Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 520/2017-T
Data da decisão: 2018-06-04  IRS  
Valor do pedido: € 4.724,04
Tema: IRS – Artigo 43.º, n.º 2 do Código do IRS – Mais-valias – Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis – Não residentes.
Versão em PDF

 

Decisão Arbitral (consultar versão completa no PDF)

 

  1. RELATÓRIO

 

  1. Em 26 de Setembro de 2017, os contribuintes A... e B..., não residentes em Portugal para efeitos fiscais, com os números de identificação fiscal ... e ..., respectivamente, com morada fiscal em ...,  ..., ..., no Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, adiante designados por os Requerentes, solicitaram a constituição de tribunal arbitral e procederam a um pedido de pronúncia arbitral, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e alínea a) do n.º 1 do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT).
  2. Os Requerentes, no âmbito dos presentes autos, constituíram como mandatário o Dr. C..., e a Requerida é representada pelas juristas, Dra. D... e Dra. E... .
  3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e foi notificado à Requerida em 7 de Dezembro de 2017.
  4. Mediante o pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, os Requerentes pretendem a anulação, parcialmente, dos actos tributários de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), do ano 2016, n.º 2017 ... e n.º 2017..., devendo ser reduzido o seu valor de € 6.824,04 para € 4.462,02 no que ao Requerente A... diz respeito e de € 4.724,04 para € 2.362,02 no que à Requerente B... diz respeito,  respectivamente, e, ainda, como efeito da decisão arbitral deve a Autoridade Tributária e Aduaneira extinguir os processos executivos e contraordenacionais subjacentes aos actos de liquidação em referência.
  5. Verificada a regularidade formal do pedido apresentado, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT, foi designado como árbitro pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o signatário.
  6. O Árbitro aceitou a designação efectuada, tendo o Tribunal arbitral sido constituído no dia 6 de Dezembro de 2017, na sede do CAAD, sita na Avenida Duque de Loulé, n.º 72-A, em Lisboa, conforme acta da constituição do tribunal arbitral que foi lavrada e que se encontra junta aos presentes autos.
  7. Depois de notificada para o efeito, a Requerida apresentou, a 8 de Janeiro de 2018, a sua resposta.
  8. Por despacho de 1 de Março de 2018, não existindo necessidade de produção de prova adicional, para além daquela que documentalmente já se encontra incorporada nos autos, não se vislumbrando necessidade de as partes corrigirem as respectivas peças processuais, reunindo o processo todos os elementos necessários para prolação da decisão, por razões de economia e celeridade processual, da proibição da prática de actos inúteis, o Tribunal entendeu ser de dispensar a realização da reunião a que se refere o art.º 18 do RJAT, caso as partes a isso não se oponham. Face ao silêncio das Partes, a aludida reunião foi dispensada. O Tribunal decidiu, ainda, conceder um prazo sucessivo de 15 dias para os Requerentes e a Requerida, por esta ordem, apresentarem as correspondentes alegações por escrito, iniciando-se o prazo da Requerida da notificação das alegações dos Requerentes ou do termo do prazo para esse efeito.
  9. Com efeito, em 6 de Março de 2018 os Requerentes apresentaram as suas alegações por escrito e, em 20 de Março de 2018 foi a vez da Requerida.
  10. O Tribunal, em cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 18.º do RJAT designou o dia 06 de Junho de 2018 para efeito de prolação da decisão arbitral, tendo advertido os Requerentes, por despacho de 01 de Março de 2018, de que deveriam proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e comunicar o mesmo pagamento ao CAAD.

