Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 271/2019-T
Data da decisão: 2019-12-31  IVA  
Valor do pedido: € 114.449,41
Tema: IVA – Factura; Requisitos formais; Direito à dedução.
Versão em PDF

DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

I – RELATÓRIO

 

1.            No dia 12 de Abril de 2019, A..., S.A., NIPC..., com sede ..., fração B,  ..., ...-...  ... (doravante designada por Requerente), apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida”), visando a declaração de ilegalidade dos seguintes actos de liquidação adicional de IVA:

i.             n.º 2018..., relativo ao período de 201512T, no valor de € 64.964,97, e respectivos juros compensatórios no valor de ‚ € 7 140,80;

ii.            n.º 2018..., relativo ao período de 201601, no valor de € 21.690,38 e respectivos juros compensatórios no valor de € 2.964,65;

iii.           n.º 2018..., relativa ao período de 201602, no valor de € 15.623,92 e respectivos juros compensatórios no valor de € 2.064,69.

 

2.            Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que as liquidações impugnadas enfermam de erro sobre os pressupostos, porquanto os serviços de inspecção procederam à correcção de IVA indevidamente deduzido por falta de verificação de requisitos formais nas facturas, desrespeitando o princípio da neutralidade, da proporcionalidade e da adequação.

 

3.            No dia 15-04-2019, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

4.            A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do Tribunal Arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

5.            Em 06-06-2019, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

6.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 27-06-2019.

 

7.            No dia 12-09-2019, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.

 

8.            Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.

 

9.            Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, abstiveram-se as partes de o fazer.

 

10.          Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º/1 do RJAT, tendo aquele prazo sido prorrogado, por despacho de 27 de Dezembro de 2019, por dois meses.

 

11.          O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir:

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-            A ora Requerente está enquadrada, em sede de IVA, no regime normal de periodicidade mensal, realiza operações que conferem direito à dedução, desenvolve como actividade principal “Com. ret. out. mét., não efect. estab. bancas, feiras un.móv.venda – CAE 47990” e foi objecto de Procedimento Inspectivo levado a cabo pela Direcção de Finanças de Leiria.

2-            O procedimento inspectivo, credenciado pela ordem de serviço Ordem de Serviço n.º OI2018..., iniciada em 16-06-2018 e concluída em 14-11-2018.

3-            A acção inspectiva à Requerente teve no início do procedimento inspectivo um âmbito parcial, contemplando apenas o IRC do exercício de 2015.

4-            No decurso da análise documental e dos esclarecimentos solicitados ao SP através do ofício n.º ... de 18-06-2018, verificaram os SIT a ocorrência de factos que consideraram susceptíveis de serem tributados em sede de IVA.

5-            Assim, foi o âmbito do procedimento inspetivo alterado para “geral”, tendo o SP tomado conhecimento de tal facto em 02-10-2018.

6-            A Requerente, foi notificada para no prazo de 15 dias exercer o direito de audição prévia através do ofício n.º ... de 24-10-2018, tendo o prazo para o exercício de tal direito terminado no dia 09-11-2018.

7-            A Requerente exerceu o seu direito de audição a 14-11-2018, tendo o mesmo sido analisado no relatório final.

8-            Do projecto de correcções constantes do relatório de inspecção emitido na sequência do procedimento de inspecção, consta, para além do mais, o seguinte:

“III. 2 – IVA deduzido indevidamente III. 2.1 – I...

O SP contabilizou 10 faturas mensais e sucessivas de montantes iguais de € 5.2150,00, a que acresce IVA no valor de € 1.207,50 nos meses de março a dezembro de 2015. Estas faturas foram registadas a débito nas contas SNC, 2432312-OBS - M. Nacional

- Taxa normal (1.207,50) e 6221112-Trab.Especializados - M. Nacional - Taxa normal (5.250,00) e a crédito na conta 2211100398- B..., Lda (6.457,50).

O SP foi notificado por duas vezes, a primeira através do nosso ofício n.º ... de 2018-06-18 e a segunda por meio de uma notificação pessoal realizada em 02-10- 2018 para, e de acordo com a redação desta última notificação, prestar os seguintes esclarecimentos:

“1. Verifica-se que das várias faturas emitidas pela sociedade, C..., Lda, nif...., há um conjunto de faturas lançadas a crédito na V/ conta - 2211100398- B..., Lda, no valor de €6.457,50 cada uma com a descrição “Serviços prestados de apoio em leilões e cedência de espaço em armazém e parque”. Queira explicitar e descrever por cada uma das faturas os serviços prestados, sua periodização e onde foram efetuados.

Quanto à cedência de espaços em armazém e parque, verifica-se que os locais não pertencem à sociedade C..., Lda”.

A D... respondeu no passado dia 8 de outubro, p.p., alegando que “Os serviços debitados e prestados decorrem da colaboração diária e permanente e abrangem toda a actividade e os negócios da empresa através do colaborador da B...— o Sr. E... .

A locação de instalações referem-se ao armazém sito na ...— artigo matricial da União de freguesia de ... e ..., - número ... — adquirido em regime de locação financeira; e ao parque aberto sito na ... da União de freguesia de ... e ..., com o artigo matricial ... detido por contrato de arrendamento”.

A alínea a) do n.º 2 do art.º 19.º do CIVA estipula que só confere direito à dedução o imposto mencionado em faturas passadas na forma legal, em nome e na posse do sujeito passivo.

Por sua vez, a alínea b) do n.º 5 do art.º 36.º do CIVA define a formalidade da emissão das faturas determinando que “As faturas devem ser datadas, numeradas sequencialmente e conter a quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável”.

Ora, a descrição que foi aposta em cada uma das dez faturas, “Serviços prestados de apoio em leilões e cedência de espaço em armazém e parque”, não identifica de forma objetiva e clara a quantidade e a denominação dos serviços prestados:

• Não específica em concreto que tipo de serviço foi prestado – “apoio em leilões” (?), descrição demasiada genérica. Utilizou uma designação tão genérica que é suscetível de englobar tudo, tal como, contacto com potenciais clientes, serviços de publicidade, serviços de speaker (leiloeiro ou quem apregoa), recolha de bens, etc.

