Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 356/2019-T
Data da decisão: 2021-05-22  IVA  
Valor do pedido: € 34.000,00
Tema: IVA – Prestações de serviços de nutrição – isenção. Reenvio a título prejudicial. Incompetência material do Tribunal para a apreciação dos pedidos de anulação ou extinção de processos de execução fiscal e de contraordenação
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SUMÁRIO:

 

I- A Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do IVA, deve ser interpretada no sentido que um serviço de acompanhamento nutricional prestado por um profissional certificado e habilitado em instituições desportivas, não é, por regra, suscetível de ser abrangido pela isenção prevista no artigo 132.°, n.° 1, al c) e  nº1 do art.º 9.º do Código do IVA.

II- As decisões do Tribunal de Justiça da União Europeia constituem fonte de direito imediata, permitindo a uniformidade e a harmonização na aplicação do direito da União no território dos Estados-Membros.

 

DECISÃO ARBITRAL

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi, em 23-05-2019, aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD, sendo, nos termos legais, notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira. O Conselho Deontológico designou como árbitro do Tribunal Arbitral singular, o signatário, notificando as partes dessa designação. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66- B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 05-08-2019.

 

I – RELATÓRIO

“A...”, NIPC n.º ......, com a designação comercial “A.”, com sede na Rua .........., nº 12, Évora, apresentou um pedido de constituição do Tribunal Arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), sendo Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

1- Pediu a anulação das liquidações adicionais de IRC e IVA, relativas ao ano de 2016:

•             Liquidação nº 2018 ........., período respeitante ao mês de Maio de 2016, referente ao capital no valor de EUR 3.402,27 (três mil quatrocentos e dois euros e vinte e sete cêntimos;

•             Liquidação nº 2018 ........., período respeitante ao mês de Maio de 2016, referente aos juros de mora no valor de EUR 274,04 (Duzentos e setenta e quatro euros e quatro cêntimos);

•             Liquidação nº 2018 ........., período respeitante ao mês de Junho de 2016, referente ao capital no valor de EUR 3.306,90 (três mil trezentos e seis euros e noventa cêntimos).

•             Liquidação nº 2018 ........., período respeitante ao mês de junho de 2016, referente aos juros de mora no valor de EUR 255,49 (Duzentos e cinquenta e cinco euros e quarenta e nove cêntimos);

•             Liquidação nº 2018 ........., período respeitante ao mês de julho de 2016, referente ao capital no valor de EUR 3.152,63 (três mil cento e cinquenta e dois euros e sessenta e três cêntimos).

•             Liquidação nº 2018 ......... período respeitante ao mês de julho de 2016, referente a juros no valor de EUR 232,17 (duzentos e trinta e dois euros e dezassete cêntimos).

•             Liquidação nº ........., período respeitante ao mês de Agosto de 2016, referente ao capital de EUR 2.839,69 (Dois mil oitocentos e trinta e nove euros e sessenta e nove cêntimos).

•             Liquidação nº 2018 ........., período respeitante ao mês de Agosto de 2016, referente aos juros no montante de EUR 200,41 (Duzentos e quarenta e um euros);

•             Liquidação nº 2018 ........., período respeitante ao mês de Setembro de 2016, referente a capital no valor de EUR 3.097,68 (três mil e noventa e sete euros e sessenta e oito cêntimos).

•             Liquidação nº 2018 ........., período respeitante ao mês de Setembro de 2016, referente aos juros, no valor de EUR 208,09 (Duzentos e oito euros e nove cêntimos).

•             Liquidação nº 2018 .........., período respeitante ao mês de Outubro de 2016, referente a capital no valor de EUR 3.140,44 (três mil cento e quarenta euros e quarenta e quatro cêntimos);

•             Liquidação nº 2018 .........., período respeitante ao mês de Outubro de 2016, referente a juros no valor de EUR 199,95 (cento e noventa e nove euros e noventa e cinco cêntimos);

•             Liquidação nº 2018 .........., período respeitante ao mês de novembro de 2016, referente ao capital no valor de EUR 3.136,78 (três mil cento e trinta e seis euros e setenta e oito cêntimos);

•             Liquidação nº 2018 .........., período respeitante ao mês de novembro de 2016, referente aos juros no valor de EUR 189,75 (cento e oitenta e nove euros e setenta e cinco cêntimos).