 

 

  1. Os Requerentes sustentam o seu pedido, em síntese, da seguinte forma:

 

Os Requerentes sustentam o pedido de anulação parcial dos actos tributários de liquidação de IRS, do ano 2016, n.º 2017... e n.º 2017..., traduzida na redução do seu valor de € 6.824,04 para € 4.462,02 e de € 4.724,04 para € 2.362,02, respectivamente, por enfermarem nos seguintes vícios:

  1. Os Requerentes entendem que, no apuramento do seu rendimento colectável, a AT não aplicou a regra constante do artigo 43.º, n.º 2 do Código do IRS, que prevê a redução para metade do ganho resultante da mais-valias gerada pela alienação onerosa do direito de usufruto que detinham sobre o prédio urbano situado na freguesia da ... e ..., no concelho da Lagoa, a que corresponde o artigo ..., daquela freguesia.
  2. Com efeito, «a inclusão no rendimento coletável da totalidade das mais-valias resultantes da alienação do direito real sobre o imóvel, enferma de erro de direito, uma vez que apenas deveria ter sido considerado 50% do respetivo valor, por aplicação do previsto no nº 2 do artigo 43.º do Código do IRS, numa interpretação desde normativo em conformidade com o direito comunitário.»
  3. Materializando, «a inaplicabilidade do citado n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS aos residentes de outro Estado-Membro da União Europeia, consubstancia uma violação do artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (correspondente ao artigo 56º do Tratado que instituiu ao Comunidade Europeia) em virtude do seu efeito discriminatório.»
  4. Esta divergência de regimes de tributação em função de os sujeitos passivos residirem, ou não, num Estado-Membro, «foi já apreciada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”), no Acórdão, de 11 de Outubro de 2007, proferido no processo C-443/06 (“Acórdão Hollmann”), na sequência do qual o Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) concluiu que «o n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, (…) que limita a incidência de imposto a 50% das mais-valias realizadas apenas para residentes em Portugal, viola o disposto no art. 56.º do Tratado que Institui a Comunidade Europeia, ao excluir dessa limitação as mais-valias que tenham sido realizadas por um residente noutro Estado membro da União Europeia.» (cfr. Acórdão do STA, de 16 de janeiro de 2008, Proc. 439/06).»
  5. É de acrescentar, «ainda a este respeito, que o legislador nacional instituiu, através da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro, um regime opcional de equiparação dos não residentes aos residentes, com o objetivo de obviar ao tratamento diferenciado dos não residentes comunitários que obtenham em Portugal mais-valias imobiliárias, face aos residentes em território nacional.»
  6. No entanto, a «existência deste regime, meramente opcional, (para além de criar um ónus adicional nos contribuintes não residentes face aos residentes – o qual consiste na necessidade do exercício dessa opção -) não afasta a invalidade do regime discriminatório ainda vigor (que foi aplicado às liquidações de IRS ora impugnadas).»
  7. Tal como o TJUE se pronunciou, numa situação análoga, no Acórdão proferido no processo C-440/08, de 18 de Março de 2010, «a opção de equiparação permite a um contribuinte não residente, (…) escolher entre um regime fiscal discriminatório e um outro regime supostamente não discriminatório», não é suficiente para eliminar os efeitos discriminatórios do regime.»
  8. Face o exposto, entendem os Requerentes que «foi a Autoridade Tributária que, «perante a declaração dos contribuintes, lhes liquidou o imposto que considerou devido … à taxa prevista para os não residentes … e sobre o montante total da mais-valia realizada e não apenas sobre 50% deste valor…,assim ignorando a jurisprudência comunitária e a deste Supremo Tribunal que a acolheu (cfr. o Acórdão de 16 de Janeiro de 2008, rec. n.º 439/06) quanto à incompatibilidade daquela disposição legal, assim aplicada, com o (então) artigo 56.º do TJCE (actual artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia), sujeitando deste modo, como veio a acontecer, a ver anulada nessa parte a liquidação impugnada, dado o primado do direito comunitário.» (cfr. Acórdão do STA de 22 de março de 2011, Proc. 1031/10).»
  9. Por isso, requerem que o Tribunal Arbitral declare: (i.) procedente, por provado, o pedido de anulação parcial dos actos tributários de liquidação nº 2017 ... e nº 2017 ..., com fundamento em errónea quantificação e em errónea qualificação dos factos tributários; (ii.) nomeadamente, a liquidação de imposto n.º 2017 ... ser reduzida de € 6.824,04 para € 4.462,02, e a liquidação de imposto n.º 2017 ... ser reduzida de € 4.724,00 para € 2.362,02; (iii.) a extinção dos processos executivos e contraordenacionais subjacentes aos actos de liquidação anulados pela douta decisão arbitral.

