Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 266/2019-T
Data da decisão: 2020-02-10  IRC  
Valor do pedido: € 148.607,98
Tema: IRC – Pagamentos a entidade sujeita a regime fiscal privilegiado. Dedutibilidade; Tributação autónoma; Dedutibilidade dos gastos; Efectividade das operações; Pagamento a não residentes; Retenção na Fonte.
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Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), João Menezes Leitão e Nina Aguiar, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, na seguinte:

 

DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

I – RELATÓRIO

 

1.            No dia 10 de Abril de 2019, A..., S.A., NIPC..., com sede na Rua ..., n.º..., Lisboa, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de liquidação adicional de IRC n.º 2017... e do acto de liquidação de juros compensatórios n.º 2017..., no montante total de €79.231,44 e da demonstração de liquidação de retenções na fonte n.º 2017..., e respectivos juros compensatórios, no valor de €30.927,40, referentes ao ano de 2013, assim como do acto de liquidação adicional de IRC n.º ... e do acto de liquidação de juros compensatórios n.º 2017..., no montante global de €69.376,54 e da demonstração de liquidação de retenções na fonte n.º 2017..., e respectivos juros compensatórios no valor de €40.623,86, referentes ao período de 2014 e, ainda, da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que teve os referidos actos de liquidação como objecto. 

 

2.            Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese:

i.             vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, relativamente à desconsideração de gastos com comissões pagas a entidades não residentes, e à tributação autónoma relativamente às mesmas comissões pagas a entidades sujeitas a um regime fiscal claramente mais favorável;

ii.            violação do princípio da descoberta da verdade material, previsto no artigo 55.º da LGT;

iii.           vício de violação de lei, nomeadamente da alínea g) do n.º 1 do artigo 94.º do CIRC, relativamente à liquidação de retenção na fonte sobre pagamentos a entidade não residente.

 

3.            No dia 11-04-2019, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

4.            A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

5.            Em 03-06-2019, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

6.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 26-06-2019.

 

7.            No dia 16-09-2019, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.

 

8.            No dia 12-11-2019, realizou-se a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, onde foram inquiridas as testemunhas, no acto, apresentadas pela Requerente, tendo igualmente sido prorrogado o prazo a que alude o art.º 21.º/1 do RJAT, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo.

 

9.            Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.

 

10.          Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º/1 do RJAT, prorrogado.

 

11.          O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-            A Requerente é uma sociedade anónima que tem por objecto social a “indústria hoteleira, em hotéis próprios ou de terceiros, a indústria turística, bem como a promoção imobiliária, construção de imóveis e compra e venda de imóveis para revenda, o arrendamento e a gestão de imóveis próprios, bem como a prestação de serviços de administração imobiliária”.

2-            No âmbito da sua actividade, a Requerente explora diversas unidades hoteleiras no território nacional, assim como constrói e explora diversos empreendimentos turísticos.

3-            Os empreendimentos turísticos foram, inicialmente, construídos pela Requerente e, posteriormente, alienados a terceiros.

4-            No que respeita aos empreendimentos turísticos, a actividade da Requerente prende-se com a construção do edificado (constituído por diversas fracções autónomas), alienação a terceiros das fracções autónomas e celebração de acordos de exploração das fracções com os novos proprietários.

5-            Em 2010, a Requerente construiu o edificado que constitui o empreendimento turístico “...”, sito na Rua ..., n.º..., em Lisboa.

6-            Para efeitos da construção do referido empreendimento, a Requerente recorreu a financiamento juntos de instituições financeiras.

7-            Em 2012, a Requerente iniciou o processo de venda das fracções autónomas do referido empreendimento turístico.

8-            Inicialmente, a promoção e intermediação dos apartamentos foi realizada através de agentes que operavam em território português.

9-            Os mediadores nacionais efectuavam deslocações com os interessados na zona geográfica onde operavam e procuravam obter a documentação necessária à venda do imóvel.

10-         Devido à retracção da procura no mercado nacional, a Requerente não conseguiu vender grande parte das fracções do referido empreendimento.

11-         Em 2013, a Requerente começou a promover os imóveis no mercado estrangeiro, nomeadamente, no mercado asiático.

12-         A Requerente emitiu e contabilizou as seguintes facturas, relativas às entidades infra referidas:

 

13-         Em 2013, das 19 fracções vendidas, 14 foram-no a clientes do mercado asiático.

14-         A Requerente contabilizou como comissões de intermediação de vendas dos apartamentos do supra-referido empreendimento turístico aos seguintes clientes de nacionalidade chinesa, os valores pagos às entidades referidas infra:

 

15-         A mudança de mercado permitiu à Requerente aumentar o preço da venda das fracções.

16-         O peso das comissões contabilizadas como pagas às entidades intermediárias no preço de venda dos imóveis, nos anos de 2013 e 2014, traduz-se no seguinte quadro:

 

17-         Do RIT consta, para além do mais, o seguinte:

“Em síntese, os mapas apresentados demonstram significativas divergências entre os valores das percentagens das comissões sobre as vendas, no que se refere a comissões faturadas por entidades sediadas em Portugal e entidades não residentes, bem como entre entidades não residentes, conforme foi referido anteriormente.

A falta de apresentação de documentos comprovativos da natureza concreta das prestações de serviços, da efetiva realização das prestações de serviços, a grande divergência entre as comissões praticadas pelos fornecedores estrangeiros entre si e as comissões praticadas pelos fornecedores nacionais, demonstra que estamos perante prestações de serviços de montantes exagerados.