•             Liquidação nº 2018 .........., período respeitante ao mês de Fevereiro de 2017, referente ao capital no valor de EUR 1.055,52 (mil e cinquenta e cinco euros e cinquenta e dois cêntimos);

•             Liquidação nº 2018 ........., período respeitante ao mês de Fevereiro de 2017, referente aos juros no valor de EUR 66,15 (sessenta e seis euros e quinze cêntimos).

nº de compensação / irc (capital e juros):

2018 ........... com o valor a reembolsar de EU 5.238,35 (cinco mil duzentos e trinta e oito euros e trinta e cinco cêntimos);

Devendo a AT ser condenada a:

- restituir as quantias prestadas pela sociedade contribuinte, ora impugnante e garantia bancária no valor de 34.000,00 (trinta e quatro mil euros), acrescidas dos juros

- extinguir todos os processos executivos acima identificados e que se encontram suspensos.

- extinguir todos e quaisquer processos de contra-ordenação, juros e coimas associados.

Pelos seguintes fundamentos:

- falta de fundamentação, por fundamentação insuficente e parcial do relatório final, que deu origem às liquidações adicionais de iva, não atendeu às declarações da nutricionista, nem de sócios, nem ao facebook, worksops e outros meios de comunicação utilizados pela sociedade comprovativos da disponibilização do serviços de nutrição, não havendo lugar a correção;

- por falta de fundamentação, por fundamentação insuficiente e parcial do relatório final, que deu origem às liquidações adicionais de iva, dado que as conclusões retiradas tiveram po base declarações sócios amostra reduzida, e erradamente interpretadas por igonar outras respostas que levariam a uma conclusão diferente; no alegado conceito restrito de consulta médica e paramédica e na alegada concepção da necessidade da efectiva prestação do serviço ao invés da sua disponibilização e bem assim, na alegada concepção do serviço como meio acessório e não principal, o que não se verifica, o serviço de nutrição é autónomo e distinto do fitness, apenas são complementares.

- errónea qualificação dos rendimentos, já que as liquidações adicionais de iva não são devidas, porque isenta a actividade da nutrição, como actividade paramédica, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 9.º do civa e informações vinculativas acima indicadas;

por falta de fundamentação, por fundamentação insuficente e parcial do relatório final, que deu origem às liquidações adicionais de irc, fundamentação que ignorou os elementos trazidos ao processo pela sociedade impugnante, nomeadamente as faturas justificativas dos gastos e a fundamentação inerente, não havendo lugar a correção.

2- Sustenta

Os clubes de saúde, Health Clubs, por definição, apresentam-se  como um espaço diversificado, onde os seus sócios/clientes, querendo, podem atingir os seus objetivos de saúde e de plena condição física, através da utilização de dois serviços, o fitness e a nutrição/diatética.

Dois serviços perfeitamente autónomos e independentes na sua essência, mas coordenados e articulados no mesmo espaço físico. Numa relação de complementaridade e não de acessoriedade da nutrição face ao fitness.

A sociedade contribuinte cumpre com todos os requisitos previstos para ser uma entidade que beneficia da isenção de Iva nos serviços de nutrição, que também presta aos seus sócios /clientes, devendo e podendo os seus clientes beneficiar da referida isenção.

De facto, nos termos e para os efeitos tidos no artigo 9º nº 1 do CIVA,: “As prestações de serviços efetuadas no exercício de outra profissões paramédicas encontram-se isentas.”Por sua vez a lista anexa ao diploma identifica a atividade Dietética como uma atividade paramédica e portanto como uma das atividades cujas prestações de serviço se encontram isentas de IVA.

