Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 368/2019-T
Data da decisão: 2019-12-10  IRS  
Valor do pedido: € 71.415,70
Tema: IRS – Direito de audiência prévia [art 60º-1/a), LGT] – Vales de caixa – Remunerações – Empréstimos.
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DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros, Dr. Juiz José Poças Falcão (árbitro presidente), Professor Doutor Victor Calvete e Dr.ª Mariana Vargas (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 8 de agosto de 2019, acordam no seguinte:

 

I.             RELATÓRIO

Em 28 de maio de 2019, A..., com o NIF ... e domicílio fiscal na ..., Rua ..., n.º..., ..., ...-... ..., veio, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), 1.º e 2.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março (Portaria de vinculação) e 11.º, do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de Outubro, requerer a constituição de Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT ou Requerida), informando não pretender utilizar a faculdade de designar árbitro.

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exm.º Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT, e, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e na alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 22 de Julho de 2019, a AT requereu que o Requerente juntasse certidão integral do processo que estava em curso no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro (TAFA) argumentando que só assim se poderia verificar se estava preenchida a condição estabelecida no n.º 2 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de Outubro (coincidência do pedido e da causa de pedir nas duas instâncias).

Em resposta do dia seguinte, o Requerente veio defender que juntara o que lhe era legalmente exigido – certidão judicial electrónica do requerimento apresentado para desistência da instância (n.º 3 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018) – e devolveu à AT esse ónus – invocando que, sendo partes nesse anterior processo ambos os intervenientes nestes autos, não havia razão óbvia para que tivesse de ser o Requerente a juntar o processado.

Como a AT não suscitou desconformidade entre pedido e da causa de pedir nas duas instâncias, a junção do processado no Tribunal Tributário tornou-se inútil, pelo menos supervenientemente.

 

A. Objeto do pedido:

O Requerente pretende a declaração de ilegalidade e a consequente anulação dos atos de liquidação emitidos pela AT em seu nome com os n.ºs 2005..., 2005..., 2005..., 2005..., 2005..., 2005..., 2005... e 2005..., relativos ao IRS e juros compensatórios do período de tributação dos anos de 2001 a 2004, no montante total de € 71 415,70 (setenta e um mil quatrocentos e quinze euros e setenta cêntimos), anteriormente objeto de reclamação graciosa, recurso hierárquico e do processo de impugnação judicial n.º .../09...BEAVR, conforme a certidão de desistência da instância emitida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro - Unidade Orgânica 2, em 24 de maio de 2019, com o código de acesso ... .

 

B. Síntese da posição das Partes

a.            Do Requerente:

São vários os vícios imputados pelo Requerente às liquidações de IRS e juros compensatórios dos anos de 2001 a 2004, objeto do pedido de pronúncia arbitral, começando pela referência ao vício procedimental da preterição de formalidade essencial em que consiste a falta de notificação para exercício do direito de audição prévia à emissão das referidas liquidações, nos termos do artigo 60.º, n.º 1, alínea a), da Lei Geral Tributária.

 

Do ponto de vista material, invoca o Requerente a errónea qualificação dos factos tributários, dado que a Requerida tributou como se fossem rendimentos de trabalho por conta de outrem as quantias correspondentes às saídas, através de “vales de caixa”, ao longo dos anos, da sociedade B..., SA, de que é administrador, quando, na verdade, tais saídas correspondem a empréstimos contraídos junto daquela sociedade e que o Requerente restituiu em dezembro de 2005, no valor de € 436.976,15, conforme a prova oferecida em sede de reclamação graciosa e de recurso hierárquico das liquidações em análise.

 

A argumentação da AT é a de que as importâncias tituladas pelos “vales de caixa” não poderiam ser consideradas como empréstimos por não cumprirem o preceituado nos artigos 397.º, do Código das Sociedades Comerciais e 1143.º, do Código Civil; a certificação legal de contas não ter colocado reservas acerca disso; as saídas de fundos não terem sido relevadas na contabilidade como empréstimos concedidos ao administrador; ter decorrido largo tempo até à sua restituição e ter havido, no final de 2004, lançamentos com restituições, que posteriormente foram anulados.

 

No entanto, considera o Requerente que esta argumentação da AT é improcedente, dado que o direito fiscal português acolhe o princípio da substância sobre a forma de que são afloramentos, entre outros, o n.º 3 do artigo 11.º, da Lei Geral Tributária, devendo, na interpretação das normas fiscais, atender-se à realidade física e económica, fazendo sobrepor a realidade substancial à realidade formal e que, provando-se a restituição das quantias mutuadas, não pode ser-lhe exigido imposto por um rendimento que não obteve.

