Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 509/2017-T
Data da decisão: 2018-05-11  IRC  
Valor do pedido: € 95.619,09
Tema: IRC - Tributações Autónomas - Despesas de Representação - Gastos com veículos.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I - RELATÓRIO

 

A…, S. A.,  pessoa colectiva n.º…, com sede em Lisboa, abrangida pelos serviços periféricos locais do Serviço de Finanças de Lisboa …, veio, em 14 de Setembro de 2017, ao abrigo do disposto  nos artigos 2º nº 1 alínea a),  10º, nºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT)  e 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 Março, requerer a constituição de tribunal arbitral e formular pedido de pronúncia,  visando a anulação da autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) e derramas relativamente ao exercício de 2013, na parte correspondente às tributações autónomas no montante de € 95.619,09, da qual reclamou graciosamente e de cuja decisão de indeferimento tácito interpôs recurso hierárquico que viu parcialmente indeferido.

O pedido foi aceite em 14 de Setembro de 2017.

Como a Requerente não indicou árbitro, foram os signatários designados pelo Conselho Deontológico do CAAD e aceitaram o encargo no prazo legal.

Notificadas dessa designação, as partes nada disseram, ficando o tribunal arbitral constituído em 16 de Dezembro de 2017.

A Directora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), notificada para responder, solicitar, querendo, a produção de prova adicional, e juntar cópia do processo administrativo, respondeu, juntou o processo administrativo, tudo no prazo legal, deduzindo defesa por impugnação, mas não requereu a produção de prova adicional.

Por não ser considerada útil, foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18º do RJAT e as partes convidadas a alegar por escrito, o que fizeram, no prazo fixado, limitando-se a reafirmar as posições antes assumidas no processo.

Foi designado o dia 11 de Maio de 2018 para a decisão arbitral.

 

II - SANEAMENTO

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é competente para decidir.

As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e acham-se regularmente representadas.

O processo não enferma de nulidades e não há excepções ou questões prévias impeditivas da apreciação de mérito.

 

III- MATÉRIA DE FACTO

 

Com relevo para a decisão, e em resultado do exame dos documentos juntos, julgam-se provados os factos seguintes:

1)

A requerente entregou, no dia 28 de Maio de 2014, a sua declaração de IRC Modelo 22 referente ao exercício de 2013, tendo autoliquidado o referido imposto, no montante de € 129.379,14, incluindo a tributação autónoma, o que, tudo, pagou mediante cheque datado de 30 de Maio de 2014.

2)

A Requerente contabilizou como custo € 409.818,44 relativos a ajudas de custo e encargos com compensação pela deslocação em viatura própria pagos a um trabalhador.

 

3)

 As tributações autónomas liquidadas foram no montante global de € 95.619,09, correspondendo  

- € 61.472,77, à incidência à taxa de 5%, com agravamento de 10 pontos percentuais, num total de 15%, sobre encargos relativos a ajudas de custo e à compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, no montante de € 409.814,44, e

- € 34.146,32 (€ 341.463,25 x 10%) respeitante à incidência da sobretaxa de 10 pontos percentuais, relativa a apuramento de prejuízos fiscais, sobre as restantes despesas e encargos sujeitos a tributação autónoma.

4)

A Requerente reclamou graciosamente da autoliquidação, em 27 de Maio de 2016, não tendo a sua reclamação sido decidida.

5)

Em 24 de Outubro de 2016 a Requerente recorreu hierarquicamente do indeferimento tácito da reclamação graciosa.

6)

O recurso hierárquco foi indeferido mediante despacho que assumiu a proposta com a seguinte fundamentação:

A recorrente vem solicitar o acréscimo no campo 730 do Quadro 07 da declaração Mod. 22 do período de tributação de 2013, do montante de € 409.818,44 relativo a ajudas de custo e encargos com compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, em alternativa à aplicação da taxa de tributação autónoma.

Ponderados os argumentos expendidos no pedido relativamente e esta questão e tendo por base na redação do art.º 88.º do Código do IRC à data dos factos, somos a informar:

As ajudas de custo são abonos atribuídos aos trabalhadores que prestam serviço fora do seu espaço laboral comum, por razões profissionais, facto que só pode ocorrer quando, subjacente a esse serviço, existe um contrato de trabalho subordinado.