• Mesmo a cedência em armazém e parque devia de ter indicado os locais disponibilizados. Apesar do SP ter indicado como locais os artigos urbanos acima mencionados verifica-se que os mesmos não pertencem à sociedade, C... Lda, nem existe qualquer contrato de arrendamento celebrado com cada um dos seus titulares, para que os imóveis pudessem depois ser sublocados pela B... ao aqui SP, A... .

• Algo que deveria ser nuclear na informação prestada através da fatura seria o número de cada processo de insolvência/penhora ou outros onde o serviço foi prestado.

Acresce ainda o facto das explicações adicionais prestadas pelo SP não evidenciarem as prestações de serviço realizadas pela B... .

Do exposto, decorre que a descrição que consta em cada uma das dez faturas não discrimina, nem os serviços que em concreto foram prestados e a que se referem, nem as quantidades unitárias ou totais dos mesmos e respetivo preço unitário, bem como a(s) data(s) em que este foi(foram) prestado(s).

A jurisprudência dos nossos tribunais administrativos-fiscais é maioritária em considerar que a “factura ou documento equivalente que não respeite integralmente o art. 35.º n.º 5, do CIVA não está passada “em forma legal” e, consequentemente, não permite deduzir o respectivo imposto” – processo 07282/14, secção CT- 2º Juízo do Tribunal Central Administrativo Sul, acórdão datado de 10-07-2014 (consultado em 19/10/2018 no endereço:

http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/8cd1235974b0489180257d17004acd8c?OpenDocument&Highlight=0,facturas,quantidades,denomina%C3%A7%C3%A3o,dedu%C3%A7%C3%A3)

Daqui decorre que o SP deduziu indevidamente a quantia de € 12.075,00 (=1.207,50 x 10) por violação da alínea a) do n.º 2 do art.º 19.º e alínea b) do n.º 5 do art.º 36.º do CIVA – vide quadro seguinte:

 

III. 2.2 – F...

O SP registou na sua contabilidade através do movimento n.º 2015-12-28 ..., a fatura n.º FT 15/29 de 30-12-2015, emitida pela sociedade, C..., Lda, no valor de € 71.100,00, a que acresce IVA liquidado a 23% no montante de € 16.353,00, tendo movimentado as seguintes contas:

• Conta: 2211100398-B..., Lda - € 87.453,00 • Conta: 2432312-OBS - M.Nacional - Taxa normal - € 16.353,00

• Conta: 6221112-Trab.Especializados - M. Nacional - Taxa normal - € 71.100,00

No espaço reservado na fatura para a descrição dos serviços prestados/mercadorias vendidas foi escrito o seguinte: Prémio sobre volume de negócios, ano 2015 (5% de 1.122.000,00.

Nas notificações identificadas no ponto anterior o SP foi interpelado a prestar esclarecimentos quanto às especificidades dos serviços prestados, com a chamada de atenção para a exibição de provas e a explicação detalhada quanto à materialidade económica das operações mencionadas nos campos “descrição” ou “designação”. Em síntese, solicitou-se a origem de tal prémio.

Na resposta a esta questão foi feita apenas a explicação matemática do cálculo do prémio, sem curar das evidências das prestações de serviço.

A fatura não discrimina em concreto os serviços prestados, entre outras coisas, a que título a C... recebe um prémio de acordo com o volume de negócios do aqui SP e a existir um acordo ou um contrato escrito não é ali mencionado qualquer um deles.

Vale para esta situação a fundamentação de direito exposta no ponto anterior que aqui se dá como integralmente reproduzida para todos os devidos e legais efeitos.

O SP deduziu indevidamente a quantia de € 16.353,00, por violação da alínea a) do n.º 2 do art.º 19.º e alínea b) do n.º 5 do art.º 36.º do CIVA.

 

III. 2.3 –G...– Transferência de propriedade

O SP registou na sua contabilidade através do movimento n.º 2015-12-02 ..., a fatura n.º V014 V014/2150006 de 02-12-2015, emitida pela sociedade, G..., Lda, nipc. ..., no valor de € 231.092,82, a que acresce IVA liquidado a 23% no montante de € 53.151,35, tendo movimentado as seguintes contas:

• Conta: 2211100299-G..., Lda - € 284.244,17

• Conta: 2432312-OBS - M.Nacional - Taxa normal - € 53.151,35

• Conta: 6221112-Trab.Especializados - M.Nacional - Taxa normal - € 231.092,82

No campo “designação” da fatura foi escrito “Transferência de Propriedade”.

Nas notificações já mencionadas acima, foi pedido ao SP para esclarecer que “propriedade” se trata (?) e a forma da sua avaliação/quantificação, com a necessidade de exibir provas quanto à materialidade económica das operações mencionadas.

Como resposta o SP argumentou que a fatura “decorre da transferência de negócios e de Know-how, que estava a decorrer no exercício de 2015.

O negócio iniciou-se na G... mas as negociações foram efectivadas na A..., verificando- se um aumento substancial do volume de negocio face ao ano anterior.”

Também aqui há uma clara violação da alínea a) do n.º 2 do art.º 19.º e alínea b) do n.º 5 do art.º 36.º do CIVA, por falta da quantidade e da denominação usual dos bens transmitidos ou serviços prestados, cujos aspetos legais foram explanados no ponto III.2.1, acima, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos para todos os devidos e legais efeitos.

Tratando-se da transferência da propriedade de “coisas materiais ou imateriais”, impõe o n.º 5 do art.º 36.º do CIVA que as mesmas devessem ser identificadas pela “denominação usual”, isto é, pelo nome que são habitualmente conhecidas. Coisa que não foi feita.

Por outro lado, tratando-se da transferência de negócios iniciados na esfera jurídica da G... deviam aqueles terem sido identificados na fatura pelo número do processo de insolvência/ação de executiva, com a exibição de prova documental onde constasse a transferência da posição contratual da G... a favor da A... . Coisa que não aconteceu.

Deste modo, o SP deduziu indevidamente a quantia de € 53.151,17, por violação da alínea a) do n.º 2 do art.º 19.º e alínea b) do n.º 5 do art.º 36.º do CIVA.

