Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 254/2019-T
Data da decisão: 2019-12-18  IRC  
Valor do pedido: € 3.348.248,56
Tema: IRC – Artigo 32.º, n.º 2, do EBF; Circular n.º 7/2004, de 30 de março, da DSIRC; Artigo 23.º, n.º 1, do Código do IRC.
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Os árbitros Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha (árbitro presidente), Dr. Ricardo Rodrigues Pereira e Dr. José Ramos Alexandre (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

I. RELATÓRIO

1. No dia 8 de abril de 2019, a sociedade comercial A..., SGPS, S. A., NIPC..., com sede na Rua ..., ..., Porto, (doravante, Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, alterado pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, pelo artigo 9.º da Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro e pelo artigo 17.º da Lei n.º 119/2019, de 18 de setembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), com vista à pronúncia deste tribunal relativamente à:

- Declaração de ilegalidade e anulação parcial da liquidação de IRC n.º 2018..., datada de 12.02.2018, referente ao exercício de 2013, da qual resultou um valor a reembolsar de € 337.957,54;

- Declaração de ilegalidade e anulação parcial do ato de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2018... .

 

A Requerente juntou 8 (oito) documentos e arrolou 4 (quatro) testemunhas, não tendo requerido a produção de quaisquer outras provas. 

 

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida ou AT).

 

2. Como resulta do pedido de pronúncia arbitral (doravante, PPA), a Requerente faz assentar a impugnação dos atos tributários controvertidos, sumariamente, no seguinte:

A Requerente tem por objeto social a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas, sendo a entidade dominante de um grupo fiscal constituído, à época dos factos, por si e por 21 sociedades dominadas (denominado Grupo B...), enquadrado no Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS).

No decurso do período de 2013 não adquiriu quaisquer participações, tendo, nesse mesmo período, incorrido em gastos decorrentes de juros de empréstimos obtidos e considerados fiscalmente de € 2.878.225,32; estes gastos tiveram como objetivo fazer face a carências de tesouraria da Requerente e do grupo empresarial, tendo sido considerados para o apuramento do respetivo lucro tributável.

A Requerente detém 100% do capital subscrito da empresa C..., a 31.12.2013, sendo que esta empresa concentrava todas as atividades administrativas do Grupo B... . Esses serviços eram debitados às respetivas beneficiárias através de fees de gestão, sendo que os cobrados no exercício de 2013 ascenderam ao valor de € 4.390.829,00, estando incluídos nos mesmos os custos suportados com viagens em jatos privados.

No exercício de 2013, as instalações do Grupo B... localizavam-se em Espanha (4 unidades de negócio), no Reino Unido (6 unidades de negócio), Alemanha (5 unidades de negócio), Polónia (2 unidades de negócio) e Brasil; em virtude dessa dispersão geográfica, a deslocação dos membros do Conselho de Administração com recurso a jatos privados é a única que permite evitar gastos temporais desnecessários inerentes às esperas, atrasos e outros imponderáveis a que se encontram sujeitas as viagens de avião em carreira regular, sobretudo relativamente a destinos para os quais não existem ligações diretas.

Os preços praticados intra-grupo estão refletidos no dossier de preços de transferência, cujo conteúdo jamais foi posto em causa pela AT.

Na sequência de procedimentos inspetivos externos, foram efetuadas correções à matéria coletável das diversas sociedades que compõem o Grupo B..., no valor global de € 10.068.087,35, e foi corrigida a matéria tributável e a liquidação do IRC do Grupo, atinente ao período de tributação de 2013, designadamente com base na não dedutibilidade de gastos de financiamento suportados pela Requerente, com fundamento na Circular n.º 7/2004, de 30 de março, da Direção de Serviços do IRC, no valor de € 2.878.225,32 e na não dedutibilidade de gastos suportados pela C... relacionados com deslocações em avião (jatos privados), no valor de € 470.023,24.

Sequentemente, foi emitida a liquidação de IRC controvertida, contra a qual a Requerente deduziu reclamação graciosa que foi indeferida.

A Requerente entende que a referida liquidação de IRC, na parte aqui impugnada, é inválida por: vício de violação do princípio da legalidade tributária (artigo 104.º, n.º 2, da CRP); vício de violação das condições para a aplicação de métodos indiretos (artigos 81.º e 85.º da LGT); e vício de violação do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC por erro nos pressupostos de facto.

A Requerente alega que a Circular n.º 7/2004, de 30 de março, de que a AT lança mão no caso concreto para calcular os gastos não aceites fiscalmente, invade o campo de ação do legislador tributário, colocando em causa o princípio constitucional da legalidade tributária plasmado no n.º 2 do artigo 103.º da CRP.    

Por isso, a Requerente considera que a determinação dos encargos financeiros não dedutíveis não pode ser efetuada por aplicação da fórmula fixada naquela Circular, a qual viola, pela interpretação que faz do n.º 2 do artigo 32.º do EBF, o princípio da legalidade tributária, ao impor uma fórmula genérica e indiciária de alocação de encargos financeiros que ultrapassa largamente a previsão legal.  

Em virtude disto, a liquidação em causa relativamente a este ponto da dedutibilidade de custos de financiamento encontra-se ferida de ilegalidade, por estar inquinada de erro sobre os pressupostos de facto sobre os quais assentou, mas também de direito por vício de violação da Constituição e da lei, devendo ser consequentemente anulada nessa parte.  

Noutra ordem de considerações, a Requerente alega que os gastos suportados pela C... com as deslocações em jatos privados, cuja dedutibilidade é questionada pela AT, preenchem inequivocamente os pressupostos legais de que depende a respetiva dedutibilidade fiscal, uma vez que tais custos são efetivos (existentes, reais), estão devidamente contabilizados como tal e em obediência aos critérios de imputação temporal, estão comprovados, são indispensáveis pois foram incorridos para a obtenção de proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora e não existe qualquer preceito que negue direta ou indiretamente a respetiva dedutibilidade.   

Assim, não restam dúvidas das ilegalidades cometidas pela AT, quando recusou a dedução estes encargos, devidamente contabilizados e comprovados, pelo que deve o referido montante ser aceite como custo fiscal do exercício, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC; consequentemente, a liquidação de imposto em apreço encontra-se inquinada de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, por violação do n.º 1 do referido artigo 23.º, pelo que deve ser declarada ilegal e anulada nessa parte.

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT em 16 de abril de 2019.

               

4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

Em 3 de junho de 2019, as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

5. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral coletivo foi constituído em 26 de junho de 2019.

 

6. No dia 16 de setembro de 2019, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual impugnou, especificadamente, os argumentos aduzidos pela Requerente, tendo concluído pela improcedência da presente ação, com a sua consequente absolvição do pedido.

 

A Requerida não requereu a produção de quaisquer provas, tendo apenas procedido à junção aos autos do respetivo processo administrativo (doravante, PA).

 

7. A Requerida alicerçou a sua Resposta, essencialmente, na seguinte argumentação:   

                A AT alega que da aplicação do raciocínio preconizado pela Circular n.º 7/2004, de 30 de março, não resulta tributação; tal só sucederá se os encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais estiverem a ser utilizados para deduzir a outros rendimentos tributáveis, não sendo esta a intenção do legislador ao aprovar o benefício fiscal conferido às SGPS pelo artigo 32.º, n.º 2, do EBF. Pelo que, uma SGPS que cumpra o disposto no Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro, não é lesada no tocante à tributação com a aplicação da referida Circular.

                A AT refere ainda que aquela Circular mais não pretende que dar cumprimento à lei, explanando um método possível e uma forma de cálculo dos encargos financeiros suportados com a aquisição de partes sociais pelas SGPS. A divulgação da dita Circular, a preconizar a adoção de um método indireto, sempre que a SGPS se depare com a impossibilidade prática de uma afetação específica dos encargos financeiros às partes de capital, isto é, quando a identificação dos encargos financeiros suportados com a aquisição daquelas participações coloque dificuldades de execução e se torne de difícil controlo, teve na sua origem razões de praticabilidade e exequibilidade de um normativo legal e o dever que o n.º 3 do artigo 59.º da LGT impõe à AT de divulgar orientações genéricas sobre a interpretação e aplicação das normas tributárias. 

                Segundo a AT, as orientações administrativas vertidas nos pontos 7 e 8 da mencionada Circular, sobre o método de afetação indireta e a respetiva fórmula, têm subjacente a preocupação de alinhamento com a ratio legis do n.º 2 do artigo 32.º do EBF e recortam-se nas metodologias clássicas utilizadas na gestão financeira empresarial, devendo, em todo o caso, ser entendido como mecanismo subsidiário da aplicação do método de afetação direta e específica, o qual goza de primazia sobre qualquer outro método.

                Como tal, afirma a AT que a interpretação iuris constante da Circular n.º 7/2004 está conforme à letra da lei, na medida em que mais não faz do que empreender a descoberta do seu mais preciso significado, em respeito pela teoria geral da interpretação da lei e do quadro normativo que a conforma; consequentemente, é de desconsiderar a alegada ilegalidade e inconstitucionalidade, tendo-se a referida Circular limitado, no âmbito do seu enquadramento legal, a promover a uniformização da interpretação e da aplicação da norma tributária em causa (artigo 68.ºA da LGT).

                Em suma, a AT afirma que não procedeu à criação de qualquer norma de incidência fiscal, limitando-se o entendimento vertido na Circular n.º 7/2004 a tentar esclarecer as emergentes dúvidas sobre o regime fiscal aplicável às SGPS e às SCR, previsto no artigo 32.º do EBF, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 32-B/2002, de 31 de dezembro (LOE 2003).

                Noutra ordem e considerações, relativamente aos aludidos gastos com deslocações em jatos privados, a AT alega que os documentos apresentados pela Requerente não permitem aferir da imprescindível conexão com a atividade empresarial por forma a determinar a indispensabilidade daqueles mesmos gastos. 

                Porquanto, diz a AT que a Requerente não junta cópias de faturas ou notas de débito que provem que tais gastos foram imputados, no todo ou em parte, às participadas, como, a ser verdadeiro tal argumento, ainda assim tal prova não seria suficiente, pois estaria sempre por justificar a condição essencial prevista no artigo 23.º do Código do IRC, ou seja, que tais gastos fossem comprovadamente indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora; com efeito, os documentos juntos pela Requerente são documentos internos e faturas desprovidas de elementos identificativos essenciais que não contêm informação sustentada por outros meios de prova sobre a identificação dos beneficiários das viagens, o motivo de realização das mesmas, os períodos em que ocorreram, bem como os destinos.

                Assim, afirma a AT que a Requerente não demonstrou, como lhe competia, por manifesta insuficiência dos elementos constantes dos documentos justificativos, a conexão dos custos declarados com a atividade desenvolvida pela C..., o que impede a consideração dos mesmos como indispensáveis à luz do disposto no artigo 23.º, n.º 1, do Código do IRC.

Além disso, segundo a AT, também não é demonstrado de forma inequívoca que os fees cobrados pela C... às sociedades participadas, incluam os valores daquelas deslocações.

                 

8. Por despacho de 2 de outubro de 2019, foram as partes notificadas da designação da data para a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT e para a inquirição das testemunhas arroladas pela Requerente.

 

9. No dia 29 de outubro de 2019, teve lugar a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT – na qual foi tratado o que consta da respetiva ata que aqui se dá por inteiramente reproduzida, tendo sido, então, fixado o dia 26 de dezembro de 2019 como data limite para a prolação da decisão arbitral –, tendo-se, ainda, procedido à produção de prova testemunhal.

 

10. As partes apresentaram alegações escritas, de facto e de direito, nas quais reiteraram as posições anteriormente assumidas nos respetivos articulados.    

***

II. SANEAMENTO

11. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).

 

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O processo não enferma de nulidades.

 

Não foram invocadas quaisquer exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e que cumpra conhecer.  

***

                III. FUNDAMENTAÇÃO

               

III.1. DE FACTO

 

§1. FACTOS PROVADOS               

12. Com relevo para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:

                a) A Requerente é uma sociedade comercial (sociedade gestora de participações sociais), que tem por objeto a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas. [cf. PA]

b) A Requerente é um sujeito passivo de IRC, enquadrado no Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), previsto nos artigos 69.º e seguintes do Código do IRC, enquanto entidade dominante de um grupo fiscal (Grupo B...) constituído, à data dos factos, por si e por 21 sociedades dominadas. [cf. PA]

c) A 31.12.2013, para efeitos de aplicação do RETGS, faziam parte do grupo de sociedades detidas pela Requerente, entre outras, as seguintes sociedades [cf. PA]:

(i) D..., S. A., NIPC...;

(ii) E..., S. A., NIPC...;

(iii) C..., S. A., NIPC (doravante,C...);

(iv) F..., S. A., NIPC ...;

(v) G..., Lda., NIPC...;

(vi) H..., S. A., NIPC...;

(vii) I..., S. A., NIPC...;

(viii) J..., S. A., NIPC .

d) A 31.12.2013, a Requerente detinha diretamente as seguintes participações sociais [cf. PA]:

Denominação social        NIPC      Valor nominal da participação    Percentagem da participação     Data de aquisição das participações

C... S. A.               ...            37.500.000,00 €               100,00%               1997 e 1998

K...         ...            189.030,00 €      0,54%    Anterior a 1998

L..., S. A.              ...            250,00 €              5,00%    1995

 

e) No ano de 2013, considerando as entidades detidas pela Requerente fora do RETGS, o Grupo B... era constituído por cerca de 60 empresas, sendo as mais significativas, atenta a sua dimensão, a M... e a N... . [cf. depoimentos das testemunhas O... e P...]

f) No ano de 2013, o Grupo B... tinha instalações em Portugal, Espanha (4 unidades de negócio), Reino Unido (6 unidades de negócio), Alemanha (5 unidades de negócio), Polónia (2 unidades de negócio), México e Brasil. [cf. depoimentos das testemunhas O... e P...]

g) No exercício de 2013, o volume de negócios do Grupo B... foi de € 968.695.756,00. [cf. documento n.º 5 anexo ao PPA]

h) No decurso do exercício de 2013, a Requerente não adquiriu, nem alienou quaisquer participações sociais noutras sociedades comerciais. [cf. depoimentos das testemunhas O... e P... e PA]

i) As fontes de financiamento do Grupo B... eram e continuam a ser, essencialmente, as seguintes: papel comercial, empréstimos obrigacionistas e descobertos bancários. [cf. depoimento da testemunha P...]

j) No decurso do exercício de 2013, a Requerente incorreu em gastos no montante de € 2.878.225,32, decorrentes de juros de empréstimos obtidos junto da C... (no âmbito da estrutura de cash pooling existente no Grupo B..., com epicentro nesta empresa) e de um empréstimo obrigacionista, no valor de € 25.000.000,00, os quais foram considerados fiscalmente para o apuramento do lucro tributável individual da Requerente. [cf. PA e depoimentos das testemunhas O... e P...]

k) Aqueles empréstimos visaram financiar a atividade do Grupo B... e fazer face a carências de tesouraria da própria Requerente, decorrentes de gastos respeitantes designadamente a impostos, assessoria jurídica e auditoria. [cf. depoimentos das testemunhas O... e P...] 

l) A C... concentra todos os serviços de administração e gestão do Grupo B... e associadas. [cf. depoimentos das testemunhas O... e P...] 

