Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 343/2019-T
Data da decisão: 2020-01-08  IMT  
Valor do pedido: € 144.144,00
Tema: IMT – Extemporaneidade do pedido de pronúncia arbitral.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I. Relatório

1. A..., S.A. (NIPC...), sociedade anónima com sede na Avenida ..., ..., freguesia ... e ..., concelho de  ... (doravante “REQUERENTE”), veio, ao abrigo do disposto na al. a) do n.º 1 do artigo 2.º, al. b) do n.º 2 do artigo 5.º e dos artigos 10.º e segs. do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), requerer, em 15/5/2019, a constituição de Tribunal Arbitral “com vista à obtenção de pronúncia arbitral de ilegalidade e consequente anulação do supra referido ato de liquidação de IMT [DUC...], referente ao ano de 2017, que originou o montante global a pagar de € 144.144 (cfr. cit Documento 2).”

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida.

2.1. A Requerente não procedeu à designação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto na al. a) do n.º 2 do art. 6.º e das als. a) e b) do n.º 1 do art. 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os presentes signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, os quais comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

2.2. As partes foram devidamente notificadas da designação dos árbitros no presente processo, não tendo manifestado vontade de recusar os mesmos, nos termos conjugados do disposto no artigo 11.º, n.º 1, als. a) e b), do RJAT, e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

2.3. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 29 de Julho de 2019.

 

3. A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral, a Requerente alega, em síntese, o seguinte:

 

a)            O “entendimento da Autoridade Tributária baseia-se em meros indícios, suspeitas e extrapolações, perfunctoriamente fundamentados, não tendo, contudo, sido apresentado um único facto que comprove que, no caso em apreço, se verificou a efetiva tradição do imóvel para a ora Requerente.”

 

b)           A referida “transmissão nunca ocorreu, tendo, após a celebração do contrato promessa, o uso e disposição dos imóveis em apreço sido mantidos na esfera da sociedade  B... (promitente vendedora).”

 

c)            “No que diz respeito ao efeito atribuído ao contrato – eficácia real –, importa referir que não resulta do artigo 2.º, n.º 2, alínea a), do Código do IMT, nem de qualquer outra disposição daquele código, no sentido de que a celebração de um contrato promessa com eficácia real faz presumir, para efeitos de incidência de IMT, a transmissão do imóvel.”

 

d)           “[O] que a norma em apreço prevê é, tão somente, que as promessas de aquisição e de alienação, quando verificada a tradição para o promitente adquirente, integram o conceito de transmissão de bens imóveis, sendo, portanto, sujeitas a IMT.”

 

e)           “[N]ão resulta, deste tipo de contratos (com eficácia real), que o imóvel se considera já transmitido juridicamente (uma vez que será sempre necessário celebrar o contrato de compra e venda definitivo), nem resulta, tão pouco, a tradição do imóvel objeto desse contrato para o promitente-comprador.”

 

f)            “[N]ão pode, pois, a AT vir invocar o efeito de eficácia real atribuído ao contrato em causa para impor à ora Requerente a sujeição a MT, porquanto tal argumento não tem qualquer cobertura legal, designadamente, por não constar do âmbito de sujeição a imposto previsto no Artigo 2.º, n.º 2, do Código do IMT.”

 

g)            “[P]ara existir facto tributário terão que se verificar, cumulativamente, dois requisitos: i) existir contrato-promessa, por um lado; e ainda ii) existir tradição da coisa dele objeto. Sendo, a este propósito, irrelevante, para efeitos de incidência do imposto, o momento em que o pagamento foi feito, pelo que não poderá, também neste âmbito, proceder o argumento apresentado pela AT no sentido de que outro indício de ter havido traditio foi o facto de ter sido pago, aquando a celebração do contrato promessa, a totalidade do preço dos imóveis.”

 

h)           “[O] facto de a ora Requerente ter pago a integralidade do preço ao promitente vendedor, visa apenas dotar o contrato de uma maior garantia e certeza, uma vez que, em caso de quebra contratual, o promitente vendedor será obrigado a restituir à Requerente o valor pago em dobro, conforme resulta do disposto no Artigo 442.º, n.º 2, do Código Civil, o que constituiria um prejuízo incomensurável para o promitente vendedor.”

 

i)             O argumento da AT de que “se verifica no contrato promessa ora em apreço «inexistência de previsão da possibilidade de ocorrência de incumprimento contratual por qualquer das partes» [...] é, igualmente, desprovido de qualquer sentido lógico, não só porque a inclusão de cláusulas penais nos contratos é da livre disponibilidade das partes – sem qualquer implicação fiscal, muito menos em sede de IMT –, mas também porque as consequências/penalidades devidas pelo incumprimento de um contrato-promessa encontram-se estabelecidas legalmente, designadamente, no artigo 442.º do Código Civil, não havendo, pois, necessidade de as replicar em sede contratual.”

 

j)             “[N]ão resulta do artigo 2.º, n.º 2, alínea a), do Código do IMT, qualquer incidência de imposto pelo facto de o contrato promessa ter sido celebrado com eficácia real, pelo facto de o preço dos imóveis ter sido integralmente pago ou, ainda, pelo facto de o contrato promessa não conter quaisquer cláusulas penais por incumprimento.”

 

k)            “Em face do exposto, não é legítimo à Autoridade Tributária exigir à ora Requerente o pagamento de um imposto com base em fundamentos que não têm qualquer cobertura legal.”

 

l)             “Com efeito, o artigo 2.º, n.º 2, alínea a), do Código do IMT, exige, tão somente, para efeitos de sujeição a IMT, que, nas promessas de alienação, se verifique a tradição de imóvel para o promitente adquirente, ou quando este esteja a usufruir os bens. Ora, no caso em apreço, a AT não logrou demonstrar que houve tradição dos imóveis para o ora Requerente ou que esta se encontra já a usufruir dos mesmos.”