III. 2.4 –G...– Serviços prestados

O SP registou na sua contabilidade através do movimento n.º 2015-12-31 ..., a fatura n.º V002 V002/20150106 de 23-12-2015, emitida pela sociedade, G..., Lda, nipc. ..., no valor de € 90.000,00, a que acresce IVA liquidado a 23% no montante de € 20.700,00, tendo movimentado as seguintes contas:

• Conta: 2211100299-G..., Lda - € 110.700,00

• Conta: 2432312-OBS - M. Nacional - Taxa normal - € 20.700,00

• Conta: 6221112-Trab.Especializados - M. Nacional - Taxa normal - € 90.000,00

No campo “designação” da fatura foi escrito “Serviços prestados – Locação de bens, equipamentos e viaturas”.

Nas notificações já mencionadas acima, foi pedido ao SP para esclarecer que “bens, equipamentos e viaturas se tratam (?), bem como a periodização na sua utilização e a forma de avaliação/quantificação do serviço prestado”, com a necessidade de exibir provas quanto à materialidade económica das operações mencionadas.

O SP esclareceu que a emissão daquela fatura “corresponde a utilização dos bens que integravam os ativos fixos tangíveis da sociedade G... pela sociedade mãe A..., SA, no seguimento do contexto acima referido, ou seja a empresa mãe passou a explorar o negócio da sua detida”.

Mais uma vez se verifica que não consta na designação da fatura a quantidade e denominação usual dos bens, equipamentos e viaturas locadas ou a enumeração dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável na fatura emitida pela G... .

Como complemento da resposta fornecida pelo SP à nossa primeira notificação, realizada através do ofício n.º ... de 2018-06-18, foram anexadas as fichas dos bens do ativo fixo tangível (AFT) da G... como prova da utilização de tais bens pela A... .

Contudo, este não é o procedimento correto face à redação da alínea b) do n.º 5 do art.º 36.º do CIVA, porque se impunha a identificação de todos os bens utilizados na concreta materialização económica da fatura aqui em análise: que bens foram utilizados e por que períodos, qual o preço hora/dia/mês de utilização, etc.

Se observarmos a lista completa dos bens verificamos que 44 bens em 74 têm um valor contabilístico igual a zero, sinal da sua obsolescência, e que 14 bens em 74 são bens imóveis, constituídos por vários edifícios, terrenos e obras realizadas. Tratando-se da locação de bens imóveis, procurámos averiguar se havia algum contrato de arrendamento registado na base de dados das Finanças onde aparecessem como outorgantes a G... como locador e a A... como locatário. Desta observação concluímos pela inexistência de qualquer contrato de arrendamento entre aquelas duas sociedades.

Daqui conclui-se que as fichas dos AFT não substituem a falta dos elementos de identificação previstos na alínea b) do n.º 5 do art.º 36.º do CIVA, que deviam de constar no quadro “Designação” da fatura.

Assim sendo, o SP não podia ter deduzido o IVA no montante de 20.700 euros, por ter violado a alínea a) do n.º 2 do art.º 19.º e alínea b) do n.º 5 do art.º 36.º do CIVA.

Vale nesta parte do relatório mutatis mutandis a fundamentação de direito explanada no ponto III.2.1, acima, que aqui se dá como integralmente reproduzida para todos os devidos e legais efeitos.

Conclusão – IVA deduzido indevidamente

 

9-            A propósito do direito de audição exercido pela Requerente, consta o seguinte do relatório final de inspecção:

“O SP centra em exclusivo o seu direito de audição na contestação às correções propostas em sede de IVA, alegando que a utilização de expressões demasiadamente genéricas utilizadas na descrição das faturas não é determinante para a exclusão do direito à dedução, conforme se depreende do seu articulado de 1 a 12.

Em defesa desta tese o SP alega que a solução utilizada pela AT é “profundamente desadequada, desproporcional, injusta e que destrói a principal característica do imposto: a sua neutralidade”.

Acrescenta o SP que “eventuais erros ou insuficiências formais dos documentos de suporte, mesmo quando esses erros ou insuficiências bem poderiam ser superados por recurso a outros elementos da contabilidade dos sujeitos passivos envolvidos, mostra-se não só desadequado como excessivo e contrário a legislação comunitária que suporta toda a estrutura do Código do IVA”.

O SP recorre ao iter normativo da Diretiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, descrito nos n.ºs 37 a 42 do acórdão do Tribunal de Justiça Europeia proferido no âmbito do processo n.º C-516/14, de 15 de setembro de 2016, para fundamentar legalmente a sua posição no seu direito de audição.

Nesta conformidade, prossegue o SP, “de forma clara e irrepreensível, o TJUE conclui que a Administração Fiscal não pode recusar o direito a dedução do IVA pelo simples facto de a fatura não preencher os requisitos exigidos pelo artigo 226°, n°s 6 e 7, da Diretiva 2006/112, se dispuser de todos os dados para verificar se os requisitos substantivos relativos a este direito se encontram satisfeitos, o que, em nossa opinião, se verifica no presente acto inspetivo”.

Sustenta o SP que a AF não se deve limitar ao exame da fatura, mas ter em conta as informações complementares prestadas pelo sujeito passivo, uma vez que, no artigo 219° da Diretiva 2006/112, equipara a fatura a qualquer documento ou mensagem que altere a fatura inicial e a ela faça referência específica e inequívoca.

O SP na senda da legislação comunitária e acompanhando o acórdão supra referido do Tribunal de Justiça de Justiça da União Europeia termina alegando que o “artigo 178°, alínea a), da Diretiva 2006/112, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que as autoridades tributárias nacionais possam recusar o direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado pelo simples facto de o sujeito passivo possuir uma fatura que não cumpre os requisitos exigidos pelo artigo 226.°, n°s 6 e 7, desta diretiva, quando essas autoridades dispõem de todas as informações necessárias para verificar se os requisitos substantivos relativos ao exercício desse direito se encontram satisfeitos”.

Ora, os argumentos aqui expostos pelo SP até parecem fazer sentido em termos gerais e em abstrato face ao ordenamento jurídico-tributário europeu e nacional. Contudo, há que averiguar se os factos recolhidos durante o procedimento inspetivo ou carreados pelo SP são de modo a preencherem as previsões de toda aquela normatividade.