m) Aqueles serviços são debitados pela C... às respetivas beneficiárias através de fees de gestão. [cf. depoimentos das testemunhas O... e P...] 

n) No exercício de 2013, os fees cobrados pela C... às participadas ascenderam ao montante de € 4.390.829,00, conforme o seguinte quadro resumo [cf. documentos n.ºs 6 e 7 anexos ao PPA]:

Vendas e Prestações de Serviços              Débito 2013

G...        € 249.797,00

N...        € 2.954.600,00

H...         € 129.523,00

K...         € 13.613,00

M...       € 1.013.296,00

TOTAL   € 4.390.829,00

 

o) No ano de 2013, por intermédio da Q..., S. A. (R...) – empresa, à época, integrada no Grupo B...–, a C... celebrou um contrato relativo à utilização de horas de voo em aviões a jato privados, com a empresa de aviação executiva ... . [cf. depoimentos das testemunhas O... e P...] 

p) À semelhança do procedimento adotado noutros anos (anteriores e posteriores), em 2013 a contratualização daquelas horas de voo teve por base a comunicação feita pelo departamento de controlo de gestão da C... à “R...” da estimativa de horas de voo em aviões a jato privados que iriam ser efetuadas ao longo do ano, tendo por base o histórico de voos feitos no ano anterior e as viagens previstas para esse ano. [cf. depoimentos das testemunhas O... e P...]      

q) A “R...” efetuou consultas ao mercado, a fim de obter propostas de diferentes empresas de aviação executiva e, uma vez selecionada a empresa a quem foi adjudicada a prestação daquele serviço ao longo do ano de 2013, a respetiva faturação foi feita pela “R...” à medida que o serviço era prestado, numa base mensal, em conformidade com o binómio horas de voo efetuadas / custo de hora de voo contratualizado, sem fazer qualquer referência às respetivas viagens que tivessem sido realizadas (designadamente quanto às datas, aos destinos e aos utilizadores/passageiros). [cf. depoimentos das testemunhas O... e P...]         

r) As viagens em aviões a jato privados são realizadas exclusivamente pelos membros do Conselho de Administração da C... (embora estes possam, pontualmente, fazer-se acompanhar por colaboradores do Grupo B...), por forma a evitar gastos temporais desnecessários inerentes às esperas, atrasos e outros imponderáveis a que se encontram sujeitas as viagens de avião em carreira regular na aviação comercial – sobretudo quanto aos destinos para os quais não existem ligações aéreas diretas a partir de Portugal –, em deslocações com vista, designadamente, à realização de reuniões nas diversas empresas participadas, situadas fora de Portugal (mas dentro do continente europeu), e de reuniões para discutir oportunidades de negócio. [cf. depoimentos das testemunhas O... e P...]      

s) A decisão de utilização dos aviões a jato privados para as mencionadas deslocações é da exclusiva responsabilidade dos aludidos administradores do Grupo B..., sendo que existem diversas deslocações que estes fazem viajando na aviação comercial. [cf. depoimentos das testemunhas O... e P...]

t) Apesar de no Grupo B... existirem procedimentos internos para autorização/aprovação de quaisquer despesas, os respetivos administradores, quer antes quer depois das viagens que fazem em aviões a jato privados, nem prestam quaisquer informações, nem disponibilizam/entregam qualquer documentação referente às mesmas aos respetivos serviços administrativos e financeiros da C... . [cf. depoimentos das testemunhas O... e P...] 

u) No decurso do ano de 2013, a C... suportou gastos com viagens em aviões a jato privados no montante total de € 470.023,24. [cf. PA] 

v) A coberto da Ordem de Serviço n.º OI2016..., emitida pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças do Porto, a C... foi sujeita a um procedimento inspetivo iniciado com âmbito parcial – IRC e IVA e extensão ao período de tributação de 2013 – tendo posteriormente sido alterado para geral, tendo em vista a verificação da dedutibilidade fiscal dos encargos financeiros suportados pela empresa face às limitações previstas nos artigos 23.º e 67.º do Código do IRC e do artigo 32.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, assim como do crédito declarado de IVA face ao artigo 23.º do Código do IVA. [cf. PA]

w) O referido procedimento inspetivo culminou com a elaboração do respetivo Relatório de Inspeção Tributária que aqui se dá por inteiramente reproduzido, no qual, além do mais e tendo apenas por referência a matéria em causa nestes autos, foram efetuadas correções de natureza meramente aritmética à matéria tributável de IRC da C..., atinente ao ano de 2013, com a seguinte fundamentação [cf. PA]: 

 «III.2 Conclusões

III.2.1 Das consequências em sede de IRC – Matéria Coletável

(…)

III.2.1.2 gastos com deslocações e estadas não aceites fiscalmente – Artigo 23.º do CIRC

No período de 2013, a “C...” incorreu em gastos com deslocações e estadas relevadas contabilisticamente na conta IAS/IFRS 3611900 – “Deslocações e Estadas” (a que corresponde a conta SNC 62227000 – “Deslocações e Estadas”), no montante total de € 703.322,04.

III.2.1.2.1 Dos documentos de suporte aos registos contabilísticos

Da análise ao extrato de conta-corrente da conta IAS/IFRS 3611900 – “Deslocações e Estadas” e considerando um nível de materialidade por operação superior a € 700,00 identificaram-se os documentos de suporte de cada um desses registos (fatura ou documento equivalente) e que se encontram identificados e descritos no Anexo I.

III.2.1.2.2 Do nosso pedido de elementos/esclarecimentos

                Considerando o referido no ponto anterior, notificou-se o sujeito passivo para, por escrito, prestar os seguintes elementos/esclarecimentos indispensáveis, a fim de se aferir a conformidade com a lei fiscal da dedutibilidade destes gastos:

                “1. Justificação comprovada documentalmente da indispensabilidade dos gastos de montante superior a € 700,00, reconhecidos na conta IAS/IFRS 3611900 – “Deslocações e Estadas” (a que corresponde a conta SNC 62227000 – “Deslocações e Estadas”), para a realização dos rendimentos ou ganhos ou para a manutenção da fonte produtora nos termos do art. 23.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC), através da identificação do tipo de serviços que deram origem e dos montantes faturados, das datas de realização/tempo de permanência, locais de origem e destino, identificação dos passageiros/beneficiários (com o nome e NIF) e a relação destes com o sujeito passivo, bem como a indicação concreta do(s) motivo(s) subjacente(s) aos gastos incorridos e sua conexão com a atividade da empresa”.

                III.2.1.2.3 Da resposta do sujeito passivo ao nosso pedido de elementos/esclarecimentos

                A “C...” prestou e apresentou os seguintes elementos/esclarecimentos:

                “Na sequência da v/notificação para apresentar elementos/esclarecimentos sobre os valores inscritos na rúbrica “deslocações e estadas”, juntamos um mapa com as justificações”, mapa esse que se junta em Anexo II.  

                III.2.1.2.4 Da não comprovação da indispensabilidade dos gastos com deslocações e estadas – art. 23.º do CIRC

                Considerando o reconhecimento de gastos com deslocações e estadas na conta IAS/IFRS 3611900 – “Deslocações e Estadas”, cujos documentos de suporte se encontram mencionados no Anexo I e atendendo à resposta do sujeito passivo “C...” ao pedido de esclarecimentos constante no ponto anterior (Anexo II) procede-se de seguida à análise da comprovação pelo sujeito passivo da indispensabilidade de tais gastos. 

                (…)

                III.2.1.2.4.1 Gastos com avião a jato privado –...

Como se encontra evidenciado nos Anexos I e II o sujeito passivo registou na conta IAS/IFRS 3611900 – “Deslocações e Estadas” gastos com avião a jato privado –..., no montante total de € 470.023,24, conforme quadro seguinte:

 

Quadro V – registos na conta IAS/IFRS 3611900 – “Deslocações e Estadas” gastos com jato privado –..., relativos ao período de 2013 (valores em euros)

Nº doc.                Tp.doc.                 Descrição            Data doc.             Montante

...            TC           ... - 2013               31-01-2013         37.293,75

...            TC           ...- 2013                28-02-2013         37.293,75

...            TC           ...- 2013                31-03-2013         37.293,75

...            TC           ...- 2013                30-04-2013         37.293,75

...            TC           ...- 2013                31-05-2013         37.293,75

...            TC           ...- 2013                30-06-2013         37.293,75

...            TC           ... - 2013               31-07-2013         37.293,75

...            TC           ...- 2013                31-08-2013         37.293,75

...            TC           ...- 2013                30-09-2013         37.293,75

...            TC           ...- 2013                30-10-2013         37.293,75

...            TC           ...- 2013                31-10-2013         37.293,75

...            TC           ...- 2013                30-11-2013         37.293,75

...            TC           ...- 2013                31-12-2013         22.498,24

Total      470.023,24

 

Verifica-se, assim, que o sujeito passivo efetuou uma especialização mensal dos gastos com jato privado –..., sendo que no final do período acertou o total do montante especializado ao longo dos meses com os montantes dos gastos efetivamente incorridos cujos documentos de suporte se encontram identificados e descritos no Anexo III.

Ora, conforme se encontra evidenciado no Anexo III nenhum dos documentos de suporte aos registos com gastos incorridos com o avião a jato privado –..., no período de 2013, identificam cumulativamente o tipo de serviços que deram origem e dos montantes faturados, das datas de realização/tempo de permanência, locais de origem e destino, identificação dos passageiros/beneficiários (com o nome e NIF) e a relação destes com o sujeito passivo, bem como a indicação concreta do(s) motivo(s) subjacente(s) aos gastos incorridos e sua conexão com a atividade da empresa.

Não obstante, notificado o sujeito passivo (ponto III.2.1.2.2) para apresentar justificação comprovada documentalmente da indispensabilidade dos gastos com jato privado ... a C... limitou-se a afirmar o seguinte:

“Jato privado: Serviços de avião privado utilizados pelo Conselho de Administração do Grupo em deslocações na Europa.

Os serviços de avião privado são usados em visitas às nossas filiais na Europa e em deslocações diretamente relacionadas com as áreas de negócios do Grupo B..., com vista à prospeção dos atuais e novos negócios, reuniões com entidades terceiras, nomeadamente, clientes, fornecedores e outros organismos.

A prontidão e o sentido de oportunidade de negócio exigem que as deslocações sejam efetuadas recorrendo ao meio de transporte mais rápido - Avião. Tendo presente os habituais atrasos e períodos de espera nos voos comerciais a C... tem vindo a optar, com resultados inequívocos, pela utilização de serviços de avião privado em detrimento dos voos comerciais. Só assim consegue fazer face aos eventuais obstáculos aos seus objetivos comerciais que lhe tem vindo a permitir um lugar de destaque nos mercados em que atua.”

Assim, verifica-se que em resposta a C... limitou-se a realizar uma afirmação genérica, sem apresentar qualquer justificação comprovada documentalmente da indispensabilidade com os gastos incorridos com avião a jato privado ..., no período de 2013, para a obtenção dos rendimentos sujeitos a imposto. Mais, não comprovou que tais gastos fossem indispensáveis para a manutenção da sua fonte produtora.

Face ao exposto, forçoso será de concluir que, no caso em apreço, não se encontra verificado o nexo de causalidade gastos versus rendimentos ou entre esses gastos e a manutenção da fonte produtora, cujo ónus da prova por força do disposto no art.º 23.º do CIRC recai sobre o sujeito passivo C... pelo que os gastos incorridos com jato privado ..., no período de 2013, no montante total de € 470.023,24, e que se encontram reconhecidos na conta IAS/IFRS 3611900 – “Deslocações e Estadas” não devem concorrer para a formação do resultado a apurar em sede de IRC, devendo assim ser acrescido para efeitos de apuramento do lucro tributável.

(…)

III.2.1.2.4 Conclusão

O nº 1 do art. 23º do CIRC determina que o reconhecimento da dedutibilidade dos gastos está diretamente dependente da existência da sua comprovada indispensabilidade para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

Ora, face a tudo o que foi exposto nos pontos anteriores (III.2.1.2.4.1 – Gastos com avião a jato privado ..., III.2.1.2.4.2 – Restantes gastos sem apresentação de qualquer justificação comprovada documentalmente e III.2.1.2.4.3 – Restantes gastos com apresentação de justificação documental mas que não comprova a sua indispensabilidade), será de concluir, que, no caso em apreço, não se encontra verificado o nexo de causalidade gastos versus rendimentos ou entre esses gastos e a manutenção da fonte produtora, cujo ónus da prova por força do disposto no art. 23.º do CIRC recai sobre o sujeito passivo C..., relativamente aos gastos reconhecidos a título de Deslocações e Estadas (todos identificados no Anexo I).

Assim, de acordo com o disposto no art. 23.º n.º 1 do CIRC, o montante de € 611.516,94, registado na conta IAS/IFRS 3611900 – “Deslocações e Estadas” não deve concorrer para a formação do resultado a apurar em sede de IRC, devendo assim ser acrescido para efeitos de apuramento do lucro tributável.

(…)

III.3 Correções propostas em sede de IRC

Face ao exposto no presente Capítulo, propõe-se:

- correções de natureza meramente aritmética à matéria tributável de IRC, conforme quadro seguinte:

 

Quadro VII Correções à matéria coletável de IRC relativa ao período de 2013 (valores em euros)

Descritivo           Valor     Refª. Relatório

1. Lucro Tributável declarado     482.626,87          III.1.1.2

2. Tributações Autónomas – Encargo não dedutível        45.537,96             III.2.1.1

3. Deslocações e estadas – Encargos não dedutíveis       611.516,94          III.2.1.2

4. Lucro Tributável corrigido (4) = (1) + (2) + (3) 1.140.681,77      

 

(…)»

x) A coberto da Ordem de Serviço n.º OI2016..., emitida pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças do Porto, a Requerente foi sujeita a um procedimento inspetivo iniciado com âmbito parcial – IRC e IVA e extensão ao período de tributação de 2013 – tendo posteriormente sido alterado para geral, tendo em vista a verificação da dedutibilidade fiscal dos encargos financeiros suportados pela empresa face às limitações previstas nos artigos 23.º e 67.º do Código do IRC e do artigo 32.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, assim como do crédito declarado de IVA face ao artigo 23.º do Código do IVA. [cf. PA]

y) O referido procedimento inspetivo culminou com a elaboração do respetivo Relatório de Inspeção Tributária que aqui se dá por inteiramente reproduzido, no qual, além do mais e tendo apenas por referência a matéria em causa nestes autos, foram efetuadas correções de natureza meramente aritmética à matéria tributável de IRC da Requerente, referente ao ano de 2013, no montante de € 2.878.225,32, com a seguinte fundamentação [cf. PA]: 

«III – DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES DE NATUREZA MERAMENTE ARITMÉTICA

(…)

III.3 Das consequências em sede de IRC

III.3.1 Encargos financeiros não aceites fiscalmente – Art. 32.º do EBF

III.3.1.1 Encargos financeiros suportados

Na rubrica “Juros e gastos similares suportados”, estão registados os encargos financeiros suportados pela “A...”, no período de 2013, no montante total de € 3.022.529,40 e que se encontram reconhecidos nas seguintes contas:

 

Quadro VIII – Encargos Financeiros suportados pela A... no período de 2013 (valores em euros)

Conta    Valor

52111000 – Juros Suport. – Emp.             35.964,14

52113000 – Juros Suport. – Obri.             1.778.680,55

52114000 – Juros Suport. – Out.              1.207.884,71

TOTAL   3.022.529,40

Observação: A conta 52 – “Custos e Prov. Financ.” Inclui ainda a subconta 5222 – “Out. serviços bancár” que apresenta um saldo final (antes de apuramento dos resultados) no montante de € 10.968,87.

