Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 644/2017-T
Data da decisão: 2018-05-30  IRS  
Valor do pedido: € 23.589,55
Tema: IRS – Tributação de mais - valias resultantes da alienação de direitos reais sobre bens imóveis, realizada por residente noutro Estado Membro da União Europeia.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I - RELATÓRIO

 

 

A.  AS PARTES. CONSTITUIÇÃO DO TRIBUNAL. TRAMITAÇÃO DO PROCESSO.

 

     1. No dia 7 de Dezembro de 2017, A... (doravante, abreviadamente, designado por Requerente), residente em  ...- Bruxelas, Bélgica, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2º e 10º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente, designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade da liquidação de IRS/2013, nº 2017 ... de 27/06/2017, referente ao período de tributação de 2016, efectuada pela Autoridade Tributária (doravante, designada, abreviadamente, por Requerida)

      2. Para fundamentar o seu pedido alegou o Requerente, em síntese:

          - O Requerente foi notificado, pelo Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia - ..., da liquidação nº 2017..., datada de 27/06/2017, documento nº 2017..., correspondente à liquidação de IRS de 2016.

         - Da liquidação constava um valor a pagar de 46.667, 88€, sendo a data limite de pagamento 31/08/2017.

         - No dia 25/08/2017, o Requerente procedeu ao pagamento do montante correspondente a esta liquidação.

          - O Requerente, por não concordar com a liquidação, apresentou, através do seu representante fiscal, a respectiva reclamação graciosa, a qual deu entrada no Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia - ... em 02/08/2017.

           - No dia 13/09/2017, o representante fiscal do requerente foi pessoalmente notificado da decisão de indeferimento.

           3. O Requerente por não concordar com o indeferimento da reclamação graciosa apresentou em 07/12/2017 o presente pedido de pronúncia arbitral.

           - No dia 11/12/2017, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

      4. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 6º e da alínea a) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do tribunal arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

      5. Em 01/02/2018, as partes foram notificadas dessas designações não tendo manifestado vontade de recusar.

      6. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 21/02/2018.

      7. No dia 08/04/2018, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se unicamente por impugnação e juntou o processo administrativo (PA).

      8. No dia 11/04/2018, foi proferido despacho arbitral dispensando a reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, concedendo um prazo de dez dias para a apresentação de alegações escritas e fixando a data de 30/05/2018 para a produção da decisão arbitral.

      9. No dia 24/04/2018, foram apresentadas alegações escritas pela Requerente reiterando e desenvolvendo a sua posição jurídica.

    10. A Requerida não apresentou alegações escritas.

    11. Em 30/05/2018 foi proferida a decisão arbitral.

 

    B. PRETENSÃO DO REQUERENTE E SEUS FUNDAMENTOS

 

       - O Requerente é um cidadão português residente em Bruxelas, ou seja, é residente num Estado-Membro da União Europeia, no caso, na Bélgica.

        - O Requerente designou B..., como seu representante fiscal em Portugal.

        - O representante fiscal do Requerente procedeu à entrega da declaração de IRS - Modelo 3 do seu representado, respeitante ao ano de 2016, juntamente com o respectivo Anexo G relativamente aos rendimentos de mais-valias imobiliárias obtidos com alienações de imóveis realizadas em Dezembro de 2016.

        - Na declaração de IRS, referente a 2016, foi declarada a condição de não residente do Requerente.

        - Tendo, na declaração Modelo 3 de 2016, apenas declarado um tipo de rendimentos obtidos, a saber, mais-valias (categoria G).

        - Também consta do anexo G da declaração de rendimentos que as alienações onerosas de imóveis ocorridas em Dezembro de 2016 geraram um rendimento total de 170.000,00€, ao qual foi subtraída a soma dos valores de aquisição (2.300,00€) e as despesas e encargos (615,00€).

        - A mais-valia apurada cifrou-se em 166.671,00€, dizendo respeito a rendimentos obtidos pela alienação de imóveis.

        - A Autoridade Tributária procedeu ao cálculo do imposto devido, nos termos do nº 1 do artigo 43º do CIRS, tendo por base o saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano e aplicando uma taxa de 28% à totalidade do valor das mais-valias.

        - Deste modo, a Autoridade Tributária aplicou a taxa de 28% ao rendimento global de 166.671,00€, tendo o Requerente sido notificado para proceder ao pagamento do imposto apurado, o qual ascendia a 46.667,88€.