Chegados aqui uma pergunta se impõe, (utilizando a mesma expressão do SP transcrita imediatamente acima) será que a AT dispõem de todas as informações necessárias para verificar se os requisitos substantivos relativos ao exercício do direito à dedução se encontram satisfeitos?

Antecipando desde já a nossa conclusão sempre diremos que não.

Em regra, os operadores económicos deduzem ao imposto referente às suas operações ativas (ou outputs - venda de bens/prestação de serviços) o que lhes foi faturado nas aquisições de bens e serviços (inputs ou operações passivas), condicionado à existência de uma relação direta e imediata entre os bens e serviços adquiridos e as operações económicas tributadas, permitindo ao sujeito passivo expurgar do seu encargo o IVA suportado a montante, não o refletindo, assim, como custo operacional da sua atividade, retirando, desta forma, o efeito cumulativo ou de cascata e propiciando a neutralidade económica do imposto.

As regras do exercício do direito à dedução do imposto contemplam requisitos subjetivos, relativos ao sujeito passivo, objetivos, mais ligados ao tipo de despesas, formais, relacionados com os documentos de suporte, e temporais, atinentes ao período em que é possível exercer o direito à dedução do IVA, os quais se devem verificar em simultâneo para se exercer o direito à dedução.

Em concreto, e no caso, admitindo-se a verificação dos demais requisitos, questão é colocada em termos da verificação dos requisitos formais do direito à dedução. Isto é, quanto aos requisitos que o documento de suporte, a fatura, deve ter, nomeadamente se nela consta “a quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável”.

De facto, a alínea a) do n.º 2 do artigo 19.º do CIVA estabelece que só confere direito a dedução o imposto mencionado em faturas passadas na forma legal, em nome e na posse do sujeito passivo, definindo-se ainda no n.º 6 do mesmo artigo que para "efeitos do exercício do direito à dedução, consideram-se passadas na forma legal as faturas que contenham os elementos previstos nos artigos 36.º ou 40.º, consoante os casos".

A alínea b) do n.º 5 do artigo 36.º do CIVA estabelece que devem constar nas faturas, entre outros elementos, a indicação das "A quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável ".

Tal como expusemos no ponto III.2, acima, as faturas ali referidas têm no campo utilizado para a descrição/designação expressões tão genéricas que não identificam em concreto os serviços prestados ou os produtos vendidos.

Nesta matéria, como não poderia deixar de ser por força do art.º 8.º da Constituição da República Portuguesa, a legislação nacional está de acordo com a normatividade europeia: a obrigação prevista na alínea b) do n.º 5 do art.º 36.º do CIVA está contemplada no n.º 6 do art.º 226.º na Diretiva 2006/112/CE quando esta estabelece que “sem prejuízo das disposições específicas previstas na presente diretiva, as únicas menções que devem obrigatoriamente figurar, para efeitos do IVA, nas farturas emitidas em aplicação do disposto nos artigos 220.º e 221.º são”, entre outras, a quantidade e natureza dos bens entregues ou a extensão e natureza dos serviços prestados.

O ordenamento tributário português no que tange ao IVA, em particular o CIVA, assimilou o comando do artigo 219.º da Diretiva 2006/112/CE quando aceita que, v.g., um contrato de empreitada, um orçamento, uma folha de obra, etc., possam preencher e complementar o previsto na b) do n.º 5 do artigo 36.º do CIVA.

Ora, no presente caso, nenhuma das faturas faz referência ou tem acoplado a si um contrato ou outro documento com a informação necessária para cumprir a alínea b) do n.º 5 do art.º 36.º do CIVA e n.º 6 do art.º 226.º na Diretiva 2006/112/CE. Sem esta informação não é possível aferir da materialidade económica das faturas e verificar da legitimidade da dedução do IVA.

Face ao exposto, somos de parecer que as propostas de correções apuradas e notificadas ao SP através do PRIT encontram-se devidamente apoiadas de facto e de direito, não tendo o SP no seu direito de audição, em conformidade com o disposto no n.º 7 do artigo 60.º da LGT, apresentado novos elementos que promovessem a sua alteração, pelo que, as mesmas deverão ser aceites na sua totalidade.

Nesta matéria, como não poderia deixar de ser por força do art.º 8.º da Constituição da República Portuguesa, a legislação nacional está de acordo com a normatividade europeia: a obrigação prevista na alínea b) do n.º 5 do art.º 36.º do CIVA está contemplada no n.º 6 do art.º 226.º na Diretiva 2006/112/CE quando esta estabelece que “sem prejuízo das disposições específicas previstas na presente diretiva, as únicas menções que devem obrigatoriamente figurar, para efeitos do IVA, nas farturas emitidas em aplicação do disposto nos artigos 220.º e 221.º são”, entre outras, a quantidade e natureza dos bens entregues ou a extensão e natureza dos serviços prestados.

O ordenamento tributário português no que tange ao IVA, em particular o CIVA, assimilou o comando do artigo 219.º da Diretiva 2006/112/CE quando aceita que, v.g., um contrato de empreitada, um orçamento, uma folha de obra, etc., possam preencher e complementar o previsto na b) do n.º 5 do artigo 36.º do CIVA.

Ora, no presente caso, nenhuma das faturas faz referência ou tem acoplado a si um contrato ou outro documento com a informação necessária para cumprir a alínea b) do n.º 5 do art.º 36.º do CIVA e n.º 6 do art.º 226.º na Diretiva 2006/112/CE. Sem esta informação não é possível aferir da materialidade económica das faturas e verificar da legitimidade da dedução do IVA.

Face ao exposto, somos de parecer que as propostas de correções apuradas e notificadas ao SP através do PRIT encontram-se devidamente apoiadas de facto e de direito, não tendo o SP no seu direito de audição, em conformidade com o disposto no n.º 7 do artigo 60.º da LGT, apresentado novos elementos que promovessem a sua alteração, pelo que, as mesmas deverão ser aceites na sua totalidade.”.

10-         O RIT final foi notificado à Requerente, mantendo as correcções propostas no projecto de relatório.

