Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 372/2017-T
Data da decisão: 2018-04-20   
Valor do pedido: € 2.112,27
Tema: IRS – Regime simplificado – aplicação dos coeficientes - atividade comercial para efeitos de IRS.
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Decisão Arbitral

  1. Relatório
  1. A..., NIF ... (o “Requerente”) e a sua mulher B..., NIF..., ambos com domicílio na ..., n.º..., ..., ...-... ... (conjuntamente, “Requerentes”), vieram, nos termos e para os efeitos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, com a intervenção de árbitro singular, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“Requerida” ou “AT”), tendo em vista a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2016..., e, de forma mediata, a declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2016..., relativo ao exercício fiscal de 2014, da qual resulta um montante a pagar de €2.112,27.
  2. Os Requerentes invocam, em síntese, que:
    1. O Requerente declarou o seu início de atividade em 23/05/2010 com o CAE principal 43390 – outras atividades de acabamento em edifícios –, e o CAE secundário 43330 –  revestimento de pavimentos e paredes; 
    2. Em 2012, o Requerente preencheu o anexo B da declaração modelo 3 de IRS, relativo aos seus rendimentos da Categoria B, optando pelo preenchimento do campo 1 – Regime Simplificado de Tributação:
  1. No preenchimento da referida declaração, em concreto, no quadro 3 A do Anexo – “Identificação do(s) Sujeito(s) Passivo(s)” –, campo 11 no Código CAE inseriu o CAE 43390 – outras atividades de acabamento em edifícios;
  2. O campo 10 “Código da Tabela de Atividades Art. 151º do CIRS” – não foi preenchido; e
  3. No campo 401 do quadro 4 A declarou €5.471 relativo às vendas de mercadorias efetuadas e no campo 403 declarou €5.810 referentes a outras prestações de serviços e outros rendimentos.
  1. Em 2013, o Requerente preencheu novamente o referido anexo B – “Rendimentos da Categoria B”, nomeadamente o campo 1 do “Regime Simplificado de Tributação” e no quadro 3 A inseriu o CAE 43390, no campo 424 declarou €11.096, no campo 424 €1.620 relativo a subsídios de exploração e no campo 403 o valor de €6.883,56;
  2. Em 2014, o Requerente voltou a preencher o referido anexo B da declaração modelo 3 de IRS, preenchendo, uma vez mais, o campo 1 – “Regime Simplificado de Tributação”, o campo 11 – “Código CAE” com o número 43390, o campo 10 – “Código da Tabela de Atividades Art. 151º do CIRS” não foi preenchido, no campo 401 declarou o valor de €3.119, no campo 424 €3.888 e no campo 443 €17.480;
  3. Posteriormente, por ofício datado de 18/02/2016, o Requerente foi notificado de que a AT se propunha a alterar os elementos declarados relativamente aos rendimentos da categoria B, do ano de 2014;
  4. A alteração consistia em retirar do campo 443 os rendimentos declarados e incluí-los no campo 440, visto que os rendimentos resultavam de prestações de serviços enquadrados no artigo 3.º, n.º 1, alínea b), conjugado com o artigo 31.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código do IRS;
  5. Em 12/07/2016, foram notificados da decisão definitiva de alteração dos rendimentos da categoria B, do campo 443 para o campo 440;
  6. Finalmente, foram notificados da liquidação de IRS n.º 2016 ... no valor de €2.112,27;
  7. A referida liquidação assentou no facto de a AT ter considerado que o montante de €17.480 declarado no campo 443 – “Rendimentos da Categoria B não incluídos nos campos anteriores” – deveria ter sido declarado no campo 440 – “Rendimentos de atividades profissionais previstas na Tabela do art. 151º do CIRS e/ou na CAE”;
  8. Apresentaram reclamação graciosa relativa à liquidação acima mencionada por entenderem que a atividade do Requerente se baseia em acabamentos em edifícios e revestimento de pavimentos e paredes pelo que não aufere rendimentos, a título individual, das atividades profissionais elencadas na tabela a que se refere o artigo 151.º do CIRS;
  9.  Do artigo 31.º, n.º 2 do Código do IRS (na redação dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, que entrou em vigor em 01/01/2014) resulta que a aplicação do coeficiente de 0,75, quando o rendimento resulte das atividades profissionais previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS, e de 0,10 nos demais rendimentos provenientes da categoria B (artigo 31.º, n.º 1 alíneas b) e e) do Código do IRS);
  10.  Aos valores declarados no campo 443 do anexo B é aplicado o coeficiente de 0,10, nos termos do disposto no artigo 31.º, n.º 2, alínea e) do Código do IRS (na redação em vigor em 2014);
  11.  Do Código do IRS na redação dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, “(…) o rendimento tributável é obtido adicionando aos rendimentos (…) o montante resultante da aplicação dos seguintes coeficientes: (…) e) 0,10 dos subsídios destinados à exploração e restantes rendimentos da categoria B não previstos nas alíneas anteriores.”;
  12.  Enquanto que aos valores indicados no campo 440 do anexo B seria aplicado o coeficiente 0,75 relativamente aos rendimentos de atividades profissionais previstas na Tabela do artigo 151.º do Código do IRS;
  13.  Assim, entendem os Requerentes que não estando a atividade do Requerente prevista na tabela do artigo 151.º do Código do IRS, o coeficiente a aplicar será o de 0,10 para determinação do rendimento tributável segundo o preceituado no artigo 31.º, n.º 2, alínea e) do referido Código, e não o de 0,75 como propugnado pela AT;
  14.  Tem sido este, além do mais, o entendimento do CAAD, expresso no processo n.º 107/2016-T, no qual se julgou precedente o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação de IRS de 2014, determinando a anulação da mesma e a sua substituição por outra em que os rendimentos de prestações de serviços obtidos no ano de 2014 fossem apurados com base no coeficiente (0,10) previsto na alínea e) e na alínea b) (0,75) do n.º 2 do artigo 31.º do Código do IRS;
  15.  O coeficiente a aplicar aos seus rendimentos não poderá ser diferente do coeficiente que seria aplicado caso o Requerente tivesse constituído uma sociedade e exercesse a sua atividade através da mesma, dado que o coeficiente em sede de IRC é de 0,10;
  16.  Atendendo ao elemento teleológico da interpretação, a intenção do legislador não foi a de discriminar os empresários em nome individual das sociedades, aplicando-se àqueles 0,75 e a estes 0,10;
  17.  O legislador quis evitar a fuga dos sujeitos passivos de IRS para o IRC de estruturas que não têm uma verdadeira estrutura empresarial;
  18.  Existe um erro na qualificação, por aplicação do coeficiente errado, bem como um vício na quantificação na medida em que a aplicação do coeficiente de 0,75 determina um valor excessivo de matéria coletável e, por conseguinte, de imposto devido;
  19.  A correção retroativa do coeficiente aplicável é ilícita;
  20.  Perante o exposto, a liquidação em apreço deve ser substituída por outra que aplique o coeficiente de 0,10 aos rendimentos da categoria B auferidos em 2014 pelo Requerente.      

