Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 239/2019-T
Data da decisão: 2019-11-15  Selo  
Valor do pedido: € 19.910,85
Tema: IS - Operações financeiras. Juros de mora em contratos de crédito à habitação. Operações de pagamento com cartões. Utilização de ATM´s. Aplicação da lei no tempo.
Versão em PDF

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I.             RELATÓRIO

No dia 1 de abril de 2019, a A..., C.R.L., NIPC ..., com sede na Rua ..., n.º..., ...-... em ... (doravante designada por Requerente), veio, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT) e 1.º e 2.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março (Portaria de vinculação), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT ou Requerida), informando não pretender utilizar a faculdade de designar árbitro.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exm.º Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT, e, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou a signatária como árbitro do tribunal arbitral singular, encargo aceite no prazo aplicável, sem oposição das Partes.

A.           Objeto do pedido:

A pretensão da Requerente, objeto do pedido de pronúncia arbitral, a é declaração de ilegalidade e consequente anulação, dos seguintes atos:

a.            Decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa no âmbito do Processo n.º ...2018..., da Direção de Finanças de ... (objeto imediato);

b.            Liquidações de Imposto do Selo e de juros compensatórios com o n.º 2018..., da quantia de € 10 373,26 e n.º 2018..., no valor de € 9 537,53, respetivamente, referentes aos anos de 2014 e 2015, no montante global de € 19 910,85 (objeto mediato).

B. Síntese da posição das Partes

a.            Da Requerente:

As liquidações adicionais referentes aos anos de 2014 e de 2015, foram emitidas pela AT na sequência de um procedimento de inspeção tributária e incidiram sobre (i) juros de mora cobrados em sede de crédito habitação pela Requerente aos titulares do crédito, ao abrigo do contrato de mútuo previamente negociado e assinado, (ii) taxa de serviço ao comerciante (TSC), cobrada pela Requerente aos comerciantes, pela cessão de crédito realizada quando os clientes destes efetuam os pagamentos na loja ou superfície comercial através de um Terminal de Pagamento Automático (TPA), mediante a qual a Requerente adquire o crédito do comerciante (cessão de créditos) assumindo o risco de recebimento perante o banco do titular do cartão do pagamento, (iii) taxa multilateral de intercâmbio (interchange fee), descontada pelo banco do titular do cartão de pagamento à Requerente aquando da transferência do crédito anteriormente realizado e (iv) taxas ATM, cobradas nas operações realizadas em caixas automáticas (pagamentos, transferências, levantamentos de numerário).

A Requerente não liquida Imposto do Selo sobre os juros de mora que cobra aos titulares de crédito habitação, dado que os juros constantes da verba 17.3.1 da TGIS são isentos nos termos da alínea l) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS.

No entanto, ao abrigo de uma interpretação errónea no que respeita à norma de incidência e à norma de isenção, a AT veio proceder a uma correção indevida.

A Requerente, quando procede à cobrança da TSC aos Comerciantes, não liquida IS, dado que a cessão de créditos, sem recurso, como é o caso desta taxa, não está sujeita a imposto, por não integrar a norma de incidência da verba 17.1 da TGIS, aplicável apenas à concessão de crédito e à cessão de crédito com recurso.

A AT, defendendo tratar-se de uma comissão bancária subsumível na regra de incidência da verba 17.3.4 da TGIS, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março (Lei do OE 2016), a que foi atribuído caráter interpretativo, veio proceder à correção indevida no valor de € 2 301,47.

Por seu turno, a interchange fee, cobrada pelo banco emissor do cartão à Requerente na qualidade de adquirente do crédito, não integra as normas de incidência constantes do Código do Imposto do Selo e da Tabela Geral do Imposto do selo (TGIS), ao contrário do que considerou a AT.

A Taxa ATM é cobrada pelo banco titular do caixa automático ao banco emissor do cartão, ao abrigo de uma convenção interbancária de cooperação recíproca de todos os bancos pelas operações realizadas pelo cliente bancário em regime de autosserviço, sem que exista qualquer relação contratual do banco do ATM com o titular do cartão.

Contrariamente ao entendimento da AT, a Requerente entende que a cobrança da taxa ATM não integra a norma de incidência constante da verba 17.3.4, da TGIS, porquanto não configura qualquer remuneração por um serviço financeiro, mas antes de “meras repartições dos custos do sistema interbancário”.

Porém, ainda que a interchange fee e as taxas ATM pudessem ser qualificadas como prestações por serviços financeiros entre bancos, subsumíveis na norma de incidência prevista na verba 17.3.4, da TGIS, sempre as mesmas beneficiariam da isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, não obstante a redação do n.º 7 daquele artigo, introduzida pela Lei OE 2016, em momento posterior aos factos que deram origem às liquidações impugnadas.

Termina a Requerente por pedir a restituição do imposto e juros compensatórios indevidamente pagos, acrescida de juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º e 100.º, da LGT.

b.            Da Requerida:

Notificada nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º, do RJAT, a AT apresentou resposta na qual veio defender a legalidade e a manutenção dos atos de liquidação objeto do presente pedido de pronúncia arbitral, com os seguintes fundamentos:

                Quanto à sujeição a Imposto do Selo dos juros de mora por incumprimento de contratos de crédito à habitação, defende a AT a sua não inclusão na isenção prevista na alínea l) do n.º 1 do artigo 7.º, do Código do Imposto do Selo, pois parte do pressuposto de que o legislador atendeu aos “ditames da boa-fé, objetiva e subjetiva, de acordo com os quais os intervenientes cumprirão pontualmente os contratos celebrados”, o mais consentâneo com o “objectivo legislativo da isenção sob apreço, enquanto elemento justificador da despesa fiscal do Estado, contraída com a salvaguarda do interesse público de defesa do direito constitucional à habitação”.

                Assim, considera a AT que a norma da alínea l) do n.º 1 do artigo 7.º, do CIS, deverá ser objeto de interpretação restritiva, havendo que diferenciar “os casos de cumprimento contratual (merecedores da isenção, incentivadora do crédito habitacional e cumprimento contratual do mesmo), dos casos patológicos de incumprimento que, como parece evidente, não merecem o mesmo incentivo”, pois a isenção configura um benefício fiscal, e estes são medidas de carácter excepcional, instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes e que sejam superiores aos da tributação que impedem.

A AT defende igualmente que não se poderá contra-argumentar que a interpretação restritiva de normas que consagram benefícios fiscais é inadmissível ou carece de suporte legal, pois estas inscrevem-se no domínio da reserva de lei fiscal, assim impedindo a sua aplicação analógica – sendo, ao mesmo tempo, de admitir a sua interpretação extensiva e, “por igualdade ou maioria de razão, restritiva”.

Devendo, por isso, concluir-se que a alínea l) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS visa isentar do imposto do selo, exclusivamente, os juros remuneratórios originários da execução regular do contrato de crédito à habitação, ficando os juros moratórios devidos pelo não cumprimento pontual do contrato de crédito à habitação sujeitos a imposto do selo, ao abrigo da verba 17.3.1 da TGIS, não sendo subsumíveis na isenção prevista na alínea l) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS.