 

                E que, ainda que os empréstimos por si contraídos junto da B..., SA, não cumpram as formalidades previstas na lei civil e comercial, não deixam de ser empréstimos, com a inerente obrigação de restituir, que comprovadamente foi satisfeita, não se podendo confundir com as remunerações que são pagas a título definitivo.

 

Termina o Requerente por, pugnando pela procedência do pedido de anulação das liquidações de IRS e juros compensatórios dos anos de 2001 a 2004, pedir a condenação da Requerida no pagamento de indemnização por prestação de garantia nos processos de execução fiscal em que as liquidações lhe estão a ser coercivamente exigidas, tendo em vista a respetiva suspensão na pendência dos meios de defesa apresentados.

 

 

b.            Da Requerida:

Notificada nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º, do RJAT, a AT apresentou resposta e fez juntar o processo administrativo, defendendo, por impugnação, a legalidade e a manutenção dos atos de liquidação objeto do presente pedido de pronúncia arbitral, com os seguintes fundamentos:

 

As liquidações adicionais de IRS e juros compensatórios dos anos de 2001 a 2004 foram emitidas na sequência de um procedimento de inspeção externo à sociedade B..., SA, de que o Requerente é administrador, em cujo decurso se verificou que por este havia retiradas frequentes do caixa de montantes muito elevados (€ 11.657,15 em 2001, € 60.250,00 em 2002, € 65.000,00 em 2003 e € 25.500,00 em 2004), sem qualquer indicação de terem sido feitas a título de empréstimo, por os respetivos valores não terem sido lançados em contas de terceiros ou de ter havido qualquer pagamento feito pelo Requerente à B..., com data anterior às notas de cobrança impugnadas na presente lide.

 

A tributação em sede de IRS também não pretende sancionar o Requerente por este não ter respeitado os requisitos formais a que se refere o artigo 1143.º do Código Civil; contudo, o pagamento feito através de cheque de 28.12.2005, no valor de € 436.976,15, não corresponde às quantias retiradas, cuja soma, para o quadriénio de 2001 a 2004, se cifrou em € 162.407,15, não se conseguindo estabelecer uma relação direta entre os alegados empréstimos e os alegados reembolsos.

 

A ausência de um documento que ateste a existência de qualquer um dos empréstimos que, deveriam revestir a forma escrita, corrobora a convicção de que os mesmos nunca existiram, nem foi encontrado na contabilidade qualquer registo em contas correntes, apenas tendo sido registados na conta de Terceiros em 31.03.2005, ou seja, depois do controlo físico do Caixa feito pelos serviços de inspeção tributária.

 

Não tendo sido prestadas contas destas quantias até ao final dos respetivos exercícios e tendo em conta que o artigo 2.º, n.º 3, alínea d), parte final, do CIRS qualifica como rendimentos de trabalho dependente as verbas para despesas de deslocação, viagens ou representação de que não tenham sido prestadas contas até ao termo do exercício, ficam justificadas as correções na origem das liquidações impugnadas.

 

Quanto à alegada falta de notificação para exercer o direito de audição, entende a AT que, embora invocando uma troca de nomes, o Requerente sempre teve conhecimento da notificação que lhe foi dirigida, por isso, nos meios de defesa administrativos e judiciais de que lançou mão, demonstrou conhecer os elementos essenciais às liquidações que impugna.

 

Termina a AT por, pugnando pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral e consequente manutenção dos atos tributários a que se reporta, requerer a dispensa de realização da reunião a que se refere o artigo 18.º, do RJAT, bem como da inquirição das testemunhas arroladas pelo Requerente, por as questões colocadas versarem exclusivamente matéria de direito e os factos se encontrarem documentalmente provados.

 

*

Pelo despacho arbitral de 1 de outubro de 2019, foi dispensada a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º, do RJAT, tendo-se determinado que o processo prosseguisse com alegações escritas simultâneas pelo prazo de 20 dias, designado o dia 15 de janeiro de 2020 como data limite previsível para a prolação e notificação da decisão arbitral final e advertido o Requerente para o oportuno cumprimento ao disposto no artigo 4.º, n.º 3, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Dentro do prazo designado para alegações escritas, o Requerente apresentou requerimento aos autos declarando reiterar tudo quanto, de direito e de facto, já alegou no requerimento de arbitragem, pugnando pela procedência do pedido de declaração de ilegalidade das liquidações nele identificadas.