Face ao exposto, não são aceites como gasto fiscal, os seguintes valores respeitantes a pagamentos efetuados a entidades residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável:

▪ 2013 – 201.000,00 €, nos termos do disposto no artigo 65º do CIRC (faturas 037, 040 e 041 emitidas pela sociedade B... e fatura 0100010 emitida pela C...);

▪ 2014 – 108.000,00 €, nos termos do disposto no artigo 23º-A do CIRC (fatura 050 emitida pela sociedade B...).

Embora fora do âmbito da aplicabilidade do disposto na alínea r) do no 1 do artigo 23º-A do CIRC, não são igualmente aceites como gasto fiscal, nos termos do disposto no artigo 23º do CIRC, pelo facto de não ter sido devidamente comprovada a efetiva prestação de serviços, os seguintes montantes:

12.250,00 € - Fatura no EV1M131202 de 19/12/2013 emitida pela sociedade D..., Ltd;

184.237,60 € - Fatura nos 014, 015 e 016 emitidas pela empresa sediada em Macau, E..., Lda. No descritivo das faturas consta: “Serviços de Promoção e Marketing / Marketing Service Fee” – Anexo 13, contudo na resposta à notificação consta que os valores faturados pela E..., Lda, correspondem a serviços prestados para a venda dos apartamentos do empreendimento do ... 709, 201 e 603 – Anexo 4 (resposta à notificação, ponto II. d).

As faturas nos montantes de 96.000,00 €, 49.737,60 € e 38.500,00 €, foram todas emitidas pela empresa E..., Lda em 05/02/2014 – Anexo 13.

As escrituras dos apartamentos 709, 201 e 603, foram realizadas nas seguintes datas e montantes:

▪ 709 – 17/12/2013 por 240.730,00 €;

▪ 201 – 13/12/2013 por 510.790,00 €;

▪ 603 – 13/12/2013 por 510.790,00 €.

Se as faturas correspondem a serviços prestados relacionados com a venda dos apartamentos anteriormente identificados, como se faz a correspondência entre a fatura e a escritura? Verifica-se que dois apartamentos foram vendidos pelo mesmo valor, contudo os valores das faturas são todos diferentes, o que implica percentagens de comissão diferentes para cada apartamento.

Acresce que as escrituras de venda destes apartamentos foram todas realizadas em dezembro de 2013, contudo, as faturas da E..., Lda encontram-se datadas de 05/02/2014.

Face ao exposto não são aceites fiscalmente como gastos, os seguintes montantes nos termos disposto no artigo 23º do CIRC:

2013 – 12.250,00 €;

2014 – 184.237,60 €.

As correções descritas neste ponto totalizam as seguintes importâncias:

2013 – 213.250,00 € (201.000,00 € + 12.250,00 €);

2014 – 292.237,60 € (108.000,00 € + 184.237,60 €)”

18-         Mais consta do RIT, relativamente ao exercício do direito de audição da Requerente:

“O Contribuinte no documento que concretiza o direito de audição – Anexo 16, argumenta que a venda da maioria dos apartamentos através de intermediários chineses, foi efetuada acima do valor da tabela de preços do empreendimento.

Para análise destes argumentos, apresenta-se seguidamente mapa respeitante aos apartamentos vendidos sobre os quais foram suportados gastos faturados por operadores chineses, que compara os preços reais de venda aos quais foram deduzidas a totalidade dos gastos pagos a operadores chineses e operadores nacionais e os preços de tabela apresentados pelo Contribuinte no direito de audição e com as alterações por este solicitadas no requerimento que deu entrada neste Serviço de Inspeção Tributária com o no de entrada 2017... – Anexo 23, quase um mês após o término do prazo para o exercício do direito de audição,

 

Da análise ao mapa, resulta que o Contribuinte na venda dos apartamentos em que suportou nos exercícios de 2013 e 2014 gastos debitados por operadores chineses, perdeu o montante global de 50.467,33 €, comparativamente com os preços de venda de tabela.

Face ao exposto não se verifica a afirmação do Contribuinte de que a maioria dos apartamentos vendidos através de intermediários chineses, foi vendida acima do valor da tabela de preços do empreendimento”

19-         Em 2013 e 2014, a Requerente explorava 5 unidades hoteleiras/empreendimentos turísticos.

20-         A promoção dessa actividade foi assegurada através da contratação de diversos operadores nacionais e estrangeiros.

21-         Nos anos de 2013 e 2014, a Requerente contratou serviços, nomeadamente, às seguintes entidades:

 

22-         Como contrapartida dos serviços prestados, a Requerente procedeu ao pagamento dos montantes acordados.

23-         A Requerente foi objecto de uma acção inspectiva externa, credenciada pelas ordens de serviço n.º OI2016... e OI2016..., tendo incidido sobre os anos de 2013 e 2014.

24-         A Inspecção Tributária procedeu à notificação da Requerente para apresentar documentos de prova sobre o cumprimento dos requisitos exigidos no artigo 65.º e no artigo 23.º do CIRC.

25-         A Requerente apresentou resposta ao pedido de esclarecimentos.

26-         Apesar de a Requerente ter protestado juntar os contratos de prestação de serviços, nunca procedeu à sua junção durante o procedimento inspectivo, nem posteriormente, quer em sede de reclamação graciosa, quer em sede arbitral.

27-         Em 30-09-2017, a Requerente foi notificada do relatório de inspecção relativo aos exercícios de 2013 e 2014.

