Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 637/2017-T
Data da decisão: 2018-06-21  IRC  
Valor do pedido: € 24.239,43
Tema: IRC - dedutibilidade de encargos financeiros com financiamento a empresas participadas.
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Decisão Arbitral (consultar versão completa no PDF)

 

A árbitro Raquel Franco, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 15-02-2018, decide nos termos e com os fundamentos que se seguem:

 

  1. Relatório

 

A sociedade “A..., S.A.”, contribuinte fiscal n.º..., com sede na ..., ..., em Lisboa, apresentou um pedido de constituição de tribunal arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista à: (i) anulação da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa número ...2016..., por despacho do Senhor Diretor adjunto de Direção de Finanças datado de 31 de agosto de 2017, notificado à Requerente no dia 6 de setembro de 2017 e (ii) à anulação da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas (“IRC”) número 2016..., respeitante ao exercício de 2014, a qual apurou um montante total a pagar de € 24.239,43 (vinte e quatro mil, duzentos e trinta e nove euros e quarenta e três cêntimos), incluindo juros de mora e juros compensatórios, a que corresponde o documento de cobrança n.º 2016... .

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 05-12-2017.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular a signatária e notificou as partes dessa designação em 26-01-2018.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo ficou constituído em 15-02-2018, seguindo-se os pertinentes trâmites legais.

 

No dia 15.05.2018 o Tribunal notificou as Partes da dispensa da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e do prazo para produção de alegações escritas.

 

  1. Saneamento

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.

 

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão adequadamente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

O processo não enferma de nulidades.

 

  1. Posições das Partes

 

Os pedidos formulados pela Requerente e acima indicados têm como fundamento, no essencial, o seguinte: “os encargos financeiros destinados ao financiamento da sua participada B..., S.A. são fiscalmente dedutíveis, por se afigurarem indispensáveis à obtenção de lucros futuros e ainda que assim não se considere, por serem indubitavelmente indispensável à manutenção da fonte produtora (…) ” sendo que “a atividade de financiamento de participadas ainda se encontra abrangida pelo objeto social da ora Requerente, e, indubitavelmente, pelo seu escopo social, visando, sem sombra de dúvidas, a manutenção da fonte produtora”.  

 

Entende a AT que os gastos em causa não devem ser considerados fiscalmente relevantes, considerando, ao abrigo da alínea c), do número 1, do artigo 23.º do Código do IRC, que apenas são gastos fiscais“(…) os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente de natureza financeira, tais como juros de capitais alheios e aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferencias de câmbio, gastos com operações de crédito, cobranças de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efetivos aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado.”

 

Entendem os SIT que o STA “(…) já precisou devidamente que os custos previstos no artigo 23.º têm de respeitar à própria sociedade contribuinte (…)” e que “(…) não podem ser aceites como dedutíveis os juros (…) em que manifestamente se comprove que os fundos obtidos são desviados da exploração e aplicados em fins estranhos à mesma.”.

 

Os SIT argumentam ainda que “(…) aquilo que se questiona é a dedutibilidade dos encargos financeiros que a A... se encontra a suportar para efetuar esses mesmos suprimentos (…)” e que, “(…) contrariamente à A..., a C... debita juros (…) quando lhe efetua suprimentos (…)”, assumindo a A... a totalidade dos encargos financeiros das verbas que não ficam na sua esfera.”

 

Por fim, os SIT entendem que a “mera possibilidade de poder vir a ter no futuro ganhos resultantes da aplicação desses capitais nas suas associadas não determina só por si que tais investimentos possam enquadrar-se no conceito de gastos fiscais, porque para isso era necessário que tais encargos fossem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.”

