Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 384/2019-T
Data da decisão: 2020-02-20  IVA  
Valor do pedido: € 3.998.111,30
Tema: IVA – Locação financeira – Método pro rata.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I – Relatório

 

1. A..., S.A., pessoa coletiva n.º..., com sede na ..., ..., ...-... Porto, vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade das liquidações de IVA e de juros compensatórios com os n.ºs 2015... e 2015..., relativas ao período de Dezembro de 2012, requerendo ainda a condenação da Autoridade Tributária no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida.

Fundamenta o pedido nos seguintes termos.

 

A Requerente é uma instituição de crédito que realiza operações financeiras enquadráveis na norma de isenção do artigo 9.º, n.º 27, do Código do IVA, como é o caso da concessão de créditos, e operações que conferem o direito à dedução, como seja a locação financeira mobiliária.

 

No âmbito da sua actividade, a Requerente celebra contratos de aquisição de viaturas com entidades terceiras e contratos de mútuo com os seus clientes, pelo que a aquisição de bens e serviços necessários para o efeito da locação financeira consubstanciam serviços de utilização mista.

 

No entanto, a Administração Tributária desconsiderou, no cálculo de percentagem de dedução relativa ao ano de 2012, os valores relativos às amortizações financeiras no âmbito dos contratos de locação financeira, por entender que a actividade da instituição bancária, servindo de intermediário entre fornecedor e locatário na transação do bem, restringe-se essencialmente à concessão de financiamento, que tem como contrapartida o pagamento de juros, correspondendo a componente “capital” à “amortização do financiamento subjacente à aquisição do bem locado” que não pode deixar de ser excluída do cálculo da percentagem de dedução para efeito de IVA.

Entende a Requerente que, além do valor dos juros incluído nas rendas faturadas aos clientes, devem também ser considerados os restantes gastos incorridos com a prestação do serviço financeiro, sejam eles gastos com avaliações, gastos de financiamento e gastos gerais, assim como os réditos associados, como as comissões e resultados na alienação.

 

De facto, a Requerente utilizou, como métodos de dedução, a afetação real relativamente aos inputs diretamente relacionados com operações que conferem direito à dedução (operações de locação financeira), ao passo que o método pro rata foi utilizado no que respeita os gastos comuns, pelo que não pode afirmar-se que ocorreu uma duplicação de dedução do IVA suportado.

 

A Administração procura encontrar apoio nas instruções do Ofício Circulado n.º 30108, de 30 de Janeiro de 2009, segundo as quais “no cálculo da percentagem de dedução [deve ser considerado] apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à atividade de Leasing ou de ALD” (ponto 9).

 

No entanto, o artigo 23.º do Código do IVA não contém qualquer menção que permita à Autoridade Tributária impor condições à percentagem de dedução relativamente a um sujeito passivo que opta pelo método do pro rata, para além das instruções objetivas que são fornecidas pelo n.º 4 do artigo 23.º para a determinação dessa percentagem, sendo que nem o artigo 174.º da Diretiva IVA e nem essa disposição de direito interno impõem uma fórmula distinta que implique o sujeito passivo que retire do numerador e do denominador da fração relevante o montante equivalente à amortização de capital nos contratos de locação financeira.

 

Sendo certo que a Sexta Directiva abre a possibilidade de os Estados-membros imporem a um sujeito passivo misto a dedução com base na utilização da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços, essa não foi, no entanto, a opção seguida pelo legislador nacional no Código do IVA.

Por outro lado, a desconsideração da amortização financeira incluída nas rendas de locação financeira para apuramento do pro rata de dedução de IVA viola o princípio da não retroatividade da lei fiscal, porquanto a Administração apenas pode impor condições especiais para o exercício do direito de dedução apenas para o futuro.

Acresce que as liquidações omitem em absoluto as disposições legais aplicáveis e a qualificação e quantificação dos factos tributários, não preenchendo os requisitos de fundamentação legalmente exigidos, além de que a “Nota Demonstrativa da Liquidação” não permite esclarecer o montante de € 3.718.557,30 que é indicado como valor a pagar, e esse défice de fundamentação é também aplicável à liquidação de juros compensatórios. Não podendo, por outro lado, considerar-se preenchidos os requisitos da fundamentação por remissão.

O Relatório de Inspeção Tributária enferma também de vício de falta de fundamentação na medida em que refere que o apuramento da percentagem de dedução definitiva se baseou nas atividades desenvolvidas pela Requerente na área da “locação financeira, factoring e aluguer de longa duração (ALD)”, sem acrescentar quaisquer outras considerações relativamente ao ALD.

A Autoridade Tributária, na sua resposta, afirma que na locação financeira, a prestação do locador consiste na cedência do uso do bem, sendo essa a actividade económica da instituição bancária pela qual se obtém o valor acrescentado. No final do contrato, o locador terá recebido fraccionadamente, através da amortização financeira contida nas rendas, o reembolso integral do capital, sendo que a retribuição auferida é constituída pelos juros que juntamente com a amortização integram a renda.

 

Com a aquisição do veículo, o locador deduz integralmente o IVA, segundo as regras da afectação real, que é repercutido na esfera jurídica do locatário. E, por outro lado, para efeito do cálculo do pro rata apenas se deve ter em consideração a parte relativa ao juro (prestação de serviço e outros encargos), porque apenas esta recebeu a contribuição dos gastos comuns ou mistos.

 

Um pro rata genérico que inclua a componente capital contida nas rendas não permite medir o grau de consumo que as duas categorias de operações, com e sem direito à dedução, fazem dos bens e serviços que lhes são indistintamente alocados e, consequentemente, não pode ser utilizado para determinar a parcela dedutível do IVA liquidado a montante.

 

Incluindo a Requerente no cálculo do pro rata quer o capital da locação financeira, quer operações que constituem efectivamente proveitos ou ganhos, como sejam os juros ou rendimentos da locação financeira, está a provocar distorção significativa na tributação, já que não reflecte o grau ou peso de utilização do IVA dos gastos comuns na realização das operações tributadas e isentas com direito à dedução.

 

O Ofício-Circulado, sendo uma orientação administrativa de carácter genérico, através do qual a Administração interpreta as normas tributárias, vai ao encontro quer do disposto no artigo 23.º do Código do IVA, quer da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia.

 

O acórdão do TJUE, no caso Banco Mais, veio a considerar, no que respeita às operações de locação financeira, que o facto de se ter utilizado como critério a parte do volume de negócios gerada pelas operações que conferiam direito à dedução, sem excluir desse volume de negócios a parte das rendas recebidas que compensavam o custo de aquisição dos veículos, tinha tido por efeito falsear o cálculo do pro rata de dedução. Vindo assim a concluir que o artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva (a que corresponde o actual artigo 173.º, n.º 2, da Directiva 2006/112 CE) deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado-Membro obrigue um banco que exerce actividades de locação financeira a incluir, no numerador e denominador, a fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos.