28-         O relatório de inspeção procedeu às seguintes correcções em sede de IRC, relativo aos anos de 2013 e 2014:

             Desconsideração como gasto fiscal do montante de €201.000,00, relativo às comissões pagas a entidades não residentes, no período de 2013, nos termos do artigo 65.º do Código do IRC;

             Desconsideração como gasto fiscal do montante de €108.000,00, relativo às comissões pagas a entidades não residentes, no período de 2014, ao abrigo do disposto no artigo 23.º-A do Código do IRC;

             Desconsideração como gasto fiscal do montante de €12.250,00, incorrido com comissões pagas a entidades não residentes, no período de 2013, nos termos do artigo 23.º do Código do IRC;

             Desconsideração como gasto fiscal do montante de €184.237,60, incorrido com comissões pagas a entidades não residentes, no período de 2014, nos termos do artigo 23.º do Código do IRC;

             Tributação autónoma, nos termos do artigo 88.º do CIRC, sobre os montantes pagos a entidades não residentes sujeitas a regime fiscal claramente mais favorável, no montante de €70.350,00 (2013) e €37.800,00 (2014);

             Retenções na fonte em falta sobre pagamentos efetuados a entidades não residentes, nos termos do artigo 94.º, n.º 1, alínea g) do CIRC, no montante de €27.943,43 (2013) e €40.022,31 (2014), por falta de apresentação da documentação a que se refere o art.º 98.º/2 do CIRC.

29-         Na sequência das correções efectuadas em sede de inspecção tributária, a Requerente foi notificada do acto de liquidação adicional de IRC n.º 2017... e juros compensatórios, no montante total de €79.231,44 e da demonstração de liquidação de retenções na fonte n.º 2017..., no valor de €30.927,40, referentes ao ano de 2013, assim como do acto de liquidação adicional de IRC n.º ... e juros compensatórios, no montante global de €69.376,54 e da demonstração de liquidação de retenções na fonte n.º 2017..., no valor de €40.623,86, referentes ao período de 2014.

30-         A Requerente procedeu ao pagamento das referidas liquidações.

31-         Em Abril de 2019, a Requerente apresentou reclamação graciosa, tendo como objecto as referidas liquidações.

32-         Em sede de reclamação graciosa, a Requerente juntou diversa documentação relativa às seguintes entidades:

 

33-         Em sede de reclamação graciosa, a Requerente juntou cópia das facturas emitidas pela F.... e pela G..., bem como certificados de residência fiscal, nos Estados Unidos da América, daquela entidades.

34-         A referida reclamação graciosa foi parcialmente deferida no que respeita às retenções na fonte em falta sobre os pagamentos efectuados a entidades residentes fora do território nacional, sendo o valor deferido com referência ao ano de 2013, de € 1.264,00 e, no ano de 2014, de € 10.285,06.

35-         Da decisão da reclamação graciosa consta, para além do mais, o seguinte:

 

 (...)

  (...)

 

36-         Em sede de pronúncia sobre o direito de audição exercido pela Requerente em sede de reclamação graciosa, consta da decisão desta, para além do mais, o seguinte:

 

A.2. Factos dados como não provados

 

1-            A Requerente, nos anos de 2013 e 2014, contratou as entidades B... e C..., com sede em Hong Kong para fazer a intermediação no mercado asiático.

2-            As entidades referidas no ponto 12 dos factos provados, procuravam angariar clientes chineses que pretendiam investir no mercado imobiliário em Portugal.

3-            A actividade de angariação efetuada pelas referidas entidades incluía acções de publicidade e divulgação na China sobre as condições de aquisição de imóveis em Portugal, pagamento de despesas de deslocação, alojamento e alimentação inerentes às visitas aos imóveis da Requerente.

4-            Os referidos intermediários asiáticos realizavam viagens de longa distância e as operações necessárias à saída das verbas da China para Portugal.

5-            As referidas entidades asiáticas intermediaram a venda dos apartamentos do referido empreendimento turístico aos clientes de nacionalidade chinesa referidos no ponto 14 dos factos provados.

6-            A sociedade F... Limited é uma entidade residente nos Estados Unidos da América

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13 , “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Em particular, os factos dados como provados nos pontos 2 a 11, 13, 15, 19 e 20 resultam da prova testemunhal produzida, e em concreto dos depoimentos das testemunhas AA... e BB..., que corroboraram o teor dos mesmos, de forma coerente e clara, em termos de não se formar qualquer dúvida razoável a seu respeito.

Os factos dados como não provados devem-se à insuficiência de prova a seu respeito, tendo-se, especialmente valorado, no que diz respeito aos factos dados como não provados nos pontos 1 a 5, a ausência de contratos escritos que permitissem um princípio de prova da relação de prestação de serviços entre a Requerente e a as entidades referidas, bem como a posição equívoca da Requerente na matéria, ao longo das fases administrativa e arbitral do presente litígio, em termos melhor desenvolvidos infra. A prova testemunhal foi insuficiente para convencer este tribunal arbitral, para lá de qualquer dúvida razoável, de que foram efectivamente aquelas entidades a prestar os serviços em causa, contabilizados pela Requerente.

Relativamente ao facto dado como não provado no ponto 6, verifica-se que a documentação apresentada pela Requerente se refere a entidades distintas da ali referida, pelo que não se pode dar como provado o facto em questão, alegado pela Requerente.

Por outro lado, a entidade referida no ponto 6 dos factos não provados, conforme indicado pela AT, é uma entidade titular de um NIF com residência fiscal no Reino Unido.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada, nem factos contraditório ou incompatíveis com os factos provados e não provados.

 

B. DO DIREITO

 

i. dos pagamentos às entidades B... e C...

Nesta matéria, alega a Requerente que os gastos suportados com as comissões pagas às entidades referidas, com sede em Hong Kong, são dedutíveis para efeitos fiscais, e que não estão sujeitos a tributação autónoma, por corresponderem a operações efectivamente realizadas e não terem um carácter anormal ou um montante exagerado.