  1. Esses abonos, suportados pela entidade patronal, têm um caráter compensatório e indemnizatório, pois destinam-se a cobrir despesas com alimentação e alojamento que o funcionário teve de suportar ao seu serviço, em razão de deslocações ou instalação em local diferente do trabalho habitual.
  2. Para além das ajudas de custo, os funcionários têm, ainda, direito a abono de transporte pelo montante das despesas efetivamente suportadas, ou através da atribuição de subsídio por quilómetro percorrido, como é o caso das deslocações em viatura própria do trabalhador. Quando a deslocação ao serviço da empresa é efetuada em viatura própria do trabalhador, essas despesas de deslocação são suportadas pela empresa, sendo as mesmas registadas na conta "remunerações do pessoal - ajudas de custo" ou na conta "deslocações e estadas" se não estiverem suportadas por subsídio de transporte.
  3. Deste modo, consideram-se ajudas de custo as verbas atribuídas ao pessoal da empresa para deslocações em serviço (destinadas a compensar uma refeição, uma dormida, uma diária completa), de que o pessoal tem que prestar contas á empresa mediante a apresentação de documento onde conste o nome do beneficiário, o local onde se deslocou, a data da deslocação, bem como o montante diário que lhe foi atribuído.
  4. A par deste conceito existe o de "compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador'', cujas despesas são também registadas na subconta de "ajudas de custo", o qual corresponde a deslocações efetuadas de carácter eventual, sem periodicidade certa, sendo as mesmas pagas mediante a entrega de um montante estabelecido por cada quilómetro percorrido. São consideradas despesas de deslocação e restituídas ao beneficiário mediante a apresentação de documento de prova do seu pagamento, devendo, para efeitos de verificação da regra da indispensabilidade, ser anexadas ao respectivo boletim itinerário, o qual evidenciará a identificação do utilizador e da viatura, o número de quilómetros percorridos, locais e natureza do serviço que originou as deslocações, valor do quilómetro e total, data e assinatura.
  5. Assim, as "ajudas de custo" e a "compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador'', concedidas pelas empresas, serão aceites como gasto do período, nos termos da al. d) do art.º 23.º do Código do IRC, desde que se destinem a fazer face a despesas de deslocação ao serviço da empresa e que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto.
  6. Esta indispensabilidade dos gastos para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto do período é comprovada através do conhecimento do cliente e/ou da obra a que foram imputados esses encargos, o nome do beneficiário das ajudas de custo, o local, a data, bem como o montante diário a suportar e a natureza do serviço efetuado.

 

  1. Sem esta discriminação não é possível uma certificação credível, da verdadeira natureza dos encargos suportados a título de "ajudas de custos" ou de "compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador".
  2. O que está em causa neste tipo de encargos é a aferição da sua congruência económica, onde ressalte a evidência de que tais encargos existiram efetivamente, o que só é possível, apenas, quando se consegue estabelecer uma conexão objetiva com rendimentos sujeitos a imposto.
  3. É necessário que haja uma relação causal, justificada com a atividade produtiva da empresa.
  4. A presunção da autenticidade que é conferida aos documentos externos, dando valor probatório à contabilidade, não se verifica neste caso específico das "ajudas de custo" ou de "compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador”, as quais são lançadas na contabilidade através de documentos internos.
  5. Por isso, é essencial que sejam reunidas provas adicionais no sentido da confirmação da sua efetiva existência.
  6. Pelo que, se exige, como requisito para a dedutibilidade fiscal dos encargos suportados com ajudas de custos e com a compensação pelas deslocações em viatura própria do trabalhador ao serviço da entidade patronal, que os pagamentos sejam suportados por mapas de controlo onde conste um conjunto de elementos necessários à sua validação, quando se constate que tais encargos não foram faturados aos clientes.
  7. Desde que os motivos que originam estes encargos estejam devidamente sustentados, nada impede, atualmente, à sua total dedutibilidade fiscal, nos termos da al. d) do artigo 23.º do Código do IRC.
  8. Quando tal não sucede, as ajudas de custo e a compensação pela deslocação  em viatura própria do trabalhador caem no âmbito da norma  anti-abuso  estabelecida,  a data, na al. f) do n.º 1 do art.º 45.º (atual al. h) do art.º 23.º -A)  do Código  do IRC, a qual não admite a dedutibilidade fiscal para as ajudas de custo e os encargos com compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, não faturadas a clientes, escrituradas a qualquer titulo, sempre que a entidade patronal não possua, por cada pagamento efetuado, um mapa através do qual seja possível efetuar o controlo das deslocações a que se referem aqueles encargos, designadamente os respetivos locais, tempo de permanência, objetivo e, no caso de deslocação em viatura própria do trabalhador, identificação da viatura e do respetivo proprietário, bem como o número de quilómetros percorridos, exceto na parte em que haja lugar a tributação em sede de IRS na esfera do respetivo beneficiário.
  9. Refira-se, ainda, que os encargos com ajudas de custo e com a compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador são tributados autonomamente à taxa de 5%, nos termos do n.º 9 do art.º 88.º do Código do IRC, nas seguintes situações:
    • Os encargos preenchem os requisitos para a sua dedutibilidade fiscal (isto é, existe mapa), mas nas faturas emitidas para os clientes não consta expressamente discriminado o seu montante nem há tributação em sede de IRS (cfr. 1ª parte do n.º 9 do art.º 88.º do Código do IRC);
    • Os encargos não são fiscalmente dedutíveis, nos termos da al. f) do n.º 1 do artº 45.º