 

  1. Na sua Resposta a Requerida, invocou, em síntese, o seguinte:

Por seu lado, a AT vem, na sua resposta, defender-se por impugnação, do seguinte modo:

  1. Entende a Requerida que «a liquidação em causa não assentou no pressuposto de não se reconhecer, sem mais, o direito dos RR de optar pela tributação do rendimento gerado com ganhos de mais-valias imobiliárias obtidos no território português, apenas com incidência sobre 50% do montante dos ganhos percebidos, à semelhança do que sucede com os cidadãos residentes.»
  2. A questão é «de natureza adjectiva pois reza a alínea a) do nº 1 do Artigo 76º do CIRS que a liquidação do IRS, tendo sido apresentada a declaração até 30 dias após o termo do prazo legal, tem por objecto o rendimento colectável determinado e processa-se com base nos elementos declarados, sem prejuízo do disposto no n.º 4 do artigo 65.º.»
  3. Pelo que, «Trata-se de uma situação em que a lei atribui relevância à vontade dos sujeitos passivos e em que estes podem optar pelo regime que considerem ser mais favorável.»
  4. No caso concreto, «atenta a prova produzida nos autos verifica-se que foram os RR que se declararam não residentes mas residentes no território nacional e inscreveram na declaração de rendimentos modelo 3 do ano de 2016 que pretendiam a tributação pelo regime geral.»
  5. Subsequentemente, os Requerentes não assinalaram «a opção pelas taxas gerais do artigo 68º do CIRS, relativamente aos rendimentos não sujeitos a retenção liberatória nos termos do nº 9 do artigo 72º, do mesmo diploma legal.»
  6. Assim sendo, a Requerida, «perante a declaração de rendimentos dos RR, liquidou o imposto, à taxa de 28%, prevista no nº 1 do artigo 72.º do Código do IRS, considerando a totalidade da mais-valia realizada por aquele e não apenas sobre 50% da mesma, nos termos prescritos do nº 2 do artigo 43.º do mesmo Código.»
  7. Se o tivessem feito «estariam os RR obrigados a declarar os rendimentos globais obtidos em Portugal e no Reino Unido, valores não se fizeram constar das DR Modelo 3.»
  8. Ora, «o que não se pode deixar de frisar é que foram os RR, que não exerceram a opção feita, em tempo e local oportuno, no sentido de serem tributados como agora pretendem valer, pelo que a AT não procedeu a qualquer alteração do declarado pelos sujeitos passivos, limitando-se, antes, a proceder à liquidação do imposto de harmonia com os elementos que estes lhes facultaram.»
  9. Com efeito, «a responsabilidade pelo declarado é-lhes integralmente assacada enquanto sujeitos passivos pois são eles, desde que dotados de personalidade jurídica nos termos do artigo 15º da LGT e capacidade tributária nos termos do seu artigo 16º, que estão vinculados ao cumprimento da prestação tributária.»
  10. Nestes termos, é evidente a conformidade legal do acto tributário objecto do presente pedido arbitral, devendo condenar-se os Requerentes em custas.

 

  1. Saneamento

 

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e dos artigos 5º e 6º, todos do RJAT.

 

Tendo em conta a apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios e regras de direito, a ora cumulação de pedidos e a coligação de autores são admissíveis, nos termos do artigo 3.º, n.º 1 do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, encontram-se regularmente representadas e o processo não enferma de nulidades.

 

  1. Matéria de Facto

 

Com interesse para a decisão, dão-se por provados os seguintes factos:

 