 

m)          “[O] pedido pela Requerente [«feito à Câmara Municipal de ..., [...] relativo a obras de edificação, em concreto ampliação e alteração, a realizar naquele conjunto de imóveis»] apenas foi feito por uma questão de ordem prática, sendo que, sem prejuízo, o promitente-vendedor continuou a exercer, como até então, os seus direitos de proprietário, celebrando todos os demais contratos relativos ao imóvel. Acresce que a submissão do referido pedido à Câmara Municipal não vincula o respetivo requerente, aqui Requerente, à realização da operação urbanística para a qual solicita informação sobre a viabilidade do projeto, mas apenas visa o esclarecimento quanto a potenciais obras.”

 

n)           “[O] facto de o promitente comprador do imóvel iniciar diligências no sentido da futura utilização do imóvel não significa que o mesmo se encontre a usufruir do imóvel, nem tão pouco que o imóvel lhe tenha sido já transmitido.”

 

o)           “[C]onforme se logrou demonstrar in casu, a AT limitou-se a levantar meras suspeições e extrapolações, sem conseguir demonstrar, efetiva e cabalmente – o que, diga-se, seria materialmente impossível, porquanto, efetivamente, tal não aconteceu – que a traditio efetivamente teve lugar e a Requerente se encontra a usufruir dos imóveis.”

 

p)           “Em face do exposto, deverá o ato de liquidação de IMT ser anulado, por vício de ilegalidade, tendo em consideração a sua falta de fundamento legal.”

 

3.1. A Requerente termina pedindo ao presente Tribunal Arbitral que julgue “procedente, por provado, o pedido e, consequentemente, [se] anul[e] o ato de liquidação [de IMT, referente ao ano de 2017, no «montante global de € 144.144»] que se contesta.”

 

4. A Autoridade Tributária e Aduaneira (daqui em diante será abreviadamente designada por “Requerida” ou “AT”) apresentou resposta, invocando, em síntese, o seguinte:

 

a)            “[N]os presentes autos [é impugando] o acto de liquidação de IMT n.º..., de 25.07.2018, relativo ao ano de 2017, no montante de € 144.144,00, e respectivos juros compensatórios, perfazendo o total de € 150.446,85, que incidiu sobre um contrato-promessa de compra e venda de três prédios urbanos inscritos sob os artigos ...º, ...º e ...º, na matriz predial urbana da freguesia de ..., concelho de ...”

 

b)           “[A] manter-se o pedido formulado pela Requerente, ocorre a excepção dilatória de caducidade do direito de acção, que determina a absolvição da instância da Requerida, ao abrigo da alínea h) do n.º 1 do artigo 89.º do CPTA e alínea e) do n.º 1 do 287.º do CPC, aplicável ex vi art. 2.º do RJAT a qual, desde já, se requer.”

 

c)            “Em causa nos autos está a questão de saber se presente caso, se encontram reunidos os pressupostos da norma de incidência prevista no art. 2.º, n.º 2, do CIMT, segundo o qual, para além das situações de transmissão do direito de propriedade, também se consideram transmitidos (para feitos de tributação) os imóveis que sejam objecto de uma promessa de compra e venda, «logo que verificada a tradição para o promitente comprador».”

 

d)           “[N]ão é de acolher o entendimento da Requerente quanto à pretendida ilegalidade da liquidação de IMT. Com efeito, não está em causa que impende sobre a Requerida o ónus de demonstrar que no presente caso ocorreu de facto a tradição dos imóveis para a promitente-compradora, a aqui Requerente, nos termos do disposto no art. 74.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária («LGT») e no art. 342.º do Código Civil.”

 

e)           “Embora o presente contrato promessa com eficácia real refira que não ocorreu tradição dos imóveis para a promitente compradora, a Requerida teve em consideração um conjunto de factos que apontam para tenha havido, no caso dos autos, uma transmissão susceptível de constituir base de incidência de IMT, nos termos do art. 2.º, n.º 2, al. a), do CIMT.”

 

f)            “[P]ese embora o facto de o contrato-promessa fazer menção expressa de que não houve tradição dos imóveis para o promitente-comprador, existe um conjunto de circunstâncias que apontam para que na verdade tenha havido uma transmissão para efeitos fiscais.”

 

g)            O “pedido de Informação Prévia naturalmente que não vincula a requerente, mas, tendo por suposto o respectivo procedimento, só é susceptível de ser contextualizado numa situação em que a Requerente tem em vista instalar um empreendimento turístico, enquanto mero detentor ou possuidor em nome alheio daqueles mesmos imóveis, o que consubstanciará a traditio do imóvel a que se refere a al a), do n.º 2, do art. 2.º do CIMT para efeitos fiscais. Tradição reforçada por outro factor, o pagamento total do preço dos imóveis em causa, aquando da outorga do contrato promessa.”

 

h)           “[E]xistem, no presente caso, indícios fortes que com segurança apontam para a ocorrência de um contrato promessa de com[pra] e venda [de] imóveis, com tradição, a que se refere o art. 2.º, n.º 2, al. a), do CIMT, pelo que deverá manter-se o acto de liquidação impugnado.”

 

4.1. A AT conclui pedindo que a excepção invocada seja “julgada procedente por provada e a Requerida absolvida da instância ou, caso assim não se entenda, deve ser julgado improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, absolvendo-se a Entidade Requerida do pedido com as demais consequências legais.”

 

5. Tendo sido invocada excepção mas tendo a Requerente respondido à mesma após despacho do Tribunal de 18/10/2019, e não havendo matéria de facto controvertida, por as questões a decidir serem de direito, o Tribunal Arbitral, através de despacho de 2 de Dezembro de 2019, prescindiu da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, o que fez ao abrigo do princípio da autonomia na condução do processo (artigo 16.º, al. c), do RJAT). A data limite para prolação da decisão arbitral é a prevista no artigo 21.º, n.º 1, do RJAT.