 

  1. Por seu turno, a AT defende que:
    1. Após a submissão, em 26/06/2015, por via eletrónica, da declaração de rendimentos modelo 3 de IRS no ano de 2014 composta pelos anexos A (Trabalho Dependente), B (Rendimentos Empresariais / Profissionais) e H (Benefícios Fiscais e Deduções à coleta), verificou a existência de uma inexatidão  que consistia em o quadro 4-A do anexo B, estando o Requerente registado para efeitos do exercício das atividades, por conta própria, com o CAE 43390 – “OUTRAS ATIVIDADES DE ACABAMENTO DE EDIFICIOS” e CAE 47523 – “COM, RET. MAT. BRICOLAGE, EQUIP. SANIT. LADR. MAT. SIM, EST. ESP”, indicando no campo 401 - €3.119,00 e no campo 443 - €17.480,00;
    2. Perante a inexatidão, notificou o sujeito passivo através do Ofício n.º GIC –..., da Direção de Serviços de IRS para corrigir a declaração apresentada, porém, o Requerente e não o fez, informando através do portal das finanças que:

“[c]om a entrada em vigor da Lei nº 83-C/2013, de 31-12, estatui o artigo 31º do CIRS o seguinte: nº 2 b) 0,75 actividades profissionais lista artº 151º, nº 2 e) -0,10 rendimentos da categoria B não previstos na Lista do artº 151 IRS. Não restam dúvidas quanto à aplicação do coeficiente 0,10 em 2014, às actividades relacionadas com construção civil, tendo sido a posição do legislador clarificada e reforçada em 2015”;