  1. Os Requerentes, em 2016, eram residentes no Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte (cfr. doc. n.º 1 e 2 junto com Petição Arbitral).
  2. Os Requerentes, em 25 de Outubro de 2016, procederam à alienação do direito de usufruto que detinham sobre o prédio urbano situado na freguesia de ... e ..., concelho da Lagoa, a que corresponde o artigo ..., da referida freguesia (cfr. doc. n.º 3 junto com a Petição Arbitral).
  3. Em 2017-07-31, os Requerentes apresentaram, individualmente, a declaração de rendimentos de IRS – Modelo 3, relativa aos rendimentos auferidos no ano de 2016, acompanhada pelo Anexo G - Categoria G, sob o título “MAIS-VALIAS E OUTROS INCREMENTOS PATRIMONIAIS”, tendo sido ali unicamente declarado a alienação onerosa do direito de usufruto acima identificado, na proporção de 50%, tendo ainda o Requerente A... declarado no Anexo A o rendimento de trabalho dependente no valor de € 8.400,00, pago pela entidade ... (cfr. facto alegado no artigo 7º a 9º da Petição Arbitral e documento n.º 4 e 5 junto com a petição inicial).
  4. Nas mencionadas declarações de rendimentos Modelo 3 de IRS, os Requerentes assinalaram no quadro 08B, campo 04, como “Não residente”, mas com “Residência em país da U.E.” campo 06, solicitando a tributação pelo regime geral campo 07 (cfr. documento n.º 4 e 5 junto com a Petição Arbitral).
  5. Nos mencionados Anexos G, das referidas declarações de rendimentos, os Requerente inscreveram no quadro 4 os valores a seguir transcritos:

 

 

  

 

(cfr. documento n.º 4 e 5 junto com a Petição Arbitral).

  1. A AT procedeu à liquidação n.º 2017..., datada de 2017-08-04, período de 2016, nos termos da qual o rendimento global apurado para o Requerente A... foi de € 25.271,58 (€ 8.400,00 de rendimento da categoria A + € 16.871,58 de rendimento da categoria G) (cfr. documento n.º 1 junto com a Petição Arbitral).
  2. A AT procedeu à liquidação n.º 2017..., para a Requerente B... datada de 2017-08-04, período de 2016, nos termos da qual o rendimento global apurado foi de € 16.871,58, resultante da mais-valia realizada (cfr. documento n.º 2 junto com a Petição Arbitral).
  3. A AT considerou a totalidade da mais-valia apurada, no montante de € 16.871,58, na determinação do rendimento colectável para cada um dos Requerentes (cfr. documento n.º 1 e 2 junto com a Petição Arbitral).
  4. Assim sendo, a AT apurou imposto a pagar, no montante de € 6.824,04, para o Requerente A..., e de € 4.724,04 para a Requerente B..., resultante da tributação à taxa de 28% dos rendimentos da Categoria G auferidos pelos ora requerentes e à taxa de 25% do rendimento da categoria A (este último auferido apenas pelo sujeito passivo n.º ...) (cfr. documento n.º 1 e 2 junto com a Petição Arbitral).

 

  1. Factos dados como não provados

 

Não existem factos dados como não provados, porque todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram dados como provados.

 

  1. Motivação da matéria de facto dada como provada

 

Para a convicção do Tribunal Arbitral, relativamente aos factos provados, relevaram os documentos juntos aos autos, bem como o processo administrativo, tudo analisado e ponderado em conjugação com os articulados, dos quais resulta concordância quanto à factualidade apresentada pelos Requerentes no pedido de pronúncia arbitral.

 

  1. Questão decidenda

 

  1. Em face do exposto nos números anteriores, a principal questão a decidir é a seguinte:

- Os actos tributários das liquidações de IRS, referente ao ano de 2016, são ilegais, na medida em que ao tributar-se a totalidade das mais-valias resultantes da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, por sujeitos passivos não residentes em Portugal (direito de usufruto), mas que são residentes noutro Estado-membro da União Europeia, interpretando e aplicando, assim, o preceituado no n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS unicamente a sujeitos passivos residentes em Portugal, está em desconformidade com o direito comunitário, particularmente, com a liberdade de circulação de capitais, prevista no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (correspondente ao anterior artigo 56.º do Tratado que institui a Comunidade Europeia), constituindo uma situação de discriminação entre residentes em Portugal e residentes noutro Estado-membro da União Europeia.