                Em causa nesta parte está, portanto, a aplicação dos artigos 65.º/1 do CIRC (na redacção de 2013, e relativamente a esse exercício) e 23.º-A, n.ºs 1/r), 7 e 8, do CIRC (na redacção da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, relativamente ao exercício de 2014), e 88.º, n.º 8 do mesmo Código (em ambas as redacções do CIRC), que estabeleciam o seguinte, no que ao caso interessa:

“Artigo 65.º

Pagamentos a entidades não residentes sujeitas a um regime fiscal privilegiado

1 - Não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável as importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, salvo se o sujeito passivo puder provar que tais encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um caráter anormal ou um montante exagerado.”

 

“Artigo 23.º-A

Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais

1 - Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação: (...)

r) As importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português, e aí submetidas a um regime fiscal identificado por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças como um regime de tributação claramente mais favorável, salvo se o sujeito passivo provar que tais encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um caráter anormal ou um montante exagerado. (...)

7 - O disposto na alínea r) do n.º 1 aplica-se igualmente às importâncias indiretamente pagas ou devidas, a qualquer título, às pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, quando o sujeito passivo tenha ou devesse ter conhecimento do seu destino, presumindo-se esse conhecimento quando existam relações especiais, nos termos do n.º 4 do artigo 63.º, entre o sujeito passivo e as referidas pessoas singulares ou coletivas, ou entre o sujeito passivo e o mandatário, fiduciário ou interposta pessoa que procede ao pagamento às pessoas singulares ou coletivas.

8 - A Autoridade Tributária e Aduaneira notifica o sujeito passivo para produção da prova referida na alínea r) do n.º 1, devendo, para o efeito, ser fixado um prazo não inferior a 30 dias.”

 “Artigo 88º

Taxas de tributação autónoma

(...)

8 - São sujeitas ao regime do n.º 1 ou do n.º 2, consoante os casos, sendo as taxas aplicáveis, respetivamente, 35 % ou 55 %, as despesas correspondentes a importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, tal como definido nos termos do Código, salvo se o sujeito passivo puder provar que correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um caráter anormal ou um montante exagerado. (...)”.

O território de Hong Kong estava incluído, em 2013 e 2014, na «lista dos países, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada, claramente mais favoráveis», que consta da Portaria n.º 292/2011, de 8 de Novembro, que alterou a Portaria n.º 150/2004, de 13 de Fevereiro.

                Em questão estará, no caso sub iudice, a prova, imposta pelas supra-citadas normas, relativamente à efectividade das operações e ao carácter normal ou não exagerado das operações, prova essa cujo ónus, nos termos das normas aplicáveis, assiste à Requerente.

                Como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 05-11-2015, proferido no processo 07022/13, estamos perante a “aplicação da regra de não aceitação de encargos dedutíveis quando em causa estão pagamentos efectuados a pessoas singulares ou sociedades instaladas em paraísos fiscais, a menos que o sujeito passivo faça prova dos vectores supra identificados:

a-            Estarmos perante operações efectivamente realizadas;

b-           Que não têm um carácter anormal ou que o montante em causa não é exagerado.”.

Podendo-se, ainda, ler no mesmo aresto que:

“Mais se deverá referir que não exige a lei qualquer formalismo nestas provas, assim vigorando quanto às mesmas o sistema da prova livre e podendo socorrer-se o sujeito passivo de todos os meios de prova permitidos pela lei (cfr.v.g. artº.352 e seg. do C.Civil). No que diz respeito à prova da veracidade da operação não bastará a exibição de documentos escritos, nomeadamente contratos celebrados entre as partes, já que estes se presumem simulados, nem a demonstração do pagamento do preço, pois tal não é posto em causa. O que deve ser objecto de prova é antes a efectiva prestação de serviços, (...) ou seja, o facto comercial que esteve na origem do pagamento do mesmo preço que surge como custo a deduzir em sede de I.R.C. Já quanto à prova da inexistência do carácter anormal ou exagerado das despesas esta deve passar pela demonstração de que o contrato, cuja veracidade se provou, se apresenta equilibrado. Para esse efeito, o sujeito passivo deverá demonstrar qual a importância real das vantagens auferidas pelo contrato em causa, tal como fazer prova que os encargos estabelecidos constituem a justa remuneração dessas vantagens, mormente, por comparação com os custos de serviços análogos no mercado.”

                Será, portanto, à luz do critério indicado que se haverá de aferir a legalidade dos actos tributários sub iudice.

                Vejamos, então.

 

*

                               No caso, conforme resulta da matéria de facto provada, a Requerente deduziu para efeitos de determinação do lucro tributável as importâncias pagas às entidades B... e C..., inquestionavelmente pessoas colectivas residentes fora do território português (Hong Kong) e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável.

Conforme resulta das normas aplicáveis e já expostas, e da interpretação judicial que das mesmas é feita, e que previamente se expôs também, cumpre apurar se se encontra feita pela Requerente a prova de que:

a.            Estamos perante operações efectivamente realizadas; e que

b.            As mesmas não têm um carácter anormal ou que o montante em causa não é exagerado.

Relativamente à primeira das circunstâncias, considera a AT, em suma, que não existe qualquer comprovação da realização material das prestações de serviços por parte das empresas sediadas em Hong Kong.

 

*

                Como se acaba de ver, a primeira questão a verificar relativamente à legitimidade, ou não, da dedução de custos efectuada pela Requerente, e em causa nos presentes autos de pronúncia arbitral, prende-se com a demonstração de que os encargos deduzidos correspondem a operações efectivamente realizadas.

A este respeito, a Requerente fez um esforço probatório direcionado no sentido de demonstrar, em suma, que lhe foram efectivamente prestados serviços de angariação de clientes estrangeiros, designadamente na China.

Face à matéria de facto dada como provada, não quedam, neste processo, dúvidas que, efectivamente, a Requerente terá beneficiado dos referidos serviços de angariação de compradores para os imóveis que tinha à venda.