 

3- Por seu turno, a AT…

Entende verificar-se a existência de uma excepção dilatória, consubstanciada na incompetência material do tribunal arbitral, relativamente aos pedidos de extinção de todos os processos executivos e contra-ordenacionais identificados no pedido de pronuncia arbitral ….o que obsta ao seu conhecimento, e, por isso, pede a absolvição da instância, atento o disposto nos artigos 576.º, n.º 1 e 577.º, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT,

Mais entende dever ser julgado improcedente o presente pedido de pronuncia arbitral, por não provado, mantendo-se na ordem jurídica os actos tributários de liquidação impugnados e absolvendo-se, em conformidade, a entidade requerida do pedido.

No seu entendimento, é decisivo para a aplicação da isenção prevista no nº1 do art.º 9.º do Código do IVA, que estejam em causa serviços que se consubstanciem na administração direta dos cuidados de saúde ao utente, pressupondo que os mesmos sejam efetivamente realizados. Apenas depois de reunidas as condições para aplicação da isenção, que pressupõe a efetiva realização de serviços de saúde, podem e devem tais serviços ser individualizados na fatura e considerados como uma operação independente de quaisquer outras.

Apenas podem beneficiar da isenção prevista no nº1 do art.º 9.º do Código do IVA os serviços que, sendo assegurados por profissionais habilitados nos termos da legislação aplicável, como é o caso, estejam incluídos no objetivo terapêutico a que se refere o acórdão do TJUE, de 14 de setembro de 2000, proferido no processo C-384/98 e no acórdão de 21 de março de 2013, proferido no processo C-91/12, supra referidos, não constituindo esta posição uma interpretação extensiva do âmbito da norma como alegado pela Requerente.

 

II- SANEAMENTO

a- Pedido

Não obstante a manifesta falta de clareza e inequivocidade do pedido no RI, podemos verificar, que o mesmo mostra a intenção da autora - a qual foi apreendida pela AT, que a tal nada apontou, no respeitante - podendo o Tribunal concluir que, embora não dito expressamente, o ato terá o sentido correspondente à intenção de impugnar a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa relativa a IVA e, mediatamente, pretender a anulação do ato tributário em causa.

Trata-se, assim, de um pedido implícito, que, na conjugação do previsto no art.º186º3 do CPC, com a especifica natureza do processo arbitral, leva a que o RI não seja considerado inepto ou extemporâneo com as legais consequências.

 O que foi dito, vale para a Reclamação em materia de IVA, pois no que respeita a IRC, foi, pela Recorrente, (após desistência na referida Reclamação), pedida a apensação, não tendo obtido qualquer resposta, que se conheça, no concernente, pelo que jamais poderia ser considerada nesta sede, mesmo levando em conta as tecidas considerações respeitantes á Reclamação em IVA.

b- Competência

A competência dos tribunais arbitrais é circunscrita às matérias indicadas no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT,  ou seja, atos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação, e não deles decorrentes.

 Sem grandes considerações, manifestamente, não cabem em tal previsão:

- a anulação ou extinção de processos de execução fiscal.

- a anulação ou extinção de processos de contraordenação.

- a restituição das quantias prestadas pela Requerente, relativas garantia bancária.

Ressalta pois a incompetência material do Tribunal para a apreciação destes pedidos, verificando-se uma excepção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo, conducente à absolvição, quanto a eles, em ordem aos artigos 576.º, n.º 2, 577.º, al. a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

c- Após audição da Requerente, decidiu o Tribunal prescindir da produção de prova testemunhal, pois se afigurava, nada poder contribuir para a fixação da matéria de facto relevante para a decisão da causa, nos termos em que o litigio se configurava.

d-Face á constatação da existência de um processo, (504/2018-T), onde, numa situação factual e jurídica idêntica á discutida nos autos, tinha sido decidido proceder ao Reenvio Prejudicial perante o Tribunal de Justiça da União Europeia, foi, após audição das partes, decretada a suspensão da instância até á pronúncia do TJUE, no âmbito do referido processo.