 

  1. Fundamentos de direito

 

  1. Vamos determinar agora o Direito aplicável aos factos subjacentes, de acordo com a questão já enunciada (vd., supra n.º 11).
  2. Em sede de IRS, determina a alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Código do IRS que, Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de: a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis (…)”, sendo o ganho constituído “pela diferença entre o valor da realização e o valor de aquisição, líquidos das partes qualificada como rendimento de capitais (…)” (cfr. n.º 4 do artigo 10.º do Código do IRS).
  3. No que respeita à tributação de não residentes em território português, o artigo 13.º, n.º 1 do Código do IRS dispõe que “Ficam sujeitas a IRS as pessoas singulares que residam em território português e as que, nele não residindo, aqui obtenham rendimentos”, acrescentando o artigo 15.º, n.º 2 do mesmo diploma legal que, quanto aos não residentes, aquele imposto “incide unicamente sobre os rendimentos obtidos em território português”. Assim sendo, de acordo com o artigo 18.º, n.º 1, alínea h) do Código do IRS, as mais-valias resultantes da transmissão de imóveis nele situados constituem rendimentos obtidos em território português.
  4. Com efeito, o “valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano”, sendo tal saldo considerado apenas em 50% do seu valor, respeitante às transmissões efectuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo (cfr. artigo 43.º, n.ºs 1 e 2 do Código do IRS).
  5. Quanto à taxa aplicável de IRS, preceitua a alínea a), do n.º 1, do artigo 72.º do Código do IRS, sob a epígrafe “Taxas especiais”, que, “1 - São tributados à taxa autónoma de 28 %: a) As mais-valias previstas nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 10.º auferidas por não residentes em território português que não sejam imputáveis a estabelecimento estável nele situado;”.
  6. Atento ao disposto, sobre a questão em apreço, e de acordo com o mencionado pelos Requerentes na Petição Arbitral, o Acórdão Hollmann do TJUE, proferido em 11.10.2007, processo C-443/06, veio considerar que o disposto no n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, ao limitar a tributação a 50% do saldo apurado entre mais-valias e menos-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal e não para os não residentes, para efeitos de determinação da matéria colectável em IRS, “constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 56.º CE” (actual artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia - TFUE).

A este propósito, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 16.01.2008, proferido no processo n.º 0439/06, veio igualmente decidir pela incompatibilidade da aplicação do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS e, consequentemente, pela violação do preceituado no artigo 56.º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia, em obediência ao primado do direito comunitário estipulado no nosso ordenamento jurídico no artigo 8.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa (CRP), “As disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático” (cfr. a título de exemplo, no mesmo sentido, o acórdão do STA de 22.03.2011, processo n.º 01031/10).

  1. Pelo que, tendo em conta a prevalência da jurisprudência do TJUE, em matéria de direito comunitário, não se pode concluir e decidir de outra forma nos presentes autos, atenta as questões ali versadas serem semelhantes à do ora caso, bem como a norma legal sobre a qual as mesmas se fundaram.
  2. Neste sentido, pelo menos, já se pronunciaram as decisões do CAAD dos processos n.º 127/2012- T e 45/2012-T.
  3. O processo n.º 45/2012-T seguiu a doutrina dimanada pelo TJUE, no referido Acórdão Hollmann, citando:

“Na jurisprudência Hollmann, o TJUE conclui que a norma nacional vertente [n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS] viola o artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, por revestir carácter discriminatório (menos favorável) para os não residentes e ser, em consequência, restritiva da liberdade de circulação de capitais entre Estados-Membros.

Esta conclusão assenta nos seguintes argumentos principais:

(a) Uma operação de liquidação de um investimento imobiliário constitui um movimento de capitais, prevendo o Tratado uma norma específica que proíbe todas as restrições aos movimentos de capitais;

(b) No caso de venda de um bem imóvel sito em Portugal, ocorrendo a realização de mais-valias, os não residentes ficam sujeitos a uma carga fiscal superior que é aplicada a residentes, encontrando-se, portanto, numa situação menos favorável que estes últimos;

(c) Com efeito, enquanto a um não residente é aplicada uma taxa de 25% sobre a totalidade das mais-valias realizadas, a consideração de apenas metade da matéria colectável correspondente às mais-valias realizadas por um residente permite que este beneficie sistematicamente, a esse título, de uma carga fiscal inferior, qualquer que seja a taxa de tributação aplicável sobre a totalidade dos seus rendimentos, visto que a tributação do rendimento dos residentes está sujeita a uma tabela de taxas progressivas cujo escalão mais elevado é de 42%;