No que respeita à TSC, defende a Requerida que esta, de acordo com a definição dada pelo Banco de Portugal, configura uma comissão cobrada pelo Banco (prestador do serviço) ao comerciante, recebendo este de imediato o seu crédito reduzido pela retenção de determinadas importâncias que o Banco tem por devidas – situação de substituição com retenção –, subsumível no n.º 3 do artigo 28.º, da LGT, de acordo com o qual “o substituído é apenas subsidiariamente responsável pelo pagamento da diferença entre as importâncias que deveriam ter sido deduzidas e as que efetivamente o foram”.

Conclui a AT ser a Requerente a principal responsável pelo imposto que não foi entregue ao Estado, não merecendo a liquidação contestada qualquer censura e devendo manter-se vigente.

No que respeita às operações de pagamento em TPA, a Requerente cita o “caderno n.º 10” do Banco de Portugal, no qual se refere que “o adquirente (acquirer) paga ao comerciante e cobra-lhe uma comissão (taxa de serviço do comerciante)”.

No entanto, conclui a Requerida, não se pode defender que o adquirente adquire o crédito dos comerciantes que aceitam pagamentos com cartões de crédito e de débito, mas antes que presta o serviço de disponibilização do terminal de pagamento automático, sendo remunerado por tal serviço, pois “As TSC são comissões cobradas aos beneficiários de operações de pagamento (em regra, os comerciantes) pelos respetivos prestadores de serviços de pagamento, por cada transação realizada com cartão nos terminais de pagamento automático (TPA). Normalmente, a TSC corresponde a uma percentagem do valor da transação, embora nalguns casos possa ser um valor fixo. As TSC constituem uma forma de remunerar o prestador de serviços de pagamento, com quem o beneficiário de operações de pagamento celebra um contrato de utilização de TPA, pela aceitação das marcas de pagamento e pela garantia de que os fundos são recebidos pelo beneficiário” (disponível para consulta em https://www.bportugal.pt/perguntas-frequentes/258).

Segundo a Requerida, estar-se-á perante uma prestação de serviços, remunerada com o pagamento de uma comissão a quem disponibiliza o terminal de pagamento automático, abrangida pelas normas de incidência da verba 17.3.4, da TGIS, na redação dada pelo artigo 153.º, Lei n.º 7-A/2016, de 30/03, segundo a qual são tributáveis “Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros, incluindo as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões”, dado o caráter verdadeiramente interpretativo que lhe foi dado pelo artigo 154.º, da mesma Lei.

Conclui a AT que a norma da verba 17.3.4, da TGIS, que serviu de base à liquidação impugnada, no que respeita às operações de pagamento em TPA, não viola os princípios constitucionais da capacidade contributiva ou da proibição da retroatividade da lei fiscal, invocados pela Requerente.

Quanto ao segmento da liquidação referente à taxa multilateral de intercâmbio e às comissões por operações com cartões em caixas automáticas, a Requerida defende que, embora realidades distintas, ambas configuram comissões recebidas pela Requerente por prestações de serviços financeiros, sujeitas a IS, conforme as normas de incidência subjetiva e objetiva já citadas.

A AT carateriza o funcionamento das operações de pagamento em TPA´s como um sistema quadripartido entre A) titular do cartão, B) o banco deste, C) comerciante e D) o banco do comerciante, em que apenas tem relevância fiscal a relação estabelecida entre B e D, ou seja, entre o banco do “cliente”, que usa o TPA, e o banco do “comerciante” que disponibiliza a possibilidade de pagamento por TPA.

Assim, o “banco do comerciante” paga ao “banco do cliente” uma taxa pela utilização do TPA (amputando os proveitos do “comerciante”, transferindo-lhe uma importância inferior à que foi efetivamente suportada pelo cliente, ou seja, inferior ao preço estipulado entre cliente e comerciante), chamada de “taxa de intercâmbio”.

Se a amputação do preço pago ao cliente não corresponde à contraprestação pela venda de um produto, corresponderá à prestação de um serviço financeiro, sujeita objetiva e subjetivamente a Imposto do Selo.

Por sua vez, o banco do “cliente”, recebendo deste a ordem de pagamento de determinada quantia sobre a sua conta bancária, paga ao banco do “comerciante” uma quantia inferior, descontando a taxa de intercâmbio.

Quanto à questão da utilização das caixas ATM, admite a Requerente tratar-se de um serviço que não se poderá equacionar que não seja um serviço financeiro, enquadrável nas normas de incidência do Imposto do Selo.

Subsidiariamente, argumenta o Requerente que tais operações sempre estariam isentas nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, sendo irrelevante que ao n.º 7, do citado artigo, aditado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março (Lei do Orçamento do Estado para 2016) tenha sido atribuído caráter interpretativo.

No entanto, considera a Requerida que não se coloca a questão da inconstitucionalidade do n.º 7 do artigo 7.º, do CIS, por violação do princípio da proibição da retroatividade da lei fiscal, a que alude o n.º 3 do artigo 103.º, da Constituição da República Portuguesa, por se tratar de uma norma verdadeiramente interpretativa, ao consubstanciar uma mera explicitação de uma norma anterior, em que que o legislador se limitou a esclarecer um conceito pré-existente, fazendo uma interpretação autêntica, justificada e motivada pelo facto de não ser inequívoca e unânime a leitura que se fazia de um preceito legal.

Conclui a Requerida que a isenção prevista na alínea e) do n,º 1 do artigo 7.º, do CIS, não aproveita à Requerente, devendo improceder a sua pretensão.

Defendendo a manutenção das liquidações de Imposto do Selo objeto do pedido de pronúncia arbitral, advoga a Requerida que também não serão devidos os juros solicitados.

*

Por despacho arbitral de 3 de setembro de 2019, foi dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18.º, do RJAT, determinando-se que o processo prosseguisse com alegações escritas sucessivas pelo prazo de 15 dias com início na Requerente.

Foi designado o dia 15 de novembro de 2019 como data para a prolação da decisão final, advertindo-se a Requerente de que, até essa data, deveria dar cumprimento ao disposto no n.º 3 do artigo 4.º, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

A Requerente apresentou alegações escritas no prazo designado, nas quais reiterou os argumentos aduzidos no pedido de pronúncia arbitral.

A Requerida não produziu alegações.

 

II. SANEAMENTO

1.            O tribunal arbitral singular é competente e foi regularmente constituído em 18 de fevereiro de 2019, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro.

2.            As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

3. Não foram invocadas exceções que cumpra apreciar e decidir.

4.            O processo não padece de vícios que o invalidem.

5.            A cumulação de pedidos é admissível, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 3.º, do RJAT, na medida em que o pedido de pronúncia arbitral formulado, e a respetiva procedência, dependem da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito, como acontece no caso dos autos.