11-         Na sequência daquele relatório foram emitidas as liquidações objecto da presente acção arbitral.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13 , “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Não se deram como provadas nem como não provadas as alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

 

A questão de fundo submetida a este Tribunal Arbitral centra-se em aferir da legalidade jurídico-tributária das correções e concomitantes liquidações operadas pela AT e contestadas pela Requerente, relacionadas com a aceitação da dedutibilidade do IVA mencionado em facturas, nas quais a Requerente consta como adquirente, e que a AT não aceitou por considerar que as mesmas não cumpriam os requisitos legalmente necessários para o efeito.

O exercício do direito à dedução do IVA, como se sabe, integra uma das principais características do Imposto sobre o Valor Acrescentado, em conformidade com o regime consagrado na Sexta Directiva (Directiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17/5/1977), entretanto revogada pela Directiva 2006/112/CE do Conselho de 28.11.2006), mais concretamente no seu artigo 178º, preceito que consagra as regras de exercício do direito à dedução do imposto, contemplando diversos requisitos objectivos e subjectivos do exercício desse direito à dedução.

No plano interno os mecanismos de dedução do imposto estão consagrados nos artigos 19.º a 25.º do Código do IVA (CIVA), assentando este imposto num sistema de pagamentos fraccionados e destinados a tributar o consumo final, onde a dedução do imposto pago nas operações intermédias do circuito económico é indispensável ao funcionamento deste mesmo sistema.

Assim, quer a dedução, quer o próprio reembolso, estão sujeitos à verificação de condicionalismos determinados pelos legisladores comunitário e interno.

Em matéria de dedução de IVA, aquela consiste na faculdade que o sujeito passivo tem de poder deduzir ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuou, o imposto que lhe foi facturado nas suas aquisições de bens ou serviços por outros sujeitos passivos de IVA.

Na ordem interna nacional, o regime do direito à dedução encontra-se previsto nos artigos 19.º a 26.º do CIVA, importando aqui, pela sua pertinência atentar no teor do artigo 19.º.

Para a apreciação da questão a decidir, importará levar em consideração a fundamentação em que a AT assentou para efeito da emissão dos actos tributários ora arbitralmente sindicados, porquanto é à luz destes, no confronto com a causa de pedir formulada pela Requerente, que terá de ser efectuada a aferição da legalidade em concreto das liquidações sub judice.

Cumpre então analisar.

 

*

Conforme decorre da matéria de facto, as correcções ora em crise assentaram no disposto no normativo constante do n.º 2 do artigo 19º do CIVA aplicável (redacções de 2015 e 2016), que dispõe o seguinte:

Preceitua o versado normativo o seguinte:

“2 - Só confere direito a dedução o imposto mencionado nos seguintes documentos, em nome e na posse do sujeito passivo:

a)            Em faturas passadas na forma legal; ”

No preceito transcrito, exige o legislador, para efeito de dedutibilidade do IVA, através da alínea a) transcrita, que o sujeito passivo tenha na sua posse factura passada na forma legal, sendo que, esclarece o mesmo legislador no n.º 6 do referido artigo, que a noção de «passadas na forma legal» obriga a que tais documentos contenham os elementos previstos no artigo 36º do CIVA.

Deste modo, importará verificar se os documentos em questão nos presentes autos de processo arbitral cumprem, ou não, os requisitos legalmente erigidos para que se possa estar perante factura emitida «na forma legal», isto é, em conformidade com o artigo 36º do CIVA.

Decorre do estabelecido no n.º 5 deste último normativo, os elementos que imprescindivelmente as faturas devem conter:

“5 - As faturas devem ser datadas, numeradas sequencialmente e conter os seguintes elementos:

a) Os nomes, firmas ou denominações sociais e a sede ou domicílio do fornecedor de bens ou prestador de serviços e do destinatário ou adquirente, bem como os correspondentes números de identificação fiscal dos sujeitos passivos de imposto;

b) A quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável; as embalagens não efectivamente transaccionadas devem ser objecto de indicação separada e com menção expressa de que foi acordada a sua devolução;

c) O preço, líquido de imposto, e os outros elementos incluídos no valor tributável;

d) As taxas aplicáveis e o montante de imposto devido;

e) O motivo justificativo da não aplicação do imposto, se for caso disso;

f) A data em que os bens foram colocados à disposição do adquirente, em que os serviços foram realizados ou em que foram efetuados pagamentos anteriores à realização das operações, se essa data não coincidir com a da emissão da fatura”.

De entre os requisitos formais e cumulativos estabelecidos pelo legislador e ora vindos de citar, resulta, desde logo, nos termos da al. b), a necessidade de nas facturas ser mencionada a quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados.

Entendimento esse que vem uniformemente dimanando da jurisprudência dos tribunais superiores, podendo a este respeito, de entre outros, citar-se trecho do acordado pelo TCA-Sul, a 11-01-2018, no processo 08611/15 (o qual, embora se reportando à redação anterior à alteração legislativa trazida pelo D.L. nº 197/2012, de 24 de Agosto, no essencial se mantém na redação à data do facto tributário):

“Dispõe o artº 19º, nº 1 deste diploma legal, que, para apuramento do imposto devido os sujeitos passivos deduzem, ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram, o imposto devido ou pago anteriormente, nomeadamente, na aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos (al. a)).

Por sua vez, estabelece o n.º 2 do mesmo artigo que “só confere direito à dedução o imposto mencionado em facturas e documentos equivalentes passados em forma legal, bem como no recibo de pagamento de IVA que faz parte das declarações de importação, em nome e na posse do sujeito passivo”.

E acrescenta-se ali, relativamente ao nº 6 do art.º 19.º em questão que “para efeitos do exercício do direito à dedução, consideram-se passados em forma legal as facturas ou documentos equivalentes que contenham os elementos previstos no artigo 35.º”.

Como se escrevia já no acórdão do STA de 31/01/2008, proferido no processo n.º 0902/07, “para evitar a fraude fiscal, o legislador determinou que só seria dedutível o imposto mencionado em facturas, documentos a estas equivalentes passados em forma legal ou no recibo de pagamento de IVA que faz parte das declarações de importação, e desde que tais documentos estivessem em nome e na posse do sujeito passivo.