  1. Apesar de notificado para o efeito, o Requerente manteve-se silente;
  2. O artigo 31.º, n.º 2 do Código do IRS foi alterado pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2014), passando a prever novos coeficientes para determinação do rendimento tributável quando a determinação dos rendimentos empresariais e profissionais (categoria B) assente no regime simplificado de tributação;
  3. Do artigo 31.º, n.º 2, alínea b) encontram-se abrangidos os rendimentos obtidos no exercício, por conta própria, de qualquer atividade de prestação de serviços que se enquadrem na alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º do Código do IRS, independentemente da atividade estar classificada de acordo com a CAE nos termos do artigo 151.º do referido Código;
  4. Diferente interpretação resulta do artigo 101.º, n.º 2, alínea b) do Código do IRS que remete, expressamente, para as atividades “especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º”;
  5. No entanto, com a Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro, é alterado o artigo 31.º, n.º 1, alínea b) do Código do IRS no sentido de prever o termo “especificamente”;
  6. Apesar de esta Lei ter harmonizado os textos, a alteração em apreço não tem caráter interpretativo, vigorando a partir de 01/01/2015;
  7. Até 31/12/2014, o coeficiente de 0,75 era aplicável aos rendimentos auferidos, por conta própria, de qualquer atividade de prestação de serviços, que se enquadre no artigo 3.º, n.º 1, alínea b) do Código do IRS, quer a atividade esteja classificada segundo o CAE, quer de acordo com os códigos mencionados na tabela de atividades aprovada pela Portaria n.º 1011/2001, de 21/08/2001, e quer esteja ou não específica ou não especificamente prevista, dado que o preceito não remete para as atividades identificadas de forma específica na tabela de atividades;
  8. Desta feita, é com a publicação da Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro, que o artigo 31.º do Código do IRS passou a ter a redação atual, ou seja, uma alteração posterior à data dos factos no caso sub judice;
  9. Aquando do preenchimento da modelo 3 de IRS, os Requerentes inseriram os dados no campo 4 A, campo 443 – rendimentos brutos decorrentes do exercício de atividades profissionais, comerciais e industriais, contudo, este campo corresponde aos rendimentos da categoria B não incluídos nos campos anteriores, nomeadamente as prestações de serviços que por aplicação do artigo 4.º do CIRS sejam enquadráveis no artigo 3.º, n.º 1, alínea a) e desde que não se encontrem previstos nas alíneas a) a d) e artigo 31.º, n.º 2, primeira parte da alínea e);
  10. A situação dos Requerentes não corresponde aos rendimentos da categoria B não incluídos nos campos anteriores, mas antes a uma prestação de serviços à data dos factos;
  11. Os Requerentes deveriam ter preenchido o campo 440 – “Rendimentos de actividades profissionais previstas na Tabela do art.151.º do CIRS e/ou na CAE” que visa os rendimentos obtidos no exercício por conta própria de qualquer atividade de prestação de serviços que seja enquadrável no artigo 3.º, n.º 1, alínea b) do CIRS ou de acordo com os códigos mencionados na tabela de atividades aprovada pela Portaria n.º 1011/2001, de 21 de agosto;
  12. Os modelos encontram-se acompanhados por instruções de preenchimento que esclarecem o tipo de rendimento a enquadrar em cada um dos campos do anexo B, sendo que relativamente ao campo 440 esclarece-se que “[d]estina-se à indicação dos rendimentos auferidos no exercício, por conta própria, de qualquer actividade de prestação de serviços que tenha enquadramento na alínea b) do nº1 do artº. 3º do CIRS, independentemente da actividade exercida estar classificada de acordo com a Classificação Portuguesa de Actividades Económicas (CAE), do Instituto Nacional de Estatística, ou de acordo com os códigos mencionados na tabela de actividades aprovada pela Portaria nº 1011/2011, de 21 Agosto, incluindo a actividade com o código “1519-Outros prestadores de serviço”.”
  13. Que cumpriu os normativos legais relativos à tributação assente no regime simplificado e que o seu comportamento não discrimina os empresários em nome individual em face das sociedades, uma vez que a AT se limita a cumprir o princípio da legalidade e não tendo o Requerente constituído uma sociedade comercial não lhe podem ser aplicadas as normas do Código do IRC até porque para que isso ocorresse seria necessário que o Requerente tivesse contabilidade organizada, além de que o âmbito de aplicação do IRS e do IRC são distintos;
  14. Para que a atividade do Requerente pudesse ser considerada serviço de construção civil seria necessário que tivesse alvará emitido pelo Instituto dos Mercados Públicos do Imobiliário e da Construção ao abrigo do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 158/2012, de 23 de julho, pelo que não tendo fica-lhe vedada a aplicação do coeficiente de 0,10;
  15. Por último, a AT invoca uma decisão arbitral que se pronuncia pela improcedência do pedido apresentado (processo n.º 183/2016-T).
  1. Matéria de Facto

A.1. Factos dados como provados

  1. O Requerente é um sujeito passivo de IRS registado para efeitos do exercício das atividades, por conta própria, do CAE principal 43390 – Outras actividades de acabamento de edifícios, e CAE secundário 47523 – Com. Ret. Mat. Bricolage, Equip. Sanit. Ladr. Mat. Sim, Est. Esp..  
  2. O Requerente é sujeito passivo enquadrado no regime simplificado de tributação de IRS.
  3. No ano de 2014, o Requerente preencheu o Anexo B da declaração modelo 3 de IRS – “Rendimentos da Categoria B”, tendo preenchido o campo 1 relativo ao “Regime Simplificado de Tributação” e no quadro 3 A do Anexo – “Identificação do(s) Sujeito(s) Passivo(s)”, no campo 11 – “Código CAE (Rendimentos Profissionais, Comerciais e Industriais”, o Requerente introduziu o CAE 43390 e o campo 10 – “Código da Tabela de Atividades Art. 151º do CIRS” não preencheu.

A.2. Factos dados como não provados

  1. Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

  1. Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (Cfr. artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (doravante, “CPPT”) e artigo 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (doravante, “CPC”), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT).
  2. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões de Direito.

