Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 561/2017-T
Data da decisão: 2018-04-13  IVA  
Valor do pedido: € 119.833,35
Tema: IVA – Dedução do IVA - Prestação de serviços jurídicos e de consultoria fiscal - Verificação dos requisitos formais das facturas.
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Decisão Arbitral

 

Os árbitros José Baeta de Queiroz, Hélder Faustino e Jorge Carita, designados pelo Conselho Deontológico do CAAD para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

  1. Relatório

 

1. A A…, S.A. (doravante designada abreviadamente por “Requerente”), pessoa colectiva n.º…, com sede na Rua…, n.º…, em …, tendo sido notificada do despacho de indeferimento do recurso hierárquico n.º …2016…, apresentado contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) n.º…, no valor de € 119.833,33, referente a 09-2013, veio apresentar, em 23-10-2017, ao abrigo da alínea a), do n.º 1 do artigo 2.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, doravante “RJAT”) pedido de pronúncia arbitral com vista à anulação daquele acto.

 

2. É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

 

3. A pretensão objecto do pedido de pronúncia arbitral consiste na anulação do despacho de indeferimento do recurso hierárquico e da liquidação adicional de IVA n.º…, a par da condenação da AT ao reembolso do imposto indevidamente pago e, bem assim, ao pagamento de juros indemnizatórios pelo pagamento indevido do referido acto tributário.

 

4. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT.

 

4.1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Presidente do Conselho Deontológico designou os árbitros acima identificados para integrarem o Tribunal Arbitral colectivo, os quais comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

4.2. Em 15-12-2017, as partes foram notificadas da designação dos árbitros, não tendo arguido qualquer impedimento.

4.3. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 08-01-2018.

 

5. A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral a Requerente alega, em síntese, o seguinte:

  1. A expressão constante da factura – serviços jurídicos e de consultoria fiscal – é em si mesma apta a identificar, com um grau de precisão considerável, as operações realizadas, condizentes não só com a técnica utilizada pelo legislador nacional para identificar este género de operação, como também com aquilo que é a prática corrente no tráfego jurídico-comercial.
  2. Os serviços estão descritos com um grau de precisão mais do que adequado e suficiente se atendermos à sua natureza e aos fins de fiscalização e controlo que justificam esta obrigação.
  3. Entende a Requerente que exigir a identificação individualizada dos contratos, dos processos administrativos ou judiciais, das operações de reestruturação, dos actos de consulta jurídica, como pretende a AT para validar a dedução do imposto, exorbita aquilo que é necessário e adequado à prossecução do fim para o qual a obrigação foi criada.
  4. Atentando, por outro lado, ao tratamento que foi conferido pela AT ao gasto com os serviços jurídicos e de consultoria fiscal em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”), que se traduziu não numa proibição geral de dedução – designadamente, por não ter qualquer relação com a actividade empresarial e não passar pelo crivo do artigo 23.º do Código do IRC – mas apenas na recusa à dedução no exercício de 2013 – e não em todos os outros exercícios – por força do princípio da especialização dos exercícios.
  5. Ora, a partir das informações complementares à factura fornecidas pela sociedade de advogados e juntas aos procedimentos tributários antecedentes, a AT poderia confirmar que os serviços prestados estavam sujeitos a IVA, que tanto o prestador dos serviços como o seu adquirente eram sujeitos passivos de imposto e que os serviços estavam relacionados com a actividade (tributável) exercida pelo seu adquirente.
  6. Em conclusão, não foi minimamente demonstrado pela AT, como lhe competia, que a alegada insuficiência do descritivo no que toca ao requisito estabelecido pela alínea f), do n.º 5, do artigo 36.º do CIVA (artigo 226.º, n.º 7, da Directiva do IVA) tornava impossível ou, pelo menos, excessivamente difícil a verificação dos requisitos materiais do direito à dedução.