Em 08-04-2021 foi junto aos autos o Acórdão do TJUE, de 04/03/2021, no Processo C-581/19 e Despacho de rectificação do mesmo, relativo ao procedimento referido.

e) O Tribunal é competente. O processo não enferma de nulidades. Não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa, nos termos sobreditos, mostrando-se reunidas as condições para ser proferida decisão final.   

 

III- Factos

1- A Requerente era, á altura dos factos, uma sociedade por quotas tendo como actividade principal “Atividades de Ginásio (Fitness)”, CAE 93130, bem como, CAE secundário- 86906-Outras atividades de Saúde Humana, entre outras. como arrendamento de bens imobiliários e a venda de produtos relacionados com a actividade principal (suplementos e roupas desportivas) e produtos de merchandising.

2- No ano de 2016, disponibilizava um contrato onde aos potenciais socios podiam optar entre duas modalidades de adesão ao clube, o programa livre-trânsito e o programa livre-trânsito e programa de nutrição,

3- O programa de "livre-trânsito e programa de nutrição", permitia o acesso ao ginásio de musculação, a aulas de grupo de fitness durante todo o dia e também a consultas de nutrição-avaliação nutricional com plano alimentar- inicialmente trimestrais, mas que passaram a mensais, consultas presenciais junto da nutricionista.

4- A maioria dos sócios, no ano de 2016, optou pela modalidade de "programa livre-trânsito e programa de nutrição",

5- Os serviços de nutrição eram assegurados pela nutricionista Dra. ..............., licenciada em dietética e nutrição, conforme certificado de habilitações, emitido a 16 de janeiro de 2013, pelo estabelecimento de ensino Universidade do Algarve, encontrando-se também inscrita na Ordem dos Nutricionistas.

6- A sociedade contribuinte tinha as consultas de nutrição incluídas no programa do fitness com nutrição e tinha também a hipótese de qualquer pessoa que entrasse no healt club pudesse optar apenas e só por frequentar os serviços de nutrição.

7- A Requerente facturou os seus serviços de forma autónoma, ou seja, os serviços respeitantes a ginásio-fitness, com IVA a 23% e os serviços respeitantes a Nutrição, com a correspondente isenção de IVA, conforme exemplo de fatura, em que do valor total de € 34,90 (trinta e quatro euros e noventa cêntimos, € 12,40 (doze euros e quarenta cêntimos) é isento de IVA, correspondente à nutrição e € 18,29 (dezoito euros e vinte nove cêntimos) é taxado a 23%, correspondente ao fitness.

8- A Requerente, foi objecto de uma inspecção tributária externa levada a cabo pela Direcção de Finanças de Évora, de acordo com a Ordem de serviço nº OI2017....., com data de 11 de Agosto de 2017, de âmbito parcial e que incidiu sobre os impostos IRC e IVA, do ano de 2016.

9- De onde resultou um projecto de relatório final, que veio apurar a título de valor de Iva em falta, de Janeiro a Dezembro de 2016 inclusive, a quantia de EUR 25.123,38 (vinte e cinco mil cento e vinte e três euros e trinta e oito cêntimos).

10- A Requerente prestou uma garantia bancária no valor de EUR 34.000,00 (trinta e quatro mil euros).

11- Em 06 de Novembro de 2018, A Requerente deduziu Reclamação Graciosa relativa a IVA e IRC. Posteriormente desistiu da apreciação da matéria de IRC e deduziu Reclamação Graciosa relativamente a este imposto, requerendo a apensação desta Reclamação à anterior. respeitante ao IVA. Não houve qualquer resposta da AT.

 

Factos dados como provados

Todos os referidos.

