Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 463/2017-T
Data da decisão: 2018-03-27  IRS  
Valor do pedido: € 9.580,61
Tema: IRS – Incapacidade - documento superveniente.
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DECISÃO ARBITRAL

 

1. RELATÓRIO

 

  1. No dia 3 de Agosto de 2017, A…, falecido e representado pelo seu filho e cabeça de casal B…, Contribuinte n.º…, doravante abreviadamente designado por Requerente, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), no qual solicitou a declaração de ilegalidade dos actos tributários de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) nº 2012…, do ano de 2011, com imposto a pagar na importância de € 493,40; nº 2013…, do ano de 2012, com imposto a reembolsar de € 729,97 e nº 2014…, do ano de 2013, com imposto a reembolsar de € 1.349,12, pedindo a anulação da liquidação referente ao ano de 2011 e os reembolsos do imposto a mais liquidado e pagos reportados aos anos de 2013 e 2014. 

 

 

  1. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou a signatária como árbitro, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  1. Em 17-10-2017, as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 09-11-2017.

 

  1. No dia 19-12-2017, a Autoridade Tributária, doravante designada de Requerida ou AT, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação e requereu da dispensa da realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT

 

  1. Por despacho de 08-01-2018 o Tribunal dispensou a realização da reunião mencionada no número precedente, e notificou as partes para apresentarem alegações escritas, querendo, com carácter sucessivo.

 

  1. Apenas a AT apresentou alegações mantendo a posição vertida na resposta.

 

 

2. Objecto dos autos

2.1 Posição da Requerente

 

O Requerente alega, em síntese, o seguinte:

 

  1. O Requerente era portador de uma incapacidade permanente global de 80%, desde o ano de 2011, conforme resulta do “Atestado Médico de Incapacidade” emitido em 02-09-2015;
  2. Como as liquidações de IRS de 2011, 2012 e 2013 não consideraram a incapacidade permanente, implicaram o pagamento de imposto superior ao devido no ano de 2011, e o reembolso inferior ao devido nos anos de 2012 e 2013, o que configura uma situação de injustiça grave e notória;
  3. Com efeito, sendo o Requerente portador de uma deficiência de 80% desde o ano de 2011, estavam reunidos os pressupostos para usufruir dos benefícios previstos na lei à data em que entregou tais declarações;
  4. O Requerente apresentou um pedido de revisão nos termos do artigo 78.º da Lei Geral Tributária (LGT), com fundamente em injustiça grave e notória, a qual mereceu despacho de indeferimento porque a AT desconsiderou a menção feita pela autoridade que emitiu o atestado de incapacidade onde fez contar que o Contribuinte era portador da deficiência desde 2011;
  5. Sendo que, a AT tem o dever de proceder à revisão oficiosa dos actos tributários dentro dos limites temporais previstos no artigo 78.º da LGT, nomeadamente, quando os erros da AT tenham conduzido à arrecadação de quantias de tributos que não são devidas face à lei.

 

2.2. Posição da Requerida

 

Em resposta ao pedido do Requerente a AT defende-se por impugnação, sustentando que:

  1. Nos termos do disposto no artigo 13.º. n.º 7 do CIRS a situação pessoal dos sujeitos passivos relevante para efeitos de tributação é aquela que se verificar no último dia do ano a que o imposto respeite, pelo que no tocante aos anos de 2011, 2012 e 2013 a situação pessoal do Requerente era a de uma pessoa sem deficiência;
  2. Para que o atestado médico de incapacidade assuma relevância, necessário se torna que o sujeito passivo demonstre a superveniência do documento, isto é, que alegue e prove que não o pode obter, ou dele dispor, em data anterior àquela que conta como data de emissão do documento;
  3. O Requerente não fez prova da superveniência do atestado médico de incapacidade para os efeitos previstos no artigo 70.º, n.º 4 do CPPT;
  4. Por outro lado, nos termos do artigo 78.º, n.º 4 da LGT um dos requisitos para se poder operar a revisão da matéria tributável é de que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte, não constando dos autos elementos que permitam concluir que o Requerente tudo fez para obter o atestado médico em data anterior àquela em que o obteve;
  5. A revisão com fundamento em injustiça grave ou notória, prevista no nº 4, deverá ser deduzida nos 3 anos posteriores ao do acto tributário, por se tratar de um mecanismo de aplicação excepcional e requer, para além da verificação daquela injustiça, que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte;
  6. Não basta invocar injustiça grave ou notória, o contribuinte tem de provar não só a gravidade e notariedade da injustiça, como também tem de provar que o erro não é imputável a um comportamento negligente seu.