 

Entende a Requerente que:

  1. Enquanto acionista maioritária das suas participadas, se limitou a suprir as carências financeiras das mesmas, através de empréstimos com o carácter de suprimentos;
  2. O contrato de suprimento, ao contrário do mútuo, não se presume oneroso, na medida em que o suprimento é um contrato autónomo do mútuo e não existem razões para impor que o sócio seja remunerado pelo empréstimo de capital à sociedade quando obtém outras compensações, nomeadamente os lucros futuros;
  3. A Requerente entende que tem todo o interesse em suportar encargos financeiros para financiar as suas participadas, pois deste modo, (i) no futuro, poderá obter lucros; (ii) no presente e futuro, mantém a sua fonte produtora;
  4. A interpretação que a Requerente retira da leitura do artigo 23.º do Código do IRC é a de que apenas não são indispensáveis para a manutenção da fonte produtora os gastos que não foram realizados tendo como fim último a obtenção de lucro, ainda que os mesmos se revelem, no futuro, infrutuosos;
  5. Atendendo ao entendimento dominante da jurisprudência e doutrina, o critério da indispensabilidade dos gastos implica que um gasto para ser fiscalmente dedutível tenha de ter como fim o lucro, mesmo que esse objetivo seja frustrado, como poderá acontecer aquando da não rentabilização esperada de investimentos efetuados;
  6. Ainda que se entenda que os encargos financeiros respeitantes a empréstimos destinados ao financiamento de participadas não são dedutíveis na esfera da participante por não se enquadrarem no conceito de “realização dos rendimentos sujeitos a imposto”, a verdade é que, conforme concluiu a douta decisão arbitral proferida no âmbito do processo 81/2017-T, se enquadram, sem sombra para dúvida, no conceito de “manutenção da fonte produtora”.
  7. Os juros pagos à C... e redebitados à sua participada B..., S.A., enquadram-se no conceito de gasto fiscal a que alude o artigo 23.º do Código do IRC, na medida em que foram gastos contraídos no seu interesse, uma vez que sem os suprimentos efetuados às sociedades participadas os lucros da própria Requerente seriam futuramente afetados por via de diminuição de receção de dividendos. 

 

  1. Matéria de facto

4.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

  1. A Requerente foi constituída em 14 de Abril de 1989 sob a denominação de D..., SA.

 

  1. Em 14 de Julho de 1995, em consequência de uma alteração da composição acionista, alterou a sua denominação social para A..., SA, NIPC ... .

 

  1. Em 2009 passou a ser detida na totalidade pela C... SGPS, SA.

 

  1. Nos exercícios de 2009, 2010, 2011 e 2012, a Requerente apresentou a sua declaração de rendimentos no âmbito do RETGS.

 

  1. De acordo com a Informação n.º .../13 da DSIRC, com despacho da Subdiretora Geral datado de 2 de fevereiro de 2013, o supra mencionado consolidado fiscal cessou em 31 de dezembro de 2008, retomando apenas em 2013.

 

  1. A Requerente apresentou uma ação, que corre termos no Tribunal Tributário de Lisboa, em que contesta a legalidade da decisão da AT descrita no ponto E.

 

  1. A Requerente declarou o início de atividade em 17/04/1989 com o CAE: 41100 – Promoção Imobiliária, tendo como objeto a gestão e promoção imobiliária, construção, compra, venda e revenda de propriedades bem como a sua administração; aquisição de quotas ou ações de outras sociedades, financiamento destas, através de suprimentos e ou prestações acessórias; participação em agrupamentos complementares de empresas, consórcios ou outras formas de associação.

 

  1. Em 2014, a Requerente detinha participações sociais nas seguintes sociedades:

 

  1. No que respeita aos investimentos efetuados em subsidiárias, a AT concluiu que:
  1. E..., SA – NIPC: ...

No segundo semestre de 2011 concluíram-se os trabalhos de construção do “...–...” iniciados no final de 2009. Este edifício com a área bruta de construção de 7.121 m2 compõe-se de um corpo habitacional com 36 fogos e um pequeno corpo adjacente e autónomo oferecendo um estabelecimento comercial e dois escritórios.