 

II. Saneamento

 

6. O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, como se dispõe nos artigos 2.º, n.º 1, al. a), e 4.º, ambos do RJAT.

 

7. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (vd. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma, e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

8. O presente pedido de pronúncia arbitral é intempestivo (vd., infra, a análise da excepção de intempestividade do pedido de pronúncia arbitral, suscitada pela Requerida, no ponto IV).

 

III. Matéria de Facto

 

III.1. Factos Provados

 

9. Com relevância para a decisão do presente processo, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

A. A Requerente veio requerer a ilegalidade do acto de liquidação de IMT n.º..., relativo ao ano de 2017, no valor de € 144.144,00, e respectivos juros compensatórios, perfazendo o montante global de € 150.446,85, que incidiu sobre contrato-promessa de compra e venda de três prédios urbanos inscritos sob os artigos ...º, ...º e ...º, na matriz predial urbana da freguesia de .., concelho de ... (vd. fls. 1 e 13 da petição inicial [doravante “p.i.”] e Doc. 3 apenso aos autos).

B. A referida liquidação resultou de acção inspectiva à Requerente, a qual foi efectuada em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2018..., com despacho de 12/4/2018.

C. A data de pagamento da liquidação de IMT n.º..., com o registo 2018/..., no montante global acima referido, terminou em 25/7/2018.

D. A Requerente apresentou, a 13/12/2018, reclamação graciosa da referida liquidação de IMT, a qual correu termos sob o n.º ...2018..., tendo sido indeferida por despacho do Chefe do Serviço de Finanças de ..., de 07/2/2019, notificado por ofício n.º..., com data de 13/2/2019 (vd. fl. 31 do PAT apenso aos autos).

E. A Requerente interpôs o seu pedido de constituição de tribunal arbitral em 15/5/2019.               

 

III.2. Factos não provados

 

10. Não se verificaram quaisquer factos como não provados com relevância para a presente decisão arbitral.

III.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

11. O Tribunal não tem que se pronunciar sobre todos os detalhes da matéria de facto que foi alegada pelas partes, cabendo-lhe o dever de seleccionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada (cfr. art. 123.º, n.º 2, do CPPT, e art. 607.º, n.º 3, do CPC, ex vi art. 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 

12. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são seleccionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções para o objecto do litígio no direito aplicável (vd. art. 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT).

 

13. A convicção do Tribunal Arbitral fundou-se na livre apreciação das posições assumidas pelas Partes (em sede de facto) e no teor dos documentos juntos aos autos, não contestados pelas mesmas.

 

IV. Questão prévia a decidir (excepção por intempestividade)

 

14. Como a Requerida invocou, na sua resposta, excepção por extemporaneidade do pedido de pronúncia arbitral, impõe-se, prioritariamente, averiguar se a mencionada excepção deve ser considerada procedente, atendendo, ainda, ao que consta do requerimento da Requerente apresentado em 19/11/2019, no qual esta se pronunciou sobre a referida excepção.

 

15. No entender da Requerida, a mencionada extemporaneidade decorre, nomeadamente, do facto de:

 

15.1. “Nos termos do n.º 1 do artigo 10.º do Regime de Arbitragem Tributária, o prazo para apresentação do pedido de constituição do Tribunal Arbitral é de 90 dias contado a partir dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do CPPT, in casu, termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte.”

 

15.2. “No caso dos autos, uma vez que o presente pedido arbitral foi apresentado em 15.05.2019, afigura-se que o mesmo é extemporâneo, porquanto a data de pagamento da liquidação de IMT n.º ... com o registo 2018/..., no valor global de € 150.446,85 (imposto € 144.144,00 + juros compensatórios € 6.302,85) terminou em 25 de Julho de 2018.”

 

15.3. “Sendo certo que a Requerente apresentou reclamação graciosa da identificada liquidação de IMT que correu termos sob o n.º ...20180..., tendo sido indeferida por despacho do Chefe do Serviço de Finanças de ..., de 07.02.2019, notificado por ofício n.º..., com data de 13.02.2019, porém, como resulta do teor do pedido formulado pela Requerente, de que «seja analisada a legalidade do acto de liquidação de IMT referente ao ano de 2017, (…) e, consequentemente, anular o ato de liquidação que se contesta», o objecto dos presentes autos é a declaração de ilegalidade e anulação do acto de liquidação de IMT referente ao ano de 2017, e não o acto de indeferimento da reclamação graciosa, os quais consubstanciam actos diferentes no conteúdo, na forma e nos requisitos legais.”

 

15.4. “Nessa medida, a tempestividade do pedido de pronúncia arbitral formulado é aferida em relação ao acto de liquidação impugnado, verificando-se, no caso, que o mesmo é manifestamente extemporâneo.”

 

15.5. “Como se sabe, o objecto dos autos, no que importa à sua pretensão, é fixado pelo seu pedido e causa de pedir, não sendo irrelevante o modo como o mesmo vem enunciado no seu pedido de pronúncia arbitral. Veja-se, a título de exemplo, o Acórdão proferido no processo n.º 261/2013-T, onde a excepção da intempestividade, deduzida pela AT com fundamentos semelhantes aos invocados nos presentes autos, foi considerada procedente.”

 

15.6. “No mesmo sentido, cita-se a decisão arbitral proferida no processo n.º 763/2014-T”.

 

15.7. “Assim sendo, e a manter-se o pedido formulado pela Requerente, ocorre a excepção dilatória de caducidade do direito de acção, que determina a absolvição da instância da Requerida, ao abrigo da alínea h) do n.º 1 do artigo 89.º do CPTA e alínea e) do n.º 1 do 287.º do CPC, aplicável ex vi art. 2.º do RJAT”.