 

Fundamentação da matéria de facto provada:

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

IV- DO DIREITO

As questões controvertidas no presente processo, que impõem apreciação, para decisão, são as seguintes:

a- Falta de fundamentação

 O dever legal de fundamentação do acto administrativo impõe uma dupla função: endógena, ao exigir ao decisor a expressão dos motivos e critérios determinantes da decisão, assim contribuindo para a sua ponderação e transparência; exógena, ao permitir ao destinatário do acto uma opção esclarecida entre a conformação e a impugnação graciosa ou contenciosa (cfr. o ac. STA, de 2/2/2006, rec. nº 1114/05).

Com efeito, neste domínio da fundamentação do acto, é relevante a distinção entre fundamentação formal e fundamentação material: à fundamentação formal interessa a enunciação dos motivos que determinaram o autor ao proferimento da decisão com um concreto conteúdo; à fundamentação material interessa a correspondência dos motivos enunciados com a realidade, bem como a sua suficiência para legitimar a actuação administrativa no caso concreto.

Sendo que, no ensinamento de Vieira de Andrade, o dever formal de fundamentação cumpre-se «... pela apresentação de pressupostos possíveis ou de motivos coerentes e credíveis; enquanto a fundamentação material exige a existência de pressupostos reais e de motivos correctos susceptíveis de suportarem uma decisão legítima quanto ao fundo».

Ora, no caso vertente, verifica-se, nas notas de liquidação, a menção de liquidações adicionais efectuadas nos termos regulamentares do CIVA em resultado do processamento da declaração correctiva e relativamente ao período de imposto.

Acresce que a fundamentação das correcções operadas pela AT e que determinaram as referidas liquidações adicionais de IVA, manifestamente, exprime, em termos claros, suficientes, congruentes e inteligíveis o critério legal e a motivação das mesmas,  cumprindo a supra apontada dupla função de controlo endógeno e exógeno da legalidade de tais actos tributários.

Não ocorre, pois, a invocada insuficiência ou falta de fundamentação do Relatorio e atos tributários de liquidação.

b- Caducidade do procedimento inspetivo

A requerente, invoca a caducidade do procedimento inspectivo, porquanto decorreram mais de de seis meses para a sua conclusão.

Dir-se-á que, no entendimento largamente maioritário do STA, (que comungamos), a única consequência da ultrapassagem do referido prazo de seis meses é a não consideração da suspensão do prazo de caducidade de liquidação do imposto.

Com efeito, o prazo de caducidade do direito de liquidar impostos, que, regra geral, é de quatro anos e se conta a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário, suspende-se com a notificação ao contribuinte de início de ação inspetiva, cessando este efeito suspensivo, contando-se aquele prazo de caducidade desde o início, caso a inspeção ultrapasse seis meses contados a partir daquela notificação.

Ora neste caso, tal prazo de caducidade estava longe de verificar-se na data das liquidações, (e respetivas notificações), de IVA, que tiveram lugar.

c- Isenção do IVA

Como bem anunciado, no douto parecer junto aos autos, a questão essencial e decisiva, (como se verá), nos autos, prende-se com o entendimento que a actividade de aconselhamento/consultas de nutricionismo prestadas em ginásios, quando realizadas por profissionais devidamente habilitados que envolvam a prática de actos de prevenção e/ou de tratamento de patologias relacionadas com a saúde praticados em conformidade com a Norma de Atuação Profissional da Ordem dos Nutricionistas (NOP 002/2019), como o aconselhamento nutricional, a elaboração de um plano alimentar personalizado, a análise da composição corporal, do historial clínico e do modo de vida do utente, bem com medições biométricas, será visto e considerado como um acto terapêutico para efeitos de isenção de IVA nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 9.º do CIVA?

 

Com efeito, nos presentes autos, estão controvertidas correcções, nas quais os SIT entenderam que, nos serviços, como os referidos, não se verifica a finalidade terapêutica e como tal, não beneficiam da isenção constante no nº1 do artigo 9.º do CIVA…

Defendendo, ao invés, a Requerente, que, sendo aqueles serviços prestados, por profissionais habilitados, têm imediata e necessariamente fins terapêuticos, pelo que beneficiam da isenção em apreço.