Não obstante, entende este Tribunal que tal prova não exaure o ónus probatório que sobre a Requerente impendia.

Considera-se, antes, que a prova de que “tais encargos correspondem a operações efectivamente realizadas” não se limita à simples prova de que as operações a que correspondem os encargos ocorreram na realidade objectiva, mas implica ainda a demonstração de que as mesmas, tendo-se efectivamente dado na realidade, tiveram como sujeitos o contribuinte que suportou o encargo, por um lado, e a pessoa singular ou colectiva residente fora do território português e aí submetida a um regime fiscal claramente mais favorável, por outro.

Dito de outro modo, a prova da efectividade das operações a que correspondem os encargos deduzidos, relativos a pagamentos feitos a pessoa singular ou colectiva residente fora do território português e aí submetida a um regime fiscal claramente mais favorável, pressupõe uma dimensão objectiva – isto é, a prova de que na realidade as operações em causa se deram – e uma dimensão subjectiva – ou seja, a prova de que a mesma se deu entre o contribuinte que pretende deduzir o encargo, e a entidade sujeita a regime fiscal mais favorável, que o facturou e recebeu.

A não ser assim, de resto, estar-se-iam a admitir dois tipos de situações objectivamente intoleráveis do ponto de vista racional e sistemático, a saber:

-              situações em que um contribuinte suporte um encargo correspondente a operações que não lhe digam respeito;

-              situações em que um contribuinte realizasse operações com uma determinada entidade (por exemplo, residente em território nacional), e depois fizesse o pagamento a uma outra entidade, residente fora do território português e aí submetida a um regime fiscal claramente mais favorável.

Acresce que o regime dos pagamentos feitos a entidades sujeitas a regime fiscal claramente mais favorável tem subjacente uma finalidade dissuasora da realização de pagamentos a entidades sitas em tais jurisdições, por razões ligadas à prevenção da fraude e branqueamento de capitais, de onde decorre a especial relevância da segurança de que as entidades referidas prosseguem, efectivamente e na realidade uma actividade económica, e não sejam meras fachadas para retirar proveitos indesejados dos regimes próprios das localizações onde se sedearam.

Assente isto, ou seja, que a prova da efectividade das operações a que correspondem os encargos deduzidos, relativos a pagamentos feitos a pessoa singular ou colectiva residente fora do território português e aí submetida a um regime fiscal claramente mais favorável, pressupõe uma dimensão objectiva e uma dimensão subjectiva, forçosamente se terá de concluir que a Requerente claudicou no cumprimento cabal do ónus probatório que lhe assistia.

Com efeito, não resulta do acervo fáctico apurado que as operações a que correspondem os encargos deduzidos, e cuja dedução foi corrigida pela AT, foram realizadas com as entidades B... e C... .

                Como bem entendeu a AT, a prova produzida limita-se à facturação por, e ao pagamento a, aquelas entidades, bem como, em sede arbitral, à ocorrência de determinados serviços de angariação de clientes chineses, não sendo possível por qualquer forma, a este Tribunal, estabelecer, para lá de qualquer dúvida razoável, que aqueles serviços hajam sido realizados pelas entidades que emitiram as facturas em questão.

                Efectivamente, a Requerente sabia, ou devia saber, que as entidades B... e C... eram residentes fora do território português e aí submetida a um regime fiscal claramente mais favorável, e que, como tal, lhe assistiam ónus específicos em matéria tributária, relativamente a cujo cumprimento lhe incumbia precaver.

                Ora, nesta matéria, seria indispensável, pelo menos, a promoção da celebração de um contrato escrito, onde se identificassem as prestações de serviços a efectuar por aquelas entidades, e onde ficassem estabelecidas as condições de tais prestações.

                A este propósito, cumpre referir que o posicionamento da Requerente, relativamente a esta matéria, foi equívoco, em nada contribuindo para a solidez do entendimento que sustenta, designadamente ao protestar juntar, em sede administrativa, os contratos supostamente celebrados com as entidades em questão, e ao vir sustentar, em sede arbitral (cfr. art.º 65.º do Requerimento Inicial) “não ter sido celebrado contrato escrito para a prestação destes serviços”.

                Também as mensagens de correio electrónico juntas pela Requerente serão insuficientes para se dar como assente a prestação dos serviços facturados pelas entidades em causa, já que, como refere a AT e não contesta a Requerente, as referidas mensagens reportam-se a diligências de cobrança das facturas, e são remetidas por entidades diversas das emitentes daquelas, o que apenas reforça o quanto anteriormente foi dito, no sentido de não se poder estabelecer, para lá de qualquer dúvida razoável, que os serviços que foram prestados à Requerente, o tenham sido pelas entidades B... e C... .

                Assim, e em suma, a não demonstração, in casu, que as operações a que correspondem os encargos deduzidos, relativos a pagamentos feitos a pessoa singular ou colectiva residente fora do território português e aí submetida a um regime fiscal claramente mais favorável, foram efectivamente realizadas por aquela, determina a ilegitimidade de tal dedução, bem como a sujeição de tais encargos a tributação autónoma, sendo que não tem ao caso aplicação a jurisprudência arbitral citada pela Requerente, na medida em que nos casos ali julgados foi feita prova suficiente da efectividade das operações realizadas.

                Sendo, como se expôs anteriormente, cumulativos os requisitos de aplicação das normas previamente convocadas, e não tendo sido feita a prova de um deles, é inútil a apreciação da verificação dos restantes, já que, mesmo que se considerassem os mesmos verificados, sempre haveria de improceder, nesta parte, o pedido arbitral.

 

*

                Abrangendo a parte das correcções ora em apreço, a Requerente alega ainda a violação do princípio da descoberta da verdade material, previsto no artigo 55.º da LGT.