 

6. A AT apresentou resposta, alegando, em síntese, o seguinte:

  1. A factura n.º 81/2009, com a descrição “prestação de serviços jurídicos e de consultoria fiscal”, não respeita as exigências formais previstas nas alíneas 6) e 7) do artigo 226.º da Directiva IVA, e nas alíneas b) e f) do n.º 5 do artigo 36.º do Código do IVA, por insuficiência ou falta de elementos obrigatórios do conteúdo das facturas.
  2. Com efeito, a Requerente não demonstrou, no âmbito do procedimento inspectivo, como exigido nos termos do artigo 74.º, n.º 1 da LGT, a verificação dos pressupostos necessários ao exercício do seu direito à dedução.

 

7. Não tendo sido requerida a produção de prova constituenda, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, tendo sido designado o dia 23-04-2018 como data limite para a prolação da decisão arbitral.

 

8. As partes prescindiram da apresentação de alegações.

 

 

  1. Saneamento

 

9.1. O Tribunal Arbitral é competente e encontra-se regularmente constituído.

9.2 As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

9.3. O processo não enferma de nulidades.

9.4. Não se verificam quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

 

 

  1. Mérito

 

III.1. Matéria de facto

 

10. Factos provados

 

10.1. Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

  1. A Requerente é uma sociedade que tem por objecto social a construção, desenvolvimento e exploração de projectos turístico-imobiliários e, bem assim, a construção de edifícios, além de deter participações noutras sociedades maioritariamente ligadas às actividades de hotelaria e de promoção turística.
  2. Para efeitos de IVA, a Requerente é um sujeito passivo enquadrado no regime normal mensal de imposto.
  3. No decurso da sua actividade, a Requerente adquiriu, em regime de avença,  serviços jurídicos e de consultoria fiscal à B…, R.L., que incluíram, entre outros, a assessoria na elaboração de contratos de compra e venda de imóveis, a elaboração de contratos de compra e venda de participações sociais, o patrocínio em processos judiciais e em procedimentos administrativos, a negociação de operações de refinanciamento bancário, o acompanhamento de processos de reestruturação empresarial e consulta jurídica e fiscal.
  4. A referida sociedade de advogados emitiu à Requerente a factura n.º 81/2009, de 31-12-2009, referente a serviços prestados entre 2008 e 2009, no montante de € 599.166,67, acrescido de IVA – à taxa normal então em vigor de 20% – no montante de € 119.833,33, perfazendo o total de € 719.000,00, imposto deduzido pela Requerente na declaração periódica de 09-2013.
  5. No âmbito de uma acção de inspeção de natureza externa e âmbito geral promovida pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direcção de Finanças de … ao abrigo da ordem de serviço OI2015…, a qual incidiu sobre o período de tributação de 2013, a Requerente foi notificada do respectivo Relatório de Inspeção Tributária, do qual consta uma correcção em sede de IVA de 09-2013, no valor de € 119.833,33, a qual se encontra refletida na liquidação adicional n.º… .
  6. Em 17-03-2016, a Requerente apresentou reclamação graciosa contra a identificada liquidação adicional de IVA, a qual foi indeferida por despacho datado de 23-08-
    -2016 proferido pela Chefe de Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de ….
  7. Em 28-09-2016, a Requerente interpôs recurso hierárquico contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, o qual foi indeferido por despacho da Directora de Serviços do IVA de 19-07-2017.
  8. Aquando da audição prévia sobre o relatório da inspeção a Requerente um anexo à factura em causa elaborado pela B… em que se lê:

“Os serviços jurídicos e de consultoria fiscal que foram prestados têm todos a mesma taxa de IVA e respeitam todos à atividade da A… e das suas participadas.

Respeitam ao acompanhamento de todos os assuntos jurídicos e fiscais da A… entre 2008 e 2009, designadamente, na assessoria na elaboração e negociação dos vários contratos de compra e venda de imóveis, de compra e venda de participações sociais, na participação nos processos judiciais e administrativos, na negociação das operações de refinanciamento bancário e à participação em múltiplas reuniões referentes aos mais diversos temas respeitantes à A… e às suas participadas, inclusive a presença em várias reuniões no estrangeiro, nomeadamente em Espanha”.