 

III.3.1.2 Enquadramento Legal

O n.º 2 do art. 32.º do EBF prevê que “as mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades”.

Assim, as mais-valias obtidas na alienação de partes de capital, desde que detidas por período não inferior a um ano, estão isentas de IRC, no entanto, os encargos financeiros suportados com a aquisição dessas mesmas participações, tal como as menos-valias não são dedutíveis para efeitos fiscais, ou seja, não concorrem para o lucro tributável das SGPS´s.

Pelo que, quando uma SGPS suporta encargos financeiros, é necessário distinguir entre aqueles que se destinaram à aquisição de partes de capital dos restantes encargos que tiveram outras finalidades, pelo que a Direção de Serviços do IRC através da Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, veio definir, entre outros aspetos, o “método a utilizar para efeitos de afetação dos encargos financeiros às participações sociais”.

Em resumo, a Circular n.º 7/2004 veio estabelecer o seguinte:

•             Âmbito de aplicação temporal (ponto 5) – “é aplicável aos encargos financeiros suportados nos períodos de tributação iniciados após 1 de Janeiro de 2003, ainda que sejam relativos a financiamentos contraídos antes daquela data”.

•             Exercício em que deverão ser feitas as correções fiscais dos encargos financeiros (ponto 6): “… os encargos financeiros deverão ser desconsiderados como custos, para efeitos fiscais, no exercício a que os mesmos disserem respeito, isto é, dever-se-á proceder à correção fiscal dos que tiverem sido suportados com a aquisição de participações que sejam suscetíveis de virem a beneficiar do regime especial estabelecido no n.º 2 do art. 31.º do EBF [numeração à data da emissão da circular, antes da renumeração do EBF e que corresponde ao n.º 2 do artigo 32.º, legislação vigente à data dos factos], independentemente de se encontrarem já reunidas todas as condições para a aplicação do regime especial de tributação das mais-valias. Caso se conclua, no momento da alienação das participações, que não se verificam todos os requisitos para aplicação daquele regime, proceder-se-á, nesse exercício, à consideração como custo fiscal dos encargos financeiros que não foram considerados como custo em exercícios anteriores”.

•             Método a utilizar para efeitos de afetação dos encargos financeiros às participações sociais (ponto 7): “… dada a extrema dificuldade de utilização, nesta matéria, de um método de afetação direta ou específica e à possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria, deverá essa imputação ser efetuada com base numa fórmula que atenda ao seguinte”:

1.º Imputar os passivos remunerados das SGPS aos empréstimos remunerados, por estas concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros;

2.º Afetar o remanescente aos restantes ativos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respetivo custo de aquisição.

                III.3.1.3 Encargos financeiros não aceites fiscalmente

                De acordo com o enquadramento legal mencionado no ponto anterior, designadamente considerando o disposto no n.º 2 do art. 32.º do EBF e na Circular n.º 7/2004 e atendendo à informação constante do ponto III.1.1, procede-se ao apuramento dos Encargos Financeiros Imputáveis às Partes de Capital suportados pela “A...”, relativamente ao período de 2013, conforme quadro seguinte:

 

Quadro IX – Apuramento dos Encargos Financeiros Imputáveis às Partes de Capital do sujeito passivo, relativamente ao período de 2013 (valores em euros)

ATIVOS Valores Fórmula de Cálculo (resulta da aplicação da Circular 7/2004)

Total do ativo bruto        167.094.027,00  (1)

Ativos remunerados      0,00       (2)

Partes de capital – Custo de aquisição – ver observação 159.116.487,00  (3)

Equivalência patrimonial              0,00       (4)

Outros ativos     7.977.540,00       (5) = (1) – (2) – (3) – (4)

Ativos não remunerados             167.094.027,00  (6) = (3) + (5)

PASSIVOS                          

Empréstimos obtidos remunerados (Passivos remunerados)      27.542.500,00    (7)

Passivos remunerados imputáveis aos ativos remunerados         0,00       (8) = (2)

Passivos remunerados imputáveis aos restantes ativos 27.542.500,00    (9) = (7) – (8)

Passivos remunerados imputáveis às partes de capital   26.227.543,39    (10) = [(3) x (7)] / [(3) + (5)]

AFETAÇÃO DOS ENCARGOS FINANCEIROS                          

Encargos financeiros totais          3.022.529,40      (11)

Encargos financeiros imputáveis aos restantes ativos     3.022.529,40       (12) = [(9) : (7)] x (11)

Encargos financeiros imputáveis às partes de capital       2.878.225,32       (13) = [(10) : (9)] x (12)

Observações: Para efeitos dos cálculos realizados no âmbito da aplicação do n.º 2 do art. 32.º do EBF, considerou-se que as prestações suplementares (rubrica “outros ativos financeiros” que consta no Balanço), no montante de € 25.000.000,00, estão incluídas na definição de “partes de capital”.

 

                Assim, por força do disposto no n.º 2 do art. 32.º do EBF, o montante de € 2.878.225,32 não concorre para efeitos do apuramento do lucro tributável da “A...”, pelo que deveria ter sido acrescido no campo 779 – “Encargos financeiros não dedutíveis (art. 32.º, n.º 2 do EBF)” do quadro 07 da Declaração de Rendimentos Modelo 22 – IRC, relativa ao período de 2013.

                III.4 Propostas

                Face ao exposto no presente Capítulo, propõe-se as seguintes correções de natureza meramente aritmética:

- à matéria coletável de IRC conforme quadro seguinte:

 

Quadro X Correções à matéria coletável de IRC relativa ao período de 2013 (valores em euros)

Descritivo           Valor

1. Prejuízo fiscal declarado (1)   -3.083.244,47

2. Encargos financeiros não dedutíveis – art. 32.º do EBF (2)       2.878.225,32

3. Prejuízo fiscal corrigido (3) = (1) – (2) -205.019,15

 

(…)»

z) Sequentemente, a Requerente foi notificada da liquidação adicional de IRC n.º 2017..., de 18.12.2017, referente ao ano de 2013, que determinou o montante a pagar de € 13.068,36. [cf. documento n.º 3 anexo ao PPA]

aa) Posteriormente, a Requerente foi notificada da liquidação adicional de IRC n.º 2018..., de 15.01.2018, atinente ao período de tributação de 2013, sendo que, segundo a demonstração de acerto de contas n.º 2018..., emitida em 18.01.2018, foi ordenado o estorno do valor apurado na mencionada liquidação adicional de IRC n.º 2017..., compensando-se o valor assim estornado com o valor apurado nesta nova liquidação, resultando um saldo a favor da Requerente no valor de € 95.097,05. [cf. documento n.º 4 anexo ao PPA] 

bb) Em seguida, a Requerente foi notificada da liquidação adicional de IRC n.º 2018 ..., de 12.02.2018, referente ao ano de 2013, que determinou o valor de € 337.957,54 a reembolsar à Requerente, sendo que segundo a demonstração de acerto de contas n.º 2018..., emitida em 15.02.2018, foi ordenado o estorno do valor apurado na sobredita liquidação adicional de IRC n.º 2018..., compensando-se o valor assim estornado com o valor apurado por esta nova liquidação, resultando um saldo a favor da Requerente no montante de € 59.704,93. [cf. documento n.º 1 anexo ao PPA]

cc) Em 15.05.2018, a Requerente deduziu reclamação graciosa contra os atos de liquidação referenciados nos factos provados z), aa) e bb), – cujo requerimento inicial aqui se dá por inteiramente reproduzido –, a qual foi autuada sob o n.º ...2018..., tendo sobre a mesma recaído um projeto de decisão de indeferimento, que aqui se dá por inteiramente reproduzido, com os fundamentos ali vertidos. [cf. PA]      

dd) A Requerente foi notificada, através de ofício da Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças do Porto, remetido via CTT, daquele projeto de decisão e para, querendo, exercer o direito de audição, o que a Requerente não fez. [cf. PA]      

ee) A Requerente foi notificada, através de ofício da Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças do Porto, remetido via CTT e recebido em 09.01.2019, da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, que aqui se dá por inteiramente reproduzida, a qual remeteu para a fundamentação do respetivo projeto, no qual, além do mais e tendo apenas por referência a matéria em causa nestes autos, é afirmado o seguinte [cf. documentos n.ºs 2 e 8 anexos ao PPA e PA]:

«Parecer

(…)

II – Da apreciação do pedido

(…)

9. Quanto à recusa da dedução de despesas com deslocações e estadas por falta de comprovação do gasto nos termos do art. 23º do CIRC, no âmbito das sociedades dominadas F..., SA, C..., SA e K..., SA, a reclamante argumenta em relação a estas sociedades, por um lado, que a lei não faz depender a comprovação e dedutibilidade do gasto dos requisitos que a AT considera deverem ficar demonstrados (cfr., designadamente pontos 43º a 45º e 98º a 100º do requerimento), e, por outro, no que se refere à K..., SA, que os documentos já juntos aos autos demonstram que tais gastos eram indispensáveis para a prossecução da atividade empresarial (cfr. pontos 131º e 132º do requerimento).

10. Estamos perante despesas com deslocações e estadas fiscalmente relevantes quando estivermos perante encargos com transporte, estadas e refeições comportadas com trabalhadores dependentes da empresa ou seus sócios-gerentes, atuando ao serviço da empresa e para realização do seu objeto social, por motivos de deslocação destes para fora do local de trabalho e mediante a apresentação de um documento comprovativo.

11. A prova de que essas despesas são gasto fiscal incumbe ao sujeito passivo, que invoca o direito à sua consideração como componente negativa do resultado líquido do exercício e tem, por isso o ónus da sua demonstração, nos termos do n.º 1 do art. 23.º do CIRC e do n.º 1 do art. 74.º da LGT, ao contrário do que a reclamante afirma no seu requerimento.

12. No decurso dos procedimentos inspetivos promovidos em relação às sociedades dominadas F..., SA, C..., SA e K..., SA estas sociedades foram notificadas para apresentar prova que indicasse o preenchimento destas características, nomeadamente “locais de origem e destino”, datas de realização/tempo de permanência”, “identificação dos passageiros/beneficiários” e sua relação com a sociedade, “a indicação concreta do(s) motivo(s) subjacente(s) aos gastos incorridos e sua conexão com a atividade da empresa”. Os correspondentes Relatórios de Inspeção Tributária (RIT) dão conta de que, quando apresentados documentos, estes não eram suficientes para demonstrar que aquelas características estavam verificadas nos encargos em causa, concluindo que não deveriam concorrer para o apuramento do resultado fiscal.

13. Nesta reclamação graciosa volta a não ser feita qualquer comprovação da natureza de gasto fiscal dessas despesas, entendida como demonstração de que foram incorridas no interesse empresarial das sociedades inspeccionadas, através do preenchimento dos requisitos mencionados. Note-se que a doutrina e jurisprudência citada pela reclamante apoiam este entendimento, porque salientam que deve ser feita a demonstração de uma relação causal e justificada da despesa com a atividade da empresa, afastando os atos desconformes com o escopo social. Nenhum elemento probatório foi produzido para demonstrar essa relação, pelo que esta questão não tem como proceder.

14. No que respeita à recusa de dedução integral dos encargos financeiros deduzidos pela sociedade A..., SGPS, SA, dominante e aqui reclamante, em face do art. 32º do EBF e dos critérios vertidos na Circular n.º 7/2004 da DSIRC, a reclamante protesta, em síntese, que a aplicação de uma fórmula pela qual se ficciona um valor de passivo remunerado a imputar à aquisição das partes de capital de que esta sociedade seja titular infringe o princípio da legalidade.

15. Todavia, a desconsideração dos encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital decorre diretamente da lei. A Circular n.º 7/2004, mais concretamente o seu ponto 7, teve em vista uniformizar a aplicação daquela norma, definindo um método a utilizar para efeitos de afetação dos referidos encargos financeiros às participações sociais, atenta a dificuldade, senão mesmo a impossibilidade, de determinar com exatidão quais os financiamentos contraídos e utilizados propositadamente na aquisição das participações sociais detidas. A fórmula de cálculo proposta pela referida Circular será de aplicar à parte dos encargos financeiros que não seja possível relacionar de forma direta com os passivos remunerados destinados à aquisição de partes sociais, como foi o caso.

16. Estes critérios de afetação não se afiguram um método indireto de apuramento da matéria coletável segundo o art. 87.º e segs. da LGT, mas um modo de repartição proporcional que se revelou como o mais adequado para a determinação do valor dos encargos financeiros não dedutíveis, sem infringir a equidade entre os sujeitos passivos. Acresce que a reclamante não demonstra que o critério utilizado pela AT desvirtua a realidade dos factos relativos à sua situação tributária ou que exista erro ou excesso na quantificação apurada pelos serviços de inspeção.

17. O cumprimento do método de cálculo desses encargos trata-se, para além de uma obrigação a que os serviços se mostram obrigados, de uma garantia do cumprimento dos princípios da legalidade e igualdade, na esfera da tributação, pelo que a vinculação dos serviços da AT ao seu conteúdo é inequívoca.»

ff) Em 08.04.2019, a Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo. [cf. Sistema de Gestão Processual do CAAD]

 

§2. FACTOS NÃO PROVADOS

13. Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não resultaram provados os seguintes factos relativamente às viagens em aviões a jato privados referenciadas no facto provado u): (i) quais os respetivos motivos/objetivos; (ii) quais os respetivos locais de origem e de destino; (iii) quais as respetivas datas de partida e de regresso; (iv) quem foram os respetivos utilizadores/passageiros; e (v) que os respetivos custos tenham sido incluídos nos fees de gestão mencionados nos factos provados m) e n).

 

§3. MOTIVAÇÃO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO

14. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

A convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa e no acervo probatório de natureza documental (incluindo o processo administrativo) e testemunhal carreado para os autos, o qual foi objeto de uma análise crítica e de adequada ponderação à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum e segundo juízos de normalidade e razoabilidade.

 

                Relativamente aos depoimentos prestados pelas testemunhas que foram inquiridas –O... e P..., tendo a Requerente prescindido das restantes testemunhas arroladas –, as mesmas corroboraram, no essencial, a factualidade alegada pela Requerente, sobre a qual depuseram, tendo-o feito de forma objetiva, isenta e revelando conhecimento direto daqueles factos, pelo que os seus depoimentos nos mereceram credibilidade. 

 

                A testemunha O..., auditor interno do Grupo B..., começou por explicar a estrutura deste mesmo Grupo, quer quanto às diversas sociedades que o compõem, quer quanto à respetiva dispersão geográfica – corroborando o vertido no PPA –, tendo salientado que a Requerente é a sociedade dominante de todo o Grupo, sendo na C... que está centralizada a gestão – são cobrados fees de gestão às empresas participadas – e toda a atividade operacional do Grupo.

Mais esclareceu que, no decurso do ano de 2013, a Requerente contraiu um empréstimo obrigacionista, no montante de € 25.000.000,00, visando financiar a atividade do Grupo B..., não tendo qualquer parcela do mesmo sido usada para a aquisição de quaisquer participações sociais noutras empresas; aliás, segundo a testemunha, nesse mesmo ano, a Requerente não adquiriu, nem alienou quaisquer participações sociais.