 

  1. Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7 do CPPT, a prova documental e o Processo Administrativo juntos aos autos consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
  1. Thema Decidendum
  1. A questão que se pretende dirimir no presente litígio prende-se, no limite, em saber se o coeficiente aplicável ao Requerente para efeitos de regime simplificado (IRS) é de 0,75 ou 0,10.
  2. Importa, em todo o caso, para que se possa determinar o coeficiente aplicável, tomar posição quanto a duas questões:
    1. Saber se as atividades previstas na verba 1519 – Outros prestadores de serviços devem ser reconduzidas, para efeitos de determinação do coeficiente previsto no artigo 31.º do Código do IRS (na redação em vigor à data dos factos), a “rendimentos das atividades profissionais constantes da tabela a que se refere o artigo 151.º”, a que corresponde um coeficiente de 0,75, nos termos do artigo 31.º, n.º 2, alínea b) ou a “Restantes rendimentos da categoria B não previstos nas alíneas anteriores” a que corresponde um coeficiente de 0,10, nos termos do artigo 31.º, n.º 2, alínea e), ambos do Código do IRS; e
    2. Se a atividade desenvolvida pelo Requerente deve ser reconduzida a uma “atividade de prestação de serviços”, enquadrável no artigo 3.º, n.º 1, alínea b) do Código do IRS ou a uma “atividade comercial” enquadrável no artigo 3.º, n.º 1, alínea a) do mesmo Código.
  3. Sem prejuízo de, do ponto de vista lógico, a resposta à segunda questão ser prévia, já que a qualificação enquanto atividade comercial torna desnecessária a análise do concreto enquadramento em sede de prestação de serviços, uma vez que o foco das Partes no PPA foi, essencialmente (embora não exclusivamente), na primeira questão, começaremos a nossa análise pela questão primeiramente elencada.
  1. Da Fundamentação
  1. Da evolução legislativa e da lei aplicável
  1. Na sua versão original, o Código do IRS, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, previa no artigo 3.º (Categoria B) o trabalho independente; no artigo 4.º (Categoria C) os rendimentos comerciais e industriais; e no artigo 5.º (Categoria D) os rendimentos agrícolas.
  2. As referidas categorias foram, contudo, fundidas, através da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de dezembro.
  3. José Guilherme Xavier de Basto refere, a este respeito, que “[o] tratamento diferenciado das profissões livres relativamente às actividades empresariais era de algum modo uma tradição da fiscalidade portuguesa. Já na reforma dos anos 60, e mesmo antes, os rendimentos respectivos eram tributados por dois impostos diferentes: o «Imposto Profissional» e a «Contribuição Industrial». E aquando da criação, no final da década de oitenta, do imposto único sobre o rendimento das pessoas singulares – o IRS – os rendimentos dos profissionais livres e os dos empresários em nome individual constituíram duas categorias de rendimentos diferentes: a categoria B, para os rendimentos do trabalho independente e a categoria C para os rendimentos comerciais e industriais.”, acrescentando que  “[a] fusão determinou assim que, pela primeira vez na história fiscal portuguesa, as actividades profissionais independentes (médicos, advogados, engenheiros, consultores…) passassem a ser consideradas no mesmo plano das actividades comerciais e industriais exercidas por pessoas singulares.” (José Guilherme Xavier de Basto, IRS - Incidência real e determinação dos rendimentos líquidos, Coimbra: Coimbra Editora, 2007, pp. 153 e 154).
  4. As formas de determinação do rendimento líquido da atual Categoria B são: a aplicação do regime simplificado, nos termos do artigo 31.º do Código do IRS, ou contabilidade conforme disposto no artigo 32.º do referido Código.
  5. Até ao exercício fiscal de 2014, o artigo 31.º, n.º 1 do Código do IRS previa que “[a] determinação do rendimento tributável resulta da aplicação de indicadores objectivos de base técnico-científica para os diferentes sectores da actividade económica.”, acrescentando o número 2 do mesmo artigo que “[a]té a aprovação dos indicadores mencionados no número anterior, ou na sua ausência, o rendimento tributável é obtido adicionando aos rendimentos decorrentes de prestações de serviços efetuados pelo sócio a uma sociedade abrangida pelo regime de transparência fiscal, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 6.º do Código do IRC, o montante resultante da aplicação do coeficiente de 0,20 ao valor das vendas de mercadorias e de produtos e do coeficiente de 0,75 aos restantes rendimentos provenientes desta categoria, excluindo a variação de produção”.
  6. A norma foi, contudo, alterada no exercício de 2014, passando a ter a seguinte redação (em virtude da entrada em vigor da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro - Lei do Orçamento do Estado para 2014):

“2 - Até à aprovação dos indicadores mencionados no número anterior, ou na sua falta, o rendimento tributável é obtido adicionando aos rendimentos decorrentes de prestações de serviços efetuados pelo sócio a uma sociedade abrangida pelo regime de transparência fiscal, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 6.º do Código do IRC, o montante resultante da aplicação dos seguintes coeficientes:

(…)

b) 0,75 dos rendimentos das atividades profissionais constantes da tabela a que se refere o artigo 151.º;

(…)

e) 0,10 dos subsídios destinados à exploração e restantes rendimentos da categoria B não previstos nas alíneas anteriores.” (negritos e sublinhados nossos).