 

III.          FUNDAMENTAÇÃO

III.1 MATÉRIA DE FACTO

A – FACTOS PROVADOS

1.            A Requerente é uma instituição de crédito sob a forma de cooperativa de responsabilidade limitada, nos termos do artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 24/91, de 11.01, e da alínea c) do artigo 3.º, do Decreto-Lei n.º 298/92, de 31.12, tendo como objeto social a concessão de crédito e a prática dos demais atos inerentes à atividade bancária, de acordo com a legislação aplicável, estando enquadrada no CAE 64190 – outra intermediação monetária (págs. 8 e 9 do Relatório da Inspeção Tributária – RIT, junto à PI como doc. 6, que se dá como reproduzido);

2.            Ao abrigo das ordens de serviço n.ºs OI2017... e OI2017..., a Direção de Finanças de ... promoveu um procedimento de inspeção externo, que teve por objeto “aferir da liquidação e entrega ao Estado do imposto do selo que incide sobre um conjunto de operações bancárias, tais como, réditos dos juros de mora dos créditos à habitação e comissões bancárias (taxa de serviço do comerciante, taxa multilateral de intercâmbio e comissões cobradas pela A... de ..., CRL na qualidade de detentora de Caixas Automáticos às instituições bancárias emissoras dos cartões bancários, pelas operações efetuadas nessas Caixas Automáticos”, relativamente aos anos de 2014 e de 2015 (pág. 7 do RIT);

3.            No âmbito do referido procedimento de inspeção tributária, foram efetuadas as correções técnicas meramente aritméticas constantes dos quadros infra:

 

4.            Foi a seguinte a fundamentação da inspeção tributária para as correções efetuadas em sede de imposto do selo dos anos de 2014 e de 2015:

a.            Juros de mora do crédito à habitação: “A alínea l) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo (CIS) consagra que se encontram isentos de Imposto do Selo os “juros cobrados por empréstimos para aquisição, construção, reconstrução ou melhoramento de habitação própria”. Neste sentido, estes juros, embora sujeitos, estão isentos de imposto do selo.

No entanto, no que se refere aos juros de mora do crédito à habitação, o artigo 7.º do CIS é omisso, pelo que importa aferir se estes se encontram abrangidos pela isenção acima evidenciada.

É entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), vertido na ficha doutrinária referente aos “juros de mora decorrentes do incumprimento de empréstimos para habitação própria – inaplicabilidade da isenção prevista no artigo referenciado”, que “a desoneração tributária em imposto do selo dos juros associados ao produto financeiro do crédito à habitação funda-se, atento o pilar da boa-fé estruturante do comércio jurídico, na premissa do pontual cumprimento das cláusulas contratuais acordadas.

Atentas as tipologias de juros conceptualizadas, somente os juros remuneratórios possuem a virtualidade de respeitar a identificada premissa, porquanto constituem a retribuição inerente à disponibilização do crédito pela instituição de crédito, cujas prestações, observando-se o cumprimento pontual do contrato, se vencem com as fases de restituição regular do capital mutuado.

Por oposição, os juros moratórios assumem cariz indemnizatório, derivando da irregular execução do contrato de crédito, realidade que os distancia do propósito ínsito na isenção em apreço, mormente, da assunção pelo Estado da despesa fiscal relativa ao incentivo à aquisição de habitação própria, fundada na observância pelas partes contratuais do exercício dos seus direitos e do cumprimento atempado das suas obrigações.

A previsão do artigo 7.º, n.º 1, alínea l), do CIS visa isentar do imposto do selo, exclusivamente, os juros remuneratórios originários da execução regular do contrato de crédito à habitação, não obstante a proposição legalmente adotada omitir a menção ao tipo de juros suscetível de beneficiar da isenção.

Os juros moratórios devidos pelo não cumprimento pontual do contrato de crédito à habitação estão sujeitos a imposto do selo ao abrigo da verba 17.2.1 da TGIS, não sendo subsumíveis na isenção positivada no artigo 7.º, n.º 1, alínea l), do CIS.”.

(…)

Assim os juros moratórios (e outros que não os remuneratórios) devidos pelo não cumprimento pontual do contrato de crédito à habitação estão sujeitos e não isentos de imposto do selo ao abrigo da verba 17.3.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS)”.

Foi apurado Imposto do Selo em falta, relativo a juros de mora de crédito à habitação da quantia de € 843,44 para o ano de 2014 e de € 18,78 para o ano de 2015 (Págs. 10 a 14 do RIT);

b.            Taxa de serviço de comerciante: “O Banco de Portugal define a taxa de serviço de comerciante (TSC) como uma “comissão que o comerciante paga ao acquirer quando realiza uma transação que o cliente liquida com cartão. Normalmente é uma percentagem do valor da venda, embora nalguns casos possa ser um valor fixo. Em Portugal a TSC é diferente consoante se trate de uma operação a débito ou a crédito e varia com o tipo de cartão e as marcas associadas”.

Por sua vez, e de acordo com a mesma instituição, o adquirente (acquirer) é “a entidade que adquire os créditos dos comerciantes que aceitam os cartões de crédito e de débito e à qual aos comerciantes transmitem os dados relativos à transação. O adquirente, que contrata com o comerciante a aceitação da marca que representa e que autoriza a realização da transação pelo cliente é também responsável pela compilação da informação relativa à transação e respetiva liquidação aos comerciantes. Depois de pagar, ou seja, adquirir o crédito) ao comerciante, o adquirente é reembolsado pela entidade emitente. O adquirente remunera a entidade emitente através de uma comissão que se designa por interchange fee”.

(…)

Podemos, então, concluir que a taxa de serviço de comerciante é uma comissão/taxa que é paga pelo comerciante ao adquirente do sistema de pagamento (…) por vendas liquidadas com cartão bancário pelo cliente (do comerciante) nos TPA.

(…)

O n.º 1 do artigo 1.º do CIS dispõe que “o imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, livros, papéis e outros factos previstos na Tabela Geral”. Por sua vez, o seu n.º 2 estabelece que “não são sujeitas a imposto as operações sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado e dele não isentas”.

Ora, verifica-se que o legislador pretendeu evitar a sobreposição de tributações, afastando da incidência do imposto do selo, as operações financeiras que se encontrem sujeitas e não isentas de IVA.

No caso concreto da taxa de serviço de comerciante, estamos perante uma comissão que está sujeita a IVA, mas dele isenta ao abrigo da alínea c) do n.º 27 do artigo 9.º do Código do IVA.

Assim sendo, a comissão em apreço encontra-se sujeita a imposto do selo, nos termos das normas citadas, caso se encontre prevista na TGIS.

Constituindo normas de incidência objetiva do imposto do selo as verbas previstas na respetiva TGIS, importa, em primeiro lugar, analisar as verbas aí constantes. Ora, de acordo com a verba 17.3.4, com a redação em vigor à data das operações, o imposto do selo incide sobre comissões e contraprestações por serviços financeiros cobradas nas operações realizadas por ou com a intermediação de instituições financeiras.

O artigo 153.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março (vulgarmente designada por Lei do Orçamento do Estado para 2016) procedeu à alteração da redação da verba 17.3.4 da TGIS, passando a consagrar que este imposto incide sobre “outras comissões e contraprestações por serviços financeiros, incluindo as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões”. Por sua vez o artigo 154.º da Lei citada atribuiu caráter interpretativo a esta norma (…) sendo esta interpretação vinculativa.”

Foi apurado Imposto do Selo em falta relativo à taxa de serviço de comerciante pelas quantias de € 862,82 para o ano de 2014 e de € 1 438,65, para o ano de 2015 (págs. 16 a 21 do RIT);

c.            Taxa multilateral de intercâmbio e comissões sobre operações efetuadas com cartões bancários em Caixas Automáticos: “O Banco de Portugal, como entidade de supervisão e de regulação das instituições de crédito e outras entidades financeiras, publicou o ser Caderno n.º 10 relativo a Terminais de Pagamento e Caixas Automáticos (CA).