No que se refere ao vício de falta de fundamentação, pode-se constatar na Nota Demonstrativa da Liquidação que é apresentado um quadro intitulado “Valores corrigidos” que tem por base os vários campos e valores que o Requerente inseriu na sua declaração periódica entregue para o período de Dezembro de 2012, com correcção efectuada pelos serviços inspectivos no campo 41 (regularizações a favor do Estado), tendo-se apurado  o correspondente valor da liquidação adicional.

 

Sendo que a correcção de IVA se traduziu na alteração da percentagem definitiva de dedução do imposto incorrido em custos comuns, tendo em conta que no cálculo da percentagem de dedução apenas pode ser considerado, nos termos do artigo 23.º, nºs 1, 2 e 3, do CIVA, o montante correspondente aos juros e outros rendimentos no que concerne à renda da locação financeira, e não o capital (ponto III.2.1 do relatório de inspecção tributária).

 

Por outro lado, a liquidação é efectuada com base em correcção efectuada pelos serviços inspectivos e constitui uma remissão para o Relatório de Inspecção, considerando-se como cabalmente fundamentada.

 

No que se refere à falta de fundamentação do relatório de inspecção tributária, a Administração limitou-se a aludir à locação financeira em sentido lato, pretendendo abranger quer a locação financeira propriamente dita, quer o ALD, não podendo considerar-se verificado o vício formal invocado apenas por essa razão um vício de falta de fundamentação.

 

 Conclui pela improcedência do pedido.

 

2. A impugnação judicial dos actos de liquidação foi originariamente apresentada no TAF do Porto, onde se encontrava pendente sob o n.º .../15...BEPRT, tendo a impugnante requerido a submissão do Processo ao Centro de Arbitragem Administrativa ao abrigo do disposto no artigo 11.º do Decreto-Lei 81/2018, de 15 de Outubro.  

 

Na petição inicial, a Impugnante requereu o aproveitamento da prova testemunhal produzida no processo de impugnação judicial n.º .../15...BEPRT, do TAF do Porto, que, na ausência de oposição da Autoridade Tributária, foi admitido por despacho arbitral de 14 de Novembro de 2019.

 

No prosseguimento do Processo foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e remetido o processo para alegações.

 

Em alegações, a Requerente pronunciou-se sobre os resultados probatórios decorrentes da produção de prova testemunhal e quanto à matéria de direito manteve a sua anterior posição. A Autoridade Tributária não contra-alegou.

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária nos termos regulamentares.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 20 de Agosto de 2019.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas excepções.

 

Cabe apreciar e decidir.

 

II - Fundamentação

 

Matéria de facto

 

4. Os factos relevantes para a decisão da causa que poderão ser tidos como assentes são os seguintes:

 

A)           A Requerente é uma instituição de crédito abrangida pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro.

B)           A Requerente é sujeito passivo misto para efeitos de IVA na medida em que na sua actividade realiza operações de locação financeira mobiliária, que são tributáveis e conferem o direito de dedução do imposto, e operações de financiamento e concessão de crédito, que são isentas do imposto, que não permitem a dedução de IVA. 

C)           A Requerente aplica o método pro rata na dedução do IVA suportado na aquisição de bens e serviços indistintamente utilizados em operações sujeitas e isentas de imposto com e sem direito a dedução e o método de afectação real relativamente à aquisição de bens ou serviços que estão afectos à realização de operações que conferem direito à dedução.

D)           Na declaração periódica de IVA de Dezembro de 2012, a Requerente incluiu no numerador e no denominador da fracção representativa do cálculo pro rata os valores respeitantes às amortizações financeiras no âmbito dos contratos de locação financeira, no montante global de € 324.622.013,48;

E)            A Requerente aplicou assim uma percentagem de pro rata de 17%, apurando deduções relativas a gastos comuns no âmbito da locação financeira no montante de € 9.301.667,59;

F)            A Requerente foi objecto de uma acção inspectiva de âmbito geral, titulada pela Ordem de Serviço n.º OI2014..., com incidência no ano de 2012.

G)           O Relatório de Inspecção Tributária elaborado no âmbito do procedimento inspectivo propôs a correcção à percentagem de dedução de IVA que incidiu sobre gastos comuns de 17% para 10%, apurando imposto em falta no montante de € 3.830.098,42 (€ 9.301.667,59 - € 5.471.658,17).

H)           A correcção aritmética encontra-se fundamentada nos seguintes termos:

III. 2 IVA

 

III.2.1 Apuramento da percentagem de dedução definitiva

€ 3.830.098,42 (art.º 23º do CIVA)

 

O A... é uma instituição financeira que para além da atividade bancária também desenvolve a atividade de locação financeira, factoring e aluguer de longa duração (ALD), compreendendo desta forma simultaneamente operações isentas de IVA, nos termos do n.º 27 do art.º 9º do Código de Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA), e operações sujeitas.

Para efeitos de dedução da IVA suportado nas aquisições de bens e serviços de acordo com o art.º 23º do CIVA, o sujeito passivo utiliza o método da afetação real e relativamente a gastos que abrangem as atividades em que não é possível uma alocação direta, calculou, em 2012, uma percentagem de dedução específica de 17%. Esta percentagem corresponde à proporção entre a soma das operações tributadas com as isentas com direito a dedução, e a totalidade das operações realizadas. O Banco apresentou o seguinte cálculo do pro rata de dedução de IVA definitivo de 2012:

 

                Descrição            Montante          

                Numerador                       

                Operações tributadas    423.845.799,56 

                Operações isentas com direito à dedução            285.301.693,18 

                Operações não sujeitas com direito à dedução  0,00       

                Total      709.147.492,74 

                                              

                Denominador                  

                Operações tributadas    423.845.799,56 

                Operações isentas com direito à dedução            285,301.693,18 

                Operações não sujeitas com direito à dedução  0,00       

                Operações isentas sem direito à dedução            3.719.265.574,85             

                Total      4.428.413.067,59             

                Pro rata                17%      

Porém, da análise da demonstração do apuramento com a indicação das contas NCA e do PCI verificou-se que no valor das operações tributadas foi incluído o valor da faturação de locação financeira, conforme a seguir se evidencia:

 

Conta

(PCI)

 

(A)         Descrição

 

(B)          Operações

Tributadas

 

(C)          Operações isentas com direito a dedução

(D)         Numerador

 

(E)=(C)+(D)         Operações isentas sem direito a dedução

(F)          Denominador

 

(G)=(C)+(D)+(F)

80           Juros     39.747.276          95.661.017          135.408.292        2.812.224.299    2.947.632.592

82           Comissões          23.792.452          4.018.419            27.810.872          641.802.544        669.613.416

83           Lucros em operações     96.835   174.542.126        174.638.961.       254.027.963        428.666.924

89           Outros proveitos e lucros             34.428.100          11.080.131          45.508.231          11.011.837          56.520.069

87           G. Extr.

Faturação de locação financeira não incluída nas constas acima indicadas            325.761.137                        325.781.137                        325.781.137

Total      423.845.800        285.301.693        709.147.493        3.719.265.575    4.428.413.068

                                                               (E) / (G)

                                               Pro rata               17%      

 

(…)

Desenvolvendo o A... uma atividade que envolve operações que permitem a dedução do imposto suportado a montante, como sejam a locação operacional e financeira, mobiliária e imobiliária em caso de renúncia à isenção, e outras que não a possibilitam, designadamente, a concessão de crédito e locação de bens imóveis, isentas sem direito a dedução nos termos do art.º 9º do CIVA, para efeitos  de apuramento da parcela dedutível de imposto contido nos recursos adquiridos de utilização mista, terá de se observar o previsto no art.º 23º.