                Antes de mais, note-se que o invocado princípio da verdade material, radica no princípio do inquisitório, previsto no art.º 58.º da LGT (como, aliás, o acórdão citado no art.º 91.º do Requerimento Inicial refere), e não no art.º 55.º da mesma Lei.

                Posto isto, a Requerente funda esta sua alegação no entendimento de que “era do conhecimento da AT que as taxas de comissão são cobradas a quaisquer entidades Portuguesas que pretendam promover os imóveis nacionais junto do mercado asiático.” .

                Ora, desde logo, como se viu, mesmo que se considerasse que a AT estava obrigada à realização de diligências no sentido de apurar se as taxas de comissão em causa eram, ou não, normais, o certo é que esse não é o único fundamento das correcções operadas e ora em causa, como se viu, e que, tendo em conta que a Requerente, como era seu ónus, não deu cumprimento cabal ao seu ónus de demonstrar a efectividade das operações, pelo que as diligências pretendidas pela Requerente, seriam inúteis, dado não serem susceptíveis de alterar o decidido pela AT na matéria.

                Acresce que, como vem sendo entendido pela jurisprudência, o princípio da verdade material, contido no princípio do inquisitório, não dispensa o contribuinte do cumprimento dos ónus probatórios que, por lei lhe assistem.

                Assim, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 22-10-2015, proferido no processo 08843/15:

“Este dever imposto à A. Fiscal de averiguar a verdade material não dispensa os contribuintes da obrigação de colaborarem na produção de provas, como se prevê no artº.59, da L.G.T. Por outro lado, a previsão desta obrigação da Fazenda Pública de averiguar os factos relevantes para a decisão não significa que ela tenha o ónus da prova desses factos, pois apenas a insuficiência probatória de factos constitutivos dos direitos invocados pela A. Fiscal é valorada processualmente contra ela (artº.74, nº.1, da L.G.T.).

"In casu", (...) o impugnante ora recorrente foi notificado pelos serviços de inspecção para produzir prova (...), não tendo cumprido com tal ónus.”.

                E, como se escreveu no Acórdão do mesmo Tribunal, de 16-09-2019, proferido no processo 2346/18.2BELRS:

“Antes de mais, cumpre sublinhar que cabe, desde logo, às partes apresentar a prova que considerem pertinente ou requerer as diligências instrutórias relevantes para a demonstração dos factos que alegam. (...)

A título prévio refira-se que o princípio do inquisitório não descarateriza nem invalida os ónus conferidos às partes, mormente os que respeitam à junção de meios de prova ou à apresentação de requerimento para efeitos de realização de diligências instrutórias.

Assim, o alcance do princípio do inquisitório não pode ser tal que conduza a que o Tribunal se substitua às partes, produzindo a prova que a estas cabe produzir.”.

                Deste modo, e pelo exposto, deve improceder o pedido arbitral na parte respeitante às correcções que tiveram por base os pagamentos às entidades B... e C... .

 

***

b. Comissões pagas às entidades D... e E...

                No que respeita às correcções operadas pela AT, relativas às entidades D... e E..., estamos já num domínio distinto das analisadas previamente. Com efeito, enquanto ali estavam em causa entidades sujeitas a um regime fiscal privilegiado, tal não ocorre já com as correcções ora em apreço.

                Assim, conforme a própria AT sumaria, os gastos ora em questão não foram aceites nos termos do art.º 23.º do CIRC, pelo facto de não ter sido comprovada a efectiva prestação de serviços.

A presente questão centra-se, assim na problemática geral da dedutibilidade dos gastos em IRC, regulado, em primeira linha pelo art.º 23.º do CIRC, que, no período abrangido, foi regulado por normas legais de redacção distinta, conforme se passa a transcrever:

- Exercício de 2013:

“Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente:....”;

Exercícios de 2014 e 2015:

“1 - Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC. (...)

3 - Os gastos dedutíveis nos termos dos números anteriores devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito.”.

Não obstante as distintas redacções, com consabidas repercussões, pelo menos, ao nível da clarificação das interpretações a operar na matéria, crê-se que o diferente teor das normas a aplicar aos distintos exercícios em questão, não contenderão, no essencial, com a solução a dar à questão a resolver, conforme se verá de seguida.

Assim, se no domínio da matéria previamente analisada, como a própria Requerida aponta na resposta, há “clara inversão do ónus da prova” (cfr. ponto 23 da Resposta), e está-se “perante uma derrogação da presunção de veracidade e de boa-fé (artigo 75.º, n.º 1 da LGT), havendo pois uma inversão do ónus probatório” (cfr. ponto 26. da Resposta), na presente sede, já o mesmo não acontece.

Assim, como tem sido pacificamente aceite, “A A. Fiscal no exercício da sua competência de fiscalização da conformidade da actuação dos contribuintes com a lei, actua no uso de poderes estritamente vinculados, submetida ao princípio da legalidade, cabendo-lhe o ónus de prova da existência de todos os pressupostos do acto de liquidação adicional.” .

                Sendo certo que, nos termos do já mencionado art.º 75.º/1 da LGT, “Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos.”.

                Daí que, na matéria em questão, não tendo a AT demonstrado que as declarações de imposto da Requerente para os exercícios em causa, não tenham sido apresentadas nos termos previstos na lei, bem como que a contabilidade daquela, no que para o caso importa, não estivesse organizada de acordo com a legislação comercial e fiscal, haverá que presumir verdadeira a prestação dos serviços titulados pelas facturas contabilizadas pela Requerente.