(atual al. h) do n.º 1 do art.º 23.º -A) do Código do IRC, e a entidade apurou, nesse período de tributação, prejuízos fiscais (cfr. parte final do n.º 9 do art.º 88.º do Código do IRC),

  1. Portanto, quando não sejam passiveis de tributação em sede de IRS na pessoa do respetivo beneficiário, os encargos com as ajudas de custo e com a compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador não estão excluídos de tributação autónoma, exceto quando exista discriminação expressa nas faturas dos clientes dos montantes relativos a estes encargos suportados pela entidade patronal.
  2. Com efeito, entende-se que a expressão "não faturadas a clientes" utilizada pelo legislador na al. f) do n.º 1 do art.º 45.º (atual al. h) do n.º 1 do art.º 23.º-A) e no n.º 9 do artº 88.º ambos do Código do IRC, pretende abranger os encargos dedutíveis relativos a ajudas de custos e à compensação pela deslocação em viatura própria de trabalhador, ao serviço da entidade patronal "não indicadas nas faturas a clientes".
  3. Entendemos que as normas suprareferidas estipulam, claramente, uma obrigatoriedade de fazer constar nas faturas o montante correspondente a ajudas de custo e de compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, de uma forma visível, para que possa permitir uma aferição acessível e inequívoca da sua efetiva contabilização como rendimentos.
  4. Consideramos, igualmente, que esta interpretação se mostra consentânea com a intenção do legislador quando criou a tributação autónoma, visando a penalização de certo tipo de despesas que afetam os resultados contabilísticos dos sujeitos passivos de IRC e que, pela sua natureza, estão sujeitas a imposto mesmo quando não é apurado qualquer lucro tributável no período.

xxi) O legislador, com a tributação autónoma, para além de pretender incentivar os contribuintes a reduzir determinadas despesas que afetam negativamente a receita fiscal,  teve também a intenção de afastar a possibilidade de evasão e fraude fiscais que tais encargos podem ocasionar não apenas em relação ao IRC ou IRS, mas também em relação às correspondentes contribuições quer das entidades patronais quer dos trabalhadores (por exemplo quando ocorre a ocultação do pagamento de salários através do recurso a tais despesas), como facilmente se depreende que pode ser o caso das ajudas de custo e compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador.

xxii)A expressa menção nas faturas dos encargos desta natureza como um dos requisitos para a não sujeição a tributação autónoma, ou para a sua dedutibilidade fiscal, encontra explicação no facto de os mesmos serem de difícil comprovação quanto à sua efetividade e conexão com a atividade empresarial desenvolvida pelas empresas e bem assim, para efeitos de reconhecimento e controlo dos próprios clientes.