“1. Quando o sujeito passivo, no exercício da sua atividade, efetuar operações que conferem direito a dedução e operações que não conferem esse direito, nos termos do artigo 20º, a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações é determinada do seguinte modo:

a)            Tratando-se de um bem ou serviço parcialmente afeto à realização de operações não decorrentes do exercício de uma atividade económica prevista na alínea a) do artigo 2.º, o imposto não dedutível em resultado dessa afetação parcial é determinado nos termos do n.º 2;

b)           Sem prejuízo do disposto na alínea anterior, tratando-se de um bem ou serviço afeto à realização de operações decorrentes do exercício de uma atividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, parte das quais não confira direito à dedução, o imposto é dedutível na percentagem correspondente ao montante anual das operações que deem lugar a dedução.

2. Não obstante o disposto da alínea b) do número anterior, pode o sujeito passivo efetuar a dedução segundo a afetação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, sem prejuízo de a Direção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas da tributação.

(…)”

Retirando-se das disposições deste artigo que:

O seu âmbito de aplicação limita-se às situações em que coexistem operações que conferem direito a dedução e operações que não conferem tal direito e às quais são alocados, indistintamente, bens e serviços adquiridos com imposto. De facto, tratando-se de inputs exclusivamente afetos a operações com direito a dedução do imposto, apresentando-se uma relação direta e imediata com essas operações, o imposto incorrido é objeto de dedução integral, nos termos do art.º 20.º do CIVA. E, a contrario, caso os recursos adquiridos se destinarem exclusivamente a operações tributáveis, mas isentas, ou a operações não sujeitas, o imposto neles contido não será dedutível.

 Os sujeitos passivos podem optar, para efeitos de dedução do imposto que onerou os bens e serviços de utilização conjunta nos outputs com e sem direito a dedução, pela aplicação do método da afetação real ou pelo método da percentagem de dedução ou pro rata, de utilização supletiva, o qual tem por objetivo determinar o grau de utilização desses bens e serviços naqueles grupos de operações.

Deste modo, a alínea a) do n.º 1 do art.º 2.º estabelece que só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços utilizados pelo sujeito passivo para a realização de transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas.

No entanto, refere a alínea b) do n,º 1 do art.º 23.º do CIVA que, quando o sujeito passivo no exercício da sua atividade efetue operações que conferem direito a dedução e operações que não conferem esse direito, o imposto suportado nas aquisições é dedutível apenas na percentagem correspondente ao montante anual das operações que deem lugar à dedução.

Mesmo nos casos em que se aplica o método da afetação real, haverá IVA suportado em bens e serviços utilizados tanto em operações que dão direito a dedução como em operações sem direito a dedução, pelo que se impõe a sua repartição e o consequente apuramento da parceria dedutível, não podendo por isso deixar de ser aplicado ao imposto contido nessas aquisições uma percentagem de dedução que deverá refletir a medida efetiva em que aqueles bens e serviços são usados para a realização das operações com direito a dedução e das isentas sem aquele direito.

A percentagem de dedução resulta, conforme dispõe o n.º 4 do art.º 23.º do CIVA “(…) de uma fração que comporta no numerador, o montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar a dedução nos termos do n.º 1 do artigo 20.º, e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efetuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma atividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, bem como as subvenções não tributadas que não sejam subsídios ao equipamento.” Logo, da utilização deste método resulta imposto dedutível apenas na percentagem correspondente ao montante das operações que permitem a dedução.

E envolvendo o seu apuramento o universo das operações sujeitas a imposto, ambos os membros da fração dão constituídos pelo respetivo valor tributável determinado a de acordo com as regras estabelecidas no art.º 16.º do CIVA. Assim, na situação em análise, e decorrente da especificidade da atividade desenvolvida, a percentagem de dedução tem na sua base de cálculo valores tributáveis que, correspondendo à contraprestação obtida ou a obter do adquirente ou destinatário, refletem os juros e outros rendimentos obtidos, como acontece  nas operações de crédito, enquanto outros correspondem ao somatório de duas parcelas, juros obtidos e capital reembolsado, como se verifica nas operações de locação financeira (alínea h), do n.º 2 do art.º 16.º).

Destarte, na aferição da adequação do método utilizado pelo sujeito passivo haverá que ter em consideração as especificidades da atividade de locação financeira por si desenvolvida.

A atividade do locador restringe-se, assim, a uma atividade financeira, servido de intermediário entre fornecedor e locatário na transação de bem, adquirindo-o ao primeiro e cedendo o seu uso ao segundo, pelo que no leasing financeiro o interesse do locatário reside essencialmente no financiamento que este proporciona, e os juros por si suportados consubstanciam o resultado financeiro da atividade do locador. Tratando-se de um financiamento, o pagamento do serviço ao locador é composto por duas partes: capital ou amortização financeira, que mais não é que o reembolso da quantia “emprestada” e os juros, que constituem a remuneração do locador,

Logo, a componente “capital” corresponde à amortização do financiamento subjacente à aquisição do bem locado e, não constitui, por consequência, contrapartida de uma transmissão de bens ou prestação de serviços, mas integra o valor tributável nos contratos de locação financeira, porque de outra forma nunca o Estado recuperaria o valor que lhe foi reclamado na altura da aquisição do bem, por via do mecanismo de dedução. E isto é a verdadeira essência do imposto, cujo nome é exatamente “sobre o valor acrescentado”. O “ganho” ou, se se quiser, “a margem” de cada operador, é que é a parcela sobre a qual efetivamente recai o encargo do IVA, porque o remanescente é um mero reembolso da dedução do imposto que efetuou nos seus inputs.

E, no mesmo sentido da não adequação do pro rata geral aplicado para medir o grau de utilização do conjunto de bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e operações que não conferem esse direito vão as instruções vertidas no Ofício-Circulado n.º 30108, de 2009-01-30, do qual se destaca:

“7. (…) a afetação real é o método que, tendo por base critérios objetivos de imputação, mais se ajusta ao apuramento do IVA dedutível nos bens e serviços de utilização mista.

8. Nesse sentido, considerando que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º é suscetível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”, os sujeitos passivos que no âmbito de atividades financeiras pratiquem operações de Leasing ou de ALD, devem utilizar, nos termos do n.º 2 do artigo 23.º do CIVA, a afetação real com base em critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das atividades.

9. Na aplicação do método da afetação real, nos termos do número anterior e sempre que não seja possível a aplicação de citérios objetivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à atividade de Leasing ou de ALD. Neste caso, a percentagem atrás referida não resulta da aplicação do n.º 4 do artigo 23.º do CIVA.”