No que respeita ao terminal de Pagamento Automático (TPA), este é definido como (…) um dispositivo de aceitação de cartões que permite realizar pagamentos por via eletrónica. Efetua a leitura dos dados do cartão para autorização da operação e recolha dos elementos da transação para processamento. Possibilita ainda a autenticação eletrónica da operação (digitação do código secreto) e a emissão de talões com informação sobre os dados da transação” – página 7.

(…)

Nesta publicação, o Banco de Portugal vem esclarecer a forma como é efetuado um pagamento no TPA, operação composta pelas seguintes fases: a) O titular do cartão dá uma ordem de pagamento relativa à liquidação de uma compra ao comerciante, através da utilização do seu cartão no TPA, que autentica através da marcação de um código secreto ou assinatura; b) A informação é transmitida pelo adquirente ao emissor do cartão, pedindo a respetiva autorização; c) O emissor do cartão dá uma “garantia” de pagamento através de uma autorização; d) O adquirente paga ao comerciante e cobra-lhe uma comissão, designada por taxa de serviço do comerciante; e) O adquirente é depois reembolsado pelo emissor do cartão e paga-lhe uma comissão intitulada de taxa multilateral de intercâmbio (ou multilateral interchange fee); f) O emissor do cartão cobra o valor da transação ao titular do cartão.

No Regulamento (UE) 2015/751, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2015, relativo às taxas de intercâmbio aplicáveis a operações de pagamento baseadas em cartões, também encontramos uma definição para a taxa de intercâmbio (…).

De acordo com o ponto 10 do preâmbulo deste Regulamento, “as taxas de intercâmbio são habitualmente aplicadas entre os prestadores de serviços de pagamento adquirentes e os prestadores de serviços de pagamento emissores de cartões pertencentes a um determinado sistema de pagamento com cartões. As taxas de intercâmbio constituem uma parte importante das taxas cobradas aos comerciantes pelos prestadores de serviços de pagamento adquirentes por cada operação de pagamento associada a um cartão. Por sua vez os comerciantes incorporam esses custos do cartão, tal como todos os seus outros custos, nos preços dos bens e serviços.”

No que respeita aos Caixas Automáticos, vulgarmente designados de caixas multibanco ou ATM (Automated Teller Machine), estes consistem num “um terminal de uma rede do sistema bancário que permite ao cliente efetuar diversos tipos de operações em regime de autosserviço, sem necessidade de recorrer aos balcões das agências bancárias” (…) “permitem que operações correntes, como levantamentos, consultas, pagamentos e depósitos, ou outras operações normalmente realizadas junto da caixa do banco, possam ser realizadas pelos clientes, mesmo que o banco não esteja aberto” – Caderno n.º 10 do Banco de Portugal, página 4.

(…) Tendo em conta os conceitos acima apresentados, resultam duas comissões distintas.

(…) Em ambas as situações, estamos perante comissões interbancárias, ou seja, a contraparte nas operações são instituições financeiras. No primeiro caso, temos as comissões auferidas pela instituição financeira, na qualidade de emitente de cartões bancários (taxa multilateral de intercâmbio), e na segunda situação, comissões recebidas pela entidade, na qualidade de detentora de caixas automáticos (comissão sobre operações efetuadas com cartões bancários em caixas automáticos).

(…) quer a comissão intitulada taxa multilateral de intercâmbio, quer as comissões interbancárias cobradas pela utilização de Caixas Automáticos em operações efetuadas com cartões bancários são prestações de serviços (remuneradas por comissões) que embora sejam sujeitas a IVA, encontram-se isentas deste imposto, ao abrigo do disposto na alínea c) do n.º 27 do artigo 9.º, do Código do IVA (…)

Assim, conclui-se que a comissão intitulada de taxa multilateral de intercâmbio e as comissões interbancárias em análise (cobradas pela utilização de caixas automáticos) encontram-se sujeitas a imposto do selo à luz do n.º 1 do artigo 1.º do respetivo código, não sendo aplicável a exclusão prevista no n.º 2 da norma citada.

Constituindo normas de incidência objetiva de imposto do selo as verbas previstas na respetiva Tabela Geral (…) conclui-se que a verba 17.3.4 – Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros, prevê expressamente a incidência de imposto do selo em comissões cobradas nas operações realizadas por ou com intermediação das instituições de crédito ou outras entidades a elas legalmente equiparadas.

(…) A alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS dispõe que estão isentos de imposto “os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças”.

O alcance desta norma vai no sentido de que só se encontram isentos de imposto do selo os juros e as comissões ligadas a operações de concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquele normativo.

(…) o artigo 152.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, aditou o n.º 7 ao artigo 7.º do CIS, que estabelece “o disposto na alínea e) do n.º 1 apenas se aplica às garantias e operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquela alínea”. Por sua vez o artigo 154.º da Lei citada conferiu caráter interpretativo a esta norma aditada.

(…)

Foi apurado Imposto do Selo em falta referente a taxa multilateral de intercâmbio e a operações efetuadas com cartões bancários em CA, conforme os quadros infra (págs. 21 a 30 do RIT:

 

5.            Não tendo a Requerente exercido o direito de audição para que foi notificada nos termos do artigo 60.º, da LGT, e do artigo 60.º, do RCPITA, o projeto de RIT tornou-se definitivo com a sua notificação ao sujeito passivo através do ofício n.º ... dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de ..., de 04.04.2018 (doc. 6 junto à PI);

6.            Na sequência das correções efetuadas, a AT emitiu em nome da Requerente as liquidações de imposto do selo n.º 2018..., da quantia de € 9 063,25 e respetivos juros compensatórios, no montante de € 1 310,01, referentes ao ano de 2014, no valor global de € 10 373,26, e n.º 2018..., da quantia de € 8 623,07 e dos juros compensatórios a ela associados, no montante de € 914,46, referentes ao ano de 2015, no valor global de € 9 537,53, ambas com data limite de pagamento em 24.05.2018 (docs. 2 e 3 juntos à PI);

7.            A Requerente procedeu ao pagamento das liquidações de imposto do selo e juros compensatórios dos anos de 2014 e de 2015, identificadas no ponto precedente, em 18.05.2018 (docs. 4 e 5 juntos à PI);

8.            Em 21.09.2018 deu entrada no Serviço de Finanças de ... a reclamação graciosa das identificadas liquidações de imposto do selo e juros compensatórios dos anos de 2014 e de 2015, ali registada sob o n.º ...2018... (doc. 7 junto à PI);

9.            O projeto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa foi notificado à Requerente, para efeitos do disposto no artigo 60.º, da LGT, por ofício da Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de ..., de 14.12.2018, remetido Via CTT (doc. 8 junto à PI);

10.          A decisão final de indeferimento da reclamação graciosa foi notificada à Requerente por ofício da Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de ..., de 08.01.2019, remetido Via CTT (doc. 9 junto à PI).

 

B – FACTOS NÃO PROVADOS

Não existem factos com interesse para a decisão da causa que devam considerar-se como não provados.

C – Motivação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, devendo escolher e recortar os factos pertinentes para o julgamento da causa em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi art. 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.

Atendendo à posição das Partes nos respetivos articulados e à análise crítica da prova documental junta aos autos, dão-se como provados os factos enunciados supra.