 

A Requerida não produziu alegações.

 

 

II. SANEAMENTO

1. O tribunal arbitral coletivo é competente e foi regularmente constituído em 4 de outubro de 2016, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.

2.            As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

3.            O processo não padece de vícios que o invalidem.

4.            A cumulação de pedidos é admissível, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 3.º do RJAT, na medida em que o pedido de pronúncia arbitral formulado, e a respetiva procedência, dependem da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito, no caso em apreço, das normas do Código do IRS.

 

 

III.          FUNDAMENTAÇÃO

III.1 MATÉRIA DE FACTO

A matéria factual relevante para a compreensão e decisão da causa, após exame crítico da prova documental e do processo administrativo (PA) juntos aos autos, fixa-se como segue:

A – Factos provados

1.            Ao abrigo da ordem de serviço n.º OI2004..., de 21 de dezembro de 2004, os serviços de inspeção tributária da Direção de Finanças de ... promoveram uma ação de inspeção externa à sociedade “B..., SA”, com o NIPC..., que abrangeu os exercícios de 2001 a 2004 (pág. 4 do Relatório de Inspeção Tributária – adiante RIT –, com cópia junta ao PA, que se dá como reproduzido);

2.            Na sequência daquele procedimento de inspeção, foi emitida a ordem de serviço n.º OI2005..., de 5 de setembro de 2005, com o código PNAIT..., em nome do Requerente, do qual resultaram as correções na origem das liquidações de IRS e juros compensatórios dos anos de 2001 a 2004 (pág. 4 do RIT);

3.            Foi a seguinte a fundamentação das correções meramente aritméticas à matéria tributável de IRS dos anos assinalados:

a.            A análise efetuada à escrita da B... revelou que, entre os exercícios de 2000 e 2005, os saldos finais contabilísticos da conta corrente Caixa apresentavam valores materialmente irrelevantes, sem que a certificação legal de contas da empresa colocasse qualquer reserva, o que levou a que fosse efetuado o “controlo físico do Caixa, em 10 de março de 2005”;

b.            Apurou-se que o montante total do Caixa, de € 1 123 511,81 incluía € 5 431,95 em numerário e € 1 118 079,86 em “vales de caixa” e € 546,21;

c.            Os “vales de caixa” servem para documentar as saídas dos valores disponibilizados aos trabalhadores para suportar os encargos com deslocações ao serviço da empresa, que os devem justificar documentalmente;

d.            Verificou-se que a grande maioria dos “vales de caixa” tinham como beneficiários os administradores da empresa, sem indicação do destino a dar aos respetivos valores e totalizando, nos anos de 2001 a 2004, a quantia aproximada de € 517 000,00;

e.            Tendo-se concluído que os valores levantados pelo Requerente a coberto daqueles “vales de caixa” eram de € 11 657,15 em 2001, de € 60 250,00 em 2002, de € 65 000,00 em 2003 e de 25 500,00 em 2004, sem que tivessem sido repostos;

f.             “Nada justifica que aqueles levantamentos sejam considerados como empréstimos aos acionistas/administradores, pois nada existe contratualizado, nem reduzido a escrito, nem qualquer lançamento em contas correntes próprias dos beneficiários” (…) “nada foi reflectido na contabilidade, pois as retiradas efectuadas não foram escrituradas como empréstimos, nomeadamente com o registo em contas de terceiros”, o que apenas aconteceu em 2005, após a contagem feita pela inspeção tributária ao Caixa;

g.            No encerramento contabilístico do exercício de 2004, a empresa quis “cortar o elevadíssimo saldo final do Caixa (1 079 455,87) com a contabilização a crédito de dois lançamentos oportunos intitulados de depósitos, nos montantes de € 567 043,53 e € 167 782,76” (…) “No início de 2005 estes dois lançamentos haviam sido anulados (…) Estes lançamentos e anulações dos mesmos são demonstrativos de que estes valores nunca foram retirados a título de empréstimos, caso contrário nesta altura ter-se-ia efetuado os lançamentos corretos em cotas de terceiros (…)”;

h.            Apesar de “um empréstimo para estar contratualizado não é necessário estar reduzido a escrito”, não foi respeitada a forma que deve revestir o contrato de mútuo (artigo 1143.º, do Código Civil);

i.             “Perante as circunstâncias os levantamentos efectuados pelos respectivos administradores (…)  dos montantes que não tenham sido prestadas contas até ao termo do exercício, serão considerados rendimentos de trabalho dependente”, nos termos da alínea d), parte final do n.º 3 do artigo 2.º, do Código do IRS;