  1. Tendo em consideração que se discute o exercício de 2014 a norma relevante para a presente análise será a transcrita no ponto anterior.
  2. A partir de 2015, a redação da norma passou a ter uma redação diferente:

“2- No âmbito do regime simplificado, a determinação do rendimento tributável obtém-se através da aplicação dos seguintes coeficientes:

b) 0,75 aos rendimentos das atividades profissionais especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º;

“e) 0,10 dos subsídios destinados à exploração e restantes rendimentos da categoria B não previstos nas alíneas anteriores.” (negritos e sublinhados nossos).

  1. Da interpretação do artigo 31.º do Código do IRS

 

  1. Considera este Tribunal, que o coeficiente de 0,75 previsto no artigo 31.º, n.º 2 alínea b) do Código do IRS, na redação em vigor à data dos factos, se aplica a todas as prestações de serviços, incluindo as não identificadas nominalmente na tabela, a que se aplicam o artigo 151.º do referido Código a que são aplicáveis a verba 1519 – Outros prestadores de serviços.
  2. Reconhecendo-se que, na situação concreta, o ordenamento jurídico-tributário é passível de mais do que uma leitura, as posições defendidas por ambas as partes refletem, com efeito, os resultados interpretativos mais prováveis.
  3. A este respeito salienta-se que existem clivagens interpretativas, inclusivamente neste Centro de Arbitragem, como é bem patente, por exemplo, pela decisão a favor da aplicação de um coeficiente de 0,75 no caso 183/2016-T e a favor da aplicação de um coeficiente de 0,10 no caso 107/2016-T.
  4. Em todo o caso, a aplicação do coeficiente de 0,75 a todas as prestações de serviços, sem prejuízo de a técnica legislativa não parecer ideal, parece resultar de:
    1. O legislador não fazer qualquer distinção entre tipos de prestações de serviços nominalmente previstas na lista e as prestações a que são aplicáveis a verba 1519;
    2. O Código do IRS, quando pretende fazer corresponder um regime diferenciado a prestações nominalmente previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º, o fazer com clareza (mesmo antes da alteração que entrou em vigor em 2015);
    3. Não se conseguir antecipar diferenças substanciais do ponto de vista da obtenção do rendimento entre as atividades listadas e as restantes;
    4. O legislador não atualizar com frequência a tabela criando, dessa forma - a aplicação de coeficientes diferentes - problemas de igualdade justificados apenas pela criatividade na qualificação do serviço ou modernidade do mesmo. Este elemento justifica, pelo menos, maior clareza do ponto de vista legislativo.
  5. Com efeito, se o legislador se quisesse referir, no artigo 31.º, n.º 2, alínea b) do Código do IRS, apenas às prestações de serviços nominalmente previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º poderia tê-lo feito.
  6. Na verdade, resulta(va) do artigo 101.º, n.º 1 do Código do IRS que: “1 - As entidades que disponham ou devam dispor de contabilidade organizada são obrigadas a reter o imposto, mediante a aplicação, aos rendimentos ilíquidos de que sejam devedoras e sem prejuízo do disposto nos números seguintes, das seguintes taxas:

a) 16,5 %, tratando-se de rendimentos da categoria B referidos na alínea c) do n.º 1 do artigo 3.º, de rendimentos da categoria E ou de incrementos patrimoniais previstos nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 9.º;

b) 25 %, tratando-se de rendimentos decorrentes das atividades profissionais especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º;” (negritos e sublinhados nossos).