(d) Este regime torna a transferência de capitais menos atractiva para os não residentes e constitui uma restrição aos movimentos de capitais proibida pelo Tratado;

(e) A discriminação da norma nacional não é justificável pelo objectivo de evitar penalizar os residentes (que se encontram sujeitos a uma tabela de taxas progressivas que podem ser muito superiores e são tributados sobre uma base mundial, ao contrário dos não residentes, que são tributados à taxa proporcional de 25%, não ocorrendo o englobamento), porque, como acima salientado, sendo o escalão mais elevado 42% conduz sempre, nas mesmas condições, a uma tributação mais gravosa do não residente, tendo em conta a redução a 50% do rendimento colectável do residente, não existindo, objectivamente, nenhuma diferença que justifique esta desigualdade de tratamento fiscal no que respeita à tributação de mais-valias, entre as duas categorias de sujeitos passivos.

Deparamo-nos, portanto, com um regime discriminatório e incompatível com o Direito Comunitário, por violação do artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.”.

  1. Face a esta situação, seguimos a fundamentação jurídica do citado Acórdão proferido por este Tribunal, bem como no Acórdão Hollman. Assim, a interpretação e aplicação do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, no sentido de excluir da limitação da incidência do imposto em 50% as mais-valias resultantes da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, realizadas por um residente noutro Estado membro da União Europeia, sendo aquela unicamente aplicável a residentes em território português, consubstancia uma violação do disposto no artigo 63.º do TFUE, por se traduzir num regime fiscal discriminatório para os residentes noutro Estado membro da União Europeia.
  2. Quanto à invocação, por parte dos Requerentes e da Requerida, da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2008), dizemos o seguinte.

Na sequência da prolação do citado Acórdão Hollman, com propósito de afastar a incompatibilidade da norma em questão com o direito comunitário, veio o legislador estabelecer um regime opcional de equiparação dos não residentes (estes devendo ser residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu) aos residentes.

Para o efeito, aditou um n.º 7 e 8 ao artigo 72.º do Código do IRS (actualmente n.s 9 e 10, face à renumeração operada pela Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro) que, na redacção ao tempo dos factos em análise, previa o seguinte:

“9 - Os residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a) e b) do n.º 1 e no n.º 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.

10 - Para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes.”

  1. Entendem os Requerentes que a existência deste regime “não afasta a invalidade do regime discriminatório ainda em vigor (que foi aplicado às liquidações de IRS ora impugnadas)”.

Em matéria de tributação dos rendimentos resultantes das mais-valias provenientes da alienação de direitos reais sobre imóveis situados em Portugal, por não residentes neste território, mas residentes noutro Estado membro da União Europeia ou Espaço Económico Europeu, resulta do disposto nos n.ºs 1 e n.º 8 do artigo 72.º do Código do IRS que, coexistem dois regimes fiscais: um, nos termos do qual, aqueles rendimentos são sujeitos a uma taxa especial de 28% e, um outro regime equiparado ao que vigora para os sujeitos passivos residentes em território português, segundo o qual, os mesmos rendimentos são sujeitos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português, tomando-se em consideração, neste regime, todos os rendimentos, incluindo os auferidos fora de Portugal, mantendo-se em vigor a disposição constante do nº 2 do citado artigo 43.º do Código do IRS.

  1. Esta questão, quanto à aplicação do regime equiparado ao dos sujeitos passivos residentes em Portugal, já foi objecto de tratamento por este Tribunal Arbitral, no citado Acórdão proferido no processo nº 45/2012-T, cuja doutrina aqui aderimos, referindo que:

«Para além de (…) a previsão deste regime facultativo fazer impender sobre os não residentes um ónus suplementar comparativamente aos residentes, a opção de equiparação não é, segundo entendemos, susceptível de excluir a discriminação em causa.