4.            Foram propostas as correções constantes do quadro seguinte:

 

5.            O projeto do RIT foi notificado ao Requerente, nos termos dos artigos 60.º, da LGT e 60.º, do RCPIT, pelo ofício n.º..., dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de  ... (registo dos CTT n.º RO ... PT, de 10.10.2005 com cópia junta ao PA, que se dá como reproduzido);

6.            O sobrescrito correspondente ao registo dos CTT n.º RO ... PT, de 10.10.2005, foi endereçado a “C...–..., ...-... –...” (cópia junta ao ppa, que se dá como reproduzida);

7.            Não tendo sido exercido o direito de audição, a versão definitiva do RIT foi notificada ao Requerente através do ofício n.º..., dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de ... e rececionado em 14.11.2005 (registo dos CTT n.º RO ...PT, com AR cópia junta ao PA, que se dá como reproduzido);

8.            Na sequência das correções efetuadas, foram elaboradas declarações oficiosas para cada um dos anos em questão e emitidas, em 21.11.2005, as seguintes liquidações, de que resultou o valor global a pagar de € 71 415,70:

a.            Liquidação de IRS n.º 2005... e liquidação de juros compensatórios n.º 2005..., referentes ao ano de 2001 (docs. juntos ao ppa);

b.            Liquidação de IRS n.º 2005... e liquidação de juros compensatórios n.º 2005..., referentes ao ano de 2002 (docs. juntos ao ppa);

c.            Liquidação de IRS n.º 2005... e liquidação de juros compensatórios n.º 2005..., referentes ao ano de 2003 (docs. juntos ao ppa);

d.            Liquidação de IRS n.º 2005... e liquidação de juros compensatórios n.º 2005..., referentes ao ano de 2004 (docs. juntos ao ppa);

9.            Em 27.03.2006, foram autuadas no Serviço de Finanças de ... as seguintes reclamações graciosas (cópias juntas ao PA):

a.            N.º..., em que o Requerente contestou a legalidade da liquidação de IRS do ano de 2001, no montante de € 4 922,24 e de juros compensatórios da quantia de € 961,49, no valor global de € 5883,73;

b.            N.º ..., em que o Requerente contestou a legalidade da liquidação de IRS do ano de 2002, no montante de € 24 100,00 e de juros compensatórios da quantia de € 3 033,70, no valor global de € 27 133,70;

c.            N.º ..., em que o Requerente contestou a legalidade da liquidação de IRS do ano de 2003, no montante de € 26 000,00 e de juros compensatórios da quantia de € 1 805,78, no valor global de € 27 805,78;

d.            N.º ..., em que o Requerente contestou a legalidade da liquidação de IRS do ano de 2004, no montante de € 10 200,00 e de juros compensatórios da quantia de € 392,49, no valor global de € 10 592,49;

10.          As referidas reclamações graciosas mereceram decisões de indeferimento, após exercício do direito de audição, por despachos do Senhor Diretor de Finanças de ... (por delegação), de 13.03.2008, notificados ao Requerente através dos ofícios da Divisão e Justiça Tributária da mencionada Direção de Finanças, remetidos a coberto de carta registada com AR e recepcionados em 19.03.2008 (cópias juntas ao PA, que se dão como reproduzidas);

11.          O Requerente reagiu às decisões de indeferimento das reclamações graciosas através dos recursos hierárquicos, n.ºs .../2008, .../2008, .../2008 e .../2008, respetivamente, do Serviço de Finanças de ..., todos instaurados em 17.04.2008 (cópias juntas ao PA, que se dão como reproduzidas);

12.          Todos os recursos hierárquicos foram indeferidos, por despachos da Senhora Diretora de Serviços do IRS, datados de 21.04.2009, notificados ao Requerente pelos ofícios da Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de ..., de 11.05.2009, remetidos a coberto de cartas registadas com AR (cópias juntas ao PA, que se dão como reproduzidas);

13.          O Requerente deduziu impugnação judicial das liquidações de IRS e juros compensatórios dos anos de 2001 a 2004, junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, que deu origem ao processo n.º.../09...BEAVR, tendo desistido da instância judicial, ao abrigo do disposto no artigo 11.º, do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15.10, conforme a certidão emitida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de ...- Unidade Orgânica 2, em 24 de maio de 2019, com o código de acesso ... (com cópia junta ao ppa, que se dá como reproduzida);