Referiu ainda que os custos com juros que são referenciados nos artigos 17.º a 21.º do PPA são, maioritariamente, atinentes ao referenciado empréstimo obrigacionista, sendo uma pequena parte decorrente de empréstimos efetuados pela C..., no âmbito da estrutura de cash pooling existente no Grupo B..., centrada nessa mesma empresa.

Relativamente às viagens em jatos privados, afirmou que as mesmas são exclusivamente efetuadas pelos cinco administradores do Grupo B..., sempre ao serviço das respetivas empresas e apenas acontecem quando não existem ligações aéreas regulares para os destinos pretendidos ou, existindo, os tempos de viagem são muito longos; fora dessas situações, aqueles mesmos administradores utilizam os voos comerciais para as suas deslocações profissionais.

Mais disse que aos serviços administrativos e financeiros do Grupo B... não chegam quaisquer documentos que demonstrem quem foram os passageiros e qual foi o destino de cada uma das viagens que são efetuadas em jatos privados, pois as respetivas faturas apenas mencionam “x” horas de voo e nada mais e os referidos administradores não fornecem quaisquer dados adicionais a esse respeito; frisou, ainda, que a decisão de utilização dos jatos privados cabe unicamente a cada um daqueles administradores.

Questionado sobre a forma como são contratualizadas as viagens em jatos privados, esclareceu que a negociação é feita no início de cada ano, junto de diversos prestadores de serviços de aviação executiva/privada e por “pacotes de horas de voo”, sendo que a empresa a quem for adjudicada a prestação desse serviço celebra um contrato anual com o Grupo B... e, por isso, todas as viagens realizadas no decurso desse ano são sempre com a mesma empresa de aviação (habitualmente a ...); no ano de 2013, esta negociação, assim como a respetiva faturação mensal eram efetuadas através da empresa de turismo e viagens “R...”, integrada no Grupo B... .

Mais disse que os custos das viagens realizadas em jatos privados são integrados nos fees de gestão que a C... recebe das empresas participadas.

Ainda a este propósito, afirmou que, em 2013, os custos das viagens de cariz privado que os aludidos administradores fizeram em jatos privados, foram diretamente faturados aos respetivos utilizadores, não tendo qualquer fatura sido remetida para o Grupo B... .  

 

A testemunha P..., responsável interno pela contabilidade do Grupo B..., iniciou o seu depoimento pela explanação da estrutura deste mesmo Grupo, quer relativamente às diversas sociedades que o integram, quer quanto à respetiva dispersão geográfica – corroborando o vertido no PPA –, tendo sublinhado que a Requerente é a sociedade dominante de todo o Grupo, sendo na C... que está centralizada toda a atividade operacional do Grupo; mais disse que é na C... que está toda a equipa de gestão de Grupo B..., sendo aqui que os membros da Administração são remunerados e sendo cobrados fees de gestão às empresas participadas.

A propósito das fontes de financiamento do Grupo B..., esclareceu que as mesmas são, essencialmente, as seguintes: papel comercial, empréstimos obrigacionistas e descobertos bancários.

Mais esclareceu que, no decurso do ano de 2013, a Requerente contraiu um empréstimo obrigacionista, no montante de € 25.000.000,00, visando financiar a atividade do Grupo B..., não tendo qualquer parcela do mesmo sido usada para a aquisição de quaisquer participações sociais noutras empresas; aliás, segundo a testemunha, nesse mesmo ano, a Requerente não adquiriu, nem alienou quaisquer participações sociais.

Afirmou ainda que os custos com juros que são referenciados nos artigos 17.º a 21.º do PPA são, maioritariamente, atinentes ao referenciado empréstimo obrigacionista, sendo uma pequena parte decorrente de empréstimos efetuados pela C..., no âmbito da estrutura de cash pooling existente no Grupo B..., centrada nessa mesma empresa.

No concernente às viagens em jatos privados, referiu que as mesmas são exclusivas dos administradores do Grupo B... e que acontecem, essencialmente, na Europa, em virtude da localização das unidades do Grupo; acrescentou que aqueles administradores também viajam na aviação comercial.

Perguntado sobre a forma como são contratualizadas as viagens em jatos privados, descreveu o mesmo procedimento que foi explicitado pela anterior testemunha, tendo acrescentado que a “R...” deixou de integrar o Grupo B... em 2017.

Também como afirmado pela anterior testemunha, disse que não dispõe de qualquer outra informação relativa a essas viagens em jatos privados, para além do número de horas de voo que foram efetuadas (único item constante das respetivas faturas), sendo que os administradores não disponibilizam qualquer informação adicional a este respeito.

Ainda esclareceu que os custos das viagens realizadas em jatos privados são integrados nos fees de gestão que a C... recebe das empresas participadas.

                Mais disse que, em 2013, as viagens de cariz privado que os administradores faziam em jatos privados eram diretamente faturadas aos utilizadores, não passando pelo Grupo B... .

               

15. No tocante à factualidade não provada, importa ainda referir que a mesma foi assim considerada atenta a ausência de quaisquer elementos probatórios que indubitavelmente a comprovassem.

 

Com efeito, pese embora a documentação existente na contabilidade da C... e os depoimentos prestados a este respeito pelas testemunhas arroladas pela Requerente – designadamente nos segmentos em que aludiram quer às razões subjacentes à utilização de aviões a jato privados em deslocações dos administradores do Grupo B..., quer à alegada separação que é feita entre as utilizações privadas e as utilizações profissionais (isto é, ao serviço das empresas do Grupo B...) daquelas aeronaves, por parte dos mesmos administradores –, o certo é que foram elas próprias que expressamente reconheceram e afirmaram que não tinham quaisquer documentos, nem informações que comprovassem fosse o que fosse relativamente a qualquer uma das viagens efetuadas em aviões a jato privados, no decurso do ano de 2013; porquanto, segundo as mesmas, nenhuma informação lhes foi veiculada/disponibilizada pelos administradores do Grupo B... . Assim, o afirmado por estas testemunhas não vai além de uma mera convicção pessoal – no sentido de que tudo se passa como elas dizem que acontece –, na justa medida em que elas próprias não dispõem, nem foram apresentados quaisquer elementos que permitam sustentar, parcial ou integralmente, direta ou indiretamente, os sobreditos factos que resultaram (por isso) não provados.

 

                III.2. DE DIREITO

 

§1. DELIMITAÇÃO DO OBJETO

                16. As questões de mérito que, nuclearmente, são submetidas à apreciação deste Tribunal são as seguintes:

                a) Os gastos de financiamento suportados pela Requerente, no valor de € 2.878.225,32, são ou não dedutíveis à matéria tributável de IRC do ano de 2013?

                b) Os gastos suportados pela C..., no decurso do ano de 2013, com as viagens em aviões a jato privados, no montante total de € 470.023,24, são ou não indispensáveis para a formação do respetivo lucro tributável, nos termos do disposto no artigo 23.º, n.º 1, do Código do IRC?

 

As posições das partes quanto a estas questões já foram acima enunciadas sendo que, quanto à posição da AT, importa ter presente as fundamentações das correções que esta efetuou aos IRC das duas empresas, respeitante ao exercício de 2013, vertidas nos respetivos RIT (cf. factos provados w) e y)) e que, no essencial, foi reiterada na fundamentação da decisão de indeferimento da aludida reclamação graciosa (cf. facto provado ee)).

 

17. Antes de prosseguirmos, impõe-se definir qual o ato de liquidação adicional de IRC, atinente ao ano de 2013, que constitui objeto deste processo arbitral, pois, como resultou provado, a AT emitiu três liquidações adicionais de IRC referentes ao período de tributação de 2013, nos termos enunciados nos factos provados z), aa) e bb).

    

Neste conspecto, a Requerente propugna que «não sendo possível existir mais do que uma liquidação de IRC referente ao mesmo período tributário, deverá entender-se que as liquidações posteriores revogaram e substituíram as liquidações anteriores», pelo que mantém-se «válida, apenas, a última liquidação, a liquidação de IRC n.º 2018..., de 12.02.2018» (cf. artigos 64.º e 65.º do PPA).

 

Constitui nosso entendimento que tem a Requerente razão, porquanto, vistos aqueles atos tributários, constatamos que nem a liquidação adicional de IRC n.º 2018..., de 12.02.2018, se “adiciona” (no sentido de concorrerem ambas para a definição da prestação de imposto legalmente devida) à anterior liquidação adicional de IRC n.º 2018..., de 15.01.2018, nem esta se “adiciona” (com o referido sentido) à antecedente liquidação adicional de IRC n.º 2017..., de 18.12.2017.

 

Efetivamente, a liquidação adicional de IRC n.º 2017..., de 18.12.2017, foi integralmente revogada e substituída por um novo ato de liquidação – a liquidação adicional de IRC n.º 2018..., de 15.01.2018 – que reapreciou diretamente a situação tributária da Requerente, quanto ao IRC de 2013 e que, por seu turno, foi também objeto de integral revogação e substituição pela liquidação adicional de IRC n.º 2018..., de 12.02.2018, que efetuou nova reapreciação da situação tributária da Requerente, quanto ao IRC do ano de 2013; consequentemente, não se mantiveram os efeitos produzidos nem pela primeira, nem pela segunda das indicadas liquidações.

 

Com efeito, sempre que estejamos perante uma revogação substitutiva ou substituição revogatória, ou seja, nos casos de revogação em que o ato é substituído por outro, a situação subjacente é de novo regulada. A este propósito, Serena Cabrito Neto e Carla Castelo Trindade (Contencioso Tributário, Volume I, Coimbra, Almedina, 2017, p. 459), dão-nos conta de que «tem havido, por parte da Administração Tributária, a tendência para, quando pretende alterar um acto de liquidação (…), emitir uma liquidação substitutiva da anterior, com a finalidade de eliminar da ordem jurídica os efeitos da primeira, por revogação.»  

 

Concluindo, temos que as liquidações adicionais de IRC mencionadas nos factos provados z) e aa) foram substituídas por um novo ato de liquidação – a liquidação adicional de IRC mencionada no facto provado bb) –, com a inerente destruição dos seus efeitos e, por isso, deixaram de subsistir na ordem jurídica, tendo sido substituídas por inteiro pela liquidação adicional de IRC n.º 2018..., de 12.02.2018, que veio regular de novo a concreta situação tributária da Requerente, atinente ao IRC de 2013. 

 

Nesta conformidade, é objeto deste processo arbitral o ato de liquidação adicional de IRC n.º 2018..., de 12.02.2018.

 

§2. DO MÉRITO

 

§2.1. O ENQUADRAMENTO LEGAL

 

A. NORMAS TRIBUTÁRIAS

18. Na perspetiva jurídico-tributária, importa atender às seguintes normas que se afiguram imprescindíveis para o enquadramento da situação sub judice, conforme as respetivas redações vigentes à data dos factos em causa nos autos:

Código do IRC

Artigo 23.º

Gastos

                1. Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente:

                (…)

c)            De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efetivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado;

(…)

 

Estatuto dos Benefícios Fiscais

Artigo 32.º

Sociedades Gestoras de Participações Sociais (SGPS)

                (…)

                2. As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades.

                (…)

 

B. CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS

19. Atento o recorte factual do caso concreto, importa convocar as seguintes normas deste compêndio legal:

Artigo 210.º

Obrigações de prestações suplementares

                1. Se o contrato de sociedade assim o permitir, podem os sócios deliberar que lhes sejam exigidas prestações suplementares.

                2. As prestações suplementares têm sempre dinheiro por objecto.

                3. O contrato de sociedade que permita prestações suplementares fixará:

                a) O montante global das prestações suplementares;

                b) Os sócios que ficam obrigados a efectuar tais prestações;

                c) O critério de repartição das prestações suplementares entre os sócios a elas obrigados.

                4. A menção referida na alínea a) do número anterior é sempre essencial; faltando a menção referida na alínea b), todos os sócios são obrigados a efectuar prestações suplementares; faltando a menção referida na alínea c), a obrigação de cada sócio é proporcional à sua quota de capital.

5. As prestações suplementares não vencem juros.

 

Artigo 213.º

Restituição das prestações suplementares

                1. As prestações suplementares só podem ser restituídas aos sócios desde que a situação líquida não fique inferior à soma do capital e da reserva legal e o respectivo sócio já tenha liberado a sua quota.

                2. A restituição das prestações suplementares depende de deliberação dos sócios.

                (…) 

 

C. REGIME JURÍDICO DAS SGPS

20. O conceito de sociedade holding é genericamente utilizado para aludir quer a sociedades que se limitam a gerir de forma passiva carteiras de títulos, numa lógica de repartição de risco, quer a sociedades que detêm participações de controlo e que intervêm ativamente na gestão das suas participadas, prestando-lhes ou não serviços remunerados.

 

É habitual distinguir, entre outras modalidades, entre a holding pura e a holding mista e entre a holding financeira e a holding de direção. No primeiro caso, o critério distintivo reside no caráter exclusivo do seu objeto social, sendo que a holding pura se dedica unicamente à detenção de participações sociais e a holding mista tem igualmente por objeto atividades de natureza comercial e industrial. No segundo caso, o critério diferenciador reside no fim a que se destina a gestão das participações sociais, sendo que a holding de direção visa, mais do que a mera detenção de participações sociais, o enquadramento e direção das sociedades participadas, enquanto que a holding financeira está vocacionada apenas para a rentabilização do investimento concentrado nas participações. 

 

No tangente às SGPS, encontramos o respetivo regime jurídico definido no Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro – sucessivamente alterado pelo Decreto-Lei n.º 318/94, de 24 de dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 378/98, de 27 de novembro e pela Lei n.º 109-B/2001, de 27 de dezembro –, o qual estatui no seu artigo 1.º que as SGPS “têm por único objecto contratual a gestão de participações sociais noutras sociedades como forma indirecta de exercício de actividades económicas” (n.º 1), sendo que “a participação numa sociedade é considerada forma indirecta de exercício da actividade económica desta quando não tenha carácter ocasional e atinja, pelo menos, 10% do capital com direito de voto da sociedade participada, quer por si só quer através de participações de outras sociedades em que a SGPS seja dominante” (n.º 2), considerando-se “que a participação não tem carácter ocasional quando é detida pela SGPS por período superior a um ano” (n.º 3).

 

Nos termos do artigo 4.º do mesmo diploma legal, às SGPS é permitida “a prestação de serviços técnicos de administração e gestão a todas ou a algumas das sociedades em que detenham participações ou com as quais tenham celebrado contratos de subordinação” (n.º 1), devendo aquela prestação de serviços “ser objecto de contrato escrito, no qual deve ser identificada a correspondente remuneração” (nº 2).   

 

Nesta conformidade, é usual a qualificação da SGPS como uma holding pura – na justa medida em que está limitada quanto ao seu objeto social, nos termos acima referidos, o que a impede de desenvolver diretamente atividades económicas de natureza comercial, industrial ou outra que não as mencionadas prestações de serviços – e como uma holding de direção – uma vez que a sua atividade vai para além da mera aquisição, detenção e alienação de participações sociais, podendo, complementarmente à sua atividade principal, prestar, em determinadas circunstâncias, serviços técnicos de administração e gestão a todas ou a algumas das sociedades em que possua participações ou com as quais tenha celebrado contratos de subordinação.