 

16. Por seu lado, a ora Requerente, tendo sido notificada para se pronunciar sobre a referida excepção, alegou, em síntese, que:

 

16.1. “[O] presente pedido foi apresentado na sequência de decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra o supra referido ato de liquidação.”

 

16.2. “E tal facto resulta por demais evidente do pedido apresentado pela Requerente, quando esta refere «notificada, através do ofício n.º..., de 13 de fevereiro de 2019, da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra o ato de liquidação de Imposto Municipal sobre a Transmissão Onerosa de Imóveis (‘IMT’), relativo ao ano de 2017, no valor de € 144.144» (cfr. pág. 1 do pedido arbitral)”.

 

16.3. “[E], bem assim, do artigo 1.º do mesmo pedido, que tem como epígrafe «Objeto», aí se referindo que «O presente pedido de pronúncia arbitral tem por objeto o ato de liquidação de IMT, no valor de € 144.144, valor este a que acrescem juros compensatórios a contar desde 22 de Junho de 2017, e, bem assim, a decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra aquele mesmo ato de liquidação de IMT». (sublinhado e sombreado da Requerente).”

 

16.4. “Assim, não restam dúvidas de que o pedido em apreço tem por objeto não só o ato de liquidação, mas também a decisão de indeferimento da reclamação.”

 

16.5. “Neste sentido, é clara a decisão arbitral do CAAD proferida no processo n.º 592/2016-T, de 11 de maio de 2017, nos termos da qual «[...] a petição em que se pede apenas a declaração de ilegalidade de liquidação, sem formular idêntico pedido relativamente ao indeferimento da reclamação, (apesar de, no caso, se lhe ter amplamente referido e exposto os fundamentos da sua ilegalidade), enferma apenas de uma imperfeição que, aliás, o tribunal podia ter convidado a corrigir, ao abrigo do disposto no artigo 18.º, alínea c), do RJAT.»”

 

17. Vejamos, então.

 

18. Nos presentes autos, está em causa a liquidação de IMT n.º..., no valor global de € 150.446,85 (correspondente a IMT no montante de € 144.144,00 + juros compensatórios no montante de € 6.302,85).

 

19. Decorre da leitura dos presentes autos a constatação de que, à data em que foi deduzido o presente pedido de pronúncia arbitral (15/5/2019), já há muito estava ultrapassado o prazo para impugnação da referida liquidação de IMT, atendendo ao disposto no artigo 10.º, n.º 1, do RJAT, combinado com o artigo 102.º, n.º 1, do CPPT – facto este que não é contrariado pela ora Requerente na sua resposta à excepção.

 

20. Com efeito, e como bem assinalou a Requerida (não tendo sido, a respeito destas datas, desmentida pela Requerente na resposta à excepção), o presente pedido arbitral “afigura-se [...] extemporâneo porquanto a data de pagamento da liquidação de IMT n.º ... com o registo 2018/..., no valor global de € 150.446,85 (imposto € 144.144,00 + juros compensatórios € 6.302,85) terminou em 25 de Julho de 2018.”

 

21. A Requerida reconhece que a ora Requerente apresentou reclamação graciosa da referida liquidação de IMT (a qual foi indeferida por despacho do Chefe do Serviço de Finanças de ... de 7/2/2019) – mas assinala que o teor do pedido formulado pela Requerente incide apenas sobre a análise da “«legalidade do acto de liquidação de IMT referente ao ano de 2017»”, pelo que o “objecto dos presentes autos é a declaração de ilegalidade e anulação do acto de liquidação de IMT referente ao ano de 2017, e não o acto de indeferimento da reclamação graciosa, os quais consubstanciam actos diferentes no conteúdo, na forma e nos requisitos legais.”

 

22. Acrescenta, ainda, que o “objecto dos autos, no que importa à sua pretensão, é fixado pelo seu pedido e causa de pedir, não sendo irrelevante o modo como o mesmo vem enunciado no seu pedido de pronúncia arbitral.” Nesse sentido, abona a sua posição com o que foi decidido no Acórdão arbitral proferido no processo n.º 261/2013-T e na decisão arbitral proferida no processo n.º 763/2014-T.

 

23. Por seu lado, a Requerente contrapõe, na conclusão da sua resposta à excepção invocada, que “não restam dúvidas de que o pedido em apreço tem por objeto não só o ato de liquidação, mas também a decisão de indeferimento da reclamação.”

 

24. É, assim, necessário, analisar os argumentos invocados pela Requerente para defender tal afirmação e verificar se os mesmos são procedentes.

 

25. Em primeiro lugar, a Requerente diz que aquela conclusão “resulta por demais evidente do pedido [por si] apresentado [...], quando esta refere «notificada, através do ofício n.º..., de 13 de fevereiro de 2019, da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra o ato de liquidação de Imposto Municipal sobre a Transmissão Onerosa de Imóveis (‘IMT’), relativo ao ano de 2017, no valor de € 144.144» (cfr. pág. 1 do pedido arbitral)”.

 

26. A parte citada pela Requerente não diz mais do que nela se contém explicitamente, i.e.: a Requerente informa o presente Tribunal que foi notificada da decisão de indeferimento da reclamação graciosa interposta contra o acto de liquidação de IMT relativo ao ano de 2017. Não se extrai daqui a conclusão de que é essa decisão de indeferimento que é colocada em causa ou que a mesma é o objecto dos presentes autos.

 

27. Em seguida, a Requerente afirma que aquela conclusão também decorre “do artigo 1.º do mesmo pedido, que tem como epígrafe «Objeto», aí se referindo que «O presente pedido de pronúncia arbitral tem por objeto o ato de liquidação de IMT, no valor de € 144.144, valor este a que acrescem juros compensatórios a contar desde 22 de Junho de 2017, e, bem assim, a decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra aquele mesmo ato de liquidação de IMT». (sublinhado e sombreado da Requerente).”

