetendo-se, para a argumentação expendida no Acórdão do Acórdão do STA, proferido no processo  n.º 1512/15, publicado no Diário da República Iª Série, n.º 103, de 29 de maio de 2017, também aqui se considera que a “isenção de IMT prevista pelo n.º 2 do art.º 270.º do CIRE aplica-se, não apenas às vendas ou permutas de empresas ou estabelecimentos enquanto universalidade de bens, mas também às vendas e permutas de imóveis, enquanto elementos do ativo de sociedade insolvente, desde que enquadradas no âmbito de um plano de insolvência ou de pagamento, ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente”, em conformidade, como se referiu, com a substituição operada na Circular 10/2015 através da Circular 7/2017.

 

7.2.2. Ultrapassado esse nódulo problemático, a segunda questão a considerar prende-se com o facto de saber se a aplicação do benefício fiscal em causa pode ser “requerida” no momento em que for solicitada a liquidação do imposto nos termos do artigo 34.º do CIMT, após ter caducado, nos termos do artigo 11.º, n.º 5, do CIMT, a isenção concedida nos termos do artigo 7.º do CIMT.

Relativamente a esta questão, deu a administração resposta negativa, por considerar que, à data dos factos, “era entendimento da AT, que ‘[a] aplicação dos benefícios fiscais previstos no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE dependia dos bens imóveis transmitidos se integrarem na universalidade da empresa ou estabelecimento vendido, permutados ou cedidos no âmbito de plano de insolvência ou de pagamentos ou da liquidação da empresa insolvente’”, não tendo sido sancionado à data dos “factos o entendimento a que se refere a Circular 4/2017” e por, por outro dado, por ter sido requerida e concedida a isenção nos termos do artigo 7.º do CIMT.

 

7.2.2.1. Quanto ao primeiro argumento, adianta-se que o mesmo não poderá considerar-se juridicamente procedente.

Com efeito, o facto de  que “na data em que o prédio foi adquirido (na data em que ocorre o facto tributário), ainda não ter sido sancionado o entendimento a que se refere a Circular n.º 4/2017”, não impede que a administração, na determinação do sentido jurídico-normativo de um preceito legal, tenha em consideração as orientações genéricas que se encontram vigentes no momento em que o pedido de apreciação dos benefícios fiscais é formulado, ainda que a verificação dos factos passíveis de enquadramento no âmbito de aplicação da norma se reporte a um momento histórico anterior.

Assim, quando a administração altera o teor de uma circular considerando, nomeadamente, a jurisprudência dos tribunais superiores que, de forma reiterada, consideraram ilegal uma determinada interpretação da norma, a vinculação estabelecida pelo artigo 68.º-A, não pode deixar de referir-se à interpretação normativa vigente no momento em que a lei é aplicada, ainda que essa aplicação envolva a apreciação de factos ocorridos no momento em que a administração estava vinculada a um entendimento que, entretanto, foi substituído.

O limite previsto no n.º 2 do artigo 68.º-A, da LGT, que impede, por mor do princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança e da boa fé, a invocação retroativa de tais instrumentos quando os contribuintes tenham agido com base numa interpretação plausível e de boa fé é teleologicamente amorfo e estranho aos casos em que os contribuintes atuam perante a administração tendo em consideração o entendimento vinculativo a que a administração está adstrita. Orientação contrária cairia num rigorismo formalista, desprovido de base legal que, por exemplo, impediria os contribuintes de solicitar a revogação de atos tributários praticados pela administração ao abrigo de uma doutrina administrativa que se revelasse contrária à lei, o que subvertia por completo a ratio essendi da norma em causa.

O facto de a orientação administrativa vazada na circular 7/2017 não existir no momento em que o facto tributário foi praticado e no momento em que se verificam os pressupostos dos benefícios fiscais não liberta a administração de agir segundo as amarras da legalidade, principaliter, quando estas são posteriormente assumidas como critério judicativo de aferição do âmbito de relevância da norma ao nível da determinação do seu adequado sentido jurídico-normativo a partir de um cânone metodológico racionalmente justificativo do resultado interpretativo circunstancialmente em causa, em contraponto a um eventual Nichtanwendungserlasse (tamém aqui no sentido exposto por Roman Seer, Verständigungen in Steuerverfahren, p. 253, a propósito da articulação entre precedentes jurisdicionais e orientações administrativas) que se opusesse à “aplicação da lei” realizada pelos tribunais.