 

3. Saneamento

 

O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

O processo não enferma de nulidades.

 

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

4. Decisão

4.1 Matéria de Facto

4.1.a. Factos dados como provados

 

Com relevância para a decisão de mérito, o Tribunal considera provada a seguinte factualidade:

  1. As Declarações Modelo 3 de IRS dos anos de 2011, 2012 e 2013, foram entregues, respectivamente, em 17.07.2012 (a de substituição), em 14.05.2013 e em 21.05.2014, sem indicação de qualquer grau de incapacidade permanente do contribuinte A… (pags. 15/99 a 40/99 do PA)
  2. Para o ano de 2011, foi emitida a liquidação em 04.06.2012, de que resultou uma colecta de € 14.898,53 e imposto a pagar no montante de € 493,40.(Cf. Doc. n.º 2 junto pelo Requerente).
  3. Para o ano de 2012, foi emitida a liquidação em 15.06.2013, de que resultou uma colecta de € 12.603,98 e reembolso de imposto no montante de € 729,97 (Cf Doc. n.º 3 junto pelo Requerente).
  4. Para o ano de 2013, foi emitida a liquidação em 07.06.2014, de que resultou uma colecta de € 15.471,49 e reembolso de imposto no montante de € 1.349,12. (Cf. Doc. n.º 4 junto pelo Requerente)
  5. Em 02.09.2015 foi emitido ao contribuinte, pela Junta Médica da ARS …, o Atestado Médico de Incapacidade Multiuso, com atribuição de 80% de incapacidade global, permanente e definitiva, instalada desde 2011. (Cf. Doc. n.º 5 junto pelo Requerente)
  6. Em 08.10.2015, foi apresentado no Serviço Fiscal de Lisboa …, o pedido de revisão oficiosa das liquidações de IRS referentes aos anos de 2011, 2012 e 2013, com fundamento em injustiça grave e notória no cálculo de IRS destas declarações, por a incapacidade de 80% ter sido considerada desde 2011.(Cf. Página 3/99 do PA)
  7. O Chefe de Divisão da divisão de Administração da Direcção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (DSIRS), no uso de competências subdelegadas, indeferiu o pedido de revisão com o nº …2015…, em concordância com as Informações nº …/17, de 10.05.2017, e nº …/17, de 10.02.2017, com o fundamento na não verificação de injustiça grave e notória, bem assim como na ausência de prova da superveniência do atestado médico de incapacidade, para os efeitos previstos no nº 4, do art. 70º do CPPT, nem, para efeitos de revisão excepcional do nº 4 do art. 78º da LGT, que o erro não tenha sido imputável a comportamento negligente do contribuinte. (Cf. PA junto com a resposta;
  8. O despacho que, nos termos da Informação nº …/17, de 10.05.2017, convolou em definitivo o projecto de indeferimento do pedido de revisão com os fundamentos constantes da Informação nº …/17, assenta essencialmente no seguinte entendimento:

Ora, dispõe o art. 13º, nº7, do CIRS que “A situação pessoal e familiar dos sujeitos passivos relevante para efeitos de tributação é aquela que se verificar no último dia do ano a que o imposto respeite”.

13-Significa isso que, no que toca aos anos de 2011, 2012 e 2013, a situação pessoal do requerente que se verificava no dia 31 de Dezembro de cada um desses anos, era a de pessoa sem deficiência, por não existir nenhum elemento, à data, que demonstrasse o contrário.