 

28. No entanto, se se entendia ser este, efectivamente, o objecto, então o pedido de pronúncia arbitral teria incidido não só sobre o acto de liquidação de IMT mas também sobre a decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra tal acto – o que não sucedeu.

 

29. Mas há mais elementos que permitem dizer que a conclusão da Requerente é equívoca.

 

30. Por ex., na fl. 1 da p.i., a Requerente faz menção ao facto de ter sido notificada da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra o acto de liquidação de IMT mas, a partir daí (e até ao final da sua p.i.) nada solicita ao Tribunal relativamente a essa decisão, e apenas vem “requerer a constituição de Tribunal Arbitral [...] com vista à obtenção de pronúncia arbitral de declaração de ilegalidade e consequente anulação do supra referido ato de liquidação de IMT, referente ao ano de 2017, que originou o montante global a pagar de € 144.144 (cfr. cit Documento 2).” Com efeito, a respeito da decisão de indeferimento nada consta no pedido expressamente feito pela Requerente no final da referida fl. 1.

 

31. Daqui se conclui que, como se pôde observar pelo excerto acima citado, a ora Requerente apenas impugnou (e só pretendia impugnar) o “ato de liquidação de IMT, referente ao ano de 2017” e não a decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra esse acto.

 

32. Esta é uma conclusão que decorre, também, do facto de: i) no final da referida p.i. (§50.º), a ora Requerente reafirmar que, “em face do exposto, deverá o ato de liquidação de IMT ser anulado, por vício de ilegalidade, tendo em consideração a sua falta de fundamento legal”; e ii) na conclusão final da citada p.i., a Requerente ter afirmado que “deverá V. Exa. ordenar a constituição de Tribunal Arbitral que terá por objeto analisar a legalidade do ato de liquidação de IMT referente ao ano de 2017 [...] devendo, a final, o Tribunal Arbitral julgar procedente por provado o pedido e, consequentemente, anular o ato de liquidação que se contesta.” (sublinhados nossos).

 

33. Por outras palavras: à excepção de uma singular referência feita no §1.º da p.i. (vd. fl. 2 da p.i.), que tem a epígrafe “Do Objeto”, em todo o resto da petição inicial, a Requerente afirma que o que pretende do presente Tribunal Arbitral é a “declaração de ilegalidade e consequente anulação do [...] ato de liquidação de IMT referente ao ano de 2017”.

 

34. Ainda que, naquele §1.º, se diga que o “[...] pedido de pronúncia arbitral tem por objeto o ato de liquidação de IMT, no valor de € 144.144, valor este a que acrescem juros compensatórios a contar desde 22 de Junho de 2017, e, bem assim, a decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra aquele mesmo ato de liquidação de IMT”, tal afirmação isolada não chega para que o presente Tribunal considere que esse é, efectivamente, o objecto destes autos. Com efeito, é necessário notar que uma tal afirmação terá de ter uma mínima correspondência com o teor do pedido feito pela Requerente  (e, ainda, para fins de necessária conexão lógica da causa de pedir com esse pedido, uma mínima correspondência com o teor dos vícios identificados na p.i.).       

 

35. Ora, essa mínima correspondência não se vislumbra nem num caso nem no outro: i) como se viu acima, nem no início nem no fim da p.i. o pedido da Requerente contempla a decisão de indeferimento; e ii) analisando toda a p.i., não se encontra uma invocação que seja, por parte da Requerente, de qualquer vício relativo à decisão de indeferimento – apenas se tendo alegado existir “vício de ilegalidade [quanto ao acto de liquidação de IMT relativo ao ano de 2017], tendo em consideração a sua falta de fundamento legal”.

 

36. Tendo em consideração o acima exposto, terá de concluir-se que só se poderá aferir a tempestividade do presente pedido arbitral em relação ao acto de liquidação impugnado e não em relação à decisão de indeferimento da reclamação graciosa. Proceder de outro modo seria depreender algo que a Requerente, tanto ao longo do texto da p.i., como em partes decisivas do mesmo (formulação do pedido no início e sua confirmação no final), não disse pretender.

37. Acresce que, como se disse, não se encontram, ao longo do texto da p.i., quaisquer vícios apontados ao mencionado acto de indeferimento.

 

38. Deve, também, notar-se que esta não é uma circunstância ou um lapso que permitam ao presente Tribunal – à luz do princípio da economia processual na vertente do aproveitamento dos actos – convidar a Requerente ao aperfeiçoamento da sua peça processual.  Acresce que, atendendo ao conteúdo da p.i., ao único acto que nela foi colocado em causa e aos vícios que apenas estão imputados a esse mesmo acto (de liquidação de IMT), se conclui que existe uma plena correspondência entre a causa de pedir (os fundamentos, “o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido”: art. 581.º, n.º 4, do CPC) e o pedido expressamente feito pela ora Requerente – pelo que o objecto destes autos, definido através da causa de pedir, consiste no pedido expressamente feito pela Requerente, não contemplando, pelo exposto, o que esta pretende que se adicione (a decisão de indeferimento da reclamação graciosa) por via da singular referência que fez no §1.º (fl. 2) da petição inicial.

 

39. Em síntese: a causa de pedir e o pedido constantes da p.i. não são contraditórios entre si e a sua análise leva a que, inevitavelmente, se considere ser procedente a excepção invocada; e mesmo que fosse outro (que, expressamente, não foi) o perímetro do pedido da Requerente (no sentido do que é alegado por esta na resposta à excepção), então também não haveria, na sua p.i. (descontando aquela referência isolada feita no §1.º), a causa de pedir correspondente.