i) A AT continuou a entender que “na análise dos elementos descritos e a nota a anexar à fatura identificada, não se discrimina temporalmente quando foram os serviços prestados e que tipo de serviços foram efetivamente prestados, utilizando apenas conceitos gerais, contrário à alínea f) do n.º 5 do artigo 36.º do CIVA” r-Geral do SIVA, concluindo que “no que respeita ao direito à dedução do imposto os requisitos formais das faturas têm de ser cumpridos sob pena da sua não aceitação”.

j)  Na reclamação graciosa a Requerente juntou novo documento emitido pela sociedade de advogados no qual se diz que se tratou de “um acerto final de contas que foi aquele que foi acordado globalmente com a A…, em resultado de um saldo acumulado de contas de honorários que se encontravam pendentes. Quer daquele ano quer de anos anteriores”.

k) Aponta-se no mesmo documento que os serviços jurídicos foram prestados “ao longo de vários anos”, porque “vários dos processos [cerca de três dezenas, entre processos judiciais e administrativos] arrastaram-se ao longo de muitos anos e alguns ainda hoje subsistem”.

l) A AT considerou que “isso não faz com que os requisitos mencionados nas alíneas b) e f) do n.º 5 do artigo 36.º do Código do IVA estejam cumpridos”, e que o artigo 29.º, n.º 19, do CIVA estipula que “Não é permitida aos sujeitos passivos a emissão e entrega de documentos de natureza diferente da fatura para titular a transmissão de bens ou prestação de serviços aos respetivos adquirentes ou destinatários, sob pena de aplicação das penalidades legalmente previstas”, concluindo que “quer a fatura, quer a adenda apresentada pela ora reclamante não respeitam as referidas condições previstas no artigo 226.º da Directiva IVA, nomeadamente a extensão e natureza dos serviços prestados e a data em que foi efetuada a prestação de serviços”.

m) Na decisão do recurso hierárquico consta que “é incontestável que a fatura n.º 81/2009 (…) não respeita as exigências formais taxativamente previstas nas alíneas 6) e 7) do art.º 226.º da Directiva IVA, e nas alíneas b) e f) do n.º 5 do art.º 36.º do CIVA, por insuficiência ou falta de elementos obrigatórios do conteúdo das faturas”.

Aceita-se que os anexos informativos possam complementar a descrição dos serviços contida numa factura, conforme prevê o artigo 219.º da Directiva do IVA, mas considera-se que a declaração emitida pela sociedade de advogados e junta no procedimento inspetivo “não faz qualquer referência à fatura em causa”, além de utilizar “conceitos genéricos, como ″vários contratos de compra e venda″, ″participação nos processos judiciais e administrativos″, ″negociação de operações″, ″participação em múltiplas reuniões″, ″diversos temas″, ″várias reuniões no estrangeiro″”.  

n) Na decisão do recurso hierárquico, a AT diz, sobre a declaração emitida pela sociedade de advogados que “continuam a ser usados termos vagos e genéricos”, o que “não cumpre com o requisito da al. b) do n.º 5 do art.º 36.º do CIVA”, e que “subsiste a falta de resposta à questão de quais foram os serviços que foram efetivamente prestados, designadamente: Quais contratos de compra e venda de imóveis? Quais processos judiciais e administrativos? Que reestruturações? Que consultoria jurídica e fiscal? (termo que já consta da fatura)”, e que as informações dessa declaração não são suficientemente “precisas quanto à natureza das operações”, não sendo “possível identificar a respetiva quantidade dos serviços prestados”, nem uma data em concreto, nem o período de faturação, pelo que se está perante uma omissão de formalidades impeditiva do “controlo dos pressupostos substantivos do direito à dedução do imposto, previstos nos artigos 19.º e 20.º do CIVA (…) razão pela qual não é possível conceder a dedução”.

o) O IVA adicionalmente liquidado foi pago por compensação na conta-corrente de imposto efetuada em 10 de novembro de 2015.

 

10.2. Fundamentação da matéria de facto

 

A factualidade provada teve por base os documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e no processo administrativo, não havendo controvérsia sobre eles.

 

10.3. Inexistem outros factos com relevo para apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.

 

 

III.2. Matéria de Direito

 

A Requerida impediu o exercício do direito à dedução do IVA no montante de € 119.833,33, suportado pela Requerente e constante da factura n.º 81/2009, de 31/12/2009, emitida por B…, no valor de € 599.166,67 que, acrescido de IVA, monta a € 719.000,00.