 

Como decorre do artigo 5.º do citado regime jurídico, é vedado às SGPS “conceder crédito, excepto às sociedades que sejam por ela dominadas nos termos do artigo 486.º do Código das Sociedades Comerciais ou a sociedades em que detenham participações previstas no n.º 2 do artigo 1.º e nas alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 3.º, sem prejuízo do disposto no número seguinte” (n.º 1, alínea c)); o n.º 2 do mesmo artigo estatui que “[p]ara efeitos da alínea c) do número anterior, a concessão de crédito pela SGPS a sociedades em que detenham participações aí mencionadas, mas que não sejam por ela dominadas, só será permitida até ao montante do valor da participação constante do último balanço aprovado, salvo se o crédito for concedido através de contratos de suprimento”.

 

§2.2. O CASO CONCRETO: SUBSUNÇÃO NORMATIVA

               

§2.2.1. DOS GASTOS DE FINANCIAMENTO SUPORTADOS PELA REQUERENTE, NO VALOR DE € 2.878.225,32

21. Como resulta do vertido no facto provado y), no exercício de 2013, a Requerente suportou encargos financeiros, no montante total de € 3.022.529,40, reconhecidos contabilisticamente nas contas enunciadas no Quadro VIII do RIT.

 

A AT, entendendo que quando uma SGPS suporta encargos financeiros é necessário distinguir entre aqueles que se destinaram à aquisição de partes de capital dos restantes encargos que tiveram outras finalidades e tendo em consideração o disposto no n.º 2 do artigo 32.º do EBF e na Circular n.º 7/2004, de 30 de março, da DSIRC, procedeu ao apuramento dos encargos financeiros imputáveis às partes de capital suportados pela Requerente, relativamente ao período de 2013, nos termos constantes do Quadro IX do RIT; a AT concluiu, então, que os encargos financeiros imputáveis às partes de capital ascendem ao montante de € 2.878.225,32, o qual, por força do disposto no n.º 2 do artigo 32.º do EBF, «não concorre para efeitos do apuramento do lucro tributável da “A...”, pelo que deveria ter sido acrescido no campo 779 – “Encargos financeiros não dedutíveis (art. 32.º, n.º 2 do EBF)” do quadro 07 da Declaração de Rendimentos Modelo 22 – IRC, relativa ao período de 2013.»

 

Ademais, como é referido em observações à rúbrica “Partes de capital – custo de aquisição” integrante dos Ativos enunciados no Quadro IX do RIT, «[p]ara efeitos dos cálculos realizados no âmbito da aplicação do n.º 2 do art. 32.º do EBF, considerou-se que as prestações suplementares (rubrica “outros ativos financeiros” que consta no Balanço), no montante de € 25.000.000,00, estão incluídas na definição de “partes de capital”».       

 

Importa salientar que todos estes aspetos foram corroborados na fundamentação da decisão de indeferimento da mencionada reclamação graciosa, como se alcança do vertido no facto provado ee).

 

22. Ainda neste conspecto, há a referir que a AT não questionou a verificação dos pressupostos de que, nos termos do artigo 23.º do Código do IRC, depende a dedutibilidade dos gastos financeiros, antes se limitando a utilizar a fórmula vertida na Circular n.º 7/2004, de 30 de março, da DSIRC e procedendo, dessa forma, à determinação do montante dos encargos financeiros que supostamente terão sido suportados com a aquisição de partes de capital, sendo que, como veremos adiante, não identificou qualquer participação social que tenha sido adquirida com recurso a financiamento, nem qualquer financiamento que tenha originado os encargos financeiros que entendeu corrigir.   

 

A. A CORREÇÃO EFETUADA PELA AT: DA QUALIFICAÇÃO DAS PRESTAÇÕES SUPLEMENTARES COMO “PARTES DE CAPITAL”

23. A este propósito, para além de devermos ter presentes as supra citadas normas do Código das Sociedades Comerciais, a partir das quais nos é possível recortar o conceito e as características essenciais das “prestações suplementares”, importa densificar o conceito de “partes de capital”.

 

A este propósito, há que começar por convocar o artigo 11.º da LGT, nos seus n.ºs 1 – “Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que às mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis” –, que contém uma remissão para o artigo 9.º do Código Civil, e 2 – “Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo de outro decorrer directamente da lei” –, do qual resulta que, embora a regra seja a de os termos utilizados nas normas fiscais deverem ser interpretados com o mesmo alcance que têm noutros ramos do direito, há uma exceção, que é decorrer diretamente da lei fiscal que o sentido do termo aí utilizado é diferente do que tem noutros ramos do direito.

 

Dito isto, como afirmam Fernando Carreira Araújo e António Fernandes de Oliveira (“O Código do IRC e os conceitos de (I) Capital, (II) Partes de Capital, (III) Prestações Suplementares e (IV) Créditos pela Realização de Prestações Suplementares”, Estudos em Memória do Prof. Doutor Saldanha Sanches, Vol. IV, AA. VV., Coimbra, Coimbra Editora, 2011, pp. 708 a 713), «[n]ão dispondo o Código do IRC (e o direito fiscal em geral) de um conceito próprio de “capital” e de “partes de capital” (…), a conclusão que se impõe é a de que eles terão o significado técnico de que se revestem no direito societário e da contabilidade: “capital social” e “participações sociais” (vulgo, principalmente, quotas e acções), respectivamente. (…)

Acresce, para além disso, que do próprio Código do IRC se retiram indicações seguras, pela positiva, no sentido de que o conceito de “partes de capital” que utiliza tem exactamente o mesmo significado acolhido nos outros ramos do direito (de onde é originário) (…).

Começando, cronologicamente, por uma das mais antigas utilizações pelo Código do IRC da expressão “partes de capital”, é de salientar que o Decreto-Lei n.º 6/93, de 9 de Janeiro, aditou o (à data) artigo 62.º-B ao Código do IRC, onde se introduziu o regime comunitário de neutralidade fiscal relativo à entrada de activos, tendo para o efeito então usado o conceito de “partes de capital”. Mais especificamente, aí se prescrevia no n.º 1 do citado artigo (…) a regra de que “na determinação ulterior das mais-valias ou menos-valias realizadas respeitantes às partes de capital social recebidas em contrapartida da entrada de activos, estas partes de capital sejam consideradas pelo valor (…)”.

Ou seja, (…) resulta inequívoco que “partes de capital social” e “partes de capital” eram rigorosamente uma e a mesma coisa (…), coincidindo com o conceito de “partes de capital” (vulgo quotas e acções) utilizado no direito das sociedades comercias e pelo direito da contabilidade (…).

Concorrendo exactamente no mesmo sentido – de que partes de capital quer significar tão só e apenas participações sociais – há ainda o (na numeração em vigor desde 2010) artigo 48.º, n.º 4, do Código do IRC: aí se estende o regime do reinvestimento do preço de venda às “partes de capital” (…), incluindo-se, para além da venda, a sua “remição e amortização com redução de capital”, o que desde logo indica que por “partes de capital” se está a entender, exclusivamente, participações sociais (acções ou quotas) dada a natureza do objecto a que podem dizer respeito os fenómenos ou vicissitudes “remição e amortização com redução de capital”.

Que assim é fica ainda mais reforçado quando a seguir, nesta disposição normativa fiscal, se diz, com respeito às “partes de capital” cuja alienação está em causa (…), que “as participações de capital alienadas devem ser detidas por período não inferior a um ano e corresponder a, pelo menos, 10% do capital social da sociedade participada (…). (…)

Ou seja, para o legislador fiscal o conceito de “partes de capital” tem o sentido, unívoco e inequívoco, que desde sempre teve para o comum e vulgar leitor das normas que o utilizam: “partes de capital” é sinónimo de “participações no capital social”, ou seja, é sinónimo de quotas e acções, e não sinónimo de outras realidades como os créditos (ou expectativas de reembolso) originados pela realização de prestações suplementares (e, menos ainda, acessórias).

Foi isso, aliás, e não outra coisa, que esteve na mente do legislador aquando da introdução da norma constante do (à data) n.º 3 do artigo 42.º do Código do IRC, através da Lei do Orçamento de Estado para 2003. (…)

Se dúvidas pudessem ainda assim existir de que historicamente (desde sempre) no âmbito do Código do IRC “partes de capital” são “participações sociais” e nada mais (à semelhança do que sucede para o direito das sociedades e da contabilidade), a alteração ao artigo 42.º, n.º 3, do Código do IRC, operada pela Lei 60-A/2005, de 30 de Dezembro, tê-las-ia desfeito por completo.

Com efeito, originariamente este n.º 3 do artigo 42.º do Código do IRC (actualmente, desde 2010, artigo 45.º, n.º 3) apenas se referia a “partes de capital”, tendo sio acrescentada a esta previsão legal originária (…) a expressão “outras componentes do capital próprio”, incluindo as (os créditos, ou expectativas de reembolso, resultantes da realização de) “prestações suplementares”). (…)

Ou seja, ainda hoje para o legislador fiscal partes de capital e (créditos pela realização de) prestações suplementares são conceitos distintos, de onde a utilidade em passar a prever também estes últimos no artigo 42.º, n.º 3 (desde 2010, artigo 45.º), do Código do IRC.» 

 

No mesmo sentido, Manuel Anselmo Torres (“Prestações suplementares: seu regime comercial, contabilístico e tributário”, Estudos em Memória do Prof. Doutor Saldanha Sanches, Vol. IV, AA. VV., Coimbra, Coimbra Editora, 2011, pp. 916 a 918) afirma que «[a]s prestações suplementares não constituem “partes de capital” porquanto não são suscetíveis de transmissão autónoma da participação social a que respeitam (…). Tanto é reconhecido pela própria lei fiscal, ao referir-se às prestações suplementares como “outras componentes do capital próprio” por oposição a “partes de capital” (CIRC 45.3). (…) 

Não se diga que, por a prestação suplementar não vencer qualquer juro (por natureza), não seriam dedutíveis os juros em que os próprios sócios incorressem para financiar o respectivo valor perante terceiros (cf. CIRC 23). Embora não vençam juros, as prestações suplementares são entradas suscetíveis ou potenciadoras de uma outra remuneração, quer através dos lucros distribuídos, quer através de mais-valias futuras. As prestações suplementares poderão igualmente servir para evitar perdas sociais que, a ocorrerem, se traduziriam em perdas fiscais dos sócios. Como tal, os juros incorridos pelo sócio para financiar a realização de prestações suplementares podem configurar um custo indispensável à manutenção da fonte produtora de rendimentos tributáveis da sociedade. (…)

Há (…) que distinguir entre o custo de aquisição de partes de capital que inclua o valor das prestações sociais que lhe são inerentes, e o custo de realização de prestações suplementares realizadas pelo titular das partes de capital que (…) não constituem elas próprias novas partes de capital. A alienação de partes de capital é susceptível de gerar mais-valias ou menos-valias influenciadas pelas prestações suplementares que lhe são inerentes. Mas as prestações suplementares realizadas pelo titular das partes de capital não constituem um custo de aquisição das mesmas, mas apenas um reforço dos capitais próprios da sociedade participada, que deve por isso ser relevado numa conta de investimentos financeiros autónoma.

Pela mesma razão, os gastos de financiamento das prestações suplementares realizadas pelo titular das partes de capital não constituem um encargo financeiro suportado com a sua aquisição, pelo que não estão excluídos do concurso para a formação do lucro tributável designadamente das sociedades gestoras de participações sociais, nos termos do n.º 2 do art. 32.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.».     

 

24. Analisando esta mesma questão, afirmou-se o seguinte no acórdão arbitral proferido em 20.11.2016, no processo n.º 264/2016-T:

«“(…) para esclarecimento da questão de saber se as prestações suplementares são abrangidas no conceito de «partes de capital» há uma norma da qual decorre directamente que aquelas não se englobam neste conceito, que é o n.º 3 do artigo 45.º do CIRC, na redacção do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, vigente no ano de 2011.

Estabelece-se neste n.º 3 do artigo 45.º o seguinte:

3 – A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.

Utilizam-se nesta norma dois conceitos: o de «partes de capital» e o de «outras componentes do capital próprio».

As «partes de capital» são também «componentes do capital próprio», como se depreende da palavra «outras», mas o alcance de «partes do capital» é necessariamente mais restrito do que o de «capital próprio», que englobará, além das «partes de capital» também «as outras componentes».

Tal como está redigida a norma, as prestações suplementares englobar-se-ão no conceito de «outras componentes do capital próprio» e não nas «partes de capital», pois a referência àquelas aparece a seguir a este último conceito e não ao primeiro.

Na verdade, se se entendesse, para este efeito, que as prestações suplementares se integravam no conceito de «partes de capital», é óbvio que a referência a elas se incluiria a seguir a este conceito e não a seguir ao conceito de «capital próprio»: isto é, dir-se-ia «(...) perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital, designadamente prestações suplementares, ou outras componentes do capital próprio concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor».

Aquela referência às prestações suplementares não existia na redacção do artigo 42.º do CIRC da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, só sendo feita na redacção introduzida pela Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro, pelo que a alteração legislativa foi efectuada com o intuito de precisar o alcance fiscal dos conceitos utilizados, designadamente o conceito de «partes de capital», mostrando que este, na perspectiva do legislador do CIRC, não abrangia as prestações suplementares.

Tratando-se de uma alteração com alcance esclarecedor, é de presumir reforçadamente que o legislador soube concretizar em termos adequados esse objectivo (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), e se pretendeu explicitar que as prestações suplementares, para efeitos de IRC, se enquadram entre as «outras componentes do capital próprio» e não nas «partes de capital».

Esta delimitação do conceito de «partes de capital» que se extrai do referido n.º 2 do artigo 45.º é feita para efeitos de determinação de menos-valias, que se inclui na matéria de que trata o artigo 32.º, n.º 2, do EBF (é uma norma que afasta em relação às SGPS a relevância tributária em geral prevista no CIRC para as mais-valias e menos-valias) pelo que, tendo-se de presumir que o legislador exprimiu o seu pensamento em termos adequados (nos termos do referido artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), justifica-se a conclusão de que foi utilizada na norma especial o mesmo conceito de «partes de capital» que foi utilizado na norma que prevê a relevância tributária regra.

Para além disso, a norma do artigo 32.º, n.º 2, do EBF foi reformulada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, já depois da alteração introduzida pela Lei n.º 60-A/2005 no artigo 45.º do CIRC e a nova redacção daquela norma mantém a referência apenas às «partes de capital» sem qualquer alusão às «outras componentes do capital próprio» a que alude o artigo 45.º, n.º 2.

Esta conclusão, extraída do teor literal do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, conjugado com o artigo 45.º, n.º 2, é confirmada pela razão de ser do regime especial das mais-valias e menos-valias realizadas pelas SGPS, que não vale em relação às prestações suplementares, como proficientemente se explica no acórdão do CAAD proferido no processo n.º 12/2013-T, nestes termos:

“em geral, o regime das mais-valias visa conceder um regime especial favorável aos imobilizados tangíveis e financeiros (acções e quotas) das sociedades, como forma de combater o efeito de lock-in – fenómeno que no sistema fiscal da realização condiciona o racional fluir económico dos activos (compra e venda) por razões que se prendem com constrangimentos fiscais (pagamento do imposto). No fundo, evitar o cenário de um sujeito que não vende um ativo (acção ou quota) de que é titular – e todas as razões económicas o aconselham – apenas pelo facto de ir pagar nesse momento um elevado imposto (porque a tributação só é descarregada com a venda do activo e não na cadência da sua valorização anual). É este motivo que justifica a infra tributação dos activos tangíveis e financeiros (acções e quotas), corporizado num regime fiscal especial de tributação das mais-valias.