  1. Desta feita, a fórmula utilizada para diferenciar prestações serviços nominalmente previstas na tabela e não previstas na tabela é conhecida do legislador e constava à data dos factos do Código do IRS.
  2. Refere Manuel Faustino que “[c]onsiderando que a referida lista tem um item residual, o consagrado no seu n.º 15 – «Outras prestações de serviços», na verdade este item não se refere a actividades profissionais específicas, mas a «outros prestadores de serviços». Pessoalmente, preferíamos que o legislador tivesse utilizado a expressão «nominalmente», mas não nos custa a aceitar a interpretação antes aflorada.” (Manuel Faustino, O dever de retenção na fonte – e outros deveres autónomos de cooperação em IRS, Lisboa: Áreas Editora, 2003, p. 101).
  3. Foi essa, aliás, a formulação legal que o legislador adotou para o exercício de 2015 e seguintes.  
  4. Assim, o intérprete deve presumir que o legislador soube espelhar na lei o seu pensamento (cfr. o disposto no artigo 9.º, n.º 3 do Código Civil aplicável ex vi artigo 11.º da Lei Geral Tributária).
  5. Onde a lei não distingue, não cabe, assim, ao intérprete distinguir, sobretudo tendo em consideração o contexto acima descrito.
  6. Por outro lado, como sustenta Rui Duarte Morais - ainda que relativamente às retenções na fonte - “muitas outras formas de trabalho independente, traduzidas no exercício de atividades não constantes de tal lista, originam, também, rendimentos profissionais. O facto de uma atividade estar ou não expressamente prevista na referida lista gera uma diferente obrigação de retenção na fonte. Tal origina uma injustiça relativa, resultado de um elemento meramente formal, a inclusão ou não de determinada profissão numa listagem.” (Rui Duarte Morais, Sobre o IRS, Coimbra: Almedina, 3.ª ed., 2016, p. 76) (negritos e sublinhados).
  7. Desta feita, existiam já antes da entrada em vigor da redação de 2014, vozes a pronunciar-se pela injustiça de ter dois regimes diferenciados consoante a recondução de uma atividade à tabela fosse nominal ou meramente residual.
  8. Este contexto faz com que não seja possível descartar, sem mais, a aplicação do coeficiente de 0,75 a todas as prestações de serviços, ancorando-se a interpretação, maioritariamente, na falta de clareza e/ou de coerência sistemática por parte do legislador. Com efeito, existiam razões para que o tratamento não fosse, efetivamente, diferenciado.
  9. Sempre se dirá, ainda, que não é possível fazer uma transposição perfeita entre os coeficientes previstos para efeitos de IRS e de IRC, desde logo por não existir neste caso uma alínea residual aplicável a outros rendimentos empresariais e profissionais.
  1. Da fronteira entre prestação de serviços e atividade comercial
  1. Sem prejuízo do referido acima, considera este Tribunal que a atividade desenvolvida pelo Requerente deve ser reconduzida a uma atividade comercial, para os efeitos do artigo 3.º, n.º 1, alínea a) e 4.º, n.º 1, alínea f) do Código do IRS, à qual, à data dos factos, seria aplicável um coeficiente de 0,10.
  2. Repare-se que os Requerentes solicitam que a liquidação seja “substituída por outra que contemple a aplicação do coeficiente de 0,10 aos rendimentos da categoria B obtidos em 2014 pelo Requerente marido”, pedindo, a final, que a liquidação de IRS em discussão seja anulada.
  3. Ora, conforme resulta do referido acima, o coeficiente de 0,10 será igualmente aplicável a atividades comerciais, pelo que importa analisar igualmente se a atividade desenvolvida pelo Requerente pode ser reconduzida a uma atividade comercial.
  4. Com efeito, não obstante ter ocorrido a referida fusão das categorias B, C e D, tornando mais simples a tarefa de qualificação e enquadramento do rendimento, manteve-se a necessidade de distinguir a fonte dos diversos tipos de rendimento da categoria B, nomeadamente para efeitos de determinação da taxa de retenção na fonte e, como no caso concreto, de determinação do coeficiente aplicável em sede de regime simplificado.
  5. Desta feita, o pendor ainda algo cedular (semi-cedular) do IRS continuou a fazer sentir alguns dos seus efeitos mesmo após a fusão das referidas categorias. 
  6. Em todo o caso, o Código do IRS não define conceptualmente prestação de serviços ou atividades comerciais, antes recorrendo a listas (previstas no artigo 4.º e na Portaria n.º 1011/2001, de 21 de agosto).
  7. Ambas as listas são exemplificativas e nenhuma assume caráter residual face à outra.
  8. Assim, na dúvida, a recondução a uma atividade ou outra - tarefa que, como já referimos, tem grande importância, nomeadamente para efeitos de determinação do coeficiente aplicável em sede de regime simplificado e de retenção na fonte – assume particulares complexidades.
  9. Neste sentido, a AT refere que “[a]nteriomente existia uma Lista Anexa ao Código, que era taxativa e, conjuntamente com as prestações de serviços, que não integrassem a categoria C ou D, configuravam os rendimentos a tributar como rendimentos profissionais. Actualmente aquela Lista foi substituída pela Portaria 1011/2001, de 21 de Agosto, referida no artigo 151.º do CIRS e a natureza dos rendimentos abrangidos foi amplamente alargada passando a Categoria B a incluir as prestações de serviços:
  • Decorrentes do exercício de qualquer actividade de natureza artística, científica ou técnica, esteja ou não incluída na Portaria referida,
  • Auferidos por conta própria no exercício de qualquer actividade de prestação de serviços;
  • Qualquer prestação de serviços ainda que conexa com uma actividade comercial, industrial ou agrícola, que terá um Código de Actividade Económica (CAE).” (Ministério das Finanças e Administração Pública, Direcção Geral dos Impostos, Centro de Formação, IRS – Manual do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, 2007, pp. 42 e 43).