14.          Por requerimento datado de 03.07.2009, o Requerente alertou a AT para a falta de notificação para o exercício do direito de audição sobre o projeto de correspondente ao registo dos CTT n.º RO ... PT, de 10.10.2005, juntando cópia do sobrescrito endereçado a “C...–..., ...-... –...” e pedindo a anulação das liquidações de IRS dos anos de 2001 a 2004 (doc. 1 junto ao ppa, que se dá como reproduzido);

15.          Pelo ofício n.º ... da Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de..., com data de 07.07.2009, foi o Requerente informado de que poderia “utilizar o mecanismo previsto na alínea e) do n.º 1 do art 102º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)”, conforme constava de notificações anteriores (doc. 2 junto ao ppa, que se dá como reproduzido);

16.          As liquidações impugnadas encontram-se na fase de cobrança coerciva;

17.          O Requerente prestou garantia bancária tendo em vista a suspensão das execuções fiscais instauradas;

18.          Em Dezembro de 2005, após a inspeção da AT, o Requerente devolveu à empresa o montante de € 436.976,15 através de cheque, devidamente registado na contabilidade desta.

 

 

B – Factos não provados

Não existem factos com interesse para a decisão da causa que devam considerar-se como não provados.

 

C – Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada.

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Os factos acima enunciados e dados como provados fundam-se na análise crítica da prova documental oferecida pelo Requerente e do processo administrativo remetido pela Requerida.

 

Excetuam-se os factos mencionados em 13 e 14, alegados pelo Requerente e não contraditados pela Requerida, que devem considerar-se admitidos por acordo das Partes.

 

 

III.2. DO DIREITO

1.            As questões a decidir. Ordem de apreciação dos vícios.

Como resulta do pedido de pronúncia arbitral, vêm nele imputados vícios formais e vícios materiais às liquidações de IRS e juros compensatórios dos anos de 2001 a 2004, fundamentos de impugnação judicial, ex vi artigo 99.º, alíneas a) e e), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável ao processo arbitral tributário por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

 

Do ponto de vista formal, invoca o Requerente a preterição de formalidades essenciais, consubstanciada na ausência de notificação para o exercício do direito de audição prévia sobre o projeto do Relatório da Inspeção Tributária em que foram efetuadas as correções na base das liquidações ora impugnadas, em violação do disposto nos artigos 60.º, da Lei Geral Tributária (LGT) e 60.º, do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária (RCPIT – atualmente designado por Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira).

 

Do ponto de vista substancial, o Requerente vem arguir a errónea qualificação dos factos tributários, defendendo que as quantias qualificadas pela Requerida como rendimentos de trabalho dependente, à luz da norma de incidência contida no artigo 2.º, n.º 3, alínea d), parte final, do Código do IRS, na redação em vigor à data dos factos, que defende terem natureza de empréstimos contraídos junto da empresa em que desempenha funções de administrador e da qual é acionista.

 

De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 124.º, do CPPT, não existindo vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do ato impugnado, deverá o tribunal apreciar os vícios arguidos que determinem a sua anulabilidade, dispondo o n.º 2, alínea b), do mesmo artigo, que, quanto a estes últimos, a ordem do seu conhecimento será a indicada pelo impugnante, sempre que seja estabelecida entre eles uma relação de subsidiariedade, sem prejuízo de serem prioritariamente conhecidos os vícios cuja procedência assegure a mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos.

 

Afigurando-se que qualquer dos identificados vícios é suscetível de assegurar a tutela eficaz dos interesses do Requerente, serão os mesmos apreciados pela ordem por si indicada, devendo o tribunal arbitral averiguar, prioritariamente, se a falta de notificação para o exercício do direito de audição sobre o projeto do Relatório da Inspeção Tributária constitui vício invalidante dos atos tributários objeto do pedido de pronúncia arbitral o que, a verificar-se, prejudicará o conhecimento do invocado vício atinente à errónea qualificação dos factos tributários que lhes servem de base.