O descritivo da factura é “Prestação de serviços jurídicos e de consultadoria fiscal”.

Considerou a Requerida que “O descritivo “Prestação de serviços jurídicos e de consultoria fiscal” é um conceito lato do que foi faturado à B… . Com efeito ao não serem cumpridos os requisitos das alíneas b) e f) do n.º 5 do artigo 36.º do CIVA não é possível aferir:

Quais os serviços que foram efetivamente prestados e onde;

Quais os momentos em que os mesmos foram prestados para, consequentemente, validar a taxa de IVA correta;

A quantidade e o montante unitário;

A conexão com a atividade da empresa atendendo que esta tem por atividade principal o desenvolvimento e exploração de projetos turístico-imobiliários, atividades de construção de edifícios e detém um conjunto vasto de participações noutras sociedades maioritariamente ligadas às atividades de hotelaria e de promoção turística. (…) Pelo exposto, o imposto deduzido no valor de 119.833,33 € e declarado no campo 24 (IVA dedutível de outros bens e serviços) da declaração periódica de setembro de 2013 não poderá ser aceite para efeitos fiscais, pelo que aquele montante será excluído do campo referido” e “não é aceite a dedução do imposto deduzido no valor de 119.833,33 €”.

 

Deste modo, a AT não questiona os pressupostos substantivos da dedução do IVA suportado pela Requerente – nem os atinentes a ela mesma, sujeito passivo, nem à natureza dos serviços adquiridos -, mas apenas os pressupostos formais: o descritivo da factura é vago e insuficiente, e não aponta a data da prestação dos serviços facturados.

 

Avance-se afoitamente com a afirmação de que a Requerida tem razão quanto ao incumprimento das exigências legais da factura que serviu de base à dedução do imposto pela Requerente e revertido pela AT.

A Directiva IVA, no seu artigo 226.º, exige que das facturas conste, obrigatoriamente, além do mais, “a extensão e natureza dos serviços prestados”, e “a data em que foi efectuada, ou concluída (…) a prestação de serviços”.

O artigo 19.º n.ºs 2 alínea e) e 6 do CIVA limita o direito à dedução ao IVA mencionado em “facturas e documentos passados em forma legal”, sendo que, de acordo com o n.º 5 do artigo 36.º do diploma, se consideram passadas em forma legal as que contenham, além de outros elementos, “a quantidade e denominação usual (…) dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários á determinação da taxa aplicável”, bem como “a data (…) em que os serviços foram realizados”.

Ora, como aponta a AT, a indicação, na factura, de que respeita à “prestação de serviços jurídicos e de consultoria fiscal” é muito abrangente, vaga e insuficiente para descortinar “Quais os serviços que foram efetivamente prestados e onde”, ou “Quais os momentos em que os mesmos foram prestados para, consequentemente, validar a taxa de IVA correta; A quantidade e o montante unitário; A conexão com a atividade da empresa”.

 

Porém, o incumprimento (ou o deficiente cumprimento, que, para o caso, tanto vale, já que todos os requisitos das facturas são essenciais) das exigências formais relativas às facturas não tem como consequência fatal a sua desconsideração para efeitos do direito ao reembolso do IVA.

A este propósito importa ter presente que o direito à dedução do IVA é uma pedra basilar do respectivo sistema, garantindo a neutralidade do imposto, pelo que o seu exercício só deve ser impedido por razões formais quando a inobservância das respectivas exigências constituir obstáculo ao controlo da AT e/ou à cobrança do imposto. De outra perspectiva, só são admissíveis as restrições formais ao exercício do direito à dedução que não tornem impraticável ou excessivamente difícil esse exercício.

Desde que as facturas ou documentos equivalentes permitam à AT aperceber a realidade material que lhes subjaz, de modo a poder exercer os seus poderes de fiscalização, determinar a taxa e proceder à cobrança, o direito à dedução do imposto não deve ser obstaculizado só porque os aludidos documentos não respeitam todas as exigências formais. Exigências cujo cumprimento é, aliás, alheio ao sujeito passivo, pois não é ele o emissor das facturas ou documentos equivalentes.