        - Entende o Requerente que esta liquidação se encontra ferida do vício de violação da lei.

        - Pois, de acordo com a jurisprudência do TJCE, designadamente a sustentada no acórdão de 16/03/1999 Trummer e Mayer C.222/97, não podem os residentes na União (como é o caso do Requerente) e os residentes em território português ter tratamento diferente.

        - Resultando da leitura do artigo 65º do TJUE que pode ocorrer uma discriminação entre residentes e não residentes, desde que esta não seja arbitrária e não constitua uma restrição dissimulada ao movimento de capitais.

        - E, a jurisprudência considera que pode ocorrer esta distinção, desde que respeite a situações não comparáveis objectivamente (cfr. Acórdãos de 7 de Setembro de 2004, Manninen, 0319/02 e de 14 de Setembro de 2006, Centro di Musicologia Walter Stauffer, C-386/04).

        - No entender do Requerente, no caso em apreço, não se afigura que os cidadãos residentes e os cidadãos não residentes se encontrem em situações não comparáveis.

        - Pois, como foi decidido no Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, de 11 de Outubro de 2007, proferido no processo C-443/06, designado por "Acórdão Hollmann", nem mesmo a necessidade de garantir a coerência do regime fiscal nacional se apresenta como razoável para permitir a restrição propugnada pelo artigo 43º, nº 2 do CIRS.

        - Assim, ainda no referido acórdão, o Tribunal de Justiça considerou que "o artigo 56º CE (actual artigo 63º do TFUE) deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, (...), que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-Membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efectuada por um residente noutro Estado-Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel."

        - Também, o Supremo Tribunal Administrativo já se pronunciou sobre esta questão, no processo 01172/14, através do Acórdão datado de 03/02/2016, cujo sumário, se transcreve:

         "I- As disposições do Tratado CE, que rege a União Europeia, prevalecem sobre as normas de direito ordinário nacional, nos termos definidos pelos órgãos do direito da União, desde que respeitem os princípios fundamentais do Estado de direito democrático.

         II- É incompatível com o direito comunitário, porquanto limita os movimentos de capitais que o artigo 56 do Tratado CE consagra, o disposto no nº 2 do artigo 43 do CIRS, por não aplicação aos residentes fora do território nacional a limitação de tributação a 50% das mais-valias realizadas que estatui para os residentes no território nacional."

        - Assim sendo, o Supremo Tribunal Administrativo decidiu confirmar a sentença recorrida, a qual concluiu "pela ilegalidade do acto de liquidação do IRS, que tributou as mais-valias apuradas na totalidade, na sequência da venda de um imóvel, nos termos do artigo 43º, nºs 1 e 2 do CIRS, por interpretação a contrario sensu, interpretação esta que violaria o Tratado que institui a Comunidade Europeia".

        - Também o Centro de Arbitragem Administrativa, quando interpelado para a mesma questão, considerou a tributação ilegal por incompatibilidade do número 2 do artigo 43º do CIRS com o artigo 63º do Tratado Sobre o Funcionamento da União Europeia, dado que restringe a tributação 50% das mais-valias a cidadãos não estrangeiros, conforme decisões arbitrais dos processos nºs 45/2012-T, 127/2012-T e 748/2015-T, datadas de 05/07/2012, 14/05/2013 e 27/07/2016, respectivamente.

        - Entende o Requerente que, a reclamação graciosa deveria ter sido deferida e, em consequência, anulada parcialmente a liquidação aqui em crise, por se encontrar inquinada por vício de violação de lei, o qual deveria ter sido declarado.

        - O Requerente procedeu ao pagamento integral da liquidação aqui em crise.

        - O Requerente pagou à Autoridade Tributária montantes indevidos, que ascendem a 23.333,94€.

        - Pelo que, nos termos do artigo 43º da LGT, que estabelece serem devidos juros indemnizatórios quando exista erro imputável aos serviços, o Requerente deverá ser ressarcido dos juros vencidos e vincendos desde a data de pagamento até integral liquidação.

 

 

           C. RESPOSTA DA REQUERIDA E SEUS FUNDAMENTOS

 

       - O Requerente submeteu, na qualidade de sujeito passivo não residente, a declaração de rendimentos Modelo 3 e respectivo anexo G, com o código nº ..., na qual declarou, para efeitos do cálculo das mais-valias obtidas com a venda de diversos prédios rústicos adquiridos em 2004.