 

 

1.1.        Da invocada falta de notificação para o exercício do direito de audição

                Os documentos constantes dos autos permitem concluir pelo lapso da AT na notificação do Requerente para exercício do seu direito de audiência prévia:

- por um lado, a história contada pelo Requerente na carta de 3 de Julho de 2009 (Doc. 1 anexo ao PPA) é plausível (só quando os dois irmãos contrataram o mesmo advogado e juntaram os documentos é que se apurou que o irmão do Requerente tinha sido notificado duas vezes e ele nenhuma) e consistente (foi invocada perante a AT antes de serem juntos os dois envelopes que constam em anexo a essa carta, sendo certo que podia tê-lo feito antes para defender mais eficazmente a sua posição nas reclamações graciosas intentadas e nos respectivos recursos hierárquicos);

- por outro lado, é indiscutível que os dois envelopes aparecem dirigidos a C... (sendo que no que diria respeito ao Requerente, A..., nem sequer houve o cuidado de acrescentar o nome da sua mulher, ao contrário do que aconteceu no caso do verdadeiro C...). É certo que aberto esse envelope – o que o verdadeiro C... deverá ter feito –, e lido o documento nele contido – o que já é menos certo –, a confusão se podia ter dissipado, na medida em que o conteúdo dos dois envelopes teria de diferir. Mas não é de excluir, sobretudo se as comunicações foram enviadas em simultâneo, que, numa leitura diagonal, tenha havido uma primeira impressão de mera duplicação da mesma notificação. Assim, a questão é a de saber se as notificações endereçadas a terceiros por erro da AT devem ser tratadas como se nelas não tivesse havido falhas;

- por outro lado, ainda, dá-se o caso de as subsequentes notificações da AT para o Requerente terem sido dirigidas para outras direções: enquanto os dois envelopes juntos com o Doc. 1 foram remetidos para “.../...-... ...”, as comunicações subsequentes da AT foram dirigidas ao Requerente para “... n.º ... ... / ...-... ...” ou para “.../...-... ...”. Tendo em conta que nas fases administrativas a AT invocou a norma do n.º 3  do artigo 60.º da Lei Geral Tributária “3 - O direito de audição deve ser exercido no prazo a fixar pela administração tributária em carta registada a enviar para esse efeito para o domicílio fiscal do contribuinte.”, essa flutuação não abona a certeza dessas notificações. (Na Resposta ao PPA, a AT limitou-se a reproduzir a passagem da argumentação produzida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro sobre a sua ultrapassagem “pela leitura e análise do processo, verificamos que o Impugnante, A..., embora alegue ter havido uma troca de nomes na notificação, sempre teve perfeito conhecimento dos atos em questão e do seu conteúdo.”).

Deve então concluir-se, em termos de juízo de facto, que houve falta de audiência do Requerente antes da liquidação, por culpa da AT. Que tal juízo de facto se traduza em idêntico juízo de direito, porém, não é necessário: tal falta só constitui um vício invalidante desde que se não verifiquem os pressupostos do aproveitamento dos atos, por aplicação do princípio utile per inutile non vitiatur.

Nesta matéria foi proferido, no Supremo Tribunal Administrativo, um acórdão uniformizador (Acórdão de 26 de Setembro de 2018, Proc. 01506/17.8BALSB, http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/ac23cdbe6d492d59802583220046ae1d?OpenDocument&ExpandSection=1#_Section1) em que se decidiu, citando Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária, anotada e comentada, 4.ª edição 2012, p. 515, que se deve considerar “convalidado o ato primário que enferme de vício de violação do direito de audição se o interessado vier a utilizar meios de impugnação administrativa (reclamação graciosa ou recurso hierárquico) e neles acabou por ter oportunidade de se pronunciar sobre questões sobre as quais foi indevidamente omitida a audiência no procedimento de primeiro grau. Em situações deste tipo, quer o ato primário tenha sido mantido quer tenha sido revogado e substituído pelo ato de segundo grau, a decisão administrativa final acaba por ser o ato de segundo grau, pelo que deverá ser em relação a este ato que deverá aferir-se se o contribuinte teve ou não a oportunidade de participar na sua formação” (sublinhado nosso).

Ainda que tal acórdão tenha sido obtido pela margem mínima (5-4), não cabe à jurisdição arbitral afastar-se do decidido pela mais alta instância decisória nesta matéria. Ora, não subsistem dúvidas que, nos procedimentos de segundo grau que desencadeou (reclamações graciosas, recursos hierárquicos) o recorrente pôde pronunciar-se – e com conhecimento de causa – sobre todas as matérias em relação às quais se poderia ter manifestado, anteriormente à liquidação, aquando da frustrada notificação do projeto de RIT.

Tal implica que a invalidação da liquidação por falha na notificação serviria, no caso concreto, apenas para garantir a prevalência de um passo comprovadamente não indispensável no iter procedimental, afigurando-se, assim, como desproporcionada. 

Improcede, pois, a questão prévia.