Concluídos os trabalhos de construção, para cumprimento das responsabilidades com os fornecedores e banco financiador realizou-se um aumento de capital social e foram realizados suprimentos no montante de 14.000.000,00€.

A A..., mediante subscrição dos aumentos de capital e aquisições passou a deter as 460833 ações, representativas de 78,37% do capital da E... .

Nos anos de 2012, 2013 e 2014 a Lote Dois procedeu à venda de todas as fracções que compõem o “Edifício ... –...”.

  1. B..., SA – NIPC: ...

No final do exercício de 2011 e início de 2012 a A... adquiriu 370.226 ações da B..., passando a deter uma participação de 66,93%.

Os investimentos imobiliários desta subsidiária são constituídos por dois terrenos, um em propriedade plena e outro em compropriedade, ambos localizados no espaço territorial definido pela Câmara Municipal do Porto para a ...– Avenida ... . O desenvolvimento desta operação urbanística é liderado pela Câmara Municipal do Porto.

Nos últimos exercícios com o suporte do “G...” (acionistas único da F... e da A...), a B... tinha vindo a realizar emissões de papel comercial de 12.800.000,00€.

Estas emissões foram suportadas por “cartas conforto” emitidas pela G..., nos termos das quais era assumido o compromisso de subscrever as emissões de papel comercial para as quais não houvesse investidores interessados. Com o colapso do Grupo H... e a entrada em situação de insolvência da G..., deixou de ser possível encontrar tomadores interessados em emissões de papel comercial. Em Junho de 2014, com dotações efetuadas pela A... foi amortizada a totalidade do Programa de Papel Comercial de 12.800.000,00€.

  1. I... SA – NIPC: ...

Até 19 de dezembro de 2013 a A... era titular da totalidade dos 10.000 ações representativas do capital e direitos de voto da I... .

Durante o ano de 2013, esta empresa realizou as obras de reabilitação do imóvel adquirido no final de 2012, sito na ..., ..., promoveu o arrendamento de algumas das frações que o compõem e no mês de dezembro de 2013, a A..., realizou a venda da totalidade das ações desta sociedade.

  1. J..., SA – NIPC: ...

Sociedade anónima, constituída em Junho de 2014, para desenvolver um investimento imobiliário visando a reabilitação de um edifício pombalino, na baixa de Lisboa.

  1. Os serviços inspetivos da AT verificaram o seguinte relativamente ao registo de valores, pela Requerente, no que concerne a empréstimos obtidos da detentora do capital, empréstimos concedidos às associadas, gastos de financiamento e rendimentos de juros.

 

  1. Estes gastos, contabilizados na conta 6912, são reconhecidos como gasto de cada um dos respetivos exercícios.
  2. Face aos factos descritos, entenderam os SIT, “(…) não serem fiscalmente dedutíveis, para efeitos de determinação do lucro tributável dos exercícios de (…) 2014, os encargos financeiros correspondentes aos empréstimos contraídos, na proporção das verbas que não foram redebitadas às sociedades para as quais os empréstimos foram canalizados.”
  3. Na sequência da notificação do RIT, a Requerente rececionou a liquidação adicional de IRC número 2016..., respeitante ao exercício de 2014, a qual apurou um montante total de imposto apurado de € 24.239,43 (vinte e quatro mil, duzentos e trinta e nove euros e quarenta e três cêntimos), incluindo juros de mora e juros compensatórios, a que corresponde o documento de cobrança n.º 2016... .
  4. Na sequência da supra liquidação adicional, no dia 11 de agosto de 2016, a ora Requerente procedeu ao pagamento do montante de imposto em falta, no montante de € 9.092,02 (nove mil e noventa e dois euros e dois cêntimos).
  5. A Requerente apresentou reclamação graciosa da liquidação adicional referida no ponto M.
  6. Por despacho do Senhor Diretor adjunto de Direção de Finanças datado de 31 de agosto de 2017, notificado à Requerente no dia 6 de setembro de 2017, a reclamação graciosa foi indeferida.