Deverá então ser utilizado um rácio cujas variáveis sejam homogeneizadas, a fim de se tornarem coerentes entre si, que se tornará numa percentagem específica à realidade a que vai ser aplicada e não será mais do que um coeficiente de imputação dentro do método de afetação real, de acordo com o n.º 2 do art.º 23.º do CIVA.

Consequentemente, e decorrente da natureza das operações efetuadas pelo A..., o método do pro rata previsto no n.º 4 do art.º 23.º, por si utilizado, tem na sua base de cálculo grandezas que, refletindo realidades bem diversas, lhe retiram rigor para atingir o objetivo que lhe subjaz, que é o de determinar a parcela dedutível do imposto contido nos bens e serviços de utilização mista, sendo o falta de coerência das variáveis nele utilizadas suscetível de provocar vantagens ou desvantagens injustificadas, logo passível de conduzir a “distorções significativas de tributação.”

Deste modo, e atendendo às especificidades da atividade desenvolvida pelo sujeito passivo, a percentagem de dedução ou pro rata genérico, apurada nos termos daquele normativo, não tem mérito para medir o grau de consumo que as duas categorias de operações, com e sem direito a dedução, fazem dos bens e serviços que lhes são indistintamente alocados e, consequentemente, não pode ser utilizada para determinar a parcela dedutível do IVA liquidado a montante.

Pelo que antecede, no cálculo da percentagem de dedução apenas poderá ser considerado o montante correspondente aos juros e outros rendimentos, pelo que se subtraiu ao valor apurado pelo sujeito passivo o valor do capital contido na faturação da locação financeira (incluído no numerador e denominador) no montante de € 461.808.530,85, donde resulta uma alteração da percentagem de dedução, conforme a seguir se demonstra:

 

Rubricas              Banco

 

(1)          Valor referente a Capital

 

(2)          Valor tributado apurado através da discriminação das contas de ganhos

(3)          Administração Tributário

 

(4) = (1) - (2 )- (3)

Numerador                                                      

Operações tributadas    423.845.799,56  324.622.013,48  190.008,53          99.033.777,55

Operações financeiras “isentas” com direito à dedução 285.301.693,18                                 285.301.693,18

Total      794.147.492,74                                 384.335.470,73

Denominador                                                  

Operações tributadas    423.845.799,56  324.622.013,48  190.008,53          99.033.777,55

Operações financeiras “isentas” com direito à dedução 285.301.693,18                                 285.301.693,18

Operações isentas sem direito à dedução            3.719.265.574,85                                             3.719.265.574,85

Total      4.428.413.067,59                                             4.103.601.045,58

Pro rata               17%                                       10%

Assim sendo, será corrigida a percentagem de dedução de IVA que incidiu sobre os gastos comuns de 17% para 10%, apurando-se imposto no montante de € 3.830.098,42 (€ 9.301.667,59 - € 5.471.569,17) de harmonia com o disposto no n.º 3 do art.º 23.º do CIVA e conforme se demonstra no Anexo 8.

O sujeito passivo, em sede de direito de audição, não se pronunciou sobre a correção proposta, pelo que a mesma se mantém na totalidade (cfr. ponto IX),

 

I)             Na sequência da inspecção tributária foi emitida a nota de liquidação adicional sob o n.º 2015..., com a inscrição dos valores corrigidos e o montante de imposto a pagar no total de € 3.718.567,30, e a demonstração de acerto de contas sob o n.º 2015..., com a menção de juros compensatórios no montante de € 279.554,00;

J)            A nota de liquidação de IVA contém a seguinte fundamentação: “Liquidação efectuada com base em correcção efectuada pelos Serviços de Inspecção Tributária”; 

L)            A Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu o Ofício Circulado n.º 30108, de 30 de janeiro de 2009, com o seguinte teor:

Assunto: IVA - Direito à dedução Regras para a determinação do direito à dedução pelas instituições de crédito quando desenvolvam simultaneamente as actividades de Leasing ou de ALD 

Para conhecimento dos Serviços e de outros interessados, e tendo em vista divulgar a correcta interpretação a dar ao artigo 23º do Código do IVA no que respeita à sua aplicação pelas instituições de crédito que exercem, entre outras, a actividade de Leasing ou de ALD, comunica-se que, por meu despacho de 2009.01.30, proferido na informação nº 106, de 19 de Janeiro de 2009, do Gabinete do Subdirector-Geral da área de Gestão do IVA, foi determinado o seguinte:

1.            O ofício circulado nº 30103, de 2008.04.23, do Gabinete do Subdirector Geral da área de Gestão do IVA, procedeu à divulgação de instruções genéricas no sentido de uniformizar a interpretação a dar às alterações introduzidas ao artigo 23º do Código do IVA (CIVA), de assegurar o correcto enquadramento das várias actividades face aos novos preceitos, de estabelecer os procedimentos a serem seguidos na determinação da dedução do imposto e, ainda, de clarificar os critérios a utilizar, quando haja recurso à afectação real na determinação do quantum do imposto a deduzir e sempre que esteja em causa bens e serviços de utilização mista. 

2.            De acordo com as referidas instruções e seguindo as regras do artigo 23º do CIVA, para apurar o imposto dedutível contido em bens e/ou serviços de utilização mista, aplica-se supletivamente o método da percentagem ou pro rata, excepto quando estejam em causa operações não decorrentes de uma actividade económica, caso em que é obrigatória a afectação real. Nos demais casos, a afectação real é facultativa podendo, no entanto, a Administração Tributária impor esse método de imputação quando a aplicação do pro rata conduza a distorções significativas na tributação (nº 3 artº 23º). 

3.            No caso de utilização da afectação real, obrigatória ou facultativa, e segundo o n.º 2 do artigo 23.º, o sujeito passivo para determinar o grau de afectação ou utilização dos bens e serviços à realização de operações que conferem direito a dedução ou de operações que não conferem esse direito, deve recorrer a critérios objectivos devendo, em qualquer dos casos, a determinação desses critérios objectivos ser adaptada à situação e organização concretas do sujeito passivo, à natureza das suas operações no contexto da actividade global exercida e aos bens ou serviços adquiridos para as necessidades de todas as operações, integradas ou não no conceito de actividade económica relevante. 

4.            Os critérios adoptados podem ser corrigidos ou alterados pela DGCI, com os devidos fundamentos de facto e de direito, ou, se for caso disso, fazer cessar a utilização do método, se se verificar a ocorrência de distorções significativas na tributação. 

5.            No caso específico das entidades financeiras que desenvolvem igualmente actividades de Leasing ou de ALD, a prática conjunta de operações de concessão de crédito e de locação tributada, incluindo a locação financeira, implica, quando houver bens e serviços adquiridos que sejam conjuntamente utilizados em ambas, a necessidade de recorrer às disposições do artigo 23.º do CIVA para apuramento da parcela do imposto suportado, que é passível de direito a dedução. 