Neste sentido, se pronunciou o TJUE, no Acórdão, de 18 de Março de 2010, proferido no processo C-440/08 (Acórdão Gielen) numa situação que apresenta manifesto paralelismo, somente com a diferença de que neste processo estava em causa a violação do artigo 49.º e não a do artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

Salienta aquele órgão jurisdicional que “a opção de equiparação permite a um contribuinte não residente, (…) escolher entre um regime fiscal discriminatório e um outro regime supostamente não discriminatório”, frisando que essa escolha não é passível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais.

E continua aquele tribunal revelando o paradoxo: “o reconhecimento de um efeito dessa natureza à referida escolha teria por consequência (…) validar um regime fiscal que continuaria, em si mesmo, a violar o artigo 49.° TFUE em razão do seu carácter discriminatório”.

Conclui o TJUE que o Tratado “se opõe a uma regulamentação nacional que discrimina os contribuintes não residentes na concessão de um benefício fiscal (…) apesar de esses contribuintes poderem optar, no que se refere a esse benefício, pelo regime aplicável aos contribuintes residentes.»

Com efeito, seguindo de perto a Decisão proferida por este Tribunal no processo n.º 127/2012-T a opção que é dada a um sujeito passivo residente na União Europeia ou espaço económico europeu entre um regime que continua a ser discriminatório, por violação do disposto art. 63.º da TFUE e um outro alegadamente não discriminatório, equiparando-os com os residentes no território português, para além de terem a obrigação de optar e de declarar os rendimentos auferidos fora daquele território, não exclui nem neutraliza os efeitos discriminatórios do primeiro daqueles dois regimes.” (nossos negritos).

Concluindo aquele aresto que “ao se reconhecer que os referidos efeitos não são eliminados, estar-se-á a admitir que a referida opção valida um regime fiscal que continua em si mesmo a violar o artigo 63.º do TFUE, pelos motivos acima enunciados, o que não se coaduna com o direito comunitário.”.

  1. Não tem assim razão a Requerida ao alegar que “atenta a prova produzida nos autos verifica-se que foram os RR que se declararam não residentes mas residentes no território nacional e inscreveram na declaração de rendimentos modelo 3 do ano de 2016 que pretendiam a tributação pelo regime geral.” E, “Não tendo, consequentemente, assinalado a opção pelas taxas gerais do artigo 68º do CIRS, relativamente aos rendimentos não sujeitos a retenção liberatória nos termos do nº 9 do artigo 72º, do mesmo diploma legal. Finalizando o raciocínio de que “quando o sujeito passivo não efectua qualquer opção, a tributação opera pelo regime regra, ou seja, pelo regime geral”.
  2. Foi a própria Requerida que, perante as declarações de rendimentos dos Requerentes, liquidou o imposto, à taxa de 28%, prevista na alínea a), do n.º 1, do artigo 72.º do Código do IRS, considerando a totalidade da mais-valia realizada por aquele e não apenas sobre 50% daquela, nos termos prescritos do n.º 2 do artigo 43.º do mesmo diploma legal, numa interpretação e aplicação desta disposição legal que não está em conformidade, quer com o direito comunitário, na qual se inclui a jurisprudência comunitária, quer ainda com a jurisprudência portuguesa judicial e arbitral.

Neste sentido, veja o Acórdão proferido pelo STA no processo nº 1013/10 de 22-03-2011, “foi a Administração Fiscal que, perante a declaração dos contribuintes, lhes liquidou o imposto que considerou devido (como aliás sempre sucede no IRS): à taxa prevista para os não residentes (25%, nos termos do artigo 72.º n.º 1 do Código do IRS) e sobre o montante total da mais-valia realizada e não apenas sobre 50% deste valor (artigo 43.º, n.º 2 do Código do IRS), assim ignorando a jurisprudência comunitária e a deste Supremo Tribunal que a acolheu (cfr. o Acórdão de 16 de Janeiro de 2008, rec. n.º 439/06) quanto à incompatibilidade daquela disposição legal, assim aplicada, com o (então) artigo 56.º do TJCE (actual artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia), sujeitando deste modo, como veio a acontecer, a ver anulada nessa parte a liquidação impugnada, dado o primado do direito comunitário” .