 

Sobre tal problemática/questão se pronunciou o TJUE, proferindo um Acórdão, no âmbito do pedido de reenvio prejudicial relativo ao processo n.º 504/2018-T, que deu entrada no TJUE em 2019-07-31 (processo C-581/19 - caso Frenetikexito), e que levou á suspensão dos presentes autos, por versar sobre matéria análoga à discutida nesse processo.

 

Como bem salientado no douto parecer referido, o IVA é um imposto de matriz comunitária, encontrando-se harmonizado na União Europeia, existindo um sistema comum deste tributo nos 27 Estados membros actualmente acolhido na denominada Directiva IVA, tendo o Direito da União Europeia supremacia sobre o Direito interno.

No Caso Frenetikexito as questões suscitadas pelo Tribunal Arbitral prendiam-se com a recorrente questão da acessoriedade suscitada pela AT, questão claramente resolvida, e bem, no sentido da respectiva autonomização, assim como o problema de se saber se, no caso da consulta de nutricionismo não ser realizada, se continuaria a aplicar a isenção aos serviços em causa. Contudo, a Advogada Geral e o TJUE vão mais além e pronunciam-se sobre a aplicabilidade da isenção a tais consultas tendo em consideração se devem ou não qualificar-se como serviços de saúde no sentido da Directiva IVA.

 

Diz o TJUE relativamente à aplicabilidade da isenção aqui em causa:

(…) A este respeito, é pacífico que um serviço de acompanhamento nutricional prestado no âmbito de uma instituição desportiva pode, a médio e a longo prazo ou considerado em termos amplos, ser um instrumento de prevenção de certas doenças, como a obesidade. Todavia, cumpre notar que o mesmo se aplica à própria prática desportiva, cujo papel é reconhecido, a título de exemplo, para limitar a ocorrência de doenças cardiovasculares. Tal serviço apresenta, portanto, em princípio, uma finalidade sanitária, mas não, ou não necessariamente, uma finalidade terapêutica.

Por conseguinte, na falta de indicação de que é prestado para fins de prevenção, diagnóstico, tratamento de uma doença e regeneração da saúde, e, portanto, com uma finalidade terapêutica, na aceção da jurisprudência referida nos n.os 24 e 26 do presente acórdão, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, um serviço de acompanhamento nutricional, como o prestado no processo principal, não preenche o critério da atividade de interesse geral comum a todas as isenções previstas no artigo 132.° da Diretiva 2006/112 e, por conseguinte, não é abrangido pela isenção prevista no artigo 132.°, n.° 1, alínea c), desta diretiva, de modo que está, em princípio, sujeito a IVA.

Esta interpretação não viola o princípio da neutralidade fiscal, que se opõe em especial a que duas entregas de bens ou duas prestações de serviços iguais ou semelhantes do ponto de vista do consumidor e que satisfazem as mesmas necessidades deste, e que estão, portanto, em concorrência entre si, sejam tratadas de maneira diferente do ponto de vista do IVA (v., neste sentido, Acórdão de 17 de dezembro de 2020, WEG TevesstraBe, C-449/19, EU:C:2020:1038, n.° 48 e jurisprudência referida), uma vez que, à luz do objetivo prosseguido pelo artigo 132.°, n.° 1, alínea c), da Diretiva 2006/112, serviços de acompanhamento nutricional prestados com uma finalidade terapêutica e serviços de acompanhamento nutricional desprovidos de tal finalidade não podem ser considerados iguais ou semelhantes do ponto de vista do consumidor e não satisfazem as mesmas necessidades deste último.