E, atento aquele objectivo, o legislador foi especialmente exigente – n.º 6 do dito artigo 19.º: “para efeitos do exercício do direito à dedução, consideram-se passados em forma legal as facturas ou documentos equivalentes que contenham os elementos previstos no artigo 35.º. Todas as formalidades constantes deste artigo são, pois, para este efeito, substanciais.

A factura ou documento equivalente deve ser emitida pelo sujeito passivo “por cada transmissão de bens ou prestação de serviços, tal como vêm definidas nos artigos 3.º e 4.º do presente diploma, bem como pelos pagamentos que lhe sejam efectuados antes da data de transmissão de bens ou prestação de serviços” – artigo 28.º, n.º 1, alínea b), do CIVA”.

Na verdade, é reconhecido o carácter formalista do IVA, em ordem nomeadamente, a evitar, o mais possível, a evasão fiscal, pelo que, em princípio “as respectivas formalidades o são ad substanciam, que não meramente ad probationem”.

E conforme reafirmado recentemente no Ac. do TJUE de 15 de Setembro de 2016, proferido no processo C516/14 (Ac. Barlis):

“38      O Tribunal de Justiça declarou reiteradamente que o direito a dedução do IVA previsto nos artigos 167.° e seguintes da Diretiva 2006/112 faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado. Esse direito é imediatamente exercido em relação à totalidade dos impostos que tenham onerado as operações efetuadas a montante (v., neste sentido, acórdão de 13 de fevereiro de 2014, Maks Pen, C18/13, EU:C:2014:69, n.° 24 e jurisprudência aí referida).

39      O regime das deduções visa libertar inteiramente o empresário do peso do IVA devido ou pago no âmbito de todas as suas atividades económicas. O sistema comum do IVA garante, por conseguinte, a neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, quaisquer que sejam os fins ou os resultados dessas atividades, na condição de as referidas atividades estarem, em princípio, elas próprias sujeitas ao IVA (acórdão de 22 de outubro de 2015, PPUH Stehcemp, C277/14, EU:C:2015:719, n.° 27 e jurisprudência aí referida).

40      No que se refere aos requisitos materiais exigidos para a constituição do direito a dedução do IVA, resulta do artigo 168.°, alínea a), da Diretiva 2006/112 que os bens e serviços invocados para fundamentar esse direito devem ser utilizados pelo sujeito passivo a jusante para os efeitos das suas próprias operações tributadas e que, a montante, esses bens ou serviços devem ser prestados por outro sujeito passivo (v., neste sentido, acórdão de 22 de outubro de 2015, PPUH Stehcemp, C277/14, EU:C:2015:719, n.° 28 e jurisprudência aí referida).

41      No que respeita aos requisitos formais relativos ao exercício do referido direito, resulta do artigo 178.°, alínea a), da Diretiva 2006/112 que o seu exercício está subordinado à posse de uma fatura emitida nos termos do artigo 226.° desta diretiva (v., neste sentido, acórdãos de 1 de março de 2012, Kopalnia Odkrywkowa Polski Trawertyn P. Granatowicz, M. Wąsiewicz, C280/10, EU:C:2012:107, n.° 41, e de 22 de outubro de 2015, PPUH Stehcemp, C277/14, EU:C:2015:719, n.° 29).

42      O Tribunal de Justiça declarou que o princípio fundamental da neutralidade do IVA exige que a dedução deste imposto pago a montante seja concedida se os requisitos materiais estiverem cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais. Por conseguinte, quando a Administração Fiscal dispõe dos dados necessários para saber que os requisitos materiais foram cumpridos, não pode impor condições suplementares ao direito do sujeito passivo de dedução do imposto que possam ter por efeito eliminar esse direito (v., neste sentido, acórdãos de 21 de outubro de 2010, Nidera Handelscompagnie, C385/09, EU:C:2010:627, n.° 42; de 1 de março de 2012, Kopalnia Odkrywkowa Polski Trawertyn P. Granatowicz, M. Wąsiewicz, C280/10, EU:C:2012:107, n.° 43; e de 9 de julho de 2015, Salomie e Oltean, C183/14, EU:C:2015:454, n.os 58, 59 e jurisprudência aí referida)”.

 

*

Descendo ao caso concreto, como formula a Requerente importa agora verificar se as faturas cujo IVA foi desconsiderado pela AT cumprem os mencionados pressupostos formais.

Como também nota a Requerente, de acordo com os fundamentos que motivaram as liquidações aqui em causa, os demais pressupostos para o exercício do direito à dedução, nomeadamente os substanciais, não foram colocadas em questão, nem a existência de qualquer indício fraudulento por parte da Requerente.

Posto isto, verifica-se que em questão estão em causa as seguintes facturas:

i.             10 facturas mensais e sucessivas de montantes iguais de € 5.2150,00, a que acresce IVA no valor de € 1.207,50 dos meses de Março a Dezembro de 2015, com a descrição “Serviços prestados de apoio em leilões e cedência de espaço em armazém e parque”, registadas a débito nas contas SNC, 2432312-OBS - M. Nacional Taxa normal (1.207,50) e 6221112-Trab.Especializados - M. Nacional - Taxa normal (5.250,00) e a crédito na conta 2211100398- B..., Lda (6.457,50);

ii.            a factura n.º FT 15/29 de 30-12-2015, emitida pela sociedade,  C..., Lda, no valor de € 71.100,00, a que acresce IVA liquidado a 23% no montante de € 16.353,00, com a descrição dos serviços prestados/mercadorias vendidas “Prémio sobre volume de negócios, ano 2015 (5% de 1.122.000,00)”, tendo sido movimentadas as seguintes contas: Conta: 2211100398- B..., Lda - € 87.453,00; Conta: 2432312-OBS - M. Nacional - Taxa normal - € 16.353,00; Conta: 6221112-Trab.Especializados - M. Nacional - Taxa normal - € 71.100,00;

iii.           a factura n.º V014/2150006 de 02-12-2015, emitida pela sociedade,  G..., Lda, nipc..., no valor de € 231.092,82, a que acresce IVA liquidado a 23% no montante de € 53.151,35, com a inscrição, no campo “designação” “Transferência de Propriedade”, tendo sido movimentadas as seguintes contas: Conta: 2211100299-G..., Lda - € 284.244,17; Conta: 2432312-OBS - M. Nacional - Taxa normal - € 53.151,35 e Conta: 6221112-Trab.Especializados - M. Nacional - Taxa normal - € 231.092,82;

iv.           a factura n.º V002/20150106 de 23-12-2015, emitida pela sociedade, G..., Lda, nipc. ..., no valor de € 90.000,00, a que acresce IVA liquidado a 23% no montante de € 20.700,00, com a inscrição no campo “designação” “Serviços prestados – Locação de bens, equipamentos e viaturas”, tendo sido movimentadas as seguintes contas: Conta: 2211100299-G..., Lda - € 110.700,00; Conta: 2432312-OBS - M. Nacional - Taxa normal - € 20.700,00; Conta: 6221112-Trab.Especializados - M. Nacional - Taxa normal - € 90.000,00.