        - Tendo optado pelo regime geral, a referida DRM 3, foi aceite e validada, dando lugar ao apuramento de imposto a pagar no valor de 46.667,88€.

        - Do confronto das normas do artigo 72º, nº 1 com o artigo 43º, nº 2, ambas do Código do IRS, constata-se que o legislador nacional faz um tratamento diferenciado quanto à tributação das mais-valias provenientes da alienação onerosa de imóveis em função da residência fiscal.

        - Assim, se o sujeito passivo for residente em território nacional, a mais-valia é considerada em apenas 50%, se o mesmo for não residente em território nacional, ainda que num Estado Membro da União Europeia (EM), a mais-valia é considerada na totalidade.

        - No presente caso, a AT considerou o Requerente, para efeitos de determinação do rendimento colectável e consequente liquidação do IRS, como não residente em Portugal, tendo sido considerada a totalidade da mais-valia realizada na alienação dos imóveis.

        - O Requerente entende que a AT, ao não considerar apenas 50% da mais-valia para efeitos de cálculo do imposto, violou o artigo 62º, nº 1 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), que expressamente proíbe todas as restrições aos movimentos de capitais entre os EM e entre EM e países terceiros, assim como também violou o princípio geral da não discriminação prevista no artigo 18º do TFUE, que expressamente dispõe que no âmbito de aplicação dos Tratados, e sem prejuízo das suas disposições especiais, é proibida toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade.

        - Os EM não podem introduzir discriminações não justificadas entre os seus nacionais e outros cidadãos da União Europeia (UE), sob pena de tal discriminação se traduzir num regime fiscal menos favorável para os não residentes, resultando do disposto no nº 4 do artigo 8º da CRP, o princípio do primado do direito europeu e da prevalência da interpretação do TJUE sobre o direito de fonte comunitária, proibindo qualquer discriminação injustificada entre cidadãos residentes e não residentes.

        - Nesse sentido já se pronunciou o TJUE, no acórdão de 11/10/2017, no processo C-443/06, ao considerar que o artigo 43º, nº 2 do Código do IRS, ao estabelecer um regime diferenciado para os residentes em Portugal e para os residentes noutros EM da UE, violava o artigo 56º do Tratado da Comunidade Europeia (TCE), sendo no mesmo sentido, os acórdãos do STA, de 22/03/2011 (Proc. 1031/10) e de 30/04/2013 (Proc. 01374/12), tendo também o CAAD já se pronunciado, no mesmo sentido, designadamente nos processos nº 45/2012-T, 127/2012-T e 748/2015-T.

        - Entende o Requerente que a liquidação impugnada é parcialmente ilegal, porquanto não tem na sua origem aplicação do disposto no artigo 43º, nº 2 do Código de IRS, da qual resultou, no caso concreto, a não aplicação da taxa de IRS sobre metade da mais-valia, já que o Requerente é residente noutro EM da UE.

         - O Requerente fez entrega da DRM 3 do ano de 2016, na qual o Requerente assinalou a qualidade de "não residente" em Portugal, pretendendo a tributação pelo regime geral, acompanhando a declaração com o Anexo G, relativo à alienação onerosa de bem imóvel.

         - Ora, em sede de IRS, no ponto de vista da Requerida, constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, conforme a alínea a), do nº 1 do artigo 10º do Código do IRS.

         - O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, sendo que quando respeitante às transmissões efectuadas por residentes previstas na alínea a), do nº 1 do artigo 10º do Código do IRS, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50% do seu valor, conforme nº 1 e nº 2, ambos do artigo 43º do mesmo Código do IRS.

         - As mais-valias previstas na alínea a), do nº 1 do artigo 10º do Código do IRS auferidas por não residentes em território português que não sejam imputáveis a estabelecimento estável nele situado são tributadas à taxa autónoma de 28%, conforme alínea a), do nº 1 do artigo 72º do Código do IRS.

         - Todavia, os residentes noutro EM da UE ou do Espaço Económico Europeu (EEE), desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos de mais-valias resultantes da alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no nº 1 do artigo 68º, do Código do IRS, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português, sendo para efeitos de determinação dessa taxa tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes, conforme nºs 9 e 10, do artigo 72º, do Código do IRS, na redacção dada por aditamento pela Lei nº 67-A/2007, de 31/12.