 

III.2 MATÉRIA DE DIREITO

1.            Questões a decidir

A Requerente contesta cada segmento das liquidações de imposto do selo dos anos de 2014 e de 2015 cuja legalidade sindica, bem como as correções que lhes estão subjacentes, por vício de violação de lei decorrente da errónea interpretação das normas de incidência e de isenção aplicáveis, por errada qualificação dos factos e por aplicação retroativa das normas de incidência.

São estas as questões que ao tribunal arbitral cumpre apreciar e decidir.

 

1.1          Da incidência do Imposto do Selo sobre juros de mora e do âmbito da isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea l), do Código do Imposto do Selo.

Dispõe a verba 17.3.1, da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), enquanto norma de incidência objetiva deste imposto, que ficam a ele sujeitos, à taxa de 4%, os “Juros por, designadamente, desconto de letras e bilhetes do Tesouro, por empréstimos, por contas de crédito e por crédito sem liquidação”.

 

Por seu turno, a alínea l) do n.º 1 do artigo 7.º, do Código do Imposto do Selo (CIS) consagra a isenção de imposto para “Os juros cobrados por empréstimos para aquisição, construção, reconstrução ou melhoramento de habitação própria”.

Defende a AT que a referida norma de isenção apenas é aplicável aos juros remuneratórios, decorrentes do normal cumprimento do contrato de crédito à habitação, e não já aos juros moratórios, devidos pelo seu incumprimento, por considerar que, à luz dos elementos literal, sistemático e teleológico de interpretação da lei fiscal, e em face das tipologias de juros, ao estabelecer a isenção prevista na alínea l) do n.º 1 do artigo 7.º, do CIS, foi intenção do legislador incentivar a aquisição de habitação própria, “no pressuposto de todo o comércio jurídico se basear, por princípio, nos ditames da boa-fé, objetiva e subjetiva, de acordo com os quais os intervenientes cumprirão pontualmente os contratos celebrados, devendo todo o comércio jurídico ser estruturado sobre tal pilar, incutindo nos agentes uma cultura de confiança mútua, de respeito pelos direitos constituídos e de cumprimento pontual das obrigações assumidas, pelo que tal alicerce terá de estar, notoriamente, presente no objectivo legislativo da isenção sob apreço, enquanto elemento justificador da despesa fiscal do Estado, contraída com a salvaguarda do interesse público de defesa do direito constitucional à habitação” (arrigo 21.º, da Resposta).

 

E que “os juros moratórios são, ao contrário, a consequência do incumprimento do contrato de empréstimo, visando reparar o dano causado por tal incumprimento (…) pelo que não têm acolhimento (nem no elemento literal) na norma de isenção, que se reporta a contratos de empréstimo, pressupondo o seu cumprimento e não a situações desviantes em que o contrato é violado por uma das partes (assim originando o dever indemnizatório, consubstanciado nos juros moratórios – situação que não pretende, seguramente, o Estado estimular, pelo que mal se compreenderia qualquer isenção no caso).” (artigos 27.º e 28.º, da Resposta).

 

Contra-argumenta a Requerente que “não tendo sido consagrada na norma de incidência de IS, nem na norma de isenção, qualquer exclusão de determinado tipo de juros, os juros moratórios são, efetivamente, abrangidos pela mesma (ie. os juros de mora relacionados com um crédito habitação estão sujeitos a IS, mas dele isentos)” (artigo 79.º, da PI). “a isenção em análise é parte integrante de um conjunto de medidas que visam, inequivocamente, a proteção do direito constitucional das famílias à habitação que se encontra estabelecido no artigo 65.º da Constituição da República Portuguesa (‘Constituição’), cabendo ao Estado incentivar e proteger a habitação (artigo 91.º, da PI).

 

De acordo com o artigo 3.º, do Decreto-Lei n.º 58/2013, de 08.05, diploma que, reconhecendo as especificidades dos contratos de crédito e “as consequências associadas ao seu incumprimento, que podem afetar de modo particular o cliente bancário”, veio estabelecer “as normas aplicáveis à classificação e contagem do prazo das operações de crédito, aos juros remuneratórios, à capitalização de juros e à mora do devedor” nos contratos de crédito, são “«Juros remuneratórios», os que constituem remuneração do capital ou como tal sejam convencionados” (alínea d) e “«Juros moratórios», os que visam indemnizar os prejuízos da instituição em resultado da mora do devedor no cumprimento das obrigações contratuais” (alínea e).

 

Contudo, nem a norma de incidência da verba 17.3.1, da TGIS, nem a norma de isenção contida na alínea l) do n.º 1 do artigo 7.º, do CIS, distinguem os juros quanto à sua classificação, apenas se referindo a “juros” de forma genérica, sem especificar se os juros que pretendem abranger são os juros remuneratórios, os juros moratórios, ou outros.

 

Ora, a presunção de que “o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil) e a referência, em ambas as normas fiscais citadas, a “juros (…) por empréstimos”, leva a concluir que a isenção de Imposto do Selo recai sobre os mesmos tipos de juros incluídos na norma de incidência, independentemente da sua classificação.

 

Deverá, por isso, concluir-se que, se os juros de mora se incluem no âmbito da incidência da verba 17.3.1, da TGIS, não se vislumbra razão para que não sejam abrangidos pela norma de isenção constante da alínea l) do n.º 1 do artigo 7.º, do CIS.

 

Nem a tal obsta a natureza de benefício fiscal da referida isenção. Estes se caraterizam-se por ser “medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem” (artigo 2.º, do Estatuto dos Benefícios fiscais – EBF) e, se bem que as lacunas resultantes das normas que os consagram não sejam suscetíveis de integração por analogia (artigo 11.º, n.º 4, da LGT), nada justifica que tais normas devam ser interpretadas restritivamente, como pretende a Requerida, sem que tenha havido, como não houve na situação em análise, qualquer manifestação de intenção legislativa nesse sentido (v.g. preâmbulos, estudos preparatórios).

 

Na falta de intenção legislativa quanto ao tratamento diferenciado dos juros em contratos de crédito à habitação, é de concluir que os juros de mora por incumprimento daqueles contratos, por eventuais dificuldades do devedor, índice da sua menor capacidade contributiva, se encontram igualmente abrangidos pela isenção prevista na alínea l) do n.º 1 do artigo 7.º, do CIS, o que justifica a anulação das liquidações de Imposto do Selo dos anos de 2014 e de 2015, nos segmentos referentes à tributação desses juros de mora, pelas quantias de € 843,44 e de € 18,78, respetivamente, bem como os juros compensatórios que lhe estão associados.

 

1.2. Da incidência do Imposto do Selo sobre a taxa de serviço do comerciante (TSC)

A AT entendeu, no Relatório de Inspeção Tributária, que a TSC é uma comissão/taxa paga pelo comerciante ao adquirente do sistema de pagamento (…) por vendas liquidadas com cartão bancário pelo cliente (do comerciante) nos TPA, sujeita a IVA, mas dele isenta ao abrigo da alínea c) do n.º 27 do artigo 9.º do Código do IVA, ficando sujeita a Imposto do Selo, nos termos dos n.º 1 e n.º 2 do artigo 1.º, do CIS, e da verba 17.3.4, da TGIS, na redação em vigor à data dos factos.

 

A Requerente defende que aquela taxa se reporta a uma cessão de créditos sem recurso, na medida em que não existe direito de regresso por parte do “acquirer” perante o comerciante caso não consiga recuperar aqueles montantes do cliente e que esta operação não fica sujeita ao IS da verba 17.1 da TGIS, pois, caso se tratasse de uma operação com recurso, a mesma seria caracterizada como um financiamento/concessão de crédito, este sim abrangido pela norma de incidência (artigos 141.º e 142.º, da PI).