E nada disso se verifica nas prestações suplementares. Elas são devolvidas, ao par, segundo as regras do direito comercial. Não existe, nem se quer forçar a existência, de um mercado (secundário) de volumosas transacções de prestações suplementares. E não é crível que os parcos detentores de prestações suplementares abaixo do par não queiram receber o seu valor nominal, com receio ou temor do pagamento de imposto associado; ou que isso seja um óbice económico tal que justifique criar ou inseri-los no regime especial das mais e menos-valias.”        

Assim, conclui-se que o artigo 32.º, n.º 2, do EBF, (…), ao estabelecer, reportando-se às «partes de capital», que «não concorrem para a formação do lucro tributável» das SGPS os «encargos financeiros suportados com a sua aquisição», não afasta a relevância para a formação do lucro tributável dos encargos financeiros suportados com prestações suplementares, pois estas não se enquadram no conceito de «partes de capital», pelo menos para este efeito fiscal.»

 

25. Nesta conformidade, entendemos pois que as prestações suplementares não constituem partes de capital e que, portanto, a não dedutibilidade de encargos financeiros estatuída no artigo 32.º, n.º 2, do EBF não se aplica àqueles que derivarem de financiamentos contraídos e utilizados com a realização de prestações suplementares.

 

B. A CORREÇÃO EFETUADA PELA AT: DA APLICAÇÃO DA CIRCULAR N.º 7/2004, DE 30 DE MARÇO, DA DSIRC

 26. A propósito do regime instituído no n.º 2 do artigo 32.º do EBF, no acórdão arbitral proferido em 08.06.2018, no processo n.º 23/2018-T, foram tecidas as judiciosas considerações que seguidamente transcrevemos e que, data venia, fazemos nossas:

«O regime geral de relevância das mais-valias e menos-valias e encargos financeiros para a formação do lucro tributável de entidades sujeitas a IRC, traduzia-se no concurso das mais-valias e encargos financeiros, na totalidade [artigos 20.º, n.º 1, alínea h), e 23.º, n.º 1, alínea a), do CIRC na redacção resultante do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho), e no concurso das menos-valias em 50% [nos termos dos artigos 23.º, n.º 1, na l) e 45.º, n.º 3, do mesmo Código].

Para as SGPS, o artigo 32.º, n.º 2, do EBF (para além de outras situações previstas no seu n.º 3), estabelecia um regime especial, que não se reconduzia necessariamente em benefício, que se traduzia, em geral, na irrelevância para a formação do lucro tributável das SGPS das mais-valias e menos-valias realizadas de partes de capital detidas há pelo menos um ano, acompanhada do não concurso para a formação do lucro tributável dos encargos financeiros suportados com a sua aquisição.

No n.º 2 do artigo 32.º do EBF estabelece-se que não concorrem para a formação do lucro tributável os «encargos financeiros suportados com a sua aquisição», reportando-se às partes de capital, pelo que tem de se concluir que o seu teor literal indica que tão só os encargos financeiros que estejam conexionados com a aquisição de participações sociais são abrangidos pela indedutibilidade que aí se estabelece.

Para além de ser esta a interpretação que resulta do teor literal, ela é corroborada pela explicação para a sua introdução no EBF que foi dada no Relatório do Orçamento do Estado para 2003 (Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro).

Na verdade, como se refere na Circular n.º 7/2004, o regime desta norma foi introduzido no EBF pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2003, dando nova redacção ao artigo 31.º, cujo regime passou a constar do artigo 32.º depois da renumeração operada pelo Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de Junho.

Na Proposta de Lei n.º 28-IX, que veio a dar origem à Lei do Orçamento para 2003, constava o texto desse artigo 31.º, n.º 2, com redacção idêntica à vigente em 2012 (no artigo 32.º, n.º 2), sendo a única diferença o aditamento da referência aos «ICR» (abreviatura de «investidores de capital de risco»), que é irrelevante para a interpretação da norma.

No referido Relatório do Orçamento do Estado para 2003, depois de se constatar uma quebra na execução orçamental de 2002 quanto ao IRC anuncia-se a introdução de várias medidas visando o «alargamento da base tributável e medidas de moralização e neutralidade», entre as quais a da indedutibilidade dos encargos de natureza financeira directamente associados à aquisição de partes sociais por parte das SGPS, que se anuncia nos seguintes termos:

«Estabelece-se a desconsideração da dedutibilidade, para efeitos de determinação do lucro tributável, dos encargos de natureza financeira directamente associados à aquisição de partes sociais por parte das SGPS»

É inequívoco, assim, que se pretendeu que apenas os encargos financeiros directamente associados à aquisição de partes sociais ficassem abrangidos pela indedutibilidade.

Por aquela referência expressa no Relatório à necessidade de os encargos financeiros estarem directamente associados à aquisição de partes sociais (que também está expressa no texto da norma através da referência aos «encargos financeiros com a sua aquisição»), conclui-se que não basta, para determinar a indedutibilidade de encargos financeiros, a constatação de que a SGPS é titular de participações sociais e suportou encargos financeiros, sendo necessário demonstrar que há uma relação directa entre certos encargos financeiros e a aquisição de determinadas participações sociais.

É corolário desta interpretação, imposta pelo teor literal do artigo 32.º, n.º 2, que, se determinadas participações não foram adquiridas com passivos geradores de encargos financeiros (designadamente, as obtidas por entradas em espécie ou com utilização de capitais próprios), elas são irrelevantes para efeito da aplicação daquela norma, na parte que se reporta à indedutibilidade de encargos financeiros.

É também corolário desta interpretação que, relativamente às participações sociais adquiridas com financiamentos geradores de encargos, apenas os encargos derivados dos financiamentos relativos à sua aquisição são indedutíveis.

Não há assim suporte legal para afastar a regra da dedutibilidade de encargos financeiros, que consta da alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, em relação a encargos que não estejam directamente associados à aquisição de participações sociais.

Por isso, é claro, à face da letra da parte final do n.º 1 do artigo 32.º e da explicação dada no Relatório do Orçamento para 2003, que a indedutibilidade de encargos apenas se aplica aos que forem directamente derivados de financiamentos utilizados para aquisição de participações sociais.

Sendo este o regime que está previsto na lei, ele não pode ser alterado por via regulamentar, pois preceitos criados por actos de natureza legislativa não podem ser, com eficácia externa, interpretados, integrados, modificados, suspensos ou revogados por actos de outra natureza (artigo 112.º, n.º 5, da CRP).”

 

Considerando que, em resultado da apontada alteração do artigo 31.º do EBF (pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro – LOE 2003), subsistiam dúvidas quanto à aplicação do ali previsto regime fiscal aplicável às sociedades gestoras de participações sociais (SGPS) e às sociedades de capital de risco (SCR), a AT emitiu a Circular n.º 7/2004, de 30 de março, da DSIRC, na qual, depois de se apontar (no respetivo n.º 1) a razão das instruções, de se descreverem e analisarem (nos n.ºs 2 e 3) os regimes constantes dos n.ºs 2 e 3 do artigo 31.º (artigo 32.º, à data dos factos) do EBF, de se analisarem (nos n.ºs 4 a 6) a aplicação temporal do novo regime, bem como a questão atinente ao exercício em que deverão ser desconsiderados como custos, para efeitos fiscais, os encargos financeiros ali referenciados, se esclareceu (no respetivo n.º 7) também o seguinte, quanto ao «Método a utilizar para efeitos de afectação dos encargos financeiros às participações sociais»:

«7. Quanto ao método a utilizar para efeitos de afectação dos encargos financeiros suportados à aquisição de participações sociais, dada a extrema dificuldade de utilização, nesta matéria, de um método de afectação directa ou específica e à possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria, deverá essa imputação ser efectuada com base numa fórmula que atenda ao seguinte: os passivos remunerados das SGPS e SCR deverão ser imputados, em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados por estas concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afectando-se o remanescente aos restantes activos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição.»

Deste modo, a AT definiu aqui uma forma de imputação dos encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais, forma na qual, contudo, se determina um método específico e imperativo para quantificar tais encargos.

 

27. Volvendo ao caso concreto e tendo presente a regra legal sobre a repartição do ónus probatório, vertida no n.º 1 do artigo 74.º da LGT – da qual decorre que incumbe «à Administração Tributária o dever de demonstrar os pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável), impendendo, por seu turno, sobre os administrados apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, quando se mostrem verificados esses pressupostos» (acórdão do TCAN, proferido em 12.01.2012 no processo n.º 00624/05.0BEPRT) e que, embora integre o conjunto de regras atinentes ao procedimento tributário, também se aplica no processo judicial, onde é complementada pelo artigo 100.º do CPPT –, pretendendo a AT desconsiderar os encargos financeiros contabilizados pela Requerente, com fundamento na violação do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, deveria demonstrar os pressupostos do seu direito à tributação, ou seja, deveria provar que esses custos não eram legalmente dedutíveis.

 

Contudo, em vez dessa prova, a AT partiu para a desconsideração dos custos financeiros contabilizados pela Requerente, no valor de € 2.878.225,32, dando por adquirido que esta verba era relativa a encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital e que, por isso, foram indevidamente considerados como custo fiscal. Assim, a AT deu por adquirido que um certo montante dos encargos financeiros contabilizados pela Requerente foram suportados com a aquisição de partes de capital, mas nada demonstrou nesse sentido; concretamente, a AT não identificou os financiamentos usados para o efeito, nem as partes de capital que teriam sido adquiridas com eles, incumprindo por completo com o seu encargo probatório.

 

Destarte, a atuação da AT enferma de falhas quer ao nível dos pressupostos da tributação – como se disse, não logrou demonstrar factualmente a verificação dos requisitos legais da sua atuação – quer ao nível do método quantificador pois, para além de não ter tido o cuidado de apurar se houve aquisição e/ou alienação de participações sociais e qual o(s) montante(s) de financiamento(s) usado(s) na sua aquisição, o facto de ter usado os critérios preconizados na Circular n.º 7/2004, de 30 de março, da DSIRC, especialmente no seu ponto n.º 7, não sustenta a legalidade da correção em apreço, pois os critérios e pressupostos de imputação dos passivos remunerados das SGPS ultrapassam manifestamente o conteúdo do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, criando presunções e apuramentos proporcionais que o legislador manifestamente não assumiu nem consentiu.

 

Como foi decidido pelo Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA, no acórdão proferido em 26.09.2018, no processo n.º 0406/18.9BALSB, em recurso para uniformização de jurisprudência, «[p]adece de ilegalidade a correcção efectuada pela AT para efeitos de apuramento do lucro tributável em obediência à orientação constante no ponto 7. da Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, da DSIRC, se, antes de recorrer ao método indirecto aí previsto, a AT não logrou demonstrar a inviabilidade da determinação directa dos encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais [cfr. arts. 85.º, n.º 1 e 87.º, n.º 1, alínea b), da LGT], como lhe competia (cfr. art. 74.º, n.º 3, da LGT).»

 

A este respeito, Júlio Tormenta (As Sociedades Gestoras de Participações Sociais como Instrumento de Planeamento Fiscal e os seus Limites, Coimbra, Coimbra Editora, 2011, p. 145) afirma o seguinte:

«Uma questão que se levanta a propósito do estabelecido no art. 32.º do EBF nos seus n.º 2 e 3 é saber como apurar ou quais os encargos financeiros directamente relacionados com aquisição de participações sociais (na sua maioria constituídos pelos juros correntes de serviço da dívida relativos a um mútuo ou outra forma de crédito utilizado pela SGPS para aquisição de participações sociais) daqueles que são usados pela SGPS para no prosseguimento do seu objecto que não tenha a ver com aquisição de participações.

A Administração tributária vem defendendo que essa afectação deve realizar-se no respeito pelo “princípio do equilíbrio financeiro” (cf. o Ofício de I de Setembro de 2003 do Director-Geral dos Serviços do IRC), o qual aconselha a que se financie um activo com capitais de maturidade compatível com a vida económica desse activo e capacidade de geração de meios monetários.

Para a Administração tributária os encargos financeiros deverão ser afectos com base numa fórmula que atenda ao seguinte: os passivos remunerados das SGPS deverão ser imputados, em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados por estes concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afectando-se directa e automaticamente o remanescente aos restantes activos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição.

Em Portugal vigora o princípio da legalidade tendo como corolário segundo a doutrina clássica o princípio da tipicidade fechada sendo a matéria de incidência tributária de reserva relativa de Lei da Assembleia da República. No caso presente a lei não estabelece critérios de afectação de recursos financeiros à aquisição de participações sociais e não pode a administração tributária, por via administrativa criar normas de incidência (através do chamado ”direito circulatório”), sob pena de se estar perante uma inconstitucionalidade material, uma vez que tais normas devem emanar de lei (da Assembleia da República) ou Decreto-Lei (do Governo) devidamente autorizado.

Os contribuintes não estão obrigados a seguir os procedimentos vertidos na Circular 7/2004 de 30.3.2004 (doravante designada por circular 7/2004) pois aos mesmos apenas estão vinculados os funcionários tributários perante a sua tutela e nada mais.

Não podemos concordar com o enunciado na Circular 7/2004 no seu ponto 7 onde se refere “dada a extrema dificuldade de utilização, nesta matéria, de um método de afectação directa ou específica e à possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria”: devido ao desenvolvimento e sofisticação dos sistemas de informação de gestão disponíveis no mercado, deveria privilegiar-se o método de afectação directa e só na impossibilidade de utilização do mesmo é que se avançaria como método alternativo o preconizado na Circular 7/2004.»    

 

                Com efeito, se o legislador não instituiu qualquer critério que permita distinguir nos custos financeiros totais das SGPS quais os que se devem à aquisição de participações sociais e quais os que foram usados para outros fins, a AT só pode mover-se no âmbito de um método que respeite a afetação direta ou específica, porque só esse será compatível com o princípio da legalidade e da imparcialidade a que está sujeita (cf. artigo 55.º da LGT) e que resulta da redação do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, ao excluir da formação do lucro tributável os encargos financeiros suportados com a aquisição das participações alienadas. Ao referir-se a encargos financeiros suportados a lei determina expressamente que só estes – sublinhe-se, apurados específica e diretamente – são excluídos da tributação; isto é, indubitavelmente, o que decorre da letra e do espírito do citado normativo.

 

Acresce dizer que, mesmo admitindo que se não for possível a partir da contabilidade da SGPS descortinar quais os fins para que foram contraídos os financiamentos, isso poderá colocar em causa o controlo legal por parte da AT, não pode ser esta a completar a citada norma legal através de uma circular que institua um regime de apuramento proporcional, indireto ou presuntivo – criando, dessa forma, condições mais gravosas para o contribuinte do que as previstas na lei –, em total desrespeito pelo quadro legislativo vigente. Efetivamente, é insofismável que a Circular n.º 7/2004 propõe-se completar a norma do artigo 32.º, n.º 2, do EBF criando um modo de cálculo diferente do da imputação direta e específica dos passivos remunerados das SGPS que o legislador não contemplou e que vai muito para além da exegese hermenêutica da norma.