  1.  Neste contexto, André Salgado Matos afirma que “[t]al como o conceito de trabalho dependente para efeitos da categoria A toma por base o contrato individual de trabalho, o conceito de trabalho independente baseia-se essencialmente no de prestação de serviços (arts. 1154.º-1156.º CC). Mas tal como acontecia com a categoria anterior, a sobreposição não é completa, havendo lugar a algumas ampliações e restrições.” (André Salgado Matos, Código do Imposto do Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) Anotado, Coimbra: Instituto Superior de Gestão, 1999, p. 96).
  2. Nos termos do artigo 1154.º do Código Civil “[c]ontrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.”.
  3. José Guilherme Xavier de Basto refere, igualmente, que “[a] fronteira com os rendimentos profissionais acaba por ser resolvida com base no critério do predomínio da actividade intelectual, que caracteriza os rendimentos profissionais.” (José Guilherme Xavier de Basto, IRS - Incidência real e determinação dos rendimentos líquidos, Coimbra: Coimbra Editora, 2007, p. 155).
  4. Saliente-se que, para efeitos do artigo 151.º do Código do IRS, “[a]s atividades exercidas pelos sujeitos passivos do IRS são classificadas, para efeitos deste imposto, de acordo com a Classificação das Actividades Económicas Portuguesas por Ramos de Actividade (CAE), do Instituto Nacional de Estatística, ou de acordo com os códigos mencionados em tabela de actividades aprovada por portaria do Ministro das Finanças.”.
  5. No que respeita ao conceito de atividade comercial para efeitos de IRS, sublinha André Salgado Matos que “[o] CIRS parece, nestes termos, ter-se afastado claramente de uma noção puramente jurídica de comércio e indústria. Assim o inculca o desaparecimento da referência à natureza comercial ou industrial, mas também outros pormenores. Por um lado, no actual direito português, as actividades industriais são consideradas como comerciais (art. 230.º, 1 CCom); se o critério eleito fosse jurídico, não faria sentido separar os dois conceitos. Por outro, na enumeração exemplificativa de actividades consideradas comerciais ou industriais incluem-se algumas que, de acordo com a lei comercial e com a doutrina, não são consideradas comerciais nem industriais, ou são-no em apenas algumas circunstâncias; é, pelo menos, o caso da pesca [n.º 1, a)], das explorações mineiras e indústrias extractivas em geral [n.º 1, b)] e do artesanato [n.º 1, h)] (cfr. art. 230.º CCom; D 20667, 28/12/1931), havendo algumas dúvidas doutrinais em relação a algumas outras.” (André Salgado Matos, Código do Imposto do Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) Anotado, Coimbra: Instituto Superior de Gestão, 1999, p. 107).
  6. Assim, o conceito de atividade comercial utilizado pelo Código do IRS parte do direito comercial, mas não é exatamente sobreponível.
  7. Em todo o caso, sustenta André Salgado Matos que “(…) o legislador, embora não se querendo comprometer com noções puramente jurídicas de comércio e indústria, não dispensou estas por completo. De certo modo, pressupô-las, sendo então que qualquer actividade que seja comercial ou industrial (…) para o Direito Comercial é também, em princípio, comercial ou industrial para efeitos de IRS (…).” (André Salgado Matos, Código do Imposto do Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) Anotado, Coimbra: Instituto Superior de Gestão, 1999, p. 108).
  8. Sem prejuízo de a AT vir defendendo (desde a Circular 5/2001) que o enquadramento na alínea relativa a Construção Civil implica a existência de um certificado / alvará, tem este Tribunal muita dificuldade em aceitar que a qualificação dependa de um elemento meramente formal. Tanto mais que, no limite, nos termos do artigo 1.º do Código do IRS e 10.º da Lei Geral Tributária são até tributados rendimentos provenientes de atos ilícitos que sejam subsumíveis “num quadro legal” (Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, 4.ª edição, 2012, pp. 118-119).
  9. Ou seja, para efeitos regulatórios, a qualificação do rendimento deverá ser prévia (ou até desligada da) conformidade com todas as exigências regulatórias.
  10. Ainda, salienta-se a título meramente exemplificativo que a atividade do Requerente poderia ser reconduzida à lista de atividades de construção civil prevista no Anexo XI do Código dos Contratos Públicos aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro, ou a um CAE do Capítulo da Construção e do Grupo das atividades especializadas de construção (que, aliás, não contempla uma verba específica para construção civil antes descrevendo, no Capítulo da Construção várias atividades de promoção imobiliária, construção de edifícios, engenharia civil, e atividades especializadas de construção).
  11. Mas este elemento, a recondução a uma noção de construção civil proveniente de outro ramo do direito, no caso concreto, não será decisiva.
  12. Na verdade, será de reiterar que o conceito fiscal pode não acompanhar inteiramente o conceito comercial ou outros previstos noutras disposições legais (relativamente às quais podem presidir motivos regulatórios, de proteção da ordem pública, defesa do consumidor, ou outros).
  13. Assim, a extensão do conceito será diferente para efeitos de IRS já que as preocupações que subjazem à diferenciação de atividades comerciais e de prestações de serviços são diferentes das que presidem à delimitação do conceito noutros ramos do direito.