A esta reflexão acresce ainda, como mero obter dictum de reforço argumentativo, o facto de que, no momento em que se verificou a aquisição do imóvel, tão pouco existia instrumento administrativo que, nos termos do artigo 68.º-A, da LGT, vinculasse a administração tributária a uma concreta interpretação normativa, tendo-se até verificado casos em que, num primeiro momento, foi reconhecida a isenção e apenas num momento subsequente à epifania da Circular 10/2015, é que a administração promoveu a liquidação oficiosa de IMT (cf. a Decisão deste CAAD, tirada no processo 367/2016-T, de 23 de dezembro de 2016).

Em suma, ainda que “o direito aos benefícios fiscais dev[a] reportar-se à data da verificação dos respetivos pressupostos”, a determinação da relevância jurídico-normativa dos factos deve realizar-se de acordo com o sentido metodológico vigente no momento em que ocorre a interpretação jurídica da norma sem prejuízo do eventual direito que venha a reconhecer-se seja, por força da lei, reportado à data em que materialmente ocorram os respetivos pressupostos, mesmo quando o reconhecimento por parte da administração apenas ocorra num momento posterior, como se dispõe no artigo 12.º do EBF.

 

7.2.2.2. Como resulta do probatório, aquando do preenchimento da Modelo 1 do IMT, o sujeito passivo fez constar da declaração que o prédio em causa se destinava a revenda, não tendo requerido expressis verbis, a aplicação da isenção prevista no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE, sendo certo que a liquidação emitida a zeros, com fundamento na isenção prevista no artigo 7.º do CIMT, não foi, nessa altura, contestada graciosa ou contenciosamente pela Requerente.

Assim sendo, como o imóvel não foi revendido dentro do prazo, verificou-se a caducidade de tal isenção, prevista no artigo 11.º, n.º 5, do CIMT, nos termos do qual “a aquisição a que se refere o artigo 7.º deixará de beneficiar de isenção logo que se verifique (...) que os mesmos não foram revendidos dentro do prazo de três anos (...)”.

É nesta sequência de eventos que a Requerente, ao solicitar a liquidação nos termos do artigo 34.º do IMT, peticiona junto da administração tributária que o benefício fiscal constante do artigo 270.º, n.º 2, do CIRE, seja declarado, produzindo os consequentes efeitos legais, sendo que, perante essa mesma realidade, considera a administração que a extinção, por caducidade do benefício fiscal concedido pelo artigo 7.º do CIMT, tem por consequência a reposição automática da tributação-regra, tal como se dispõe no artigo 14.º do EBF.

            A solução que se dar ao dilema jurídico exposto passa por considerar, de forma sistematicamente integrada, as disposições legais pertinentes, considerando o quid specificum inerente ao caso concreto.

            Um dos problemas a resolver prende-se com a questão de saber se existe, na matéria extrafiscal em causa, algum princípio jurídico, no caso de carácter transpositivo, que impeça a cumulação de benefícios fiscais diversos e distintos ou o seu reconhecimento e/ou atribuição em momentos sucessivos da vida de um determinado imposto.

            Ora, sem prejuízo da discricionariedade constitutiva do legislador, poder estabelecer critério legal diferente – cf. v.g.  o artigo 41.º B, n.º 3, do EBF –, a verdade é que não é verdadeiramente possível identificar neste domínio da extrafiscalidade qualquer limitação axiológica ou petição dos princípios que afaste a possibilidade de ponderar, relativamente a um determinado sujeito ou a uma certa situação de facto, a aplicabilidade de diversos benefícios fiscais “concorrentes” entre si, e de, inclusivamente, se poder equacionar a possibilidade de “convolação” de isenções (cf. a Circular 16/88, junta pela Requerida).

            Esclarecida esta dimensão propedêutica, pode entrar-se com maior propriedade na análise do regime legal, sempre tendo presente o caso concreto como prius analítico.

Tanto a isenção de prédios para revenda como a isenção constante do artigo 270.º, do CIRE, são isenções de carácter automático, como resulta do artigo 10.º, n.º 8, alíneas a) e b), do CIMT. Dessa natureza resulta, em aplicação do disposto no artigo 5.º, n.º 1, do EBF, que em ambos os casos estamos perante benefícios que resultam direta e imediatamente da lei, não pressupondo qualquer ato administrativo em matéria tributária de reconhecimento. Mais. Estamos perante benefícios fiscais cujo direito é reportado à data da verificação dos pressupostos, o que pressupõe, para a isenção prevista no artigo 7.º, que o prédio tenha sido adquirido para revenda, e, no caso da isenção prevista no 270.º, n.º 2 do CIRE, que o imóvel tenha sido, por exemplo, adquirido no âmbito de um plano de insolvência ou no âmbito da liquidação da massa insolvente.