 

 

1.2.        Do invocado erro na qualificação dos factos tributários

       

Como se referiu, o Requerente vem arguir a errónea qualificação dos factos tributários, defendendo que as quantias qualificadas pela AT como rendimentos de trabalho dependente, à luz da norma de incidência contida no artigo 2.º, n.º 3, alínea d), parte final, do Código do IRS, na redação em vigor à data dos factos, teriam natureza de empréstimos contraídos junto da empresa em que desempenha funções de administrador e da qual é acionista.

Acontece que o enquadramento fiscal de ambas as situações era – em 2005, como é agora – idêntico, como resulta do enquadramento de ambos os tipos de rendimentos na mesma Categoria A:

- al. a) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS: “3 - Consideram-se ainda rendimentos do trabalho dependente: a) As remunerações dos membros dos órgãos estatutários das pessoas coletivas e entidades equiparadas, com exceção dos que neles participem como revisores oficiais de contas;”

- al. b), 5), do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS “3 - Consideram-se ainda rendimentos do trabalho dependente: (…) b) As remunerações acessórias, nelas se compreendendo todos os direitos, benefícios ou regalias não incluídos na remuneração principal que sejam auferidos devido à prestação de trabalho ou em conexão com esta e constituam para o respetivo beneficiário uma vantagem económica, designadamente: (…) 5) Os resultantes de empréstimos sem juros ou a taxa de juro inferior à de referência para o tipo de operação em causa, concedidos ou suportados pela entidade patronal, (…)”

Nessa medida, e considerando a total ausência de juros (a favor da empresa) associados aos supostos mútuos de que o Requerente teria beneficiado – juros que não foram invocados, não estavam documentados e não incorporaram a alegada devolução feita (segundo a própria declaração do Requerente o montante devolvido correspondia ao que foi retirado do Caixa) –, a pretensão do Requerente, ainda que procedente, seria inteiramente destituída de efeitos sobre a sua situação fiscal. Numa metáfora, seria como enjeitar a caracterização de vermelho pugnando pela de encarnado.

Tanto bastaria, parece, para condenar ao insucesso essa pretensão – e por razões que nem teriam de diferir das que foram apontadas em relação à falha de notificação por parte da AT: pois se a situação do Requerente seria, em caso de procedência das suas pretensões, a mesma que queria pôr em causa, o fundamento para a anulação seria puramente formal. O caso sub judice, porém, agrava essa indiferença de resultado com a desadequação do meio: a indiferença de resultado teria de ser obtida pelo reconhecimento, por este Tribunal Arbitral, de que teria tido lugar uma operação claramente contra legem: a concessão de crédito pela empresa aos seus administradores, expressamente proibida pelo n.º 1 do artigo 397.º do Código das Sociedades Comerciais (“É proibido à sociedade conceder empréstimos ou crédito a administradores, efetuar pagamentos por conta deles, prestar garantias a obrigações por eles contraídas e facultar-lhes adiantamentos de remunerações superiores a um mês.”).

Ie: a subsunção alternativa oferecida pelo Requerente para evitar a subsunção realizada pela AT (sustentada na parte final da alínea d) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS: “Consideram-se ainda rendimentos do trabalho dependente: (...) d) As ajudas de custo e as importâncias auferidas pela utilização de automóvel próprio em serviço da entidade patronal, na parte em que ambas excedam os limites legais ou quando não sejam observados os pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado, e as verbas para despesas de deslocação, viagens ou representação de que não tenham sido prestadas contas até ao termo do exercício;), não apenas não goza de qualquer presunção legal de ter ocorrido (ao contrário da AT), como tem contra ela a presunção social de que os administradores das empresas não fazem, em benefício próprio, o que lhes é proibido por lei.

E, já se sabe, ainda que houvesse dúvida – que fundadamente não há – “A dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita.” (artigo 414.º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT). 

Pode, porém, ir-se ainda mais longe considerando a relevância do factor temporal na qualificação jurídica da utilização de vales de caixa pelos administradores da empresa: o enquadramento alternativo que o Requerente defendeu para o seu caso foi essencialmente sustentado pela devolução operada à empresa, e documentada por um cheque registado na contabilidade desta. Na verdade, uma vez que os vales de caixa eram omissos quanto ao propósito dos levantamentos, uma vez que a contabilidade da empresa também o era, e uma vez que não tinha sido pago o Imposto do Selo devido (verba 17.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo), só a devolução das quantias correspondentes a esses vales permitia corroborar (postumamente) a tese do(s) empréstimo(s).