 

  1. Factos não provados

 

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

  1. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral, no processo administrativo e em factos enunciados pelas Partes nas respetivas peças processuais relativamente aos quais não existe controvérsia.

 

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que for alegado pelas Partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada e não provada (cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT). Os factos são selecionados de acordo com a respetiva pertinência jurídica, a qual é determinada em função das várias soluções possíveis para a causa (cf. o anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, atual 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT).

 

Tendo em consideração as posições assumidas pelas Partes, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima enunciados, não existindo factos relevantes que não se tenham considerado provados.

 

  1. Matéria de direito

 

O cerne do presente processo reside na consideração, ou não, como gastos fiscalmente dedutíveis, dos encargos financeiros incorridos pela Requerente e correspondentes a juros suportados com empréstimos subsequentemente canalizados para sociedades parcialmente detidas pela Requerente e às quais não foram, por sua vez, cobrados juros.

 

A AT discorda que os encargos financeiros suportados pela Requerente sejam um gasto fiscal enquadrável no artigo 23.º do Código do IRC por entender que os gastos previstos naquele artigo 23.º têm de respeitar à própria sociedade contribuinte. No caso concreto, a A... suportou gastos de financiamento e simultaneamente efetuou empréstimos às suas associadas, B..., E..., I... e J..., sem proceder ao débito de juros relativos a esses empréstimos concedidos, com exceção do exercício de 2014, no qual procedeu ao débito de juros à associada B... . Assim, considerou a AT não serem fiscalmente dedutíveis, para efeitos de determinação do lucro tributável dos exercícios de 2012, 2013 e 2014, os encargos financeiros correspondentes aos empréstimos contraídos, na proporção das verbas que não foram redebitadas às sociedades para as quais os empréstimos foram canalizados. Em concreto, as correções são as seguintes:

 

A AT entende que, assim como, em termos contabilísticos, os gastos representam a componente negativa dos resultados obtidos pelas empresas, o conceito fiscal de gasto, e de encargo financeiro, vertido no art.º 23.º n.º 1 al. c) do CIRC[1], implica que haja uma relação de causalidade económica entre o gasto incorrido e o rendimento obtido. Ou seja, o gasto imprescindível equivale ao custo realizado em ordem à obtenção de rendimentos e que represente um decaimento económico para a empresa. Para que esse nexo se verifique, entende a AT ser necessário que o gasto suportado o seja com atividades da própria sociedade que nele incorreu. E é aqui que surge a principal divergência entre a AT e a Requerente, entendendo esta última, ao invés, que um gasto incorrido com vista ao financiamento da atividade de uma sociedade participada, cujo lucro reverte para a sociedade participante através do mecanismo da distribuição de dividendos, é igualmente um gasto dedutível nos termos do artigo 23.º do CIRC.

 

A AT invoca, nomeadamente, jurisprudência do TCAS na qual se refere a “distinção fundamental entre o custo efetivamente incorrido no interesse coletivo da empresa e o que pode resultar apenas do interesse individual do sócio, de um grupo de sócios, ou de terceiros, ou do seu conjunto e que não pode, por isso, ser considerado custo.” (Ac. TCAS de 02/02/2010, proc. 03669/0914). Defende ser este princípio aplicável ao caso concreto uma vez que a Requerente suportou juros referentes a financiamentos utilizados na atividade de uma sua participada.

 

Parece-nos, no entanto, que o faz de uma forma demasiado restritiva. Com efeito, considerar que, no caso concreto, o custo incorrido resulta apenas do interesse individual de terceiros, ignorando o facto de esse terceiro ser uma sociedade participada pela sociedade que suporta o custo é, no mínimo, uma visão redutora do interesse da sociedade Requerente. Vejamos:

 