6.            Face à anterior redacção do artigo 23º do CIVA, no âmbito da aplicação do método da afectação real, sempre que não fosse viável a aplicação da afectação no cálculo do IVA dedutível relativamente a bens de utilização mista, a solução encontrada e seguida pelos Serviços como sendo a que mais se aproximava da neutralidade desejada, foi no sentido de ser aplicada uma proporção entre os dois tipos de operações, de forma a determinar, o mais aproximadamente possível, a afectação dos inputs a cada uma delas. No entanto, não estava aqui em causa a aplicação do nº 4 do artigo 23º do IVA mas o apuramento do imposto dedutível mediante a aplicação de um pro rata específico, uma vez que previamente o método utilizado fora o da afectação real. 

7.            Face à actual redacção do artigo 23.º, a afectação real é o método que, tendo por base critérios objectivos de imputação, mais se ajusta ao apuramento do IVA dedutível nos bens e serviços de utilização mista. 

8.            Nesse sentido, considerando que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”, os sujeitos passivos que no âmbito de actividades financeiras pratiquem operações de Leasing ou de ALD, devem utilizar, nos termos do n.º 2 do artigo 23º do CIVA, a afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades.

9.            Na aplicação do método da afectação real, nos termos do número anterior e sempre que não seja possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD. Neste caso, a percentagem atrás referida não resulta da aplicação do nº. 4 do artigo 23º do CIVA.

M)          Em 24 de Abril de 2015, o B..., S. A. emitiu a pedido da Requerente a garantia bancária sob o n.º..., no valor de € 354.064,61, para evitar o prosseguimento do processo de execução fiscal instaurado para cobrança coerciva de juros compensatórios relativos a IVA no ano de 2012; 

N)           Em 24 de Abril de 2015, o B..., S. A. emitiu a pedido da Requerente a garantia bancária sob o n.º..., no valor de € 4.706.096,79, para evitar o prosseguimento do processo de execução fiscal instaurado para cobrança coerciva de IVA relativo ao ano de 2012; 

O)           O B..., S. A. efectuou as notas de lançamento a débito relativas à prestação de garantia bancária que constam do documento n.º 8 anexo à petição que aqui se dão como reproduzidas e que, à data da apresentação do pedido arbitral ascendiam a € 129.904,44 relativamente à garantia bancária n.º..., e € 9.816,21 relativamente à garantia bancária  n.º...;

P)           A operação de aquisição de viaturas no âmbito da concessão de crédito é efectuada através dos balcões do Banco, envolvendo a utilização de custos gerais de funcionamento do Banco.

 

 O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária com a resposta e ainda com base na produção de prova testemunhal em audiência.

 

A testemunha Diamantino Beire, indicada pela Requerente, refere que a actividade de locação financeira exige a afectação de meios materiais e humanos e a sua conjugação numa perspectiva empresarial, com uma estrutura de rendimentos totalmente diferente da de um mero “intermediário”. Para exemplificar, esclareceu que a locação financeira automóvel diverge da locação financeira para aquisição de um equipamento ou de um imóvel, sendo que da diversidade das operações em que o Banco se vê envolvido resultam custos, o emprego de meios e proveitos que variam e que nem sempre são repercutidos ao cliente na mesma medida. A estrutura de custos depende também do peso que cada tipo de contrato tem na carteira.

 

Considerou ainda que o Banco não é um mero intermediário financeiro nos contratos de locação financeira, à semelhança do que acontece numa concessão de crédito, desde logo porque é o proprietário do bem e ao longo do contrato tem que assumir uma série de responsabilidades e de recursos que consome na sua gestão. E estas responsabilidades podem manter-se no final do contrato, quando o cliente não exerce a opção de compra, pois, consoante os casos, pode impôr-se a necessidade de alugar um armazém, para guardar e conservar equipamentos, ou um parque de estacionamento para guardar e manter em bom estado as viaturas. Mesmo quando é exercida a opção de compra, há o processo de transmissão da propriedade. Há ainda os casos de incumprimento, em que o contrato é rescindindo e o Banco retoma a posse do bem. Aí, também o Banco passa a ter todos os encargos inerentes à conservação do bem, assume riscos, porque há bens de mais fácil escoamento no mercado e outros de difícil colocação. O ALD tem particularidades diferentes, a estrutura do contrato não é exactamente a mesma, tanto que na parte dos proveitos o ALD tem uma TAEG de 6,4%, enquanto no Leasing são 5%. Em conclusão, pode dizer-se que no ALD, no Leasing e na concessão de crédito a relação custos/proveitos é completamente diferente, porque são actividades que partem de pressupostos distintos.

 

A testemunha assinalou ainda que a margem de ganho do Banco é a diferença entre os custos e os proveitos, sendo que o juro é apenas uma das componentes dos proveitos, havendo a considerar outros proveitos, como as comissões e as eventuais mais valias que o Banco realiza na venda dos bens quando não é exercida a opção de compra. Numa análise global correcta, teriam de levar-se em conta as diferentes especificidades de cada tipologia de contrato, com juros, sem juros, bem assim os “inputs” da actividade, tudo o que o Banco tem de investir ou despender, pois há recursos como electricidade, telefones, equipamentos que não podem ser imputados directamente a uma actividade. Daí não haver qualquer duplicação quando nuns casos se usa o método da afectação real e noutros o pro rata.

 

A testemunha refere ainda que, no âmbito da inspecção, os serviços apenas solicitaram elementos contabilísticos relativamente à actividade de locação financeira, designadamente no âmbito do apuramento do pro rata, sendo que desses elementos nunca poderia resultar qualquer informação conducente à conclusão sobre o modo concreto como era desenvolvida a actividade de locação financeira, pois não foram consultados quaisquer tipos de contratos, seja de locação financeira, seja de ALD, sendo que o Banco tem várias tipologias desses contratos. Logo, a análise feita pela Inspecção Tributária não lhe permitiu ter uma visão qualitativa ou da essência da actividade, mormente no que concerne à estrutura de custos, proveitos e meios afectos à actividade, que não são iguais para todos os operadores e, mesmo dentro do mesmo operador, não são iguais todos os anos. 

 

                Matéria de direito

 

5. A Requerente é uma instituição de crédito abrangida pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras que realiza operações de financiamento e concessão de crédito, que se encontram isentas de IVA e não permitem o direito à dedução de imposto, e operações de locação financeira, que estão sujeitas e não isentas de IVA e conferem direito à dedução, sendo assim caracterizada para esse efeito como um sujeito passivo misto.

 

No caso das operações de locação financeira a contraprestação concretiza-se nas rendas que o locatário se obriga a pagar pela cedência dos bens locados e que integram uma parte correspondente a juros e outra a amortização financeira ou do capital.

 

A questão que vem colocada é a de saber se, na aplicação do método pro rata de dedução de imposto suportado nos bens e serviços de utilização mista, devem ser considerados no numerador e no denominador da fracção de cálculo o valor total da renda e não apenas a parte correspondente aos juros que constitui o proveito ou rendimento do locador.