                Isso mesmo tem sido reiterado pela jurisprudência que afirma que:

- “Cabendo à AT o ónus de provar a verificação dos pressupostos legais vinculativos da sua actuação, compete-lhe, no caso de liquidação adicional de IRC por falta de reconhecimento de facturas contabilizadas pelo contribuinte, o ónus de provar que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação ao abrigo do art. 23º do CIRC e se não conseguir fazer essa prova, designadamente se não provar a realidade dos elementos em que apoiou o seu juízo quanto à inexistência dos custos ou se não provar a adequação entre esses elementos e o juízo que formulou, a questão relativa à legalidade do seu agir terá que ser resolvida contra ela, não por força do disposto no art. 121º do CPT, que não logra aplicação ao caso dado que não é a AT que está a afirmar a existência de factos tributários, mas porque tem de ser ela a suportar a desvantagem de não ter cumprido o ónus de prova que sobre si impendia, de não ter convencido o tribunal quanto à verificação dos pressupostos legais que lhe permitiam agir.” ;

- “Cabendo à AT o ónus de provar a verificação dos pressupostos legais vinculativos da sua actuação, compete-lhe, no caso de liquidação adicional de IRC por falta de reconhecimento de facturas contabilizadas pelo contribuinte, o ónus de provar que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação ao abrigo do art. 23º do CIRC.” .

                No fundo, ao negar a efectividade dos referidos serviços, a AT está a arguir a falsidade daquelas, pelo que, no que tem sido jurisprudência reiterada e recorrente dos Tribunais superiores da ordem Tributária, quer em matéria de IVA, quer em matéria de IRC:

“1.          Desde que organizada de acordo com as exigências legais, as declarações dos contribuintes e os dados e apuramentos inscritos na contabilidade gozam da presunção de veracidade.

2.            Esta presunção cessa quando, entre outras situações, existam indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo.

3.            Estando em causa indícios de facturação falsa, a AT não tem que provar a falsidade das facturas; basta-lhe demonstrar os indícios de falsidade e que estes são consistentes, sérios e reveladores de uma alta probabilidade de que as facturas são «falsas» para cumprir o seu encargo probatório.

4.            Feita esta prova indiciária, a lei faz cessar a presunção de boa-fé creditada às declarações e contabilidade do contribuinte e devolve-lhe o encargo de provar a materialidade das operações subjacentes à facturação indiciada.”

                Cumpre, portanto, apurar se a AT cumpriu o seu ónus de reunir indícios consistentes, sérios e reveladores de uma alta probabilidade de que as facturas são «falsas».

                No caso, a AT assenta a sua correcção nas seguintes circunstâncias:

- No descritivo das facturas consta: “Serviços de Promoção e Marketing / Marketing Service Fee”;

- na resposta à notificação apresentada pela Requerente consta que os valores facturados pela E..., Lda, correspondem a serviços prestados para a venda dos apartamentos do empreendimento do ... 709, 201 e 60;

- As escrituras dos apartamentos 709, 201 e 603, foram realizadas nas seguintes datas e montantes: 709 – 17/12/2013 por 240.730,00 €; 201 – 13/12/2013 por 510.790,00 €; 603 – 13/12/2013 por 510.790,00 €, e as facturas foram emitidas nos montantes de 96.000,00 €, 49.737,60 € e 38.500,00 €;

- dois apartamentos foram vendidos pelo mesmo valor, contudo os valores das facturas são todos diferentes, o que implica percentagens de comissão diferentes para cada apartamento;

- as escrituras de venda destes apartamentos foram todas realizadas em Dezembro de 2013, contudo, as facturas da E..., Lda encontram-se datadas de 05/02/2014

                Antes de mais, note-se que toda os fundamentos apresentados pela AT, reportam-se, exclusivamente, às facturas emitidas pela entidade E..., nada se reportando, ou sendo transponível para a factura da entidade D... .

                Relativamente às facturas emitidas pela entidade E..., o único facto com algum significado é a circunstância de dois apartamentos terem sido vendidos pelo mesmo valor, sendo os valores das facturas diferentes, o que implica, como aponta a AT, percentagens de comissão diferentes para cada apartamento.

                Efectivamente, o diferimento de 2 meses entre a ocorrência da venda das fracções imobiliárias e a emissão da factura, não assumirá, salvo melhor opinião, qualquer relevância, dado tratar-se de operações com entidades sediadas na China (onde se inclui Macau), e relacionadas com a venda a cidadãos chineses.

                Por outro lado, a interrogação formulada pela AT, relativamente à forma como como se fará a correspondência entre as facturas e as escrituras, não releva para efeitos da existência das operações, mas unicamente para a sua devida documentação.

                Ora, como emerge claramente do RIT, e é reconhecido em sede de reclamação graciosa, as correcções ora em apreço fundam-se, exclusivamente, no facto de não ter sido devidamente comprovada a efectiva prestação de serviços, e não de os correspondentes gastos não estarem devidamente documentados.

                A própria AT ter-se-á apercebido disso mesmo, em sede de decisão da Reclamação graciosa, onde fez constar que o descritivo das facturas “é manifestamente insuficiente para permitir à AT, ou a qualquer outra entidade, ajuizar da indispensabilidade do gasto para a actividade da empresa e, bem assim, da sua relação com os rendimentos sujeitos a imposto, conforme exigido pelo normativo em referência.”.

                Ora, tal fundamentação é estranha ao RIT, constituindo uma fundamentação a posteriori, sendo pacífico, como se crê que é, que “É exclusivamente à luz da fundamentação externada pela AT quando da prática da liquidação adicional (...) que deve aferir-se a legalidade desse acto tributário.” .

                Resta assim, como se apontou a circunstância de dois apartamentos terem sido vendidos pelo mesmo valor, sendo os valores das facturas diferentes, o que implica, como aponta a AT, percentagens de comissão diferentes para cada apartamento.