Em recente acórdão (de 15/09/2016, no processo n.º C-516/14), prolatado na sequência de reenvio prejudicial feito no processo 3/2014-T do CAAD, em que se tratou de um caso com acentuada semelhança com o presente, e que aqui seguimos de perto, o Tribunal de Justiça concluiu:

“O artigo 226.º da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretado no sentido de que facturas que só contenham a menção «serviços jurídicos prestados desde determinada data até ao presente», como as que estão em causa no processo principal, não respeitam, em princípio, as exigências previstas no n.º 6 deste artigo e que facturas que só contenham a menção «serviços jurídicos prestados até ao presente» não respeitam, em princípio, as exigências previstas no referido n.º 6 nem as exigências previstas  no n.º 7 do mesmo artigo, o que cabe, todavia, ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

O artigo 178.º, alínea a), da Directiva 2006/112 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que as autoridades tributárias nacionais possam recusar o direito a dedução do imposto sobre o valor acrescentado pelo simples facto de o sujeito passivo possuir uma factura que não cumpre os requisitos exigidos pelo artigo 226.º, n.º. 6 e 7, desta Directiva, quando essas autoridades dispõem de todas as informações necessárias para verificar se os requisitos substantivos relativos ao exercício desse direito se encontram satisfeitos”.

Ou seja, o TJUE, mais uma vez, ditou que, na matéria, e de acordo com o direito da União, a substância prevalece sobre a forma, que apenas pode obstar à dedução do imposto quando os defeitos formais do documento de suporte sejam de tal ordem que impeçam a verificação dos requisitos substanciais. Mais, as deficiências formais do documento de suporte podem ser supridas por outra informação, neles omissa, mas ao alcance da AT, que permita aperceber a substância subjacente a esse documento.

Ora, no caso vertente, e como se estabeleceu em sede factual, a emitente da factura esclareceu que “Os serviços jurídicos e de consultoria fiscal que foram prestados têm todos a mesma taxa de IVA e respeitam todos à atividade da A… e das suas participadas. Respeitam ao acompanhamento de todos os assuntos jurídicos e fiscais da A… entre 2008 e 2009, designadamente, na assessoria na elaboração e negociação dos vários contratos de compra e venda de imóveis, de compra e venda de participações sociais, na participação nos processos judiciais e administrativos, na negociação das operações de refinanciamento bancário e à participação em múltiplas reuniões referentes aos mais diversos temas respeitantes à A… e às suas participadas, inclusive a presença em várias reuniões no estrangeiro, nomeadamente em Espanha”.

Mais tarde, já no âmbito da reclamação graciosa, foi junto documento em que a sociedade de advogados afirma que a factura em apreço corresponde a “um acerto final de contas que foi aquele que foi acordado globalmente com a A…, em resultado de um saldo acumulado de contas de honorários que se encontravam pendentes. Quer daquele ano quer de anos anteriores”, esclarecendo que os serviços facturados foram prestados “ao longo de vários anos”, porque “vários dos processos [cerca de três dezenas, entre processos judiciais e administrativos] arrastaram-se ao longo de muitos anos e alguns ainda hoje subsistem”.

Assim, e de acordo com a interrpretação que o TJUE faz do artigo 178.º alínea e) da Directiva 2006/112/CE do Conselho, não pode acompanhar-se a Requerida quando ajuíza que continuam por preencher os requisitos das alíneas b) e f) do n.º 5 do artigo 36.º do CIVA e afirma que o artigo 29.º n.º 19, do CIVA não permite “(…) aos sujeitos passivos a emissão e entrega de documentos de natureza diferente da fatura para titular a transmissão de bens ou prestação de serviços aos respetivos adquirentes ou destinatários, sob pena de aplicação das penalidades legalmente previstas”, concluindo que “quer a fatura, quer a adenda apresentada pela ora reclamante não respeitam as referidas condições previstas no artigo 226.º da Directiva IVA, nomeadamente a extensão e natureza dos serviços prestados e a data em que foi efetuada a prestação de serviços” .