  1. Resulta então inequívoco que, na emissão das faturas aos clientes, é imprescindível a individualização do montante das ajudas de custos e com a compensação pela utilização de viatura própria do trabalhador, atendendo às especificidades da tributação autónoma comummente reconhecidas, sendo as mesmas entendidas como uma forma de inibir procedimentos abusivos incapazes de serem travados pelo simples funcionamento do Sistema de Tributação usual.
  2. O n.º 9 do art.º 88.º do Código do IRC e a al. f) do n.º 1 do art.º 45.º do Código do IRC, procuram limitar o aproveitamento impróprio dos encargos desta natureza tendo em conta a dificuldade existente na distinção entre os montantes realmente pagos em ajudas de custo e na compensação pelas deslocações em viatura própria ao serviço da empresa, dos montantes que são pagos a esse título, mas, efetivamente, consubstanciam uma remuneração dos trabalhadores.
  3. No caso concreto sob apreciação, a recorrente sujeitou a tributação autónoma o montante de € 409.818,44, referente a encargos com ajudas de custo e de compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, nos termos do n.º 9 do art.º 88.º do Código do IRC.
  4. Ou seja, considerou fiscalmente dedutíveis os gastos suportados com as ajudas de custos e com a compensação pela utilização de viatura própria do trabalhador, tributando autonomamente os mesmos, face à previsão legal constante na 1.ª parte do n.º 9 do art.º 88.º do Código do IRC.
  5. Pretende agora adicionar aquele montante ao resultado fiscal sob o argumento de que lhe é conferida essa opção, em alternativa à sujeição dos encargos em causa a tributação autónoma, com base num alegado documento da UGC onde "se discute a natureza das tributações autónomas".
  6. Tendo em conta o exposto anteriormente, somos de opinião que é de recusar a pretensão da recorrente quanto à "alteração" solicitada pelos motivos que se passam a expor:
    1. O alegado documento emitido pela UGC, não tem qualquer valor probatório e não influenciou o presente o presente parecer, uma vez que não se vislumbra no mesmo qualquer despacho relativo a um processo específico.
    2. Com efeito, o referido documento não está identificado quanto à sua origem e numeração, nem se encontra completo. Pelo que a matéria nele focada pode corresponder a situação diferente da que se discute no presente recurso hierárquico.
    3. Não se vislumbra, igualmente, na letra da lei qualquer faculdade optativa relativamente à não dedutibilidade dos encargos relativos a ajudas de custo e com a compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador em alternativa à aplicação da taxa de tributação autónoma.
    4. Por outro lado, os encargos sob apreciação, preenchem os pressupostos previstos na 1.ª parte do n.º 9 do art.º 88.º do Código do IRC, tal como é referenciado no § 55.º do pedido.
    5. Somos de opinião de que procedeu bem a recorrente, na sua autoliquidação de IRC do período de tributação de 2012, ao sujeitar a tributação autónoma os encargos suportados com ajudas de custo e de compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, no montante de € 409.818,44, uma vez que deu cumprimento à previsão legal constante no n.º 9 do art.º 88.º do Código do IRC.

 

Face ao exposto, não é de atender a pretensão da recorrente.

(…)

Por tudo o exposto, propõe-se o (…)  Indeferimento do pedido quanto à alteração solicitada na forma de tributação dos encargos relativos a ajudas de custo e de compensação pela deslocação em viatura própria dos colaboradores ao serviço da empresa”.

 

 

Não ficaram por provar quaisquer factos relevantes para a decisão da causa.

 

 

 

IV - MATÉRIA DE DIREITO

 

1 -  A posição da Requerente

 

Alega a Requerente que só depois da autoliquidação “(…) tomou conhecimento, através de diversas decisões arbitrais, de que as tributações autónomas são IRC e (…) não operam caso o contribuinte opte por não deduzir em sede de apuramento do lucro tributável em IRC, os gastos e encargos que constituem a base de incidência das referidas tributações autónomas”. O “(…) que aqui está em causa são justamente tributações autónomas incidentes sobre encargos ou gastos dedutíveis fiscalmente, e que foram deduzidos fiscalmente (…) na convicção errónea de que não existia de direito tal opção com tal consequência”.