Qualquer outra interpretação teria como consequência alargar o âmbito de aplicação da isenção prevista no artigo 132.°, n.° 1, alínea c), da Diretiva 2006/112 para além da ratio legis que traduzem a redação desta disposição, bem 8 Frenetikexito como a epígrafe do capítulo 2 do título IX desta diretiva. Com efeito, qualquer serviço efetuado no âmbito do exercício de uma profissão médica ou paramédica, que tenha por efeito, mesmo de forma muito indireta ou longínqua, prevenir certas patologias, é abrangido pela isenção prevista nessa disposição, o que não corresponde à intenção do legislador da União e à exigência de interpretação estrita dessa isenção, recordada no n.° 22 do presente acórdão. Como salientou a advogada-geral no n.° 61 das suas conclusões, uma ligação incerta com uma patologia, sem risco concreto de prejuízo para a saúde, não é suficiente a este respeito, (rect).

….afigura-se que os serviços de manutenção e bem-estar físico, por um lado, e de acompanhamento nutricional, por outro, como prestados pela recorrente no processo principal, não estão indissociavelmente ligados na aceção da jurisprudência recordada nos n.os 38 e 39 do presente acórdão.

 Por conseguinte, em princípio, há que considerar que prestações como as que estão em causa no processo principal não constituem uma prestação única de caráter complexo.

 ….Prestações de acompanhamento dietético como as que estão em causa no processo principal não podem, portanto, ser consideradas acessórias em relação às prestações principais que são constituídas pelas prestações de manutenção e bem-estar físico.

…Daqui decorre que, sem prejuízo de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, há que considerar que prestações como as que estão em causa no processo principal são distintas e independentes umas das outras para efeitos da aplicação do artigo 2.°, n.° 1, alínea c), da Diretiva 2006/112.

…Tendo em conta estas considerações, há que responder às questões submetidas que a Diretiva 2006/112 deve ser interpretada no sentido de que, sob reserva de uma verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, um serviço de acompanhamento nutricional prestado por um profissional certificado e habilitado em instituições desportivas, e eventualmente no âmbito de planos que incluem igualmente serviços de manutenção e bem-estar físico, constitui uma prestação de serviços distinta e independente e não é suscetível de ser abrangida pela isenção prevista no artigo 132.°, n.° 1, alínea c), desta diretiva. (…)

Vejamos,

Além da vasta doutrina e juriprudência nacional e europeia, mencionada pela Requerida, sobre o tema da vinculação dos tribunais nacionais ás decisões do TJUE, .....cumpre referir com Carla Machado , (citada, entre outros, no Ac. do TRL460/17.0YHLSB de 07-06-2018), pertinente é não olvidar que “ as decisões do Tribunal de Justiça da União Europeia constituem fonte de direito imediata, permitindo a uniformidade e a harmonização na aplicação do direito da União no território dos Estados-Membros. 

Assim, para além da consagração expressa de alguns dos princípios estruturantes da ordem jurídica europeia previstos no artigo 2.º do Tratado da União Europeia (TUE), além de alguns dos princípios gerais do direito da União Europeia, é mister atentar ao papel da jurisprudência principialista do TJUE, que gozando ainda de precedente vinculativo, assume particular relevância na fixação e subsequente densificação dos princípios que subjazem a esta ordem jurídica.

Depois, e partindo do princípio da lealdade europeia, (artigo 4.º do TUE), pertinente é também não olvidar, reafirma Carla Machado, que tem o TJUE vindo a reafirmar uma série de outros princípios com vista a assegurar os objectivos da União de direito, sendo de destacar de entre eles o princípio do primado, o qual impõe a prevalência do direito da União sobre o direito nacional e, estando o mesmo internamente plasmado na Constituição da República Portuguesa, o princípio da interpretação conforme e o princípio da responsabilidade do Estado-juiz por violação das obrigações europeias, e dirigindo-se o primeiro também ao juiz nacional e a quem de resto incumbe fiscalizar e zelar pela aplicação do direito da União e a sua efectiva tutela jurisdicional.