 

O direito à dedução do imposto, disciplinado nos artigos 167.º a 192.º da Directiva IVA e, no direito interno, nos artigos 19.º a 25.º do Código do IVA, consiste essencialmente no direito de um sujeito passivo deduzir ao imposto incidente sobre uma certa operação tributável o imposto em que tenha incorrido na aquisição de bens ou serviços que se destinem à realização dessa operação.

Segundo a regra geral constante do artigo 168.º da Directiva, o IVA incorrido nas aquisições feitas por um sujeito passivo é dedutível na integralidade sempre que os bens ou serviços sejam utilizados “para os fins das suas operações tributadas”. Esse corresponde a um método de dedução de imputação directa, havendo de estabelecer-se para esse efeito um nexo directo entre uma dada operação activa e uma dada operação passiva.

Não sendo possível estabelecer esse nexo directo, como sucede quando as despesas com aquisições de bens ou serviços respeitam simultaneamente a operações tributadas e operações isentas de imposto – caso em que estaremos perante custos mistos – o direito à dedução encontra-se limitado nos termos do artigo 173.º da Directiva.

Esse preceito consagra em primeira linha o método pro rata, pelo qual relativamente a bens e serviços utilizados por um sujeito passivo para efectuar tanto operações com direito à dedução, como operações sem direito à dedução, a dedução só é admitida relativamente à parte do IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações e, por conseguinte, apenas em relação a operações que originam o direito à dedução.

Entende-se, neste contexto, que o método pro rata assenta na presunção de que os custos mistos são utilizados nas operações que conferem direito à dedução na razão directa do valor que essas operações representam face ao volume total de negócios da empresa. É essa a regra de cálculo que se encontra vertida no artigo 174.º da Directiva: “o  pro rata de dedução resulta de uma fracção que inclui os seguintes montantes – (a) no numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações que confiram direito à dedução em conformidade com os artigos 168.o e 169.o; (b) no denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não confiram direito à dedução”.

A presunção baseada na percentagem do valor das operações com direito a dedução em relação ao volume total de negócios é, todavia, afastada pelo critério da afectação real consignado na alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Directiva, que permite que os Estados membros autorizem ou imponham que a dedução do IVA seja efectuada com base, não no volume de negócios, mas na efectiva utilização dos bens ou serviços.

Haverá assim de concluir-se que a Directiva IVA contempla três distintos métodos de cálculo da dedução. O método regra de imputação directa, que é aplicável aos custos directos, ou seja, aos custos associados a operações que conferem direito à dedução, o método pro rata relativamente aos custos mistos, que estão indistintamente associados a operações que conferem ou não conferem o direito de dedução, e, a título de excepção, o método de afectação real.

Não pode deixar de reconhecer-se, por outro lado, que a Directiva, no transcrito artigo 173.º, n.º 2, alínea c), confere aos Estados membros alguma margem de liberdade de conformação quanto à definição do critério de afectação real.

No direito interno, relativamente ao método de dedução aplicável a bens de utilização mista, releva o artigo 23.° do Código do IVA, que é do seguinte teor:

 

«1.      Quando o sujeito passivo, no exercício da sua atividade, efetue transmissões de bens e prestações de serviços, parte das quais não confira direito à dedução, o imposto suportado nas aquisições é dedutível apenas na percentagem correspondente ao montante anual de operações que deem lugar a dedução.

2.      Não obstante o disposto no número anterior, poderá o sujeito passivo efetuar a dedução segundo a afetação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, sem prejuízo de a Direção Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificarem distorções significativas na tributação.

3.      A administração fiscal pode obrigar o contribuinte a proceder de acordo com o disposto no número anterior:

a)      Quando o sujeito passivo exerça atividades económicas distintas;

b)      Quando a aplicação do processo referido no n.° 1 conduza a distorções significativas na tributação.

4.      A percentagem de dedução específica referida no n.° 1 resulta de uma fração que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das transmissões de bens e prestações de serviços que dão lugar a dedução nos termos do artigo 19.° e n.° 1 do artigo 20.° e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efetuadas pelo sujeito passivo, incluindo as operações isentas ou fora do âmbito do imposto, designadamente as subvenções não tributadas que não sejam subsídios de equipamento.

 [...]».

A questão que se encontra em debate foi analisada pelo TJUE em reenvio prejudicial suscitado, em caso similar, pelo Supremo Tribunal Administrativo em que se concluiu que  o artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva (a que corresponde o artigo 173.º, n.º 2, alínea c), da Directiva 2006/112/CE) deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado membro obrigue um banco que exerce atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos (acórdão de 10 de Julho de 2014, no Processo n.º C-183/13 - Banco Mais).

 

O acórdão Volkswagen Financial Services (UK) Lda (acórdão de 18 de Outubro de 2018, Processo n.º C-153/17) veio entretanto considerar que não se pode deduzir do raciocínio desenvolvido pelo Tribunal de Justiça a propósito das operações de locação financeira em causa no processo que deu origem ao acórdão de 10 de julho de 2014, que o artigo 173.o, n.o 2, alínea c), da Diretiva IVA permite aos Estados-Membros, de modo geral, aplicarem a todos os tipos de operações semelhantes para o sector automóvel um método de repartição que não tem em conta o valor do veículo aquando da sua entrega (§ 56). Acrescentando que sempre que as modalidades de cálculo da dedução não tenham em conta uma afectação real e significativa de uma parte dos custos gerais a operações que confiram direito à dedução, não pode considerar-se que tais modalidades reflictam objectivamente a parte real das despesas efetuadas com a aquisição dos bens e dos serviços de utilização mista que pode ser imputada a essas operações. Por conseguinte, tais modalidades não são suscetíveis de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios (§ 57).

 

Vindo a concluir - com a reserva de que cabe ao órgão jurisdicional nacional verificar se o método de cálculo pro rata tem em conta a afectação real e significativa de uma parte dos custos gerais para efeitos das operações que conferem direito à dedução – nos seguintes termos:

 

Os artigos 168.o e 173.o, n.o 2, alínea c), da Directiva IVA devem ser interpretados no sentido de que, por um lado, mesmo quando os custos gerais relativos às operações de locação financeira de bens móveis, como as que estão em causa no processo principal, não sejam repercutidos no montante devido pelo cliente pela disponibilização do bem em causa, ou seja, na parte tributável da operação, mas no montante dos juros devidos a título da parte «financiamento» da operação, ou seja, na parte isenta da operação, esses custos gerais devem ser considerados, para efeitos do IVA, como um elemento constitutivo do preço dessa disponibilização e, por outro lado, que os Estados membros não podem aplicar um método de repartição que não tenha em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, uma vez que esse método não é suscetível de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios.

 

6. Revertendo à legislação nacional, parece não haver dúvidas que o artigo 23.º, n.º 1, alínea b), consagra o método pro rata para a dedução do IVA para sujeitos passivos mistos, estabelecendo no n.º 4 o cálculo da percentagem de dedução. Por outro lado, nos termos do n.º 2, pode o sujeito passivo efectuar a dedução segundo a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, o que corresponde à aplicação de um método de dedução alternativo baseado na afectação real em função da efectiva utilização dos bens. Para esta última hipótese, esse n.º 2 prevê igualmente que a Administração possa impor condições especiais ao método de afectação real e fazer cessar o procedimento quando se verifiquem distorções significativas na tributação. E nos termos da alínea b) do n.º 3, a Administração pode também obrigar o sujeito passivo a proceder de acordo com o método de afectação real quando a aplicação do método pro rata possa conduzir a distorções significativas na tributação.