         - Este aditamento dado pela Lei nº 67-A/2007, de 31/12, visou adequar o sistema tributário nacional à decisão constante do acórdão do TJUE de 11/10/2007, no Proc. nº C-443/06, mais conhecido por acórdão Hollmann.

         - O TJUE considerou que a questão que importava elucidar era a de saber se a disposição constante do artigo 56º do TCE, se opunha "a uma legislação nacional, como a que está em causa no litígio no processo principal, que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num EM, quando essa alienação é efectuada por um residente noutro EM, a uma carga fiscal superior aquela que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel" (nº 22 do Acórdão).

         - A resposta do TJUE a esta questão foi a seguinte:

          "O  artigo 56º CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no litígio no processo principal, que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-Membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efectuada por um residente noutro Estado-Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente no Estado onde está situado esse mesmo imóvel".

         - Conforme resulta desta afirmação, o que releva, do ponto de vista da compatibilidade com o Direito Comunitário, não é, simplesmente, o facto do nº 1 do artigo 43º, do Código do IRS excluir da limitação da incidência de imposto a 50% as mais-valias realizadas por um residente noutro EM da UE, mas é sim, decisivamente, o facto de daí poder resultar uma carga fiscal superior à que seria aplicável a um residente para o mesmo tipo de operações, ora, como se diz no acórdão, o que não é admissível do ponto de vista do Direito Comunitário é "um tratamento fiscal desigual para os não residentes, na medida em que permite, no caso de realização de mais-valias, uma tributação mais gravosa e, por isso, uma carga fiscal superior à que é suportada pelos residentes numa situação objectivamente comparável" (nº 54 do Acórdão).

         - A chave para a resolução da questão da incompatibilidade com o Direito Comunitário verificada na situação em apreço assenta no facto de, tal como se afirma no nº 58 do Acórdão do TJUE, "a vantagem fiscal concedida aos residentes, que consiste numa redução de metade da matéria colectável correspondente às mais-valias, excede, em todo o caso, a contrapartida que consiste na aplicação de uma taxa progressiva à tributação dos seus rendimentos".

         - Desta forma, para que se possa detectar o tratamento fiscal desigual para os não residentes há que atender à redução a metade da matéria colectável das mais-valias imobiliárias, mas,

         - É necessário igualmente considerar a taxa que se aplicaria com o mesmo nível de rendimento por força da progressividade por escalões relativamente aos residentes, não se tratando de proceder à extensão ilimitada e incondicional da vantagem resultante do nº 2 do artigo 43º do Código do IRS para os não residentes, o que teria como consequência inadmissível e não querida em face do princípio da não discriminação que seria suportado, independentemente do valor da matéria colectável, imposto apenas a uma taxa de 12,5% por aplicação da taxa proporcional de 25% correspondente a 50% do saldo positivo entra as mais-valias e as menos-valias.

         - Portanto, o quadro jurídico em que se afere, em relação à tributação das mais-valias imobiliárias, a existência de uma "carga fiscal superior à que é suportada pelos residentes numa situação objectivamente comparável" (nº 54 do acórdão), compreende, para além do nº 2 do artigo 43º do Código do IRS, as disposições constantes do artigo 22º, nº 1 e artigo 68º, ambos Código do IRS, no que respeita aos não residentes e à sua tributação à taxa de 25%.

         - Como resulta dos autos, o Requerente somente inscreveu no rosto da DRM 3 do ano de 2016 que pretendia a tributação pelo regime geral.

         - Não tendo o Requerente assinalado a opção pelas taxas gerais do artigo 68º, do Código do IRS, nos termos dos nºs 9 e 10 do artigo 72º, também do Código do IRS, cuja opção implicaria inscrever a totalidade dos rendimentos obtidos no estrangeiro, caso os tivesse e o respectivo país, pelo que a liquidação foi feita de acordo com os elementos inscritos pelo Requerente.

         - Como se referenciou, a AT limitou-se a aplicar a lei, não decorrendo da mesma qualquer questão de interpretação ao nível da desconformidade ou incompatibilidade com o direito comunitário.

         - A AT não poderia deixar de aplicar uma norma com este fundamento, por estar sujeita ao princípio da legalidade, conforme nº 2 do artigo 266 do CRP, conjugado com o artigo 55º da LGT.