 

A verba 17.3.4., na redação à data dos factos, previa o pagamento de Imposto do Selo relativamente a “outras comissões e contraprestações por serviços financeiros”, tendo o artigo 153.º, da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março (Lei do Orçamento do Estado para 2016) acrescentando um segmento final com a expressão “incluindo as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões”, a que o artigo 154.º, da mesma lei, atribuiu caráter interpretativo.

 

A cessão de créditos é, segundo Antunes Varela , o contrato pelo qual o credor (cedente) transmite a terceiro (cessionário) independentemente do consentimento do devedor (devedor cedido), a totalidade ou parte do seu crédito, previsto nos artigos 577.º e seguintes do Código Civil (CC).

 

Trata-se de um contrato de causa variável, a que se aplicam as regras que regulam o contrato, gratuito ou oneroso, que lhe serviu de base (artigo 578.º, do CC), mas também regras que lhe são próprias, como seja a manutenção dos meios de defesa oponíveis pelo devedor ao cessionário, ainda que este os ignorasse, salvo os que provenham de facto posterior ao conhecimento da cessão (artigo 585.º, do CC).

 

De acordo com o n.º 2 do artigo 11.º, da LGT, “Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer diretamente da lei.”.

 

No caso da TSC estamos perante um conceito típico do bancário, definido pelo Banco de Portugal, entidade à qual compete “regular, fiscalizar e promover o bom funcionamento dos sistemas de pagamento” (artigo 14.º, da Lei n.º 5/98, de 31.01), como sendo uma comissão , ou seja, “uma percentagem do valor de uma transação como forma de remuneração pelos serviços de intermediação” .

 

De igual modo, o Decreto-Lei n.º 317/2009, de 30.10 , que transpôs para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2007/64/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13.11 e que, à data dos factos regulava “as matérias respeitantes aos prestadores de serviços de pagamento”, estabelecia, no artigo 4.º do respetivo Anexo I, que são serviços de pagamento, entre outros, a “Execução de operações de pagamento, incluindo a transferência de fundos depositados numa conta de pagamento aberta junto do prestador de serviços de pagamento do utilizador ou de outro prestador de serviços de pagamento” e “A execução de operações de pagamento através de um cartão de pagamento ou de um dispositivo semelhante” (alínea c e subalínea i)), constando de entre os prestadores de serviços de pagamentos enumerados no seu artigo 7.º, as instituições de crédito (alínea a)).

 

Em face do exposto, não restam dúvidas de que a TSC constitui uma comissão cobrada pela prestação de um serviço de pagamento, enquadrável na previsão da verba 17.3.4, da TGIS, na redação em vigor à data dos factos, sendo irrelevante a alteração que lhe foi introduzida pelo artigo 153.º, da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março.

 

Nada havendo a censurar aos segmentos das liquidações de Imposto do Selo dos anos de 2014 e de 2015, no que respeita ao imposto sobre a TSC cobrada pela Requerente, deverão os mesmos manter-se na ordem jurídica.

 

1.3. Da ilegalidade das liquidações de imposto do selo sobre a taxa multilateral de intercâmbio e comissões interbancárias cobradas pela utilização de ATM’s

A AT defende, no Relatório de Inspeção Tributária, que tanto a taxa multilateral de intercâmbio como as comissões interbancárias cobradas pela utilização de Caixas Automáticos (ATM´s) são comissões cobradas pelos bancos detentores de Caixas Automáticos e emissores de cartões, sujeitas a Imposto do Selo, à luz do artigo 1.º, n.º 1 do CIS e da verba 17.3.4, da TGIS, a qual prevê expressamente a incidência deste imposto sobre comissões cobradas nas operações realizadas por ou com a intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras.

 

Ilustra a Requerida este seu entendimento com a informação contida no Caderno n.º 10 do Banco de Portugal, relativo a Terminais de Pagamento e Caixas Automáticos, em que o TPA é definido, na página 7, como “um dispositivo de aceitação de cartões que permite realizar pagamentos por via eletrónica”, aí se esclarecendo que numa operação de pagamento em TPA, o banco emissor do cartão reembolsa o banco adquirente que lhe paga uma comissão denominada taxa multilateral de intercâmbio.

 

Cita ainda o ponto 10 do Regulamento (UE) 2015/751, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29.04.2015, de acordo com o qual “as taxas de intercâmbio são habitualmente aplicadas entre os prestadores de serviços de pagamento adquirentes e os prestadores de serviços de pagamentos emitentes de cartões pertencentes a um determinado sistema de pagamento com cartões. As taxas de intercâmbio constituem uma parte importante das taxas cobradas aos comerciantes pelos prestadores de serviços de pagamento adquirentes por cada operação de pagamento associada a um cartão. Por sua vez os comerciantes incorporam esses custos do cartão, tal como todos os seus outros custos, no preço dos bens e serviços”.

 

Quanto aos Caixas Automáticos, estes são, segundo o Glossário do Banco de Portugal, “equipamento[s] automático[s] que permite[m] aos titulares de cartões bancários com banda magnética e/ou chip aceder a serviços disponibilizados a esses cartões, designadamente, levantar dinheiro de contas, consultar saldos e movimentos de conta, efetuar transferências de fundos e depositar dinheiro. Os caixas automáticos podem funcionar em sistema de real-time, com ligação ao sistema automático da entidade emitente do cartão, ou em on line, com acesso a uma base de dados autorizada que contém informação relativa à conta de depósitos à ordem associada ao cartão.”.

 

Conclui a AT que resultam dos referidos conceitos duas comissões distintas: nas operações de pagamento de compras realizadas através de TPA “o adquirente”, uma vez efetuado o pagamento da compra ao comerciante, é depois reembolsado pelo emissor do cartão bancário, pagando-lhe uma comissão – taxa multilateral de intercâmbio ou multilateral interchange fee; nas operações efetuadas através dos caixas automáticos (pagamentos, transferências consulta de saldos e movimentos, levantamentos em numerário, etc.) é cobrada uma comissão pela instituição bancária detentora do ATM ao banco emissor do cartão bancário (débito ou crédito) pelo serviço prestado.

 

Contrapõe a Requerente que a AT incorre em errónea caraterização das operações em análise, pois as enquadra no âmbito da norma de incidência prevista na verba 17.3.4 da TGIS, quando as mesmas não podem ser qualificadas como comissões ou quaisquer outras contrapartidas por serviços financeiros.

 

Que, tendo em conta o funcionamento do sistema de pagamentos através de TPA, a interchange fee representa o desconto efetuado pelo emissor do cartão ao valor da transação, quando o transfere para o adquirente, o que significa que a operação interbancária em análise não poderá ser considerada uma prestação de serviços.

 

Porém, ainda que se entendesse tratar-se de uma prestação de serviços financeiros, sempre lhe seria aplicável “a isenção de IS prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, dado tratar-se, para todos os efeitos, de uma operação interbancária”.