                Ora esta circunstância, de per si, e desligada de quaisquer outras, como é o caso, não se poderá reputar apta a preencher o ónus de reunir indícios consistentes, sérios e reveladores de uma alta probabilidade de que as facturas são «falsas».

                É certo que, dos pontos 1 a 5 da matéria de facto não provada, emerge que não foi provado que as entidades em questão hajam prestado os serviços ali descritos.

                Todavia, como é consabido, a não prova de um facto não equivale à prova do facto contrário. Ora, no caso, sendo o ónus da prova um encargo da Requerida, nos termos previamente expostos, era a esta que incumbia, em sede inspectiva, reunir indícios consistentes e sérios, reveladores de uma alta probabilidade de que, no caso, as entidades D... e  E... não prestaram os serviços em questão.

                Assim, como se escreveu no Ac do TCA-Sul de 16-10-2014, proferido no processo 06964/13, “A dúvida criada pela Administração Fiscal pode não ser fundada ou consistente, o que determina, desde logo, a prevalência do princípio declarativo.”.

                No mesmo sentido, julgou o Ac. do TCA-Sul de 05-06-2019, proferido no processo 906/10.9BESNT, que:

“1. De acordo com o disposto no n.º 1 (corpo) do art.º23.º do CIRC, “consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para manutenção da fonte produtora…”.

2. Não se questionando a indispensabilidade do custo, nem a sua contabilização apoiada em documentos de despesa, a sua não-aceitação apenas pode radicar na sua falta de materialidade (ou verdade).

3. Não havendo indícios fundados de que os custos contabilizados pela impugnante (...) assentam em facturação relativa a operação fictícia (de leasing), fica logo comprometida a legalidade da sua correcção pela AT.”.

                Acresce que estando em causa entidades sedeadas em Macau e na República Popular da China, e estando vigentes, à data do procedimento inspectivo, acordos que previam a troca de informações, poderia, e deveria, a AT, em ordem a dar cumprimento ao seu ónus probatório, accionar os mesmos, em ordem a apurar da efectiva – ou não – prestação de serviços.

                Deste modo, e por todo o exposto, deverá, nesta parte, proceder o pedido arbitral, ficando prejudicada a questão relativa à violação do princípio da verdade material, colocada pela Requerente, quanto à matéria ora apreciada.

 

***

iii. Retenções na fonte sobre pagamentos efectuados a não residentes

                Nesta matéria a Requerente apenas coloca à discussão a correcção respeitante à facturação emitida pela entidade  F... Limited.

                Conforme resulta da matéria de facto, e não foi contestado pela Requerente, a mesma é titular do NIF..., e, de acordo com as bases de dados da AT, é uma entidade residente no Reino Unido.

                Os elementos apresentados pela Requerente, reportam-se às entidades F...Inc e G..., LP, residentes nos Estados Unidos da América.

                Face a tais elementos, não é possível retirar outra conclusão, que não aquela que foi retirada pela AT, ou seja, que face “às divergências verificadas (denominação social e pais de residência), não poderá o elemento ora apresentado produzir os efeitos pretendidos pela reclamante”.

                A Requerente afirma que a Modelo 30 foi erradamente preenchida por si e que, a sociedade F... Limited, não é residente no Reino Unido, mas nos Estados Unidos da América, facto que não se provou.

                Efectivamente, o que se verifica é que os elementos que junta não se referem à F... Limited, que, como afirma a AT, é uma entidade existente e titular de um número fiscal válido, com residência fiscal no Reino Unido, e que as duas facturas juntas pela Requerente se referem a uma entidade distinta, e que nem sequer têm correspondência com os valores das facturas em questão, atribuídas àquela F... Limited.

                Daí que, sem prejuízo de as entidades F... Inc e G..., LP, poderem ser residentes nos Estados Unidos da América, conforme os certificados apresentados pela Requerente, não é possível concluir que tenham sido elas as destinatárias dos pagamentos feitos pela Requerente, declarados como sendo destinados à F... Limited.

                Deve, por isso, nesta parte improceder o pedido arbitral.

 

***

Quanto ao pedido de juros indemnizatórios formulado pela Requerente, o artigo 43.º, n.º 1, da LGT estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

No caso, o erro que afecta a liquidação parcialmente anulada é imputável à Requerida, que a emitiu sem o necessário suporte legal.

Tem, pois, direito a Requerente a ser reembolsada da quantia que pagou (nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, do RJAT) por força do acto parcialmente anulado e, ainda, a ser indemnizada do pagamento indevido através do pagamento de juros indemnizatórios, pela Requerida, desde a data daquele pagamento, até ao seu reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

***

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar parcialmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

a)            Anular parcialmente os actos de liquidação adicional de IRC n.º 2017 ... e de juros compensatórios n.º 2017..., na parte que respeita às correcções operadas pela AT, relativa a pagamentos à entidade D... no valor total de € 12.500,00, e o acto de liquidação adicional de IRC n.º ... e de juros compensatórios n.º 2017..., relativa a pagamentos à entidade E... no valor total de € 184.237,60, bem como, na mesma medida, a decisão de indeferimento da reclamação graciosa que teve os referidos actos de liquidação como objecto;

b)           Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos supra-descritos;

c)            Julgar improcedente, na restante parte, o pedido arbitral;

d)           Condenar as partes nas custas do processo, na proporção do respectivo decaimento, fixando-se o montante de € 1.869,66 a cargo da Requerente, e de € 1.190,34 a cargo da Requerida.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 148.607,98, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 3.060,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela pelas partes na proporção do respectivo decaimento, acima fixado, uma vez que o pedido foi parcialmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 10 de Fevereiro de 2020

 

O Árbitro Presidente

(José Pedro Carvalho)

 

O Árbitro Vogal

(João Menezes Leitão)

 

O Árbitro Vogal

(Nina Aguiar)