         - A actual redacção dos nºs 9 e 10 do artigo 72º, do Código do IRS, foram aditados na sequência da pronúncia do TJUE, que não procedia à extensão ilimitada e incondicional da vantagem resultante do nº 2 do artigo 43º, do Código do IRS, para os não residentes.

         - O Requerente optou pelo método de tributação para não residentes, quando poderia ter optado pelo método de englobamento, equiparável ao regime dos residentes em território nacional, o que não fez.

 

 

      D. QUESTÕES A DECIDIR

 

            Face às posições assumidas pelas Partes conforme os argumentos apresentados é, no fundo, a seguinte questão que, cabe apreciar e decidir:

            Se no caso de mais-valias resultante da alienação de bens imóveis, o regime diferenciado de tributação aplicável a residentes no território nacional e a residentes no território da União Europeia, no que concerne à  limitação da incidência de IRS para os aqui residentes de 50% do saldo das mais-valias, configura, ou não, uma discriminação no domínio da liberdade da circulação de capitais, violadora do art. 63º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, quando não abrange os residentes noutro Estado-Membro da União Europeia.

 

     E. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

 

        - O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2º, nº 1, alínea a), 5º e 6º, nº 1, do RJAT.

         - As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4º e 10º do RJAT e artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

         - O processo não enferma de nulidades.

         - Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

        Tudo visto, cumpre proferir

 

 

 II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

 

A.1. Factos dados como provados

       Com relevância para a apreciação das questões suscitadas, o Tribunal dá como provados os seguintes factos:

    1. O Requerente A..., NIF ... é um cidadão português residente em Bruxelas.

    2. O Requerente designou B..., como seu representante fiscal em Portugal.

    3. O representante fiscal do Requerente procedeu à entrega da declaração de IRS - Modelo 3 do seu representado, respeitante ao ano 2016, juntamente com o respectivo Anexo G relativamente aos rendimentos de mais-valias imobiliárias obtidos com alienações de imóveis realizadas em Dezembro de 2016.

     4. Na declaração de IRS, referente a 2016, foi declarada a condição de não residente do Requerente.

     5. Na declaração Modelo 3 de 2016, apenas foi declarado um tipo de rendimentos obtidos, a saber, mais-valias.

     6. Também consta do Anexo G da declaração de rendimentos que as alienações onerosas de imóveis ocorridas em Dezembro de 2016 geraram um rendimento total de 170.000,00€, ao qual foi subtraída a soma dos valores de aquisição (2.300,00€) e as despesas e encargos (615,00€).

     7. A mais-valia apurada cifrou-se em 166.671,00€.

     8. A Autoridade Tributária procedeu ao cálculo do imposto devido, nos termos de nº 1 do artigo 43º do CIRS, tendo por base o saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano.

     9. Procedeu à aplicação de uma taxa de 28% à totalidade do valor das mais-valias no montante de 166. 671,00€.

   10. O Requerente foi notificado para proceder ao pagamento do imposto apurado, o qual ascendia a 46.667,88€, tendo efectuado esse pagamento em 25/08/2017.

   11. Por não se conformar com a liquidação em apreço, o Requerente apresentou, através do seu representante fiscal, reclamação graciosa em 02/08/2017 no Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia - ... .

   12. Em 13/09/2017, o representante fiscal do Requerente foi notificado da decisão de indeferimento.

 

A.2. Factos dados como não provados

 

        Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

 

           Os factos dados como provados estão baseados nos documentos indicados relativamente a cada um deles, no processo administrativo e nos elementos factuais carreados para o processo pelas Partes, na medida em que a sua adesão à realidade não tenha sido questionada.

 

B. DO DIREITO

 

     Fixada a matéria de facto, procede-se, de seguida à sua subsunção jurídica e à determinação do Direito a aplicar, tendo em conta a questão a decidir que foi enunciada.

     A questão a decidir nos presentes autos consiste em saber se a A.T. ao tributar a totalidade das mais-valias resultantes da alienação onerosa do bem imóvel sub-judice por um sujeito passivo que não reside em Portugal, mas na Bélgica, país membro da União Europeia, por considerar que o nº 2, do art. 43º do Código do IRS deve ser aplicado tão-só aos sujeitos passivos residentes em Portugal, terá violado o Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, designadamente o seu art. 63º que assegura a liberdade de circulação de capitais, constituindo tal facto um comportamento discriminatório entre residentes em Portugal e residentes noutro Estado - Membro da União Europeia.