 

Quanto às taxas ATM, entende a Requerente que “a existir um serviço, o mesmo apenas poderá ser considerado no âmbito da relação contratual entre o banco emissor do cartão e o seu cliente (…) mas tal facto em nada se confunde com as taxas ATM cobradas entre bancos”; que o banco ATM não presta qualquer serviço ao banco emissor do cartão ao realizar uma ordem de pagamento ou de transferência ou quando disponibiliza numerário ao cliente daquele, apenas disponibilizando uma plataforma onde podem ser efetuadas diversas operações, porque “todos os bancos detentores de ATM´s estão unidos por uma convenção interbancária destinada precisamente a realizar um objetivo de cooperação recíproca”, destinando-se tais quantias à repartição dos custos suportados pelas instituições bancárias para manter o ATM em funcionamento.

 

No entanto, considera a Requerente que caso se entenda que caso a interchange fee e as taxas ATM se qualificassem como serviços financeiros entre bancos, enquadráveis na verba 17.3.4, da TGIS, sempre se lhes aplicaria a isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º, do CIS, apesar da redação do atual n.º 7 do mesmo artigo, aditado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30.03, a que foi atribuído caráter interpretativo, em violação do princípio da retroatividade da lei fiscal, consagrado no artigo 103.º, n.º 3, da CRP.

 

Era a seguinte a redação da verba 17.3.4, da TGIS, em vigor para os anos de 2014 e de 2015:

“17.3.4 - Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros —           4%”.

 

O artigo 154.º, da Lei n.º 7-A/2016, de 30.03 (LOE 2016), atribuiu natureza interpretativa à alteração introduzida à verba 17.3.4, da TGIS, pelo seu artigo 153.º.

 

De acordo com o artigo 153.º, da citada Lei, a nova redação da verba 17.3.4, da TGIS, passou a ser a seguinte:

“17.3.4 — Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros, incluindo as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões — 4 %.”.

 

Importa pois saber se, de acordo com o normativo vigente nos anos a que respeitam os factos tributários, a taxa multilateral de intercâmbio e comissões interbancárias cobradas pela utilização de ATM’s tinham enquadramento naquela verba 17.3.4, da TGIS, e se, tendo-o, se encontravam abrangidas pela isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º, do CIS.

 

Nos termos do n.º 1 do artigo 1.º, do CIS, “O imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens.”, constituindo encargo do titular do interesse económico subjacente àquelas situações, entre os quais, conforme o disposto na alínea g) do n.º 1 do artigo 3.º, do CIS, “Nas restantes operações financeiras realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades ou outras instituições financeiras, o cliente destas”.

 

Posteriormente, a Lei n.º 22/2017, de 23 de maio, veio aditar a alínea h) do n.º 1 do artigo 3.º, do CIS, segundo a qual “Nas operações de pagamento baseadas em cartões, previstas na verba 17.3.4. da Tabela Geral do Imposto do Selo, as instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras a quem aquelas forem devidas”.

 

Da conjugação das normas referidas parece resultar que, tal como se entendeu no acórdão arbitral proferido no processo n.º 431/2018-T, de 24 de janeiro de 2019, disponível em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/, “inferia-se que as «operações financeiras» a que se reportava a verba 17.3.4 seriam aquelas que são praticadas entre estas e os clientes, que são os titulares do interesse económico que, neste tipo de actos sujeitos a imposto do selo, constituía fundamento para imposição do encargo da tributação, nos termos do artigo 3.º.

Sendo assim, não haveria fundamento para tributar as comissões e contraprestações cobradas entre entidades bancárias para repartirem entre si as despesas necessárias para suportar o funcionamento do sistema de pagamentos automáticos (TMI), pois é manifesto quem nesses pagamentos interbancários não havia qualquer relevância do interesse dos clientes.

Por outro lado, no que concerne à utilização cartões bancários, estava vedado às instituições de crédito, «cobrar quaisquer encargos directos pela realização de operações bancárias em caixas automáticas» (artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 3/201, de 5 de Janeiro). Isto é, se é certo que no que concerne às operações em caixas automáticas (multibanco), havia prestação de serviços financeiros aos clientes de instituições bancárias, também o é que pela prestação destes não poderia haver comissões ou contraprestações enquadráveis na verba 17.3.4.

Neste contexto, é de concluir que a verba 17.3.4., na redacção vigente em 2014, não abrangia a TMI nem as comissões interbancárias cobradas pela utilização de Caixas Automáticos em operações com cartões bancários.

Sendo assim, tem de se concluir que as alterações legislativas introduzidas pela Lei n.º 7-A/20116 e pela Lei n.º 22/2017 não podem ser aplicadas à situação em apreço, por força da proibição constitucional da retroatividade da criação de impostos.”.

 

Contudo, ainda que se entendesse que a interchange fee e as taxas ATM estavam abrangidas pelo âmbito de incidência da verba 17.3.4, da TGIS, vem a Requerente invocar a isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º, do CIS, não obstante a nova redação dada ao n.º 7 do mesmo artigo, pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março.

 

A alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º, do CIS, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 107-B/2003, de 31.12, dispõe que “Os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças”.

 

O artigo 152.º, da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, aditou o n.º 7 do artigo 7.º, do CIS, a que o artigo 154.º, da mesma lei, atribuiu natureza interpretativa, com a seguinte redação:

“7 — O disposto na alínea e) do n.º 1 apenas se aplica às garantias e operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquela alínea.”

 

Sobre a questão da retroatividade das normas interpretativas em matéria fiscal se tem pronunciado recentemente o Tribunal Constitucional (cfr. os Acórdãos n.º 644/2017 - Processo n.º 519/17, 2.ª Secção; 92/2018 - Processo n.º 449/17 - 2.ª Secção; 582/2018 - Processo n.º 45/18 - 1.ª Secção e 52/2019 - Processo n.º 1425/2018 - 3ª Secção, todos disponíveis em https://www.tribunalconstitucional.pt/), nos termos seguintes:

“(…) No domínio fiscal rege, desde a revisão constitucional de 1997, a norma do artigo 103.º, n.º 3, da Constituição: ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que tenham natureza retroativa. Consequentemente, o legislador não pode criar impostos com tal natureza ou introduzir nos impostos existentes modificações que, com efeitos retroativos, os agravem. Como a jurisprudência constitucional tem afirmado, está em causa a proibição de estatuir consequências jurídicas novas que constituam ex novo ou agravem situações fiscais já definidas, nomeadamente o quantum devido a título de certo imposto e previamente definido em razão da verificação de todos os factos relevantes à luz do direito aplicável antes da estatuição das consequências jurídicas novas. Como se refere no Acórdão n.º 575/2014 (acessível, assim como os demais adiante citados, a partir de http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/):[…]

(…) A mencionada proibição constitucional tem implicações relativamente às leis interpretativas no domínio fiscal. In casu, e dada a interpretação feita pelo tribunal a quo (…), importa considerar especialmente as leis interpretativas materialmente retroativas.

Como se explicou no Acórdão n.º 267/2017, devido à integração da lei interpretativa na lei interpretada estatuída no artigo 13.º, n.º 1, do Código Civil, pode em certo sentido falar-se de uma retroatividade formal inerente a toda a lei interpretativa: há retroatividade, porque tal lei se aplica a factos e situações anteriores, e a mesma retroatividade é “formal”, visto que a lei, «vindo consagrar e fixar uma das interpretações possíveis da [lei anterior – cujo sentido e alcance não se podiam ter como certos –] com que os interessados podiam e deviam contar, não é suscetível de violar expectativas seguras e legitimamente fundadas» (cfr. Batista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1983, p. 246). Diferentemente, se a lei nova se pretende aplicar a factos e situações jurídicas anteriormente disciplinados por um direito certo, então este último é modificado, violando-se expectativas quanto à sua continuidade, e tal lei, na medida em que inove relativamente ao direito anterior, será substancial ou materialmente retroativa (cfr. idem, ibidem, p. 247).  