Relativamente a todas elas a AT considerou, em suma, que não preenchiam os requisitos do art.º 36.º/5/b) do CIVA aplicável, na medida em que julgou não mencionada a quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados.

Já a Requerente, começando pelas facturas a que se reporta o ponto i. supra, reportando-se ao entendimento da AT, segundo o qual na a descrição dos serviços nelas feitas seria demasiado genérica, não especificando o tipo de serviço prestado, argumenta que, “tal fato não é determinante para a exclusão do direito à dedução” já que, no seu entender, “Mesmo que as faturas referissem o serviço de uma forma mais detalhada, mencionando, designadamente, angariação de clientes, publicidade ou serviços de leiloeiro, nada se alteraria na substância da operação e, consequentemente, na liquidação e incidência de IVA, nem sequer na taxa aplicável à operação”, concluindo que “as menções constantes das sobreditas faturas cumprem minimamente os requisitos constantes da DIVA e do nº 5 do artigo 36.º do CIVA, sendo possível à AT assegurar o controlo do apuramento do imposto e fiscalização do mesmo, pelo que, deverá ser anulada a correção e aceite a dedução do respetivo imposto”.

No que diz respeito à factura elencada sob o ponto ii. supra, reconhece a Requerente que “a fatura não discrimina em concreto os serviços prestados nem menciona a que título a C... recebe um prémio de acordo com o volume de negócios da requerente e a existir um acordo ou um contrato escrito também não é ali mencionado qualquer um deles”, argumenta que, todavia, “não se pode deixar de concluir que, tratando-se de uma prestação de serviços de base anual resultante da atribuição de um prémio, tem-se por cumprida a referência à indicação da extensão (tempo), uma vez que ali é indicado que o prémio se reporta ao ano de 2015, estando também discriminada a percentagem que serviu de base ao apuramento do valor base sobre o qual incidiu a taxa do IVA” pelo que, conclui, a factura em questão “satisfaz minimamente as exigências legais quanto às menções obrigatórias que devem constar das faturas, impostas quer pela DIVA, quer pelo nº 5 do artigo 36.º do CIVA, conjugado o nº 2 e 6 do artigo 19.º do CIVA”.

No que concerne à factura a que se reporta o ponto iii. supra, alega a Requerente que “ao se descrever “Transferência de Propriedade” não se pode deixar de considerar que tal designação permite suficientemente identificar a natureza do serviço prestado, não sendo, por isso, necessário especificar o número do processo de insolvência/ação de executiva, com a exibição de prova documental onde constasse a transferência da posição contratual”, que “mesmo que a fatura referisse o serviço de uma forma mais detalhada, mencionando, designadamente, a transferência de negócio e de know-how, nada se alteraria na substância da operação e, consequentemente, na liquidação e incidência de IVA e respetiva taxa aplicável à operação” e que “muito embora se trate de uma prestação de serviços, não sendo pela sua própria essência mensurável, a fatura não deixa de indicar a quantidade de “1”.”, concluindo, uma vez mais, que “que as menções inscritas na fatura aqui em causa permitem à AT assegurar a fiscalização e cobrança do imposto, uma vez que a mesma satisfaz minimamente as exigências legais quanto às menções obrigatórias das faturas exigíveis quer pela DIVA, quer pelo nº 5 do artigo 36.º do CIVA, conjugado o nº 2 e 6 do artigo 19.º do CIVA”.

A propósito da factura descrita no ponto iv. supra, sustenta a Requerente que “ao se descrever “Serviços prestados – Locação de bens, equipamentos e viaturas” não se pode deixar de considerar que tal designação permite suficientemente identificar a natureza dos serviços prestados, não sendo preciso especificar quais os bens utilizados e por que períodos nem o preço hora/dia/mês de utilização, etc.”, reiterando que “mesmo que as faturas referissem o serviço de uma forma mais detalhada, contendo a especificação dos bens utilizados, os períodos e o preço, nada se alteraria na substância da operação e, consequentemente, na liquidação e incidência de IVA, nem sequer na taxa aplicável à operação”.

Não assiste, todavia, razão à Requerente.

Efectivamente, e como a mesma reconhece, e decorre da jurisprudência previamente citada, as exigências formais ora em questão, visam assegurar à AT as informações necessárias ao controle dos pressupostos do direito à dedução do imposto, designadamente, e no que para o caso interessa, a efectividade das operações, o valor das mesmas, bem como o cumprimento da elegibilidade das operações para efeitos do direito à dedução, nomeadamente pelo cumprimento dos pressupostos do art.º 20.º do CIVA.

Ora, no caso, o descritivo das facturas ora em causa, não permite assegurar, minimamente, aqueles desideratos.

Embora a Requerente afirme que “foi por si disponibilizada, durante o procedimento inspetivo, informação que permite atestar a natureza dos serviços prestados pelas entidades respetivas”, o certo é que não concretiza quais os elementos a que se refere, nem ensaia qualquer esforço no sentido de demonstrar que aqueles permitem apreender “todos os dados para verificar se os requisitos substantivos relativos a este direito se encontram satisfeitos”.

Efectivamente, para além de se limitar a opor-se, por mera negação, ao quanto foi exposto no RIT, e não se mostra minimamente infirmado, o que se verifica é que mesmo complementado o descritivo das facturas com os esclarecimentos prestados pela Requerente, não é possível, com um mínimo de segurança identificar concretamente quais as operações económicas que aquelas titulam, em termos de permitir um controlo dos pressupostos substanciais do direito à dedução que a Requerente se arroga.