    Com efeito, entende a Requerida que a disciplina do art. 43º, nº 2 do CIRS é aplicável apenas a residentes em território nacional, tendo em conta o elemento literal da norma e as especificidades do regime de tributação das pessoas singulares em Portugal, assente no princípio do englobamento e da progressividade.

     No entanto, e como resulta do que se dirá a seguir, carece totalmente de fundamento legal a tese da Requerida que sustenta a coexistência na ordem jurídica portuguesa de dois regimes, um aplicável às pessoas residentes em território português e outro aplicável às pessoas que não sejam aí residentes, embora residam também no território de Estado Membro da União Europeia.

     Ora, conforme, aliás, é alegado pelo Requerente, esta questão foi já apreciada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), no seu Acórdão de 11/10/2007, proferido no processo C-443/06, designado por "Acórdão Hollmann", que se pronunciou no sentido que o referido art. 43º, nº 2 do CIRS por revestir carácter menos favorável para os não residentes, infringindo, assim, o princípio da liberdade de circulação de capitais entre Estados-Membros da União Europeia, viola o art. 63º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

     Assim sendo, fica, agora, por determinar se a opção, que o sistema tributário português introduziu, após a publicação do referido "Acórdão Hollmann", e que se encontra vertido nos nºs 8 e 9 do art. 72º do CIRS, terá afastado o juízo de discriminação do TJUE, formulado a respeito do disposto no nº 2 do art. 43º do CIRS, nos termos acima indicados.

    Com efeito, para a Requerida o regime constante do art. 72º do CIRS repôs a igualde de tratamento entre residentes e não residentes, eliminando, assim, qualquer discriminação que pudesse existir.

    Ora, tal não ocorre, como decorre do que a seguir se explana.

     Em situação paralela, veio o TJUE pronunciar-se em 18 de Março de 2010, no apelidado "Acórdão Gielen" (processo C-440/08), frisando claramente que a opção de equiparação que venha permitir a um sujeito passivo não residente a possibilidade de escolher entre um regime fiscal discriminatório e um outro regime supostamente não discriminatório não exclui os efeitos discriminatórios do primeiro destes dois regimes, pois se tal fosse reconhecido estar-se-ia a validar um regime fiscal violador do Tratado, em razão do seu carácter discriminatório.

     E, peremptoriamente, conclui que o Tratado "se opõe a uma regulamentação nacional que discrimina os contribuintes não residentes... apesar de esses contribuintes poderem optar pelo regime aplicável aos contribuintes residentes".

     Ora, o nº 4 do art. 8º da Constituição da República consagra o princípio do primado do direito comunitário e da prevalência da interpretação do TJUE, nos seguintes termos:

    “3. As normas emanadas dos órgãos competentes das organizações internacionais de que Portugal seja parte vigoram diretamente na ordem interna, desde que tal se encontre estabelecido nos tratados constitutivos.”

     Assim sendo,  prevalecendo na ordem jurídica portuguesa a jurisprudência do TJUE, em matéria de direito comunitário, vinculando a mesma os tribunais nacionais, conforme é reconhecido pelo STA, e face ao paralelismo das questões que foram decididas  com a questão agora em apreciação, a decisão nos presentes autos não se distinguirá, nem se poderia distinguir da orientação fixada na referida jurisprudência, isto é que a solução que o legislador português adoptou não eliminou o carácter discriminatório em que nesta matéria se encontram os sujeitos passivos residentes em Estados-Membros da União Europeia.

     Também tem sido esta a Jurisprudência adoptada pelo Supremo Tribunal Administrativo, conforme se verifica no Acórdão de 22 de Março de 2011, proferido no processo nº 1031/10, em que para fundamentar a anulação da liquidação emitida pela Autoridade Tributária, este venerando Tribunal disse o seguinte:

     "perante a declaração dos contribuintes, lhes liquidou o imposto que considerou devido (como aliás sempre sucede no IRS): à taxa prevista para os não residentes (25%, nos termos do artigo 72º nº 1 do Código do IRS) e sobre o montante total da mais-valia realizada e não apenas sobre 50% deste valor (artigo 43º, nº 2 do Código do IRS), assim ignorando a jurisprudência comunitária e a deste Supremo Tribunal que a acolheu (cfr. o Acórdão de 16 de Janeiro de 2008, rec. nº 439/06) quanto à incompatibilidade daquela disposição legal, assim aplicada, com o (então) artigo 56º do TJCE (actual artigo 63º do Tratado sobre o Financiamento da União Europeia), sujeitando deste modo, como veio a acontecer, a ver anulada nessa parte a liquidação impugnada, dado o primado do direito comunitário.".