No caso, foi declarado pelo adquirente que o prédio tinha sido adquirido para revenda, pelo que, verificando-se o direito a esse benefício fiscal, foi o mesmo declarado, tendo a liquidação do imposto sido realizada com base nesse pressuposto, pelo que, o sujeito passivo beneficiou de tal isenção durante o período de três anos. Findo esse período, a caducidade ou perda de eficácia da isenção opera, também automaticamente, ou seja ipso iure e produz efeitos ex tunc, cabendo ao sujeito passivo solicitar uma nova liquidação do imposto.

Ao solicitar essa liquidação, a Requerente admite a extinção desse concreto benefício fiscal, solicitando, porém, que seja verificada e declarada a isenção prevista no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE, atenta a verificação dos respetivos pressupostos.

Estando em causa um benefício que emerge automaticamente da lei e cujo direito se reporta à data da verificação dos respetivos pressupostos, a administração não poderá deixar de apreciar a subsistência dessa isenção previamente à liquidação oficiosa que haja novamente de efetuar, porquanto a sua verificação positiva impede que o facto tributário readquira a sua força obrigatória, razão pela qual a reposição do regime regra de tributação fica dependente não apenas da extinção do benefício fiscal condicionado pela revenda do imóvel, mas também pela inexistência de qualquer outra situação de isenção cuja verificação e declaração a lei imponha que a administração verifique e declare em momento prévio à liquidação do imposto que seja de efetuar.

Nessa medida, o disposto no artigo 14.º do EBF não pode deixar de ser interpretado sistematicamente tendo em consideração, entre o mais, o momento em que se deve considerar constituído, e, como tal, juridicamente vigente um determinado benefício fiscal, ainda que a sua declaração venha a ocorrer em momento subsequente ao caducidade de um outro benefício fiscal.

É que, no caso do benefício fiscal em causa, a administração é absolutamente vinculada, competindo-lhe uma tarefa meramente declarativa de verificação dos pressupostos legais, sendo que, no caso de se verificarem esses pressupostos, e, independentemente do momento em que essa decisão for proferida, sempre se considera que os efeitos reportam-se à data da aquisição do imóvel, bloqueando-se com isso a operatividade do facto tributário em sede de IMT.

Ora, no caso concreto, resultou comprovado que a aquisição do prédio urbano composto pelo Lote n.º ... – Terreno para construção com a área de 1019 m2, situado no lugar de..., freguesia de..., concelho de Guimarães, fora adquirido no âmbito da liquidação do ativo imóvel da massa insolvente da sociedade E..., S.A., contribuinte n.º..., no âmbito do processo que correu termos sob o n.º .../12...TBBRG-L, do ... Cível do Tribunal Judicial de Braga.

Nos termos do artigo 270.º, n.º 2, do CIRE, “estão igualmente isentos de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis os atos de venda, permuta ou cessão da empresa ou de estabelecimentos desta integrados no âmbito de plano de insolvência ou de pagamentos ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente”.

Sendo hodiernamente pacífico que tal isenção não depende da transmissão da universalidade da empresa ou do estabelecimento desta, mas que abrange também as “vendas e permutas de imóveis enquadrados no âmbito do plano de insolvência ou de pagamentos ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente” – cf. acórdão do STA, de 30 de maio de 2012, tirado no processo 0949/11 –, impõe-se concluir que a Requerente, no momento da aquisição já beneficiava do direito à isenção de IMT, de acordo com a correta interpretação do preceito legal.

A existência desse direito não é afetada pela contingência de, no caso de se tratar de uma aquisição para revenda, lhe ser igualmente aplicável a disposição do artigo 7.º do CIMT, como resulta da jurisprudência do STA e deste CAAD onde se apreciaram liquidações de IMT que preteriram a aplicação do artigo 270.º, n.º 2, do CIRE, face à isenção prevista no artigo 7.º do CIMT.

Tendo sido declarada uma isenção sujeita a condição resolutiva que implique uma nova liquidação de imposto, essa liquidação constituirá ainda, de acordo com uma adequada interpretação da parte final do n.º 1 do artigo 10.º, conjugado com o regime do n.º 8, alínea d) e com o artigo 270.º, n.º 2, do CIRE, momento idóneo para verificação e declaração de benefício fiscal cujos pressupostos se verifiquem no momento da aquisição do imóvel e com força jurídica bastante para impedir a liquidação do imposto nos termos gerais. Pelo que, a liquidação que, ignorando a existência dessa isenção, efetue a liquidação nos termos gerais, padece de ilegalidade por violação do disposto no referido preceito do CIRE.