Por outro lado, com base na jurisprudência do TJUE, não pode deixar de reconhecer-se que as disposições conjugadas dos n.ºs 2 e 3 do artigo 23.º correspondem, em substância, à regra de determinação do direito de dedução a que se refere o artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva (artigo 173.º, n.º 2, da Directiva 2006/112/CE), contemplando a possibilidade de, por iniciativa do sujeito passivo ou por impulso da Administração, vir a ser adoptado o método de afectação real para a dedução do imposto relativamente a bens de utilização mista. E é também ponto assente que o n.º 2 permite que a Administração, através do controlo dos critérios utilizados pelo sujeito passivo na aplicação do método de afectação real, possa impor condições especiais, que, na prática, poderão traduzir-se na aplicação de um critério de pro rata mitigado ou um critério de afectação real ad hoc que permita precisar melhor o grau de utilização dos bens de uso misto de uma empresa.

Nesse mesmo sentido se pronunciou o STA, no acórdão de  3 de junho de 2015 (Processo n.º 970/23), onde se refere que “a norma do artigo 23.º, n.º 2, do CIVA, ao permitir que Administração Tributária imponha condições especiais no caso de se verificarem distorções significativas na tributação, reproduz, em substância, a regra de determinação do direito à dedução enunciada na Directiva do IVA - artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva -, quando ali se estabelece que, “todavia, os Estados-membros podem: autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou parte dos bens ou serviços”.

O coeficiente específico que permite calcular a percentagem de dedução apenas com base no montante anual de juros veio a ser introduzido pelo Ofício Circulado n.º 30108, de 30 da janeiro de 2009, pelo qual, a Administração Tributária, tendo concluído, relativamente às instituições de crédito que desenvolvam simultaneamente as actividades de Leasing ou de ALD, que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA pode conduzir a “distorções significativas na tributação” determinou, no uso da faculdade prevista no artigo 23.º, n.º 3, que esses sujeitos passivos passassem a utilizar a afectação real.

Segundo os pontos 8 e 9 do Ofício Circulado, a afectação real poderá fazer-se das duas seguintes formas: (a) se for possível, faz-se a afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades; (b) se não for possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD.

 

7. Como se deixou entrever, a disposição do artigo 23.º, n.º 3, do Código do IVA, ao abrigo da qual veio a ser emitido o Ofício Circulado n.º 30103, permite à Administração Tributária afastar o método pro rata, em relação a bens ou serviços de utilização mista, quando a aplicação desse critério de imputação possa conduzir a distorções significativas na tributação, caso em que poderá impor o método da afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades.

 

Relativamente aos sujeitos passivos que no âmbito de actividades financeiras pratiquem operações de Leasing ou de ALD, o Ofício Circulado prevê a utilização de um coeficiente de imputação específico em que deve ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos a essa actividade, com exclusão da fórmula de cálculo da percentagem de dedução que resulta do n.º 4 do artigo 23.º

 

O acórdão Banco Mais, a que se fez alusão, veio admitir que os Estados membros possam obrigar um banco que exerce atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas correspondente aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos. Para justificar essa solução, o TJUE considerou decisivo que os custos mistos se encontrem preponderantemente relacionados com o financiamento e a gestão dos contratos de locação financeira e não com a aquisição e disponibilização de veículos, deixando a apreciação dessa questão factual ao órgão jurisdicional nacional.

 

                Sobre a questão de saber se as diferentes operações relativas a prestações de locação financeira, como seja a concessão de financiamento e a disponibilização de veículos, devem ser tratadas como operações distintas tributáveis separadamente ou como uma única prestação económica indissociável, assume especial relevo o também citado acórdão Volkswagen Financial Services (UK) Ltd.

 

Nesse caso, do ponto de vista do cálculo do pro rata para a dedução do IVA no caso de bens e serviços de utilização mista, o Tribunal de Justiça considerou relevante o facto de os custos gerais em causa terem uma relação directa e imediata com a totalidade das actividades da empresa, e não apenas com algumas delas, vindo a concluir que os custos gerais quando tenham sido realmente efectuados, pelo menos em parte, em vista a aquisição e disponibilização de veículos enquanto operações tributáveis, integram os elementos constitutivos do preço dessas operações, havendo lugar ao direito à dedução do IVA.

 

Isso significa, como deixou bem claro o TJUE, que não se pode deduzir do entendimento expresso no acórdão Banco Mais que o artigo 173.o, n.o 2, alínea c), da Directiva IVA permite aos Estados membros, de maneira geral, aplicarem a todas as operações de locação financeira um método de repartição que não tenha em conta o valor do veículo aquando da sua entrega.

 

8. À luz do critério de repartição do ónus da prova que resulta do disposto no artigo 74.º da LGT, “o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da Administração Tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”. Na situação em análise, pretendendo a Administração Tributária recorrer a um método de imputação específico com a invocação de que o método regra, no caso concreto, é susceptível de provocar distorções significativas na tributação, cabe-lhe efectuar a prova da existência do risco de distorção. Pretendendo o sujeito passivo incluir a componente amortização na percentagem de dedução pro rata, incumbe-lhe demonstrar que os custos gerais também são consumidos, pelo menos em parte significativa, na realização das operações de locação financeira.

 

No caso em presença, a Administração Tributária justifica a desconsideração do valor das amortizações financeiras nos contratos de locação financeira, para efeito do cálculo da percentagem de dedução dos custos gerais, com base na ideia de que a locação financeira, constituindo uma prestação de serviços sujeita a imposto, consubstancia uma modalidade de crédito, cuja contrapartida é constituída pelos juros e outros encargos que se incluem no valor total da renda. Sendo a renda composta pelo capital ou amortização financeira, que corresponde ao reembolso do crédito concedido, e os juros e outros encargos, que representam a remuneração do locador, a componente de capital deve ser excluída do cálculo da percentagem de dedução uma vez que não constitui rendimento da actividade do sujeito passivo.

Assim sendo, só o diferencial correspondente aos juros é que se encontra conexo com os custos gerais utilizados indistintamente nas operações tributadas e isentas de imposto, uma vez que através do método de imputação directa o IVA é integralmente deduzido na parte relativa ao capital no momento da alienação dos veículos aos clientes. De outro modo, o pro rata genérico não tem mérito para medir o grau de consumo que as duas categorias de operações, com e sem direito a dedução, fazem dos bens e serviços que lhes são indistintamente alocados e, consequentemente, não pode ser utilizada para determinar a parcela dedutível do IVA liquidado a montante.

 

9. Na aproximação à solução do caso, importa responder, face à prova produzida, à questão de saber se a inclusão do valor da amortização financeira no cálculo de percentagem do pro rata provoca uma distorção significativa na tributação que justifique o recurso ao método por afectação real, nos termos do artigo 23.º, n.ºs 2 e 3, do Código do IVA.