A noção de indispensabilidade pressuposta no artigo 23.º do CIRC prende-se com a indispensabilidade do gasto para a realização do fim último da empresa – o lucro – através de uma qualquer atividade produtiva da qual ele possa resultar. Note-se que o legislador não cerceia o tipo de atividade que pode dar origem ao lucro – ela estará apenas limitada, evidentemente, pelo objeto social, pelas atividades que a própria empresa se predispôs a realizar quando foi criada ou, posteriormente, quando foi redefinido o respetivo objeto. Ora, no caso concreto, a atividade da sociedade Requerente inclui “a gestão e promoção imobiliária, construção, compra, venda e revenda de propriedades bem como a sua administração; aquisição de quotas ou ações de outras sociedades, financiamento destas, através de suprimentos e ou prestações acessórias; participação em agrupamentos complementares de empresas, consórcios ou outras formas de associação.” Ou seja, através do seu objeto, a sociedade Requerente propôs-se a obter lucros de várias formas, entre as quais, através da participação noutras sociedades e, inclusive, do respetivo financiamento.

 

Será que as atividades das quais podem resultar gastos fiscalmente dedutíveis são apenas as atividades “produtivas”, por oposição às atividades “passivas” como a de obtenção de dividendos a partir da detenção de participações sociais? Não nos parece que tal decorra da norma jurídica em questão, que não encerra qualquer distinção quanto às atividades que podem, ou não, concorrer para a formação do lucro tributável e, simultaneamente, para a realização de gastos fiscalmente dedutíveis. Neste sentido, repita-se aqui o que a propósito já foi dito no Acórdão de 18/05/2016, proferido no âmbito do processo 695/2015-T: “A atividade de uma empresa, no sentido em que só dela decorreriam custos indispensáveis, nunca poderia ser assimilada à atividade produtiva, no contexto em que esta se traduz no conjunto de operações de transformação ou de produção de bens e serviços. O ciclo de exploração das empresas compõe-se de atividades pré-produtivas: formação legal da entidade, estudos pré investimento, investigação, desenvolvimento, aprovisionamento e outras. E, como é óbvio, também engloba atividades pós produtivas: comerciais, assistência pós venda, etc.. Para mais, inclui também atividades administrativas e financeiras, que são concomitantes a estas fases pré e pós produtivas. Tal é uma evidência económica que não carece, assim o julgamos, de maior fundamentação.

A atividade produtiva não deverá ser entendida num sentido restritivo, mas sim amplo, significando atividade relacionada com uma fonte produtora de rendimento da entidade que suporta os gastos. Julgamos ser este o sentido apropriado da expressão "atividade produtiva", tanto na obra de T. TAVARES, como na aceção fiscal usada pela AT e alguma jurisprudência. Até por que, se assim não fosse, o artigo 23.º não admitiria certamente como custos dedutíveis os gastos administrativos, de financiamento e até menos valias. Estes gastos não têm diretamente que ver com atividades produtivas, tout court, e todavia estão previstos na lei. Também, por exemplo, o abate de existências ou o financiamento de certos ativos que foram retirados da produção (que podem ser designados, em certas condições, por “ativos não correntes detidos para venda”) estariam de fora da atividade das empresas, entendida nessa aceção restrita, o que seria inaceitável. Ao buscar-se o sentido do conceito de atividade das empresas, ele não pode circunscrever-se a meras ou simples operações de produção de bens ou serviços. Dizer que um custo tem de verificar uma relação com a atividade produtiva só pode querer dizer verificar uma relação com as operações económicas globais, e exploração, ou com as operações ou atos de gestão que se insiram na busca do interesse próprio da entidade que assume tais custos. Nesse sentido, a atividade de uma empresa consistirá nas operações resultantes do uso do seu património, em particular dos seus ativos e da gestão dos seus passivos. Ou seja, na forma como a sua gestão utilizará o património empresarial no âmbito das diversas operações (produtivas, comerciais, de investimento e desinvestimento, de financiamento geral, de aquisição de participações financeiras e outras) que, no seu conjunto, permitem que a entidade em questão cumpra o seu objeto económico: a busca (imediata ou a prazo) de um excedente económico (lucro).