Assim, e no que diz respeito ao primeiro grupo de facturas (ponto i.), fica-se sem se saber que leilões teriam sido objecto do serviço de apoio a que se reportam aquelas facturas.

Por outro lado, no que diz respeito à mencionada cedência de espaço em armazém e parque, como se aponta no RIT, o que se verifica é que o imóvel não pertence ao emitente da factura, sendo certo que, à míngua de mais elementos, não é possível apurar se foi aquele, efectivamente, o prestador dos serviços ali referido, caso os mesmos tenham sido prestados.

Quanto à factura a que se reporta o ponto ii. supra, como se explica no RIT, tendo em conta o descritivo daquele e os esclarecimentos prestados pela Requerente, não é possível alcançar quais os serviços prestados e, consequentemente, a que título a C... recebe um prémio de acordo com o volume de negócios da Requerente. E, a existir um acordo ou um contrato escrito não é ali mencionado, sequer, pela Requerente, qualquer um deles.

Relativamente à factura atrás descrita sob o ponto iii., embora a Requerente refira, em complemento do descritivo daquele, que estaria em causa a transferência de negócio know how, o que se verifica é que não foram juntos documentos de suporte tal transferência, pelo que, uma vez mais, não é possível reunir os elementos necessários ao efectivo controle dos pressupostos substantivos do direito à dedução que aquela pretende exercer.

Já no se reporta á factura descrita no ponto iv. supra, a Requerente informou a AT que a mesma “corresponde a utilização dos bens que integravam os ativos fixos tangíveis da sociedade G... pela sociedade mãe A..., SA, no seguimento do contexto acima referido, ou seja a empresa mãe passou a explorar o negócio da sua detida”.

Adicionalmente, apresentou a Requerente à AT as fichas dos bens do activo fixo tangível da G... .

Não obstante, como se expõe no RIT e não é infirmado, ou sequer contestado, pela Requerente:

“Se observarmos a lista completa dos bens verificamos que 44 bens em 74 têm um valor contabilístico igual a zero, sinal da sua obsolescência, e que 14 bens em 74 são bens imóveis, constituídos por vários edifícios, terrenos e obras realizadas. Tratando-se da locação de bens imóveis, procurámos averiguar se havia algum contrato de arrendamento registado na base de dados das Finanças onde aparecessem como outorgantes a G... como locador e a A... como locatário. Desta observação concluímos pela inexistência de qualquer contrato de arrendamento entre aquelas duas sociedades”.

De resto, não é apresentado qualquer contrato, ou outro qualquer elemento que permita ligar os alegados bens locados, ao valor facturado, claudicando, também aqui, a possibilidade de aferir da verificação dos pressupostos substanciais do direito à dedução pretendido pela Requerente, mesmo que complementado o descritivo da factura com os esclarecimentos e elementos facultados pela Requerente.

Assim, e à luz da doutrina exposta no ponto 45. do acórdão Barlis, atrás citado, o que se verifica é que tendo em conta todas as informações constantes das faturas em causa, e as informações inseridas nos documentos apresentados pela Requerente, não é possível verificar se os requisitos substantivos do seu direito a dedução do IVA se encontram satisfeitos.

Deste modo, não é possível relevar as deficiências formais de que as facturas em causa, confessadamente, enfermam, pelo que nada haverá a censurar aos actos tributários objecto da presente acção arbitral.

A tal conclusão não obsta a consideração reiterada pela Requerente, segundo a qual “mesmo que as faturas referissem o serviço de uma forma mais detalhada, (...) nada se alteraria na substância da operação e, consequentemente, na liquidação e incidência de IVA, nem sequer na taxa aplicável à operação”, já que não é função dos pressupostos formais do direito à dedução contender ou alterar com a substância das operações mas, meramente, reflectir devidamente aqueles, em termos de ser razoavelmente possível apreendê-los, o que, no caso e como se viu não ocorre.

                Assim, e como se escreveu no Acórdão do STA de 04-10-2017, proferido no processo 01141/16:

“I - Nos termos do disposto no art.º 19.º do Código do imposto sobre o valor acrescentado só confere direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado o imposto mencionado em facturas e documentos que observem a forma legal.

II - Não cumprem tais requisitos as facturas que contêm identificação do emitente e do destinatário, com os respectivos NIF e moradas, mencionam a designação usual dos serviços prestados, a data de emissão, o preço do serviço, ainda que vagamente, o montante e a taxa do imposto devido, mas nenhuma referência fazem à quantidade dos serviços prestados nem ao local e data ou datas em que foram prestados.

III - No âmbito do contrato de prestação de serviços as partes usarão do rigor que lhes aprouver, no que à medição dos serviços prestados diz respeito, mas para obterem a dedução do imposto sobre o valor acrescentado facturado as facturas hão-de permitir reconstituir que serviço foi prestado e qual o seu custo, impedindo haja duplicação de facturação, com a criação de um imposto sobre o valor acrescentado que não foi pago mas se pretende ver deduzido”.

                Deste modo, e por todo o exposto, nada haverá a censurar aos actos tributários objecto da presente acção arbitral, que deverão ser mantidos na ordem jurídica, improcedendo o pedido arbitral.

 

*

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar improcedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

a)            Manter na ordem jurídica os seguintes actos de liquidação adicional de IVA:

i.             n.º 2018..., relativo ao período de 201512T, no valor de

€ 64.964,97 e respectivos juros compensatórios no valor de

€ 7.140,80;

ii.            n.º 2018..., relativo ao período de 201601, no valor de

€ 21.690,38 e respectivos juros compensatórios no valor de

€ 2.964,65;

iii.           n.º 2018..., relativa ao período de 201602, no valor de

€ 15.623,92 e respectivos juros compensatórios no valor de

 € 2.064,69.

b)           Condenar a Requerente nas custas do processo, no montante abaixo fixado.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 114.449,41, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 3.060,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente, uma vez que o pedido foi considerado improcedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 31 de Dezembro de 2019

 

O Árbitro Presidente

(José Pedro Carvalho)

 

O Árbitro Vogal

(Sílvia Oliveira)

 

O Árbitro Vogal

(Jorge Carita)