 

E, nesse plano de análise, importa fazer notar que o que está em causa é a aplicação de um método de dedução circunscrito aos custos gerais que são utilizados em operações tributadas e operações isentas de imposto, sendo irrelevante, desse ponto de vista, que na operação tributada o sujeito passivo tenha já tido possibilidade de exercer o direito de dedução do IVA.

 

A circunstância de haver lugar à dedução do imposto incorrido na aquisição dos veículos não justifica por si só a distorção na tributação, quando os custos gerais utilizados em operações tributáveis e não tributáveis entrem na dedução pelo método pro rata, visto que estamos perante métodos de dedução com diferentes campos aplicativos. Num caso, opera a imputação directa, a que se refere o artigo 20.º do Código e, noutro caso, o método de dedução relativa a bens de utilização mista, constante do artigo 23.º. E não se afigura que o sistema de dedução de IVA aplicável nesta última hipótese fique desvirtuado se se reconhecerem como dedutíveis custos que sejam tidos como afectos indistintamente a operações tributadas e a operações isentas.

 

O que interessa considerar, neste contexto, é se o contrato de locação financeira de automóveis poderá ser tido essencialmente como um contrato de concessão de crédito ou é composto por prestações distintas que se traduzam na disponibilização de um veículo e no financiamento da aquisição, a ponto de se poder entender que os custos gerais que tenham sido realizados possam ser imputáveis em certa medida à actividade de aquisição e disponibilização de veículos.

 

Na situação do caso, a prova produzida em audiência aponta consistentemente no sentido de que a aquisição de viaturas aos stands pelo banco e a concessão de crédito aos clientes para a disponibilização da viatura correspondem a actividades distintas.

 

Como foi referido, a actividade de locação financeira exige a afectação de meios materiais e humanos e a sua conjugação numa perspectiva empresarial, não podendo o Banco ser entendido como um mero intermediário financeiro, à semelhança do que acontece numa concessão de crédito. Além de que as responsabilidades e os recursos utilizados divergem consoante haja ou não lugar a opção de compra, pois em caso de rescisão ou incumprimento do contrato o Banco passa a assumir os encargos inerentes à conservação dos bens locados.

 

Por outro lado, a margem de ganho da locação financeira não se reconduz ao pagamento de juros, constituindo antes a diferença entre os custos e os proveitos, em que intervêm diversos outros factores como as comissões ou mais valias provenientes da venda dos bens quando não seja exercida a opção de compra. Concluindo-se ainda que os serviços inspectivos, no âmbito do procedimento de inspecção, não coligiram a informação, designadamente mediante a consulta dos contratos, que permitisse compreender a estrutura de custos, proveitos e meios afectos à actividade de locação financeira. 

 

 Havendo de concluir-se, face à prova produzida, que os custos gerais se reportam a bens e serviços utilizados para efectuar tanto operações que conferem direito à dedução como operações que não conferem direito à dedução, deve ser estabelecido um pro rata de dedução, em conformidade com as disposições relevantes da Directiva IVA, na linha do entendimento expresso no acórdão Volkswagen Financial Services (UK) Ltd. E, nesse sentido, é de entender que os custos gerais relativos às operações de locação financeira de bens móveis devem ser considerados, para efeitos de imposto sobre o valor acrescentado, como um elemento constitutivo do preço da disponibilização dos veículos, não podendo ser aplicado um método de repartição que não tenha em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, uma vez que esse método não é susceptível de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios.

 

Por todo o exposto, o pedido arbitral mostra-se ser procedente.

 

Vícios de conhecimento prejudicado

 

10. Face à solução a que se chega, fica prejudicado o conhecimento dos vícios de falta de fundamentação que também vêm invocados.

 

Indemnização por prestação indevida de garantia

 

11. A Requerente veio ainda requerer o pagamento da correspondente indemnização por prestação de garantia indevida, invocando o disposto nos artigos 191.º do CPPT e 53.º da LGT, tendo para o efeito alegado e demonstrado que procedeu à constituição de garantias bancárias para obter a suspensão dos processos de execução fiscal relativos ao imposto em dívida e juros compensatórios e despendeu a esse título, à data da apresentação do pedido arbitral, as importâncias de  € 129.904,44 e € 9.816,21 em relação a cada uma dessas garantias.

 

Sem dúvida que o artigo 171.º do CPPT garante a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada, que poderá ser requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda, havendo de entender-se que o processo arbitral é também o meio processual próprio para deduzir esse pedido visto que poderá ter por objecto a apreciação de pretensões relativas à declaração de legalidade de actos de liquidação de tributos (artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT).

 

O artigo 53.º da LGT admite ainda que o devedor que ofereça garantia bancária ou equivalente para suspender a execução fiscal será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior  a três anos, salvo quando se verifique na impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo, caso em que a indemnização não está dependente do prazo pelo qual vigorou a garantia.  

 

Como se decidiu no acórdão do STA de 24 de outubro de 2012 (Processo n.º 0528/12), só pode entender-se como garantia para os pretendidos efeitos indemnizatórios a garantia bancária, caução, seguro-caução ou qualquer outro meio susceptível de justificar a existência de despesas que possam ocorrer por efeito do decurso do tempo, a que se refere o artigo 199.º, n.º 1, do CPPT, e que têm como limite máximo o valor garantido da taxa dos juros indemnizatórios (artigo 53.º, n.º 3, da LGT).

Por outro lado, entende-se haver lugar a erro imputável aos serviços na liquidação do tributo, quando o acto tributário se encontra inquinado de ilegalidade declarada em impugnação judicial (cfr. Decisão Arbitral n.º 239/2016-T).

Procede, nestes termos, o pedido de condenação da Autoridade Tributária a pagar à Requerente a indemnização pelas despesas que suportou com a prestação da garantia bancária, no montante líquido já apurado de € 139.720,65 e no remanescente que se vier a apurar em execução de julgado até à extinção das garantias bancárias, com o limite constante do artigo 53.º, n.º 3, da LGT.

 

III – Decisão

 

Termos em que se decide:

 

a)            Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente, anular a liquidação de IVA efectuada na declaração periódica referente a Dezembro de 2012, bem como a correspondente liquidação de juros compensatórios;

b)           Condenar a Autoridade Tributária em indemnização por prestação indevida de garantia, no montante líquido já apurado de € 139.720,65 e no remanescente que se vier a apurar em execução de julgado até à extinção das garantias bancárias, com o limite constante do artigo 53.º, n.º 3, da LGT.

 

Valor da causa

 

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 3.998.111,30, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

Custas

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 50.490,00, que fica a cargo da Requerida.

 

Notifique.

 

Lisboa, 20 de Fevereiro de 2020,

  

O Presidente do Tribunal Arbitral

Carlos Fernandes Cadilha

 

O Árbitro vogal

A. Sérgio de Matos

 

O Árbitro vogal

Ricardo Rodrigues Pereira