Na ótica da tutela da confiança dos destinatários do direito, releva que a lei interpretativa formalmente retroativa apenas declara o direito preexistente; ao passo que a lei interpretativa substancialmente retroativa, ao modificar o direito preexistente, constitui direito novo. Pode suceder – e sucede com alguma frequência – que o legislador declare ou qualifique expressamente como “interpretativa” certa disposição de uma lei nova, mesmo quando essa disposição seja na realidade inovadora. Uma lei que modifique o direito preexistente – o mesmo é dizer, que constitua direito novo – sob a capa de “lei interpretativa” violará necessariamente uma eventual proibição de leis retroativas válida para o seu âmbito de aplicação material. (…)”.

 

No caso em apreço, deverá concluir-se que nem a interchange fee nem as taxas ATM estavam abrangidas pelo âmbito de incidência da verba 17.3.4, da TGIS, nos anos de 2014 e de 2015 e, ainda que se pudesse entender que o estavam, não lhe poderia ser aplicada a restrição constante do n.º 7 do artigo 7.º, do CIS, por materialmente retroativa.

 

Em face do exposto e do comando ínsito no artigo 204.º, da CRP, de acordo com o qual “Nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados.”, conclui-se pela ilegalidade do segmento das liquidações de Imposto do Selo respeitante à interchange fee e às taxas ATM, nos montantes de € 2 277,78 e € 5 129,12 (ano de 2014), de € 1 923,34 e € 5 242,29 (ano de 2015) e respetivos juros compensatórios, por violação do disposto no artigo 103.º, n.º 3, da CRP.

 

 

 

2.            Da decisão da reclamação graciosa

A decisão da reclamação graciosa, enquanto ato secundário confirmativo das liquidações de Imposto do Selo dos anos de 2014 e de 2015, é ilegal nas partes relativas às correções quanto aos juros de mora, à taxa multilateral de intercâmbio e às comissões pela utilização de ATM´s, enfermando dos mesmos vícios das liquidações confirmadas.

 

Justifica-se, assim, a anulação parcial da decisão da reclamação graciosa, na parte correspondente àqueles segmentos das referidas liquidações.

 

3.            Do pedido de juros indemnizatórios

De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 43.º, da Lei Geral Tributária (LGT), aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”.

 

São, assim, requisitos cumulativos do direito a juros indemnizatórios: “ – que haja um erro num ato de liquidação de um tributo; – que ele seja imputável aos serviços; – que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial; – que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.” 

 

O processo arbitral tributário foi concebido como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (cfr. a autorização legislativa concedida ao Governo pelo artigo 124.º, n.º 2 (primeira parte) da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril – Lei do Orçamento do Estado para 2010), devendo entender-se que se compreendem na competência dos tribunais arbitrais que funcionam sob a égide do CAAD os mesmos poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, como é o de apreciar o erro imputável aos serviços.

 

No caso em apreço, afigura-se manifesto que, declarada a ilegalidade dos atos de liquidação de Imposto do Selo, pelos motivos acima apontados, o que justifica a sua anulação parcial, terá de reconhecer-se o direito da Requerente a juros indemnizatórios sobre os valores indevidamente pagos, desde a data do respetivo pagamento, conforme se estatui no n.º 5 do artigo 61.º, do CPPT, já que tal ilegalidade é exclusivamente imputável à Administração Tributária, que praticou aqueles atos tributários sem o necessário suporte legal.

 

4.            Questões de conhecimento prejudicado

Na sentença, deve o juiz pronunciar-se sobre todas as questões que deva apreciar, abstendo-se de se pronunciar sobre questões de que não deva conhecer (segmento final do n.º 1 do artigo 125.º, do CPPT), sendo que as questões sobre que recaem os poderes de cognição do tribunal, são, de acordo com o n.º 2 do artigo 608.º, do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, “as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)”.

Decorre da solução dada às questões supra a inutilidade de apreciação da questão relativa à responsabilidade pelo pagamento do imposto liquidado, que não foi colocada pela Requerente no presente pedido de pronúncia arbitral.

 

5.            Comunicação ao Ministério Público

Tendo sido recusada, com fundamento em inconstitucionalidade, a aplicação do artigo 154.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, bem como da nova redação da verba 17.3.4., da TGIS, na parte em que passou a abranger com eficácia retroativa, a taxa multilateral de intercâmbio e as comissões pela utilização de ATM´s, comunique-se à Excelentíssima Senhora Procuradora Geral da República, para efeitos do disposto no artigo 280.º, n.º 5, da CRP.

 

IV. DECISÃO

Com base nos fundamentos de facto e de direito acima enunciados, decide-se em, julgando parcialmente procedente o presente pedido de pronúncia arbitral:

a.            Declarar a ilegalidade parcial e consequente anulação parcial das liquidações de Imposto do Selo n.ºs 2018..., 2018..., referentes aos anos de 2014 e de 2015, nos seguintes segmentos e pelas seguintes quantias:

a.            No segmento respeitante ao imposto liquidado sobre os juros de mora do crédito à habitação, pelas importâncias de € 843,44 (ano de 2014) e de € 18,78 (ano de 2015);

b.            No que respeita à taxa multilateral de intercâmbio, pelos valores de € 2 227,88 (ano de 2014) e de € 1 923,34 (ano de 2015);

c.            Quanto ao imposto referente a comissões pela utilização de ATM´s, pelos montantes de € 5 129,12 (ano de 2014) e de € 5 242,29 (ano de 2015);

b.            Declarar a ilegalidade parcial e consequente anulação das liquidações de juros compensatórios associadas aos segmentos das liquidações de Imposto do Selo referidos no ponto anterior;

c.            Declarar a ilegalidade parcial da decisão da reclamação graciosa, na parte em que confirmou os segmentos das liquidações anulados;

d.            Determinar a manutenção das liquidações de Imposto do Selo n.ºs 2018..., 2018..., na parte correspondente ao imposto liquidado sobre a taxa de serviço do comerciante (TSC), pelas quantias de € 862,82, quanto ao ano de 2014 e de € 1 438,85, quanto ao ano de 2015;

e.            Condenar a Requerida na restituição das quantias pagas indevidamente por conta das liquidações de Imposto do Selo n.ºs 2018..., 2018..., acrescidas de juros indemnizatórios, nos termos legais.

 

VALOR DO PROCESSO: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 19 910,79 (dezanove mil, novecentos e dez euros e setenta e nove cêntimos), correspondente ao somatório dos valores das liquidações impugnadas, conforme os documentos 2 e 3 juntos à PI.

CUSTAS: Calculadas de acordo com o artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I a ele anexa, no valor de € 1 224,00 (mil, duzentos e vinte e quatro euros), a repartir na proporção de 13% a cargo da Requerente e de 87% a cargo da Requerida.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 15 de novembro de 2019.

 Árbitro,

 

/Mariana Vargas/

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do DL 10/2011, de 20 de janeiro.

redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990.