Alinhando por semelhante entendimento, e no que aos efeitos materiais  da decisão prejudicial - sobre a decisão a proferir no processo nacional em que foi colocada - diz respeito, chama a atenção Carla Câmara , o tribunal que suscitou a questão e os restantes tribunais nacionais e do espaço da União estão vinculados às conclusões – bem como à fundamentação - do acórdão prejudicial, sendo razões de uniformidade as subjacentes a tal obrigatoriedade.

 

No mesmo sentido se pronuncia Jónatas Machado, in “Direito da União Europeia”, pág. 591/592, acrescentando: “…a sentença do TJUE vincula igualmente os demais tribunais nacionais do Estado-membro em causa e dos vários Estados-membros que se vejam confrontados com a mesma questão jurídica. A decisão adquire, por isso, uma eficácia a tender para efeitos erga omnes. Embora juridicamente se esteja perante efeitos circunscritos ao caso, e não se possa falar de preclusão de novos reenvios, os princípios da legalidade, da segurança jurídica, da igualdade, da proibição do arbítrio e da discriminação e da unidade do sistema jurídico europeu acabam por determinar a vinculação dos tribunais nacionais por estas decisões”.

 

Ou seja, pouco importam, nesta sede, as várias decisões do CAAD, (sem prejuizo do recurso para o STA), as informações vinculativas, ou, sequer, o entendimento ou convicção jurídica que o Tribunal tem sobre a questão debatida.

Pode, ou não, o Tribunal concordar com as asserções ou conclusões do Acórdão proferido, mas delas não se pode afastar para produzir a decisão que lhe é acometida, sendo certo, por maioria de razão, estarem os autos envolvidos no processo de reenvio por força da sua suspensão em razão do mesmo.

 

Sendo certo, outrossim, que as mesmas não permitem outra interpretação que não a referida:

A Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretada no sentido que, um serviço de acompanhamento nutricional prestado por um profissional certificado e habilitado em instituições desportivas, e eventualmente no âmbito de planos que incluem igualmente serviços de manutenção e bem-estar físico, constitui uma prestação de serviços distinta e independente e não é suscetível de ser abrangida pela isenção prevista no artigo 132.°, n.° 1, alínea c), desta diretiva, a não ser que que tenham por finalidade diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar doenças ou anomalias de saúde.

 

Ora, no caso em análise, não é alegado e por conseguinte, não era possivel  ser provado, que as prestações efetuadas tinham por finalidade, (concreta), diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar doenças ou anomalias de saúde, pelo que não são suscetíveis de ser abrangidas pela isenção prevista no artigo 132.°, n.° 1, al c) e  nº1 do art.º 9.º do Código do IVA

 

Não procedem, assim, os fundamentos da Requerente.

 

Não há lugar á condenação em juros indemnizatórios, face á total improcedência do pedido, nos termos da decisão que segue.

 

V-DECISÃO

 

Termos em que :

- Se declara a incompetência material do Tribunal para a apreciação dos pedidos de anulação ou extinção de processos de execução fiscal, de contraordenação e restituição das quantias prestadas relativas garantia bancária, absolvendo, quanto a eles, a Requerida;

- Se julga improcedente o pedido arbitral de anulação do despacho de indeferimento, (tácito), da Reclamação Graciosa, bem como das liquidações de IVA e juros do ano 2016, impugnadas;

-Se mantêm, na ordem jurídica, os atos tributários impugnados; 

- Se julga prejudicado o pedido de juros indemnizatórios;

- Se condena a Requerente nas custas do processo.

 

VI- VALOR DO PROCESSO 

Não tendo sido impugnado o valor indicado pela Requerente, em ordem ao disposto nos artigos 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da causa em €34.000,00.

 

VII- CUSTAS 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, do RJAT e Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em €1.836,00, que fica a cargo da Requerente.

 

Lisboa, 22 de Maio 2021

 

O Árbitro   

Fernando Miranda Ferreira