            Assim, para a Requerente, de acordo com a interpretação dos tribunais, “não haverá lugar a tributação autónoma caso em sede do IRC que tributa o lucro tributável não forem deduzidos os encargos e gastos que constituem a base de incidência dessa tributação autónoma”. Invoca, ainda, a adesão da AT a esta interpretação, transcrevendo de um texto imputado à AT que não identifica:

19. Aos contribuintes, com referência às despesas sujeitas a tributação autónoma, está legalmente conferida a opção de as considerarem fiscalmente não dedutíveis, não as submetendo, dessa forma, à tributação autónoma, ou, de as considerarem relevantes para efeitos de determinação do lucro tributável, suportando, neste caso, a tributação em causa.

            20. A desconsideração como custo fiscal das despesas submetidas à tributação autónoma ou o pagamento desta têm como finalidade afastar actuações abusivas, por estarem em causa gastos facilmente desviados para consumos particulares, sempre podendo os contribuintes provar o seu carácter empresarial e nesse âmbito torná-los como componentes negativas na determinação do lucro tributável e não submetê-los à tributação autónoma.”.

            E, consequentemente, entende que “(…) quer a AT através da Unidade dos Grandes Contribuintes, quer os tribunais fiscais arbitrais, entendem que a desconsideração como custo fiscal e a sujeição a tributação autónoma de determinadas despesas são formas equivalentes de se alcançar a penalização pretendida pelo legislador, cabendo ao contribuinte optar por uma ou outra forma (…)”.

            Ora, “(…) pretende a A… trelativamente à atribuição de ajudas de custo e compensações pela deslocação em viatura própria dos trabalhadores ao seu serviço, optar pela sua não dedutibilidade, para efeitos fiscais, com o consequente afastamento da tributação autónoma sobre as mesmas”.

      Pedindo “(…) que seja acrescida ao lucro tributável de 2013/subtraído aos prejuízos fiscais de 2013, o montante de € 409.818,44 em encargos relativos a ajudas de custo e à compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, sujeito a tributação autónoma nesse exercício de 2013  (…) com a consequente redução nesse montante dos prejuízos fiscais apurados nesse exercício (…) e “que seja anulada, como consequência indissociável, a tributação autónoma do exercício de 2013 sobre aqueles encargos relativos a ajudas de custo e à compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, no montante de € 61.472,77 (…) e a restante tributação autónoma do exercício de 2013, no que respeita ao agravamento de taxa em 10 pontos percentuais.”.

 

2 - A posição da Autoridade Tributária

 

A posição da AT é a vertida na proposta fundamentada em que se baseou o despacho de indeferimento do recurso hierárquico interposto pela Requerente a que se fez referência, e consta da matéria de facto acima fixada.

A resposta ao pedido da Requerente, no presente processo, não integra a fundamentação do acto, servindo apenas para a explicar e para contrariar os fundamentos do pedido, pois não é admissível a fundamentação a posteriori, conforme é jurisprudência antiga e uniforme do Supremo Tribunal Administrativo e resulta do disposto no artigo 77º da Lei Geral Tributária (LGT).

 

3 - Apreciação

 

As tributações autónomas são uma das matérias mais tratadas na jurisprudência tributal arbitrária, que sobre ela produziu já múltiplas decisões, nem sempre inteiramente convergentes, mas nas quais se podem encontrar traços fundamentais comuns.

Não se justifica retomar aqui o que essa jurisprudência vem afirmando, designadamente, sobre a natureza e regime das contribuições autónomas, até porque a Requerente invoca, apenas, um fundamento para apoiar a sua pretensão: só autoliquidou tributações autónomas por desconhecer que, de acordo com decisões arbitrais e o entendimento da própria AT, lhe era possível evitá-las, para tanto bastando não deduzir os encargos que suportou e sobre os quais incidem essas tributações.

É por isso, e só por isso, que lhe deve ser permitido eliminar das suas contas os referidos gastos, deixando de os considerar como custos ou, por outras palavras, acrescendo-os ao lucro tributável; e a AT, ao não o permitir, incorre em vício de violação de lei.

Vejamos:

De acordo com o artigo 88º, nº 9 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), na redacção aplicável ao caso, são tributados autonomamente os encargos dedutíveis relativos a ajudas de custo e à compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, não facturados a clientes, escriturados a qualquer título, excepto na parte em que haja lugar a tributação em sede de IRS na esfera do respectivo beneficiário.