(...)

Um elemento patrimonial, de natureza financeira, corporizado num instrumento de capital próprio de uma outra entidade, num direito contratual de receber dinheiro ou outro ativo financeiro de outra entidade, ou de trocar ativos financeiros ou passivos financeiros em condições que sejam potencialmente favoráveis, constitui um ativo, atenta a sua característica de geração (esperada) de benefícios económicos futuros. Se tal característica não se verificar, nem sequer será reconhecido contabilisticamente como tal.  O facto de se tratar de rendimentos potenciais ou esperados, não desqualifica um ativo: de um ativo espera-se, estima-se, que dele fluam benefícios económicos futuros.”

 

Neste sentido, que se subscreve inteiramente, o gasto com o financiamento de uma participada que, segundo parâmetros de normalidade, irá potencialmente redundar na obtenção de um específico tipo de lucro – o dividendo -, não é diferente de qualquer outro gasto em que uma empresa incorre com vista à realização de atividades “produtivas” – a compra de uma máquina para utilização num processo produtivo, a compra de um imóvel para posterior venda, o pagamento de salários com vista à obtenção do rendimento decorrente da atividade dos recursos humanos, etc. O facto de, no caso de financiamento de uma participada, existir uma outra sociedade que beneficia do gasto incorrido pela participante não releva para desqualificar o gasto como fiscalmente dedutível por aquele que o realiza. Não é por isso que o gasto é realizado apenas no interesse de terceiro; pelo contrário, ele é, antes de mais, realizado no interesse da sociedade participante, que assim pretende manter uma das fontes produtoras do seu rendimento potencial – justamente, a participação social na sociedade participada. Por outras palavras: a entidade terceira que recebe o financiamento sem custos não é um terceiro qualquer, é uma sociedade participada e cuja atividade lucrativa reverte a favor da entidade que incorre no gasto com o financiamento. Este ponto, que é fundamental para ligar o gasto ao potencial rendimento, não pode ser ignorado numa correta interpretação do disposto no artigo 23.º do CIRC.

 

Neste quadro, que entendemos já suficientemente claro, resta concluir que, ao resultar de uma interpretação ilegalmente restritiva do disposto no artigo 23.º do CIRC, a liquidação impugnada e, consequentemente, a decisão de indeferimento da reclamação graciosa que sobre ela foi apresentada, padecem de erro sobre os pressupostos de direito e de facto, por errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 23.º, n.º 1, alínea c), do Código do IRC, o que constitui vício de violação de lei. Assim, têm estes atos que ser declarados ilegais e, consequentemente, que ser anulados. Tendo a Requerente procedido ao pagamento voluntário do imposto liquidado, deverá ainda tal quantia ser-lhe restituída acrescida dos juros indemnizatórios que se mostrarem devidos, no momento do pagamento, em cumprimento do disposto no artigo 43.º da LGT.

 

  1. Decisão                            

De harmonia com o exposto, o Tribunal Arbitral decide nos termos que se seguem:

  1. Declarar a ilegalidade e determinar a consequente anulação da liquidação de IRC n.º 2016..., no montante de € 24.239,43;
  2. Declarar a ilegalidade e determinar a consequente anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa proferida sobre a liquidação impugnada (processo ...2016...);
  3. Determinar a restituição do imposto indevidamente pago por força da ilegalidade praticada;
  4. Determinar o pagamento de juros indemnizatórios nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT.
  1. Valor do processo

De harmonia com o disposto no artigo 296.º, n.º 1, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de 24.239,43.

 

  1. Custas

 

Fixa-se o montante das custas em € 1.530,00 (tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária), ficando o respetivo pagamento a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira (artigo 22.º, n.º 4, do RJAT).

Lisboa, 21 de junho de 2018

 

A Árbitro

 

 

(Raquel Franco)

 

 



[1] Que estabelece que: “ Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente de natureza financeira, tais como juros de capitais alheios e aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efectivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado.”