 

40. A este respeito, deve, também, notar-se que a hipótese de uma convolação para uma causa de pedir diversa da invocada pela autora está afastada, dado que a mesma “consubstancia[ria] violação flagrante dos princípios do dispositivo e do contraditório” (vd. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 7/2/2019, proc. 5569/17.8T8.BRG.G1). No mesmo sentido, ver, e.g., o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 9/10/2018 (proc. 34503/15.8T8LSB.L1-7): “[como] afirma Vaz Serra: «[...] não é permitido ao tribunal alterar ou substituir a causa de pedir, isto é, o facto jurídico que o autor invocara como base da sua pretensão, de modo a decidir a questão submetida ao veredicto judicial com fundamento numa causa que o autor não pôs à sua consideração e decisão.»” (sublinhados nossos).

 

41. Também com pertinência para o presente caso, observe-se o seguinte excerto do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 31/1/2013 (proc. 500/08.4TBMNC.G1): “[a] nossa lei consagra a teoria da substanciação, segundo a qual o objecto da acção é o pedido, definido através de certa causa de pedir – cfr. Acórdão da Relação de Coimbra, in Colectânea de Jurisprudência, Ano XI, 1986, Tomo 4, página 86 e seguintes e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26/10/75, Boletim do Ministério da Justiça n.º 250, página 159 e Revista de Legislação e Jurisprudência n.º 109, página 311. [...]. [...] a causa de pedir consiste no facto jurídico de que procede a pretensão material deduzida na acção [...]. [...] a causa de pedir é caracterizada pela sua especificidade e adequação. Quer dizer, que, a causa de pedir [...] não pod[e] apresentar-se como [...] contraditória com o pedido.” (sublinhados nossos).

 

42. No mesmo sentido aqui defendido, refere, num caso semelhante ao dos presentes autos, a decisão arbitral de 29/5/2015, proferida no proc. n.º 763/2014-T, que: “[o] objecto do pedido [...] é a invocada ilegalidade dos actos de liquidação [...] e não o indeferimento da reclamação graciosa apresentada. De referir, aliás, que em momento algum da petição e demais requerimentos apresentados, o Requerente faz qualquer apreciação ao indeferimento e seus fundamentos, não tendo formulado qualquer pedido sobre tal acto tributário. Nessa medida, não pode este tribunal deixar de concordar com a Requerida e concluir que o pedido de pronúncia arbitral, apresentado a [...], é extemporâneo.” (sublinhados nossos).

 

43. E em outro caso semelhante ao dos presentes autos (e igualmente com decisão no mesmo sentido que aqui se tem defendido), refere a decisão arbitral de 18/11/2016, proferida no proc. n.º 261/2016-T, que: “[...] tendo em conta que no pedido de pronúncia arbitral não está incluído o pedido de sindicância da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra as liquidações [...], o pedido de pronúncia arbitral deve ser considerado intempestivo porquanto apenas se demonstra querer sindicar a legalidade das liquidações [...].” (sublinhados nossos).

    

44. Também com relevância para o presente caso, note-se o que se diz no Acórdão arbitral de 5/5/2014 (proc. n.º 261/2013-T): “[...] é inequívoco que a Requerente ao identificar e formular o seu pedido arbitral não fez a mais ténue alusão à impugnação do acto de indeferimento tácito da reclamação graciosa que apresentou [...]. [...]. O âmbito dos poderes de cognição do Tribunal está limitado pelo pedido. E este Tribunal está exclusivamente confrontado com a impugnação directa de um acto de autoliquidação [...]. Impugnação que foi manifestamente apresentada fora do prazo previsto para o efeito [...]. [...] a interpretação do disposto no artigo 2.º e 10.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, alínea b), ambos do RJAT, no sentido de que, para efeitos de prazo de reacção de 90 dias que se abre com o indeferimento da reclamação graciosa, o objecto do processo e a pretensão arbitral não podem ser, respectivamente, o acto tributário e o pedido de declaração da sua ilegalidade, não contraria qualquer disposição constitucional, designadamente as que garantem o princípio do acesso aos tribunais para a tutela de direitos (cf. artigos 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4) ou o princípio da protecção da confiança (artigo 2.º), nem tão-pouco o disposto no artigo 9.º do Código Civil.” (sublinhados nossos).

 

45. Deve assinalar-se, por fim, que o conhecimento da extemporaneidade do presente pedido de pronúncia arbitral (a qual, pelo que se disse, se mostra evidente) se impõe como prioritário a este Tribunal; e que a confirmação dessa extemporaneidade impede a apreciação do mérito do pedido da ora Requerente.

 

46. Como bem se refere, por ex., no Acórdão do STA de 25/3/2009 (proc. 0196/09): “aqui se acompanh[a] jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal, [segundo a qual se entende que] a intempestividade de meio impugnatório usado pelo interessado determina desde logo a não pronúncia do tribunal no tocante às questões de mérito que tenham sido suscitadas na petição [...], na exacta medida em que, quanto ao mérito, a lide impugnatória não chega a ter o seu início (cfr. acórdãos de 21/05/08, 3/12/08 e 11/02/09, nos processos n.ºs 293/08, 803/08 e 802/08).” No mesmo sentido, ver, ainda, o Acórdão do STA de 20/6/2018 (proc. 0748/15): “é pacífico o entendimento da jurisprudência desta Secção no sentido de que a intempestividade do meio processual utilizado gera o indeferimento liminar da respectiva petição inicial, impossibilitando o conhecimento quanto ao mérito da causa de pedir.”

 

47. Em resumo: conclui-se que assiste razão à Requerida quando invoca a extemporaneidade do presente pedido arbitral, pelo que a este Tribunal não resta senão considerar procedente a excepção dilatória invocada, em conformidade com o disposto no art. 576.º do CPC (aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT), com a consequente absolvição da Requerida da instância (vd., também, artigo 89.º, n.º 2, e n.º 3, al. k), do CPTA, e artigo 278.º, n.º 1, al. e), do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, als. c) e e), do RJAT).