 

Acrescente-se, ainda, que não tendo a AT colocado em causa a fiabilidade da contabilidade da Requerente, a declaração fiscal desta beneficia da presunção de veracidade e boa fé, nos termos do disposto no artigo 75.º, n.º 1, da LGT, pelo que estava ainda a AT onerada com a ilisão daquela presunção. 

 

28. Nesta conformidade, como resulta do vertido no acórdão do TCAN, proferido em 17.09.2019 no processo n.º 01206/10.0BEPRT, «sendo certo que o princípio da legalidade em matéria tributária exige que a incidência dos impostos, respectivas taxas, benefícios fiscais e garantias dos contribuintes sejam determinados apenas por actos de natureza legislativa (não regulamentar) – cfr. o n.º 2 do art. 103.º da CRP e o n.º 1 do art. 8º da LGT –, então não poderá relevar, na parte em que contende com este princípio, a orientação a este propósito constante da referida Circular n.º 7/2004, de 30/3, da DSIRC. As circulares veiculam orientações genéricas que devem ser publicitadas (al. b) do n.º 3 do art. 59.º da LGT) e sendo, embora, vinculativas apenas para a AT, uniformizam a actuação desta na interpretação e aplicação das normas tributárias, permitindo aos contribuintes o conhecimento antecipado do entendimento adoptado pelos Serviços Tributários (cfr. o art. 68.º-A da LGT).

Aliás, em relação a esta Circular n.º 7/2004, já no acórdão do STA, de 8/3/2017, no proc. n.º 0227/16 (no mesmo sentido, cfr., igualmente, os acórdãos de 31/5/2017, no proc. n.º 01229/15 e de 21/6/2017, no proc. n.º 364/14) se ponderou que, apesar de as “normas administrativas” nela constantes terem sido emitidas, precisamente, «face às dificuldades e dúvidas quanto à possibilidade de utilização de um método de afectação directa e à possibilidade de haver manipulação desse mesmo método por parte dos contribuintes, no entanto a aplicação de métodos indirectos, quaisquer que eles sejam, de forma generalizada e sem ser tida em conta a situação individual concreta de que cada contribuinte está proibida por lei, resultando essa proibição do disposto nos artigos 104.º, n.º 2 da CRP, 81.º, n.º 1 e 85.º da LGT», sendo que «as ditas “normas administrativas” não prevalecem sobre qualquer um daqueles preceitos legais, cfr. artigo 112.º, n.º 5 da CRP», concluiu-se, por isso, no referido aresto, «pela razão da recorrente no que toca a pretender que não se aplique à sua situação concreta o disposto naquele nº 7 da dita Circular 7/2004, mostrando-se afectada por vício de violação de lei a autoliquidação efectuada.»

(…)

E neste contexto, haveremos de concluir que a interpretação do n.º 2 do art. 32.º do EBF (na redacção introduzida pela Lei n. 64-B/2011, de 30/12) operada pela Circular n.º 7/2004, de 30/3, da DSIRC, e com base na qual a AT procedeu às questionadas correcções do lucro tributável da impugnante, viola o princípio da legalidade tributária (n.º 2 do art. 103º da CRP e n.º 1 do art. 8.º da LGT), (...).» 

 

                29. Nestes termos, a correção sindicada padece de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, o que inquina o ato de liquidação adicional de IRC controvertido que, consequentemente, tem de ser anulado na parte em que teve origem naquela mesma correção; igual vício invalidante fulmina o ato de indeferimento da referenciada reclamação graciosa que, por isso, tem igualmente de ser anulado nessa parte (cf. artigo 163.º do CPA).  

 

                §2.2.2. DOS GASTOS SUPORTADOS PELA C..., NO VALOR DE € 470.023,24, COM AS VIAGENS EM AVIÕES A JATO PRIVADOS

                30. Como resultado provado, no decurso do ano de 2013, a C... suportou gastos com viagens em aviões a jato privados no montante total de € 470.023,24 (cf. facto provado u)), sendo que não resultaram provados os seguintes factos relativamente a essas mesmas viagens: (i) quais os respetivos motivos/objetivos; (ii) quais os respetivos locais de origem e de destino; (iii) quais as respetivas datas de partida e de regresso; (iv) quem foram os respetivos utilizadores/passageiros; e (v) que os respetivos custos tenham sido incluídos nos fees de gestão mencionados nos factos provados m) e n).

 

Conforme foi vertido no respetivo RIT, os Serviços de Inspeção Tributária da AT entenderam que «de acordo com o disposto no art. 23.º n.º 1 do CIRC, o montante de € 611.516,94, registado na conta IAS/IFRS 3611900 – “Deslocações e Estadas” não deve concorrer para a formação do resultado a apurar em sede de IRC, devendo assim ser acrescido para efeitos de apuramento do lucro tributável», sendo que, concretamente quanto às viagens em apreço, foi ali consignado que «conforme se encontra evidenciado no Anexo III nenhum dos documentos de suporte aos registos com gastos incorridos com o avião a jato privado – ..., no período de 2013, identificam cumulativamente o tipo de serviços que deram origem e dos montantes faturados, das datas de realização/tempo de permanência, locais de origem e destino, identificação dos passageiros/beneficiários (com o nome e NIF) e a relação destes com o sujeito passivo, bem como a indicação concreta do(s) motivo(s) subjacente(s) aos gastos incorridos e sua conexão com a atividade da empresa» (cf. facto provado w)).

 

Na decisão de indeferimento da mencionada reclamação graciosa, foi reiterado este discurso fundamentador da correção em apreço, sendo ali afirmado que voltou «a não ser feita qualquer comprovação da natureza de gasto fiscal dessas despesas, entendida como demonstração de que foram incorridas no interesse empresarial das sociedades inspeccionadas, através do preenchimento dos requisitos mencionados», constituindo entendimento da AT que a «prova de que essas despesas são gasto fiscal incumbe ao sujeito passivo, que invoca o direito à sua consideração como componente negativa do resultado líquido do exercício e tem, por isso o ónus da sua demonstração, nos termos do n.º 1 do art. 23.º do CIRC e do n.º 1 do art. 74.º da LGT» (cf. facto provado ee)).

 

A Requerente assenta o seu dissenso relativamente a esta correção à matéria tributável de IRC do ano de 2013, nuclearmente, na arguição de dois vícios distintos: um de ordem formal, radicado na falta de fundamentação – concretamente, alega a Requerente que a AT apresenta uma «fundamentação contraditória e deficiente, o que equivale a que seja tratada como uma falta de fundamentação» (cf. artigo 124.º do PPA) – e outro de ordem material, consubstanciado em vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito, por errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 23.º, n.º 1, do Código do IRC, porquanto (diz a Requerente) este custo é efetivo (existente, real), está devidamente contabilizado como tal e em obediência aos critérios de imputação temporal, está comprovado, é indispensável e foi incorrido para a obtenção de proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, não existindo qualquer preceito que negue direta ou indiretamente a respetiva dedutibilidade (cf. artigos 138.º a 165.º do PPA).   

 

A. A CORREÇÃO EFETUADA PELA AT: DO VÍCIO DE FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO

31. A fundamentação é uma exigência dos atos tributários em geral, sendo uma imposição, desde logo, constitucional (cf. artigo 268.º, n.º 3, da CRP), mas também legal (cf. artigo 77.º da LGT).

 

Contudo, como referem Paulo Marques e Carlos Costa (A liquidação de imposto e a sua fundamentação, Coimbra Editora, Coimbra, 2013, p. 68), ao contrário do que acontece no “texto constitucional (artigo 268.º, n.º 3, da Constituição), em que se exige a fundamentação dos actos «quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos», em sede de procedimento tributário (art. 77.º da LGT), não se entendeu restringir a exigência da fundamentação da decisão apenas aos actos desfavoráveis ao contribuinte, embora deva existir maior densidade da fundamentação nestes últimos casos.”

 

Como nos dão conta Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa (Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, 4.ª Edição, Editora Encontro da Escrita, Lisboa, 2012, pp. 675-676), no âmbito tributário, “o dever de fundamentação dos actos decisórios de procedimentos tributários e dos actos tributários é concretizado no art. 77.º da LGT.

Como o STA vem entendendo, a exigência legal e constitucional de fundamentação visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que lavaram a autoridade administrativa a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa.

Para ser atingido tal objectivo a fundamentação deve proporcionar ao destinatário do acto a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que praticou o acto, de forma a poder saber-se claramente as razões por que decidiu da forma que decidiu e não de forma diferente.

No presente art. 77.º [da LGT] estende-se o dever de fundamentação a todas as decisões de procedimentos tributários, pelo que ela é obrigatória mesmo nas decisões favoráveis aos sujeitos passivos dos tributos.

Esta exigência compreende-se em face da pluralidade de razões que impõem a exigência de fundamentação dos actos administrativos, que vão desde a necessidade de possibilitar ao administrado a formulação de um juízo consciente sobre a conveniência ou não de impugnar o acto, até à garantia da transparência e da ponderação da actuação da administração e à necessidade de assegurar a possibilidade de controle hierárquico e jurisdicional do acto.”

 

Ainda segundo estes autores (ibidem, p. 676), deve a fundamentação “consistir, no mínimo, numa sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão, ou numa declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.”

 

Como preconiza Joaquim Freitas da Rocha (Lições de Procedimento e Processo Tributário, 3.ª Edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, pp. 113-114), a fundamentação – “que, em geral, abrange quer o dever de motivação (i. é, a exposição das razões ou motivos justificativos da decisão, nomeadamente quando existirem espaços discricionários) quer o dever de justificação (ou seja, a referência ordenada aos pressupostos de facto e de direito que suportam essa mesma decisão)” – deve ser feita de forma oficiosa, completa, clara, atual e expressa, tendo em vista “permitir a um “destinatário normal” a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido prelo autor do acto para proferir a decisão. A falta destes requisitos – fundamentações incompletas, obscuras, abstractamente remissivas – bem assim como a falta da própria fundamentação, constitui ilegalidade, susceptível de conduzir à anulação do acto em causa, mediante meios graciosos ou contenciosos.”

 

Sendo certo que a fundamentação deve ser feita por via da sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, nada impede, todavia, que possa fazer-se por remissão e apropriação de anteriores pareceres, informações e propostas bem como para o relatório da inspeção tributária, como postula o n.º 1 do artigo 77.º da LGT, assumindo então a designação de fundamentação por remissão ou por referência (per relationem ou per remissionem), uma vez que está expressa num outro documento. Assim, como afirmam Paulo Marques e Carlos Costa (ob. cit., pp. 146-148), «devem ter-se por fundamentadas as liquidações derivadas das correcções da inspecção quando do relatório constam as razões dessa correcção e posterior liquidação. Nesse caso, para se saber se o acto da liquidação está ou não fundamentado, não pode o intérprete alhear-se do relatório da inspecção, uma vez que este constitui o culminar de um procedimento que um conceito amplo de liquidação necessariamente comporta. (…)

No plano do procedimento inspectivo tributário, admitindo a modalidade de fundamentação «per relationem» ou «per remissionem», o artigo 63.º, n.º 1, do RCPIT prevê que os actos tributários ou em matéria tributária que resultem do relatório poderão fundamentar-se nas suas conclusões, através da adesão ou concordância com estas, devendo em todos os casos a entidade competente para a sua prática fundamentar a divergência face às conclusões do relatório. (…)

A importância da motivação de facto e de direito constante do procedimento de inspecção tributária, posteriormente absorvida pela decisão tributária, compreende-se tendo em vista que o acto de liquidação stricto sensu representa o culminar e um extenso e complexo procedimento administrativo assente nos actos preparatórios praticados pelos serviços de inspecção tributária que integram o procedimento de liquidação lato sensu (artigo 11.º do RCPIT).»

 

Ora, se a fundamentação é, nos termos referidos, necessária e obrigatória, tal não pode nem deve ser entendido de uma forma abstrata e/ou absoluta, ou seja, a fundamentação exigível a um ato tributário concreto, deve ser aquela que funcionalmente é necessária para que aquele não se apresente perante o contribuinte como uma pura demonstração de arbítrio.

 

A este propósito e a título de exemplo, pois são múltiplas as decisões reiteradamente prolatadas no mesmo sentido, atentemos nas judiciosas considerações vertidas no acórdão do TCAS, proferido em 04.12.2012 no processo n.º 06134/12:

  “A fundamentação é um conceito relativo que pode variar em função do tipo legal de acto administrativo que estamos a examinar.

Tem sido entendimento constante da jurisprudência e da doutrina que determinado acto (no caso acto administrativo-tributário) se encontra devidamente fundamentado sempre que é possível, através do mesmo, descobrir qual o percurso cognitivo utilizado pelo seu autor para chegar à decisão final (cfr. ac. S.T.J. 26/4/95, C.J.-S.T.J., 1995, II, pág. 57 e seg.; A. Varela e outros, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª. edição, 1985, pág. 687 e seg.; Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1984, V, pág. 139 e seg.). Quer dizer. Utilizando a linguagem de diversos acórdãos do S.T.A. (cfr. por todos, ac. S.T.A-1.ª Secção, 6/2/90, A.D., nº. 351, pág. 339 e seg.) o acto administrativo só está fundamentado se um destinatário normalmente diligente ou razoável - uma pessoa normal - colocado na situação concreta expressada pela declaração fundamentadora e perante o concreto acto (que determinará consoante a sua diversa natureza ou tipo uma maior ou menor exigência da densidade dos elementos de fundamentação) fica em condições de conhecer o itinerário funcional (não psicológico) cognoscitivo e valorativo do autor do acto. Mais se dirá que a fundamentação pode ser expressa ou consistir em mera declaração de concordância de anterior parecer, informação ou proposta, o qual, neste caso, constitui parte integrante do respectivo acto (é a chamada fundamentação “per relationem” - cfr. art. 125.º do C.P. Administrativo).

Para apurar se um acto administrativo-tributário está, ou não, fundamentado impõe-se, antes de mais, que se faça a distinção entre fundamentação formal e fundamentação material: uma coisa é saber se a Administração deu a conhecer os motivos que a determinaram a actuar como actuou, as razões em que fundou a sua actuação, questão que se situa no âmbito da validade formal do acto; outra, bem diversa e situada já no âmbito da validade substancial do acto, é saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta actuação administrativa (cfr. ac. S.T.A.-2.ª Secção, 13/7/2011, rec. 656/11; ac. T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/6/2012, proc. 3096/09).