  1. Diga-se ainda, que, como é sabido, não está a administração tributária na dependência absoluta do que lhe é apresentado pelo contribuinte.

São vários os exemplos em que à administração é conferida a possibilidade de corrigir o que lhe é submetido à apreciação (cfr. artigos 19.º, n.º 9; 36.º. n.º 4 e 79.º, n.º 2 todos da LGT e art.º 48.º, n.º 1 do CPPT).

Aliás, é muito esclarecedor o n.º 1 do art.º 48.º do CPPT que, sob a epígrafe “Cooperação da administração tributária e do contribuinte”, impõe à AT o dever de esclarecer os contribuintes “sobre a necessidade de apresentação de declarações, reclamações e petições e a prática de quaisquer outros actos necessários ao exercício dos seus direitos, incluindo a correcção dos erros ou omissões manifestas que se observem (negritos nossos).

  1. Acresce que, atendendo ao disposto no artigo 55.º da Lei Geral Tributária (LGT), em sincronia com o artigo 266.º da CRP resulta claro que “A administração tributária exerce as suas atribuições na prossecução do interesse público, de acordo com os princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da Justiça, da imparcialidade e da celeridade, no respeito pelas garantias dos contribuintes e demais obrigados tributários.. Materializando o princípio da legalidade ínsito no artigo 3.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo (CPA), ex vi artigo 2.º, alínea c), da LGT, que “Os órgãos da Administração Pública devem actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes forem conferidos e em conformidade com os respetivos fins”.
  2. Conforme refere Jorge Lopes de Sousa, “desta norma resulta que o princípio da legalidade, consubstanciando-se na obediência à lei e ao direito, não se limita ao dever de acatamento da lei em sentido estrito, abrangendo também a subordinação a todos os valores jurídicos, normativos ou não, como as normas e princípios de direito internacional e comunitário, as normas regulamentares, as situações definidas judicial ou administrativamente e as obrigações contratualmente assumidas.” (cfr. in Lei Geral Tributária, 4ª edição, 2012, pág. 446). Continuando no sentido de que “assim, o dever de actuar de harmonia com o princípio da legalidade não se traduz numa mera subordinação formal às normas que especificamente preveem a actuação da administração, abrangendo o dever da administração ter em conta os reflexos práticos da actividade administrativa que levar a cabo.”. acabando por concluir que “por isso a administração tributária deverá abster-se de concretizar os comandos legais quando, em face das particularidades do caso, não se verifiquem as razões de interesse público que justificam a sua actuação ou quando se produza um resultado manifestamente injusto, devendo em qualquer caso, limitar-se, na restrição dos direitos individuais, ao estritamente necessário para assegurar os fins que visa, não tratar discriminatoriamente os administrados, nem frustrar as expectativas que a sua actuação nestes tenha gerado.”.
  3. Nesta linha, veja-se ainda o acórdão do CAAD proferido no âmbito do processo n.º 14/2012, cujo entendimento sobre o princípio da legalidade subscrevemos na totalidade.
  4. Em face do exposto, procede o vício de violação de lei invocado pelos Requerentes, pois a interpretação e aplicação do n.º 2 do art. 43.º do Código do IRS, no sentido de excluir da limitação da incidência do imposto a 50% as mais-valias resultantes da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, realizadas por um sujeito passivo residente noutro Estado membro da União Europeia, limitando aquela incidência unicamente a sujeitos passivos residentes em território português, consubstancia uma violação do disposto no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

 

 

 

  1.  DECISÃO

De harmonia com o exposto, decide-se:

 

  • Julgar procedente o pedido formulado pelos Requerentes no presente processo arbitral tributário, quanto à ilegalidade parcial dos actos tributários de liquidação de IRS, do ano de 2016, devendo a Autoridade Tributária e Aduaneira emitir novas liquidações de IRS que espelhem a decisão ora proferida.

 

XI. Valor do Processo

 

Fixa-se o valor do processo em € 4.724,04, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Fixa-se o montante das custas em € 612,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Autoridade Tributária e Aduaneira, uma vez que o pedido foi integralmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 04 de Junho de 2018

***

O Árbitro

 

 

 

 

(Jorge Carita)