 

7.3. Assim, e em conclusão:

1.º O Tribunal arbitral é competente para apreciar o pedido realizado pela requerente concerne direta e imediatamente a uma questão de legalidade de um ato de liquidação com fundamento na violação do disposto no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE. O facto de nos encontrarmos perante um ato de liquidação passível de impugnação arbitral, como, por outro lado, do facto dessa ilegalidade decorrer da violação de norma relativa a um benefício fiscal que se concretiza numa isenção de reconhecimento automático, não implica o afastamento da jurisdição arbitrária quanto ao conhecimento da invocada ilegalidade, porquanto, em última análise é a legalidade da liquidação que vem controvertida pelo Requerente.

2.º É hodiernamente pacífico que a “isenção de IMT prevista pelo n.º 2 do art.º 270.º do CIRE aplica-se, não apenas às vendas ou permutas de empresas ou estabelecimentos enquanto universalidade de bens, mas também às vendas e permutas de imóveis, enquanto elementos do ativo de sociedade insolvente, desde que enquadradas no âmbito de um plano de insolvência ou de pagamento, ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente”.

3.º Não existe obstáculo à aplicação administrativa do teor da Circular 7/2017 a aquisições que ocorreram antes da substituição por esta operada no teor da Circular 10/2015, cuja apreciação ocorra em momento posterior ao da prolação do novo entendimento administrativo.

4.º O direito aos benefícios fiscais reporta-se à data da verificação dos respetivos pressupostos, ainda que esteja dependente de reconhecimento declarativo por parte da administração;

5.º A isenção prevista no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE, traduz-se num benefício fiscal automático, resultante direta e imediatamente da lei, devendo ser verificado pela administração antes da prolação da liquidação de IMT que seria de efetuar;

6.º A caducidade da isenção prevista no artigo 7.º do CIMT, não acarreta a extinção do benefício fiscal previsto no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE, cujos pressupostos se verificavam no momento da aquisição do imóvel em causa;

7.º A liquidação que haja de fazer-se por força da caducidade da referida isenção fiscal constitui momento procedimental idóneo para a verificação de outros benefícios fiscais automáticos que cujos pressupostos se verificavam no momento da aquisição do imóvel e que, nos termos do parágrafo anterior, não se extinguiram da ordem jurídica.

 

 

8. Questões de conhecimento prejudicado

Com a procedência do pedido, considera-se prejudicado, por inútil, o conhecimento das questões subsidiariamente equacionadas pela Requerente.

 

            9. Da verificação dos pressupostos de condenação em juros indemnizatórios

            A Requerente solicita o reembolso das quantias pagas, aí incluindo os juros compensatórios, e peticiona, também, o pagamento de juros indemnizatórios por parte da Requerida.

            A LGT estabelece, no seu artigo 43.º, n.º 1, que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

            Temos, assim, que o direito à perceção de juros indemnizatórios assenta num conjunto de pressupostos de verificação cumulativa, quais sejam: a existência de um erro imputável aos serviços, em função do qual resulte pagamento de imposto em montante superior ao devido, sendo esse erro analisado em sede de reclamação ou impugnação judicial. Não se afastando, porém, essa possibilidade quando a decisão de ilegalidade seja proferida em matérias da competência dos tribunais arbitrais.

            No caso concreto, não há dúvida de que o erro que inquina a liquidação de ilegalidade é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, porquanto praticou o ato de liquidação, sem ter levado em consideração que a Requerente beneficiava, como demonstrou em sede administrativa, de uma isenção impeditiva da liquidação de IMT no valor de € 5.062,20 e da liquidação de juros compensatórios no valor de €5,55.

            Nessa medida, reconhece-se à Requerente o

 direito a juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento da prestação tributária indevida até ao seu integral reembolso.

 

III. Decisão

           

10. Destarte, atento o exposto, o Tribunal Arbitral decide:

a) Julgar improcedente a exceção da incompetência do Tribunal suscitada pela Requerida;

b) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral; e, em consequência, anular a liquidação no valor de € 5.062,20 e respetivos juros compensatórios no valor de €5,55; e, por fim,

c) Julgar procedente o pedido de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, contados desde a data do pagamento indevido até ao seu integral reembolso, condenando a Autoridade Tributária e Aduaneira ao seu pagamento.

 

11. Valor do Processo: € 5.067,75 (De acordo com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º -A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária).

 

12. Nos termos do artigo 24.º, n.º 4, do RJAT e do artigo 3.º, n.º 1 do Regulamento de custas nos processos de arbitragem tributária e de acordo com a Tabela I anexa a tal Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 612,00, a cargo da Requerida.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 16 de julho de 2018,

 

O Árbitro,

 

 

(João Pedro Rodrigues)