É que do que então se tratava não era de titular a prestação de serviços mediante uma mera declaração do seu prestador, em substituição de uma factura, mas de admitir que este esclarecesse, complementando-o, o conteúdo substancial da factura emitida.

Por outro lado, não é razoável que a AT invoque que a declaração feita pela sociedade de advogados “não faz qualquer referência à fatura em causa”, porquanto nenhuma outra factura estava em questão no procedimento inspectivo, nem na reclamação graciosa ou no recurso hierárquico.

Note-se, ainda, que não devem considerar-se como genéricos os conceitos de ″vários contratos de compra e venda″, ″participação nos processos judiciais e administrativos″, ″negociação de operações″, ″participação em múltiplas reuniões″, ″diversos temas″, ″várias reuniões no estrangeiro″”,  no circunstancialismo dos autos, pois o que estava em causa não eram facturas relativas a compras e vendas, nem processos judiciais e procedimentos administrativos, nem negociações, nem reuniões, mas serviços jurídicos e de assessoria prestados por uma sociedade de advogados a que a Requerente recorria quando necessitada de apoio nas várias facetas da sua actividade. 

Na verdade, não nos parece exigível que uma sociedade de advogados explicite, ao facturar os seus serviços, todos e cada um dos contratos em que teve intervenção, dos processos judiciais que patrocinou, das consultas que prestou, a que propósito, e quando, e o tempo gasto em cada uma das intervenções.

Um tal grau de exigência equivaleria a interpor um obstáculo dificilmente transponível e substancialmente injustificado ao exercício do direito à dedução do IVA – tanto mais que, como acima se notou, não coincidem as pessoas do sujeito passivo e do emitente da factura.

Admite-se que poderiam ter sido mais precisos os esclarecimentos prestados pela sociedade de advogados e transmitidos pela Requerente à AT. Mas, relembre-se, as exigências formais têm o claro objectivo de permitir o controlo do imposto pela AT. Assegurado que esteja este controlo, exigir mais seria sacrificar a substância em benefício da forma, obstando, injustificadamente, ao exercício do direito à dedução do imposto e prejudicando a sua neutralidade. E, no caso, os esclarecimentos complementares prestados à AT eram bastantes para a verificação dos pressupostos do direito à dedução do imposto.

Diga-se, por último, que sendo o caso de dedução de IVA, não releva a eventualidade, colocada pela AT, de os serviços facturados terem sido prestados não só à Requerente mas, também, às suas participadas: a Requerente é o sujeito passivo a quem foi facturada, com IVA, a prestação de serviços, foi ela quem deduziu o IVA suportado, e é essa dedução que foi posta em causa, com fundamento em falta de requisitos formais da factura.

Entende-se, pois, que, no caso, a Requerente satisfez o ónus da prova que lhe incumbia, nos termos do artigo 74.º n.º 1 da Lei Geral Tributária.

 

  1. Decisão

 

Termos em que acorda o presente Tribunal Arbitral em julgar procedente o pedido, anulando o acto de liquidação adicional de IVA n.º…, no valor de € 119.833,33, e, consequentemente, os actos de indeferimento da reclamação graciosa e do recurso hierárquico que Requerente contra ele deduziu, e condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios contados sobre aquela quantia, desde o pagamento até ao reembolso.

 

 

  1. Valor do Processo

 

De harmonia com o disposto no n.º 2 do artigo 306.º e no n.º 2 do artigo 297.º, ambos do Código do Processo Civil, da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 119.833,35.

 

  1. Custas

 

De acordo com o previsto no n.º 4 do artigo 22.º, no n.º 2 do artigo 12.º, ambos do RJAT, no artigo 2.º, no n.º 1 do artigo 3.º e nos n.ºs 1 a 4 do artigo 4.º do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, bem como na Tabela I anexa a este diploma, fixa-se o valor global das custas em € 3.060,00, a cargo da AT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 13 de Abril de 2018.

 

 

 

Os árbitros,

 

 

 

(José Baeta de Queiroz)

 

 

 

 

(Hélder Faustino)

 

 

 

 

(Jorge Carita)

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 131.º, do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.