 

V. DECISÃO

 

Em face do supra exposto, decide-se:

 

- Julgar procedente a excepção por extemporaneidade relativamente à liquidação de IMT n.º..., referente ao ano de 2017, e respectivos juros compensatórios, no montante global impugnado de € 150.446,85, e absolver a Requerida da instância.

- Condenar a Requerente nas custas do processo.

 

VI. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 150.446,85 (cento e cinquenta mil quatrocentos e quarenta e seis euros e oitenta e cinco cêntimos), nos termos do disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e c), do RJAT, e do art. 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

VII. Custas

Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de € 3672,00 (três mil seiscentos e setenta e dois euros), a pagar pela Requerente, conformemente ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do RCPAT.

 

Notifique-se.

Lisboa, 8 de Janeiro de 2020

 

A Presidente do Tribunal Arbitral

(Alexandra Coelho Martins – com declaração de voto em anexo)

 

O Árbitro Vogal

(Luís Menezes Leitão)

 

O Árbitro Vogal

(Miguel Patrício)

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto

no art. 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.

 

 

 

 

 

DECLARAÇÃO DE VOTO

 

Votei vencida por entender que não se verifica a exceção de caducidade do direito de ação, conforme sumariamente passo a expor.

 

1.            A Requerente deduziu pedido de pronúncia arbitral (“ppa”) com vista à obtenção da declaração de ilegalidade e consequente anulação de um ato de liquidação de IMT relativo a 2017. Neste âmbito, explicita que o objeto do pedido é “o ato de liquidação de IMT […] e, bem assim, a decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra aquele mesmo ato de liquidação de IMT” (artigo 1.º do ppa), procedendo à junção aos autos daquela decisão de indeferimento como documento 1.

2.            A reclamação graciosa deduzida pela Requerente foi considerada tempestiva pela AT, nos termos dos artigos 70.º, n.º 1 e 102.º, n.º 1, alínea a) do CPPT e o respetivo despacho de indeferimento foi-lhe notificado por carta registada, conforme refere o ofício n.º ... do Serviço de Finanças de ..., datado de 13.02.2019, tendo a presente ação arbitral sido intentada em 15.05.2019.

3.            Resulta do artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, em conjugação com o artigo 102.º, n.º 1 do CPPT, que o prazo para impugnar, nas situações em que houve reclamação graciosa ou recurso hierárquico seguidos de decisão expressa, se conta da notificação desta última decisão e não do termo do prazo de pagamento voluntário da liquidação.

4.            É, pois, da data da notificação do ato decisório de segundo grau – in casu o despacho de indeferimento da reclamação graciosa – que, de acordo com a lei, se conta o prazo para a propositura da ação arbitral.

5.            Solução idêntica é afirmada no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 31.05.2017, processo n.º 01609/13, em relação ao processo de impugnação judicial, no qual se suscita a mesma questão. Conclui este aresto que “Sempre que o contribuinte opte por deduzir reclamação graciosa contra o ato de liquidação, o prazo para o impugnar judicialmente deixa de se contar da data limite para pagamento voluntário do tributo, passando a relevar a data do indeferimento EXPRESSO ou silente dessa reclamação.”

6.            Tendo em conta que a decisão de indeferimento da reclamação graciosa foi notificada a partir de 18.02.2019, atento o disposto nos artigos 39.º, n.º 1 e 38.º, n.º 3 do CPPT, e que o pedido de constituição do tribunal arbitral foi apresentado em 15.05.2019, o prazo de 90 dias previsto no mencionado artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT não tinha ainda transcorrido, pelo que a ação arbitral é tempestiva.

7.            A posição que fez vencimento considera que o facto de a Requerente não ter requerido de forma expressa a anulação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa, implica que está apenas em causa um pedido de anulação do ato de liquidação de IMT e não do ato de segundo grau que o confirmou (o citado despacho de indeferimento) e que, por essa razão, o prazo se há-de contar com referência a esse ato de liquidação, ou dito de outro modo, com referência ao termo do prazo para pagamento voluntário do imposto, que, a ser assim, teria expirado, sendo a ação extemporânea, como foi decidido.

8.            Porém, tal solução desatende as diversas referências expressas que a Requerente sucessivamente faz no seu articulado inicial à decisão de indeferimento da reclamação graciosa que juntou aos autos e que inclusivamente delimita ex professo como objeto da ação, permitindo inferir com razoável segurança que não se conforma com a mesma e que está implicada no pedido anulatório do ato de liquidação a invalidade do ato de segundo grau que o confirmou. Por outro lado, na dúvida sobre se o pedido abrangeria a invalidação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa, sempre a mesma se poderia dissipar com um convite ao aperfeiçoamento, conforme previsto pelo artigo 18.º do RJAT e pela generalidade dos códigos de direito adjetivo (a título de exemplo, referem-se os artigos 87.º do CPTA e 590.º do CPC).

9.            Acresce que este entendimento é o que melhor se coordena com princípio constitucional da plenitude da tutela judicial efetiva, subjacente ao artigo 7.º do CPTA, que privilegia uma interpretação favorável ao acesso ao Direito – pro actione – e postula a condução da lide processual em ordem à obtenção de uma pronúncia sobre o mérito das questões, não enredada em formalismos procedimentais e processuais (artigo 268.º, n.º 4 da CRP), como declarado pelo Acórdão do STA de 29 de janeiro de 2014, no processo n.º 01233/13.

10.          Importa precisar que tal entendimento não comporta qualquer adição de uma nova causa de pedir, que continua concentrada nos vícios do ato de liquidação, ou de um pedido com consequências distintas da anulação do ato primário.