Estamos, pois, perante uma tributação que incide sobre encargos dedutíveis. Tratando-se de encargos dedutíveis, concorrem, necessariamente, para a formação do lucro tributável ou para a manutenção da fonte produtora.

Não assenta, pois, esta tributação naquilo que alguma jurisprudência arbitral vem chamando de “não empresarialidade”, total ou parcial. Este conceito assenta na ideia de que as despesas incorridas não serão no benefício empresarial, ou terão beneficiado, também, outras entidades, designadamente, o titular da empresa, administradores ou colaboradores seus, e pessoas em relação com a empresa.

No tocante aos encargos que não respeitam exclusivamente à empresa, o empresário pode, não obstante, deduzi-los, com a consequência de os sujeitar a tributação autónoma. Ou pode abster-se de os deduzir, abstendo-se de os considerar como custos, não incorrendo, neste caso, em tributação autónoma.

O juízo que o empresário é livre de fazer, e só a ele compete, é sobre a “empresarialidade” do gasto, elegendo-o como dedutível ou decidindo pela sua não dedutibilidade.

Ora, no nosso caso, a Requerente não alega que os gastos com ajudas de custo e compensação por despesas com viatura própria do trabalhador foram incorridos fora do âmbito da sua actividade, para a qual não eram necessários, que não a beneficiaram a si, mas a terceiro – que são não empresariais.

Porém, não há possibilidade de omitir na contabilidade da empresa um gasto que foi, efectivamente feito e é necessário para a formação do lucro tributável ou a manutenção da fonte produtora. Inexiste norma que o permita, sendo certo que a Requerente a não aponta. E consubstanciar-se-ia, a acontecer, num falseamento das contas da empresa, que só serão correctas se integrarem todos os movimentos, a crédito e a débito, efectivamente realizados e documentados.

Atente-se em que o artigo 23º nº 1 do CIRC estabelece que “Para a determinação do lucro tributável são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter os rendimentos sujeitos a IRC” – todos os gastos incorridos ou suportados, e não apenas os que o empresário eleja.

É com este alcance, e não com o que lhe atribui a Requerente, que deve interpretar-se a jurisprudência invocada, bem como o entendimento da AT consubstanciado no documento que a Requerente pretende ser-lhe favorável.

Aliás, não é a dedução ou não dedução, no caso concreto, das despesas, que releva para efeitos desta tributação autónoma, mas antes a sua dedutibilidade, como resulta do nº 9 do artigo 88º do CIRC. E as despesas aqui em causa, para além de terem sido deduzidas, são dedutíveis, e sê-lo-iam mesmo que a Requerente as não tivesse deduzido ou as acrescesse ao lucro tributável, como pretende.

Neste sentido, mas com maior desenvolvimento, veja-se o acórdão do CAAD de 3 de Outubro de 2016 no processo nº 148/2016-T.

Quanto aos juros indemnizatórios, constituem matéria prejudicada, face ao não reconhecimento do direito da Requerente à devolução do imposto pago.

 

 

V – DECISÃO

 

Nos termos e pelos fundamentos expostos, julga-se improcedente o pedido da Requerente, mantendo-se na ordem jurídica a decisão do recurso hierárquico e a autoliquidação efectuada pela Requerente.

 

VI – VALOR DO PROCESSO

 

Visto o artigo 97º-A nº 1 alínea a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do artigo 29º do RJAT e artigo 3º nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em € 95.619,09.

 

VII – CUSTAS

 

As custas, que se computam em € 2.754,00, ficam a cargo da Requerente, atento o seu decaimento, de acordo com o disposto nos artigos 12º nº 2 e 22º nº 4 do RJAT e 4º nº 4 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa.

 

 

Notifique-se.

 

 

Lisboa, 11 de Maio de 2018.

 

 

Os árbitros

 

 

 

 

(José Baeta de Queiroz)

 

 

 

 

 

 

(Carlos Lobo)

 

 

 

 

 

 

(Francisco Nicolau Domingos)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131º do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29º, nº 1, alínea e) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, com versos em branco, e revisto pelos árbitros.

A redacção do presente acórdão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto no que respeita às transcrições efectuadas.