     E, no que ao princípio da não discriminação diz respeito, nas situações de tratamento igual entre cidadãos europeus, independentemente da sua nacionalidade e residência, como princípio estruturante da União Europeia, citam-se os Acórdãos do STA de 16/01/2008 (proc. nº 439/06) de 27/11/2013 (proc. nº 0654/13) e de 14/05/2014 (proc. nº 01319/13).

     No mesmo sentido este CAAD se tem pronunciado sobre a questão sub judice, conforme se verifica nas Decisões, que vêm citadas nas peças processuais e que foram  proferidos nos processos nº 45/2012-T, em 05/06/2012, nº 127/2012-T, em 14/05/2013 e nº 748/2915, em 27/07/2016, que consideraram ilegais as liquidações efectuadas pela AT nestas circunstâncias, e procederam à sua anulação, por estas terem  restringido o  direito à redução em 50% das mais- valias aos sujeitos passivos residentes em Portugal.

     Assim sendo, dúvidas não há de que a solução normativa que foi adoptada pelo legislador nacional não eliminou o carácter discriminatório no tratamento de residentes e de não residentes, em matéria de mais-valias decorrentes da alienação de imóveis.

     Deste modo, atento o exposto, procede o vício de violação de lei invocado pelo Requerente relativamente à liquidação efectuada pela Requerida nos referidos termos e que vem impugnada, por manifesta incompatibilidade do nº 2 do art. 43º do Código do ISS com o art. 63º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, no ponto em que restringe a redução das mais-valias sujeitas a IRS a 50% apenas aos sujeitos passivos que são residentes em Portugal, com a sua consequente anulação.

    Relativamente aos juros indemnizatórios, esta matéria está regulada no art. 24º do RJAT, o qual expressamente determina no seu nº 1, alínea b) que a decisão arbitral obriga a administração tributária, nos casos aí consignados, a “Restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessárias, para o efeito”, e preceitua, ainda, no seu nº 5,  que “É devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, reconhecendo, assim, o direito a juros em processo arbitral.

    Também o art. 100º da LGT, cuja aplicação é autorizada pelo art. 29º, nº 1, alínea a), preceitua de modo idêntico, no sentido da imediata reconstituição da legalidade, compreendendo a mesma o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso.

    Por seu lado, o art. 43º da LGT condiciona o direito a juros indemnizatórios aos casos em que “houve erro imputável aos serviços de que resulta pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

    Nesta conformidade, a questão que se coloca é a de se saber se, face ao circunstancialismo demonstrado, se pode considerar ter havido, ou não, erro imputável aos serviços na situação vertente.

    Analisada a situação, verifica-se que a Autoridade Tributária ao proceder à liquidação, nos termos em que o fez, tinha consciência de que incorria na prática de uma ilegalidade, uma vez que o entendimento aqui sufragado já se encontra sedimentado na ordem jurídica há largos anos e a Requerida reconhece conhecê-lo.

     Assim sendo, há que reconhecer que o acto de liquidação, que é da inteira responsabilidade da Requerida e que conduziu a um pagamento de IRS em montante superior ao legalmente devido e está inquinado por vício de violação da lei, foi praticado por erro imputável aos serviços, pelo que haverá lugar ao pagamento de juros indemnizatórios.     

 

C. DECISÃO

 

Termos em que decide este Tribunal Arbitral julgar integralmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

a)  Anular o acto tributário objecto dos presentes autos

b)  Condenar a Requerida a restituir à Requerente o valor do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, a contar da data em que foi efectuado o pagamento

c)  Condenar a Requerida nas custas do processo,

 

 

D. Valor do processo

 

Fixa-se o valor do processo em 23.589,55€, nos termos do artigo 97º-A, nº 1, a), do Código de Procedimentos e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 29º do RJAT e do nº 2 do artigo 3º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

 

E. Custas

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 1.224,00€, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12º, nº 2, e 22º, nº 4, ambos do RJAT, e artigo 4º, nº 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

(Esta decisão foi redigida pela ortografia antiga)

 

 

Lisboa, 30 de Maio de 2018

 

 

O Árbitro

 

(José Nunes Barata)