11.          Como fundamenta a decisão arbitral no processo do CAAD n.º 336/2018-T, de 25.06.2019, que decidiu em sentido oposto idêntica questão, o objeto da reclamação graciosa reporta-se à liquidação impugnada. Assim, a reação à decisão de indeferimento da reclamação toma esta decisão por objeto imediato, mas o objeto mediato é, necessariamente, a própria liquidação.

12.          Na conceção que preconizo, sem prejuízo de poderem ser expressamente impugnados, em simultâneo, ambos os atos, o de liquidação (mediatamente) e o de indeferimento (imediatamente), não se afigura sequer que isso seja indispensável.

13.          Com efeito, de acordo com o artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, a jurisdição arbitral só tem competência material para apreciar a ilegalidade da liquidação, não os vícios do indeferimento de reclamações e recursos.

14.          Neste sentido, CARLA CASTELO TRINDADE explica que “não são arbitráveis os vícios próprios dos atos de indeferimento de reclamações graciosas, de recursos hierárquicos ou de pedidos de revisão do ato tributário porque escapam ao âmbito material da arbitragem tributária. Por outras palavras, esses atos de indeferimento só poderão ser «trazidos» para a jurisdição arbitral, na estrita condição de terem, eles próprios, apreciado a (i)legalidade do ato tributário que o sujeito passivo, verdadeira e efetivamente, pretende impugnar pela via arbitral.” Ou seja, “O objeto do pedido de pronúncia arbitral será, então, a (i)legalidade do ato tributário de primeiro grau, independentemente de o sujeito passivo apontar como objeto da sua ação arbitral este (o ato de primeiro grau), ou o de segundo, isto sempre, desde que o de segundo aprecie a (i)legalidade do ato de primeiro grau.»” – in Regime Jurídico da Arbitragem Tributária – Anotado, Almedina, 2014, p. 70.

15.          São múltiplas as decisões arbitrais dos tribunais constituídos no CAAD que adotam este entendimento. Sem preocupações de exaustividade podem ver-se as proferidas nos seguintes processos: 282/2013-T, 272/2014-T, 419/2014-T, 664/2014-T, 124/2015-T, 161/2015-T, 652/2015-T, 117/2016-T, 140/2016-T, 592/2016-T, 713/2016-T, 57/2017-T, 336-2018-T e 359/2018-T. 

16.          Neste enquadramento, ao apreciar o indeferimento de uma reclamação graciosa que manteve uma liquidação cuja legalidade se contesta, o que materialmente se aprecia são os vícios da liquidação, em relação à qual aquele indeferimento se apresenta como ato de segundo grau. Por isso, mesmo a reação ao ato de segundo grau implica que é o ato primário que se pretende impugnar ainda – quando isso não seja, porventura, explicitado na própria reação (decisão arbitral n.º 336/2018-T).

17.          E, inversamente, a reação ao ato primário, na sequência de um ato de segundo grau, implica que este é igualmente visado e deve ser removido da ordem jurídica porque os vícios do ato primário, por ele confirmado, o "contamina" - mesmo quando isso não seja porventura explicitado naquela reação (decisão arbitral n.º 336/2018-T).

18.          Que a ação impugnatória tem por objeto o ato de liquidação tem sido, aliás, afirmado de forma reiterada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, como resulta, a título de exemplo, do recente Acórdão de 03.07.2019, no processo n.º 02957/16.0BELRS 070/18, segundo o qual “o objeto real da impugnação é o ato de liquidação e não o ato que decidiu a reclamação graciosa, pelo que são os vícios daquela e não deste despacho que estão verdadeiramente em crise”.

19.          Entendimento que é de transpor para a ação arbitral, criada como alternativa ao processo de impugnação judicial, conforme manifestado ab initio na lei de autorização legislativa do regime da arbitragem em matéria tributária e concretizado na delimitação do seu domínio de competência material.

20.          Em síntese, o artigo 10.º do RJAT não confere aos Tribunais Arbitrais que funcionam no CAAD a competência para apreciação direta dos atos de segundo grau; é uma norma que, referindo embora esses atos, respeita exclusivamente ao termo inicial do prazo para apresentação do pedido de pronúncia arbitral. A tempestividade afere-se, portanto, em relação a esses atos de segundo grau, mas a materialidade do litígio reporta-se a uma liquidação que aqueles atos se limitaram a confirmar, não consubstanciando pedidos distintos ou causas de pedir diferenciadas.

21.          Logo, em bom rigor, e como acima referido, a Requerente não tem sequer de impugnar separadamente o indeferimento da reclamação graciosa no caso de não encontrar nele vícios próprios (já que como mero ato confirmativo ele é irrecorrível) – bastando porventura tornar explícita a sua reação a esse ato para mero efeito da tempestividade da reação ao ato de primeiro grau, a liquidação (decisão arbitral n.º 336/2018-T).

22.          Tendo a Requerente referido, expressamente, que o objeto do pedido de pronúncia arbitral abrangia a decisão de indeferimento da reclamação graciosa (introito e artigo 1.º do ppa), conclui-se, por direta aplicação do artigo 10.º, n.º 1, a) do RJAT, que o prazo para deduzir a ação arbitral não havia terminado quando foi apresentado o pedido, em 15.05.2019, pelo que este é tempestivo.

23.          Não se julga necessário solicitar à Requerente uma clarificação, correção ou aperfeiçoamento do seu pedido de pronúncia arbitral, embora tal se afigure preferível a decidir-se, sem mais, pela procedência da exceção perentória da caducidade do direito de ação.

24.          À face do exposto, teria decido que a ação é tempestiva e apreciaria o mérito da liquidação de IMT, com a produção da prova testemunhal requerida.

 

Lisboa, 8 de janeiro de 2020

                                        

Alexandra Coelho Martins