Ora, admitir que a substância jurídica de um levantamento de dinheiro das empresas venha a ser definido por uma (contra-)operação realizada (quatro, três, dois e um) anos depois (consoante os vales de caixa que estejam em causa), ainda para mais só na sequência de uma inspeção da AT, seria levar longe de mais a flexibilidade dos mecanismos jurídicos e, consequentemente, criar a tentação de aproveitar tal (injustificável) plasticidade para obter ganhos fiscais ilegítimos. A configuração retroativa das espécies jurídicas por parte dos contribuintes deve ser tão censurada como a interpretação retroativa das normas fiscais por parte do legislador.

Uma palavra final: tem-se presente que a AT alterou, entretanto, o seu padrão interpretativo quanto aos saques do Caixa (o presente caso transitou para a jurisdição arbitral depois de um longo estágio na jurisdição estadual); agora, a AT parece recorrer preferencialmente à presunção do n.º 4 do artigo 6.º do Código do IRS: “Os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros.” Como se referiu na decisão do Proc. 571/2017-T do CAAD, já contemporânea dessa abordagem atualmente consolidada, e previamente já espelhada em vária jurisprudência judicial (vg. acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 16.10.2012, processo n.º 5014/11, e do Tribunal Central Administrativo Norte de 27-11-2014, processo n.º 279/09.2BEPRT) e arbitral (vg. processos ns. 165/2013-T e 770/2015-T) “a tributação em sede de IRS baseada na presunção da existência de rendimentos de capitais decorrentes de adiantamentos por conta de lucros, onera a AT com a prova do facto base da presunção, ou seja, a prova de que os lançamentos na conta dos sócios não resultam de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais”.

Ora, esse enquadramento no n.º 4 do artigo 6.º do Código do IRS – fiscalmente mais penalizador para o sujeito passivo – implica duas coisas: em primeiro lugar, o lançamento em contas correntes dos sócios; em segundo lugar, o afastamento da existência, quer de retribuição profissional (a posição da AT nos presentes autos, sustentada na parte final da alínea d) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS), quer da obtenção de mútuos (a posição do Requerente nos presentes autos, sustentada numa concepção dita substancial da sua relação com a empresa).

Na medida em que a jurisprudência estabelecida em relação à presunção do n.º 4 do artigo 6.º do Código do IRS é a que já tinha sido referida na decisão do Proc. 166/2013-T (“tendo resultado dos autos a prova dos lançamentos na conta corrente do sócio, caberia à Requerente provar os alegados mútuos, impeditivos do funcionamento da presunção.

A jurisprudência tem vindo a considerar que a ATA tem o ónus da prova dos lançamentos em contas correntes dos sócios, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova de que os mesmos correspondem a situação enquadrável em mútuos, em prestação de trabalho ou no exercício de cargos sociais.”) – e foi citada no Proc. 571/2017-T, onde a invocação da existência de mútuos também soçobrou – há ainda mais razões para ter por injustificada essa invocação no caso dos autos. É que, contrastando as duas abordagens da AT aos levantamentos do Caixa, pode dizer-se que a presunção do n.º 4 do artigo 6.º do Código do IRS implica uma presunção de 2.º grau, ao passo que a presunção da alínea d) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS corresponde à aplicação de uma presunção de 1.º grau. E sendo assim, tendo esta de ser afastada para operar aquela, é necessariamente mais imediata e densa do que aquela – com a consequência de que tudo o que já foi julgado insuficiente para afastar a presunção do n.º 4 do artigo 6.º do Código do IRS há de ser insuficiente para afastar a presunção da alínea d) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS.

 

III. Pedido de indemnização por garantia indevida

                Uma vez que improcede o pedido principal, improcede também o pedido acessório.

 

IV. Decisão

À luz do exposto, decide-se:

- julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, mantendo integralmente as liquidações impugnadas e as decisões da AT que as mantiveram;

- condenar o Requerente nas custas do processo.

 

V. Custas

       Fixa-se a taxa de arbitragem em €2.448,00 (dois mil quatrocentos e quarenta e oito euros), nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária e dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e  4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

VI.  Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 71.415,70 (setenta e um mil quatrocentos e quinze euros e setenta cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

Notifique-se.

                               Lisboa e CAAD, 10 de dezembro de 2019

Os Árbitros,

 

(José Poças Falcão)

 

12 de Dezembro de 2019

(Victor Calvete)

 

(Mariana Vargas)