  14. As preocupações prendem-se, essencialmente, com a forma de obtenção do rendimento e com a metodologia a seguir para a determinação do rendimento líquido, por respeito ao princípio da capacidade contributiva.
  15. Como refere Manuel Faustino que “[p]or muito que se afirme o contrário, a categoria B pode ser a única categoria, mas não é uma categoria única. E não é, apenas no plano formal, mas também no plano substancial.” (Manuel Faustino, IRS de Reforma em Reforma, Lisboa: Áreas Editora, 2003, p. 580).     
  16. No mesmo sentido, defende André Salgado Matos, a título de exemplo, que “[o] transporte já é considerado uma actividade comercial pelo art. 366.º CCom, mas em termos algo restritivos, especialmente na medida em que se impõe que esta actividade seja desenvolvida na forma que a lei da sua criação prescreve ou, na sua falta, sob a forma de sociedade comercial. A DGCI tem interpretado esta disposição extensivamente: assim, considerou já estarem abrangidos pela al. c) os rendimentos auferidos na actividade de transporte de documentos bancários (DDGI 27/2/89). Do mesmo modo estarão abrangidos os rendimentos auferidos no transporte de mercadorias, destinadas ou não a actividades comerciais, de outros bens (por exemplo, transporte de mudanças), valores e pessoas (por exemplo, a actividade desenvolvida pelos taxistas).” (André Salgado Matos, Código do Imposto do Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) Anotado, Coimbra: Instituto Superior de Gestão, 1999, pp. 110 e 111).
  17. Assim, preside à segmentação – dentro da Categoria B – entre rendimentos comerciais, industriais, agrícolas, silvícolas ou pecuários e as atividades de prestação de serviços, pelo menos em parte, a mesma preocupação que existe na parte analítica do IRS: a necessidade de impor formas de determinação do rendimento líquido diferentes para cada categoria, já que a forma (nomeadamente os custos) de obtenção do rendimento são diferenciados, consoante o tipo de atividade que é desenvolvida.
  18.  Ora a este respeito, entende este Tribunal que, na falta de um verdadeiro conceito de prestação de serviços ou de atividade comercial, tratando-se de conceitos cuja extensão nos respetivos ramos do direito de origem não são exatamente transponíveis para o direito fiscal, o recurso a listas abertas de atividades implica – assim o exige o princípio da segurança jurídica – que as atividades descritas na tabela sejam entendidas de forma lata.
  19. Existindo dúvidas entre qualificar uma determinada atividade como comercial ou prestação de serviços – e existem, manifestamente, zonas cinzentas – o primeiro critério deve ser o enquadramento pensado pelo legislador, ou seja, reconduzir à qualificação existente nas listas (do artigo 4.º ou da tabela a que se refere o artigo 151.º) ainda que essa qualificação exija uma leitura ampla das atividades descritas.
  20. Ora, a atividade de construção civil encontra-se especificamente prevista no artigo 4.º, n.º 1, alínea f) do Código do IRS.
  21. Por outro lado, esta leitura lata será ainda uma exigência do princípio da igualdade e da capacidade contributiva, que exigirá um tratamento semelhante para atividades em que a obtenção do rendimento obedeça a parâmetros semelhantes, como sucede no caso concreto entre a atividade desenvolvida pelo Requerente e uma atividade de construção – de raiz – de um imóvel sem dúvida reconduzível a construção civil para efeitos do Código do IRS.
  22. Salienta-se, ainda que a aplicação de um coeficiente, de ordem geral, não implica, uma verificação, caso a caso, dos gastos efetivamente existentes. A análise a efetuar será de natureza mais geral.
  23. Nas atividades comerciais, para nos cingirmos à situação em apreço no caso concreto, o substrato tendencialmente mais empresarial e menos pessoal tende a impor mais custos à obtenção do rendimento, o que justifica um tratamento diferenciado dentro da própria Categoria B. Dizemos tendencial porquanto, naturalmente, mesmo as prestações de serviços têm estruturas marcadamente mais empresariais conduzindo a maiores dificuldades na qualificação.
  24. Em todo o caso, na situação em análise, a atividade desenvolvida pelo Requerente (acabamentos em edifícios e revestimento de pavimentos) enquadrando-se, no entendimento deste Tribunal, num conceito comum de construção civil merecerá igualmente enquadramento na categoria de construção civil prevista no Código do IRS já que do ponto de vista da obtenção do rendimento, a forma de obtenção de rendimento, no caso do Requerente não será muito diferente de outras obras de construção civil (com um teor mais abrangente) designadamente tendo em vista os custos com materiais necessários ao desenvolvimento da atividade.
  25. Uma última nota para referir que não se considera, igualmente, que a atividade em causa se possa reconduzir a uma atividade conexa com a construção civil nos termos do artigo 3.º, n.º 1, alínea b) do Código do IRS, já que a atividade do Requerente não é prestada em complemento, no contexto ou em conexão com a atividade de construção civil, tratando-se de uma atividade de construção civil em si mesma.
  1. Da Decisão

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral formulado e, em consequência: 

  1. Anular o ato de liquidação de Imposto sobre o IRS n.º 2016..., relativo ao exercício fiscal de 2014, do qual resulta um montante de €2.112,27;
  2. Anular o despacho de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2016...;
  3. Condenar a Requerida nas custas do processo.

D. Valor do Processo

Fixa-se o valor do processo em €2.112,27, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €612,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 20 de abril de 2018

 

O Árbitro

 

(Leonardo Marques dos Santos)