Se a fundamentação formal não esclarecer concretamente a motivação do acto, por obscuridade, contradição ou insuficiência, o acto considera-se não fundamentado (cfr. art. 125.º, n.º 2, do C.P. Administrativo). Haverá obscuridade quando as afirmações feitas pelo autor da decisão não deixarem perceber quais as razões porque decidiu da forma que decidiu. Por outras palavras, os fundamentos do acto devem ser claros, por forma a colher-se com perfeição o sentido das razões que determinaram a prática do acto, assim não sendo de consentir a utilização de expressões dúbias, vagas e genéricas. Ocorrerá contradição da fundamentação quando as razões invocadas para decidir, justificarem não a decisão proferida, mas uma decisão de sentido oposto (contradição entre fundamentos e decisão), e quando forem invocados fundamentos que estejam em oposição com outros. Por outras palavras, os fundamentos da decisão devem ser congruentes, isto é, que sejam premissas que conduzam inevitavelmente à decisão que funcione como conclusão lógica e necessária da motivação aduzida. Por último, a fundamentação é insuficiente se o seu conteúdo não é bastante para explicar as razões por que foi tomada a decisão. Por outras palavras, a fundamentação deve ser suficiente, no sentido de que não fiquem por dizer razões que expliquem convenientemente a decisão final (cfr. Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol. I, Almedina, 1991, pág. 477 e seg.; Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol. II, Almedina, 2001, pág. 352 e seg.; Diogo Leite de Campos e outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Vislis, 2003, pág. 381 e seg.; ac. T.C.A.Sul-2.ª Secção, 2/12/2008, proc. 2606/08; ac. T.C.A.Sul-2.ª Secção, 10/11/2009, proc. 3510/09; ac. T.C.A.Sul-2.ª Secção, 19/6/2012, proc. 3096/09).”

 

32. Volvendo ao caso concreto, resulta do RIT atinente ao procedimento inspetivo de que foi alvo a C... que os Serviços de Inspeção Tributária da AT fundamentaram de facto e de direito a correção em apreço efetuada à matéria tributável de IRC do exercício de 2013.

 

Ademais, quer a mencionada reclamação graciosa, quer o próprio pedido de pronúncia arbitral são as provas inequívocas de que a Requerente é perfeitamente conhecedora do itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela AT relativamente à correção em apreço efetuada à matéria tributável de IRC do ano de 2013, conhecendo pois as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, o que lhe permitiu optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do ato ou o acionamento dos meios legais de impugnação e, nesse âmbito, rebater exaustivamente a atuação da AT; não concordar com o teor da fundamentação e pretender, por isso, aquilatar da sua correção jurídico-legal, constitui uma questão que já nada tem a ver com a ausência ou insuficiência da fundamentação, mas sim com a validade substancial do respetivo ato.  

 

Nestes termos, afigura-se-nos que a correção em análise e, por consequência, o ato de liquidação adicional de IRC controvertido devem considerar-se devidamente fundamentados quer de facto quer de direito.

 

Consequentemente, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o arguido vício de forma radicado na alegada falta de fundamentação.

 

A. A CORREÇÃO EFETUADA PELA AT: DO VÍCIO DE VIOLAÇÃO DO ARTIGO 23.º, N.º 1, DO CÓDIGO DO IRC 

33. O artigo 23.º do Código do IRC estabelece o princípio geral atinente à dedutibilidade fiscal dos custos suportados pelas entidades sujeitas a este imposto, procedendo a uma enumeração meramente exemplificativa de encargos que podem ser considerados custos ou perdas.

 

Os custos ou perdas da empresa são os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa; com efeito, decorre do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC, que é necessário comprovar a ocorrência e a indispensabilidade de tais gastos e, em seguida, é imperioso ligar à necessidade de assumir esses encargos com a realização dos proveitos ou ganhos em cada exercício ou com a manutenção da fonte produtora, isto é, com a continuidade da pessoa coletiva, exercendo a atividade a que se propôs.

 

No que concerne ao requisito da comprovação, para que um custo comprovado seja dedutível fiscalmente em sede de IRC, não basta a apresentação de documentos justificativos é ainda necessário que esses documentos constem da contabilidade do sujeito passivo, tenham efetivamente servido de suporte às operações e transações realizadas e sejam indispensáveis à realização dos proveitos e cumpram as exigências formais decorrentes da lei.

 

No concernente ao requisito da indispensabilidade de um custo, têm a jurisprudência e a doutrina entendido que é um conceito indeterminado, sendo necessário o preenchimento casuístico que passa pela análise na perspetiva económica e empresarial, na perceção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um encargo e a sua realização no interesse da empresa, atenta a sua atividade, sendo vedado à Administração Fiscal atuações que coloquem em crise o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo.

 

Até ao exercício de 2013, inclusive, a conformação legal da relação entre gastos e a finalidade de obtenção ou realização de rendimentos sujeitos a imposto (IRC) apelava de forma expressa ao critério da indispensabilidade. A aplicação do conceito de indispensabilidade como condição delimitativa da dedutibilidade fiscal em IRC suscitou algumas divergências que, ao longo dos anos, foram dirimidas pela via jurisprudencial e promoveram, conjuntamente com a doutrina, uma maior densificação deste conceito. 

 

                Como afirmava Saldanha Sanches (Os Limites do Planeamento Fiscal, Coimbra, Coimbra Editora, 2006, pp. 215-216), é “no referido conceito de indispensabilidade que reside a problemática essencial da consideração dos custos empresariais e que repousa um dos principais pontos de distinção entre o custo efetivamente incorrido no interesse coletivo da empresa e o que pode resultar apenas do interesse individual do sócio, de um grupo de sócios ou do seu conjunto e que não pode, por isso, ser considerado custo”, acrescentando que “o requisito da indispensabilidade dos custos para a formação dos proveitos deve ser aferido por critérios de racionalidade económica face aos objetivos estatutários”.

 

                É hoje relativamente consensual que a concretização da cláusula geral da indispensabilidade dos gastos não implica um juízo de oportunidade e mérito sobre a realização dos mesmos.

 

Tal noção, como consta da fundamentação do acórdão do STA (pleno) de 15.06.2011, proferido no processo n.º 049/11 – tem de ser interpretada como “um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspetiva económica empresarial, na perceção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um custo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objeto societário do ente comercial em causa, sendo vedadas à Administração Fiscal atuações que coloquem em crise o princípio de liberdade de gestão e autonomia da vontade do sujeito passivo”.

 

Deste modo, a “Administração só pode excluir gastos não diretamente afastados pela lei debaixo de uma forte motivação que convença de que eles foram incorridos para além do objetivo social, ou seja, na prossecução de outro interesse que não o empresarial, ou, ao menos, com nítido excesso, desviante, face às necessidades e capacidades objetivas da empresa”, conforme preconizado pelo acórdão do STA de 29.03.2006, proferido no processo n.º 01236/05.

 

O que significa, na explicitação do acórdão do STA de 30.11.2011, proferido no processo n.º 0107/11, que “a indispensabilidade entre custos e proveitos deva ser aferida a partir de um juízo positivo de subsunção na atividade societária: os custos indispensáveis equivalerão aos gastos contraídos no interesse da empresa (…). Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a atividade da empresa (…). A indispensabilidade não pode porém ser aferida à luz de critérios de oportunidade e mérito. E fora do conceito de indispensabilidade ficarão apenas os atos desconformes com o escopo social, aqueles que não se inserem no interesse da sociedade, sobretudo porque não visam o lucro.”

 

Rejeita-se, deste modo, o entendimento de que a indispensabilidade se reconduz à exigência de uma relação de causalidade necessária e direta entre gastos e rendimentos (antes, custos e proveitos) – vide acórdãos do STA de 24.09.2014, proferido no processo n.º 0779/12, de 15.11.2017, proferido no processo n.º 0372/16, e de 28.06.2017, proferido no processo n.º 0627/16. Este último aresto considera “definitivamente arredada uma visão finalística da indispensabilidade (enquanto requisito para que os custos sejam aceites como custos fiscais), segundo a qual se exigiria uma relação de causa efeito, do tipo conditio sine qua non, entre custos e proveitos, de modo que apenas possam ser considerados dedutíveis os custos em relação aos quais seja possível estabelecer uma conexão objetiva com os proveitos”.

 

A ligação deve ser, pois, feita entre os gastos e a atividade desenvolvida pelo contribuinte; como resulta do vertido no acórdão do STA de 28.06.17, proferido no processo n.º 627/16, “[e]m regra, portanto, a dedutibilidade fiscal depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a atividade produtiva da empresa» (Tomás Castro Tavares, Da Relação..., loc. cit., pág. 136). Dito de outro modo, só não serão indispensáveis os custos que não tenham relação causal e justificada com a atividade produtiva da empresa.”. 

 

O desenvolvimento da jurisprudência e da doutrina firmou, desta forma, a relação causal genérica do gasto à atividade globalmente considerada (superando o nexo estrito gasto-rendimento) e vincou o afastamento da avaliação, por parte da Administração, do acerto, conveniência ou oportunidade das decisões empresariais e de gestão dos entes corporativos.

 

Em suma, um custo, para ser relevante fiscalmente, tem de ser afeto à exploração, no sentido de que deve existir uma relação causal entre tal custo e os proveitos da empresa. Mas isso não significa «que essa relação é uma relação de causalidade necessária, uma conditio sine qua non ou de resultados concretos obtidos com o ato, tendo sim em conta as normais circunstâncias do mercado, considerando o risco normal da atividade económica, em termos de adequação económica do ato à finalidade da obtenção de resultados» (acórdão do TCAS de 02.02.2010, proferido no processo n.º 03669/09).    

 

34. Nesta conformidade, a questão do ónus da prova da indispensabilidade do custo afigura-se independente da presunção de veracidade da contabilidade corretamente organizada (cf. artigo 75.º, n.º 1, da LGT), uma vez que não se questiona a veracidade – ou seja, a existência e montante – do custo contabilizado mas a sua relevância, face à lei, para efeitos fiscais, isto é a sua qualificação como custo dedutível.

 

E se a AT duvidar fundadamente da inserção no interesse societário de determinado custo, impende sobre o contribuinte o ónus da prova de que tal operação se insere no respetivo escopo societário (cf., neste sentido e entre outros, o acórdão do STA de 29.03.2006, proferido no processo n.º 01236/05, o acórdão do TCAS de 17.07.2007, proferido no processo n.º 01107/06 e o acórdão do TCAN de 21.03.2019, prolatado no processo n.º 00196/05.5BECBR).

 

Como é afirmado no acórdão do TCAS de 02.02.2010, proferido no processo n.º 03669/09, «se a contabilidade organizada goza da presunção de veracidade e, por isso, cabe à AT o ónus de ilidir essa presunção, demonstrando que os factos contabilizados não são verdadeiros, já no que respeita à qualificação das verbas contabilizadas como custos dedutíveis, cabe ao contribuinte o ónus da prova da sua indispensabilidade para a obtenção dos proveitos ou para a manutenção da força produtora, se a AT questionar essa indispensabilidade.

É que em tal desiderato, o encargo da prova deve recair sobre quem, alegando o facto correspondente, com mais facilidade, pode documentar e esclarecer as operações e a sua conexão com os proveitos (cfr. ac. do TCA, de 26/6/2001, Rec. n.º 4736/01). Na esteira do Cons. Jorge Lopes de Sousa (Código de Procedimento e Processo Tributário Anotado, 2.ª edição, pág. 470), «o ónus de prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. Embora esta regra (art. 74.°/1 LGT) esteja prevista para o procedimento tributário, o seu conteúdo deve ser transposto para o processo judicial que se lhe seguir, por forma a que quem tinha o ónus da prova no procedimento tributário tenha o respectivo ónus no processo judicial tributário...».»  

 

35. Voltando ao caso concreto, temos desde logo por assente que a AT não questionou a existência e a veracidade dos custos suportados pela C..., no valor de € 470.023,24, com as viagens em aviões a jato privado.    

 

Com efeito, a posição preconizada pela AT vai num sentido diferente, questionando a conexão daqueles custos com a atividade empresarial e, por via disso, a indispensabilidade dos mesmos para a obtenção dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora; efetivamente, o que se verifica relativamente aos custos em apreço é a inexistência de elementos reveladores da conexão entre as viagens em aviões a jato privado e a sua indispensabilidade para a obtenção de proveitos ou para a manutenção da fonte produtora, bem tendo andado a AT ao não os considerar como custos fiscais, sendo que não está aqui em causa a exigência, por parte da AT, de «um verdadeiro mapa de deslocações, como se se tratasse de uma compensação por deslocação em viatura própria do trabalhador», «ao abrigo do disposto na alínea f) do n.º 1 do artigo 45.º [do CIRC] na redação em vigor à data» (cf. artigos 119.º e 127.º do PPA).

 

Ademais, como resulta do acima dito, tendo a AT questionado a indispensabilidade dos custos para a obtenção de proveitos ou para a manutenção da fonte produtora, impendia sobre a Requerente o ónus da prova de que tais custos eram indispensáveis e se inseriam no respetivo escopo societário; tal prova, manifestamente, não foi feita, não tendo, pois, a Requerente demonstrado cabalmente que as despesas em apreço constituíam custos indispensáveis e destinados à realização de proveitos ou orientados para a manutenção da fonte produtora.

 

Importa salientar que seria relativamente fácil à Requerente cumprir com o ónus probatório que sobre si impendia, pois se há setor que é objeto de exaustivas medidas de segurança e controlo, nacionais e internacionais, é o da aviação; por isso, sem dificuldade alguma, a Requerente poderia ter obtido e apresentado documentos atinentes a cada uma das viagens em aviões a jato privados, realizadas no ano de 2013, designadamente comprovativos dos respetivos locais de origem e de destino, das respetivas datas de partida e de regresso e de quem foram os respetivos utilizadores/passageiros.

 

Nestes termos, as despesas suportadas pela C..., no valor de € 470.023,24, com as viagens em aviões a jato privado, terão de ser desconsideradas como custo fiscal e, nessa medida, não se verifica que a correção em apreço e, portanto, a liquidação adicional de IRC controvertida e o ato de indeferimento da dita reclamação graciosa padeçam do apontado vício de violação do artigo 23.º, n.º 1, do Código do IRC; consequentemente, nesta parte o pedido de pronúncia arbitral tem necessariamente de soçobrar.     

*

36. A finalizar, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras. 

***

IV. DECISÃO

                Nos termos expostos, acordam neste Tribunal Arbitral em julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente:

a)            Declarar ilegal e anular a liquidação de IRC n.º 2018..., datada de 12.02.2018, referente ao exercício de 2013, na parte em que decorre da correção efetuada aos gastos de financiamento suportados pela Requerente, no valor de € 2.878.225,32, com as legais consequências;

b)           Declarar ilegal e anular o ato de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2018..., na parte referente à correção efetuada aos gastos de financiamento suportados pela Requerente, no valor de € 2.878.225,32, com as legais consequências; 

c)            Absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira do pedido na parte relativa à correção atinente aos custos suportados pela C..., no valor de € 470.023,24, com as viagens em aviões a jato privados, com as legais consequências;

d)           Condenar ambas as partes no pagamento das custas do presente processo, na proporção dos respetivos decaimentos que se fixa em 14,04% para a Requerente e 85,96% para a Requerida.

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VALOR DO PROCESSO

Em conformidade com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de € 3.348.248,56 (três milhões trezentos e quarenta e oito mil duzentos e quarenta e oito euros e cinquenta e seis cêntimos).

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CUSTAS

Em conformidade com o acima decidido e nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT e no artigo 4.º, n.º 4, e na Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o montante das custas é fixado em € 42.534,00 (quarenta e dois mil quinhentos e trinta e quatro euros), cujo pagamento fica a cargo de Requerente e Requerida na proporção, respetivamente, de 14,04% e de 85,96%.

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Notifique.

 

Lisboa, 18 de dezembro de 2019.

 

Os Árbitros,

 

(Carlos Fernandes Cadilha)

 

(Ricardo Rodrigues Pereira – Relator)

 

(José Ramos Alexandre)