15. Todavia, para que o efeito retroactivo do atestado de incapacidade assuma relevância tributária, necessário se torna que o sujeito passivo demonstre a chamada superveniência do documento, isto é, que alegue e prove que não o pôde obter, ou dele dispor, em data anterior aquela que consta como data de emissão do documento, apesar de ter feito esforços e diligenciado nesse sentido.

16. É o entendimento que tem sido seguido pelos serviços, e que resulta da conjugação dos seguintes normativos:

a) doutrina administrativa plasmada na Circular nº 15, de 14/09/1992, da direcção de Serviços de IRS, nomeadamente, nos seus nºs 2 “Os documentos comprovativos da deficiência fiscalmente relevante só produzem efeitos a partir da data da sua emissão, sendo no entanto considerada, para efeitos de liquidação, a situação pessoal do sujeito passivo em 31 de Dezembro de cada ano, sem prejuízo do disposto no número seguinte.” e 3, “Se os documentos comprovativos da deficiência fiscalmente relevante referirem que aquela expressamente se reporta a data anterior à respectiva emissão, poderão os mesmos fundamentar a interposição de reclamação graciosa ou de impugnação judicial contra liquidações de IRS respeitantes a anos anteriores, desde que ainda decorra prazo legal para o efeito.”

b)  art. 70º, nº4 do CPPT, “Em caso de documento ou sentença superveniente, bem como de qualquer outro facto que não tivesse sido possível invocar no prazo previsto no nº1, este conta-se a partir da data em que se tornou possível ao reclamante obter o documento ou conhecer do facto.”; e

c) art. 74º, nº1, da LGT, o qual, determina que “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.”

17. Sucede, porém, que das alegações do requerente não se extrai a conclusão da impossibilidade de ter obtido o atestado médico de incapacidade em momento anterior àquele em que o obteve. Em rigor, nada foi alegado nessa matéria, aliás.

18. Por conseguinte, entendemos não ter sido feita prova da superveniência do atestado médico de incapacidade, para os efeitos previstos no art. 70º, nº 4, do CPPT.

19.Sendo essa prova um ónus ou obrigação do sujeito passivo, conforme já referimos.

  1. Relativamente à revisão com fundamento em injustiça grave ou notória prevista no n.º 4 do artigo 78.º da LGT, refere ainda o despacho em apreço:

“20. De volta ao art. 78º, nº4 da LGT e aos requisitos aí previstos para que se opere a revisão excepcional da matéria tributável, verificamos que um deles é o de que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.

21. Ora, tal como ficou exposto, não dispõem os autos de elementos que permitam concluir, sem margem para dúvida, que o requerente fez tudo quanto estava ao seu alcance para obter o referido atestado médico em data anterior àquela em que o obteve.

22. pelo que se torna forçoso concluir, pelas razões supra alegadas, que a não obtenção do mesmo nessa circunstancia de tempo se deve a comportamento negligente seu.(…)

25. É de sublinhar, por fim, que tão-pouco mediante qualquer um dos restantes mecanismos de revisão tributária previstos no art. 78º da LGT seria possível promover pela modificação da liquidação do IRS dos anos em causa do requerente por, designadamente, à data do presente pedido, ter decorrido já o prazo de reclamação graciosa, não se verificar erro ou ilegalidade na liquidação efectuada pelos serviços, nem se tratar de um caso de duplicação de colecta.” (Cf. PA junto aos autos

 

4.1.b. Factos dados como não provados

 

Não se provou que o atestado foi obtido apenas em 02-09-2015 por razões alheias ao Requerente.

 

4.2. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, de resto não contestados pelas partes.

 

5. Questão decidenda

 

A questão em causa nos presente autos de processo arbitral tributário, consiste em determinar se o atestado médico com a menção de incapacidade de 80% reportada ao ano de 2011 constitui ou não documento superveniente para efeitos no artigo 70.º n.º 4 do CPPT, e por outro, se as liquidações de IRS efectuadas correspondem a uma situação de injustiça grave e notória.

 

Para assim se determinar se as liquidações de IRS dos anos de 2011, 2012 e 2013, por não considerarem a incapacidade permanente de 80% desde o ano de 2011, nos termos do atestado médico emitido em 08.10.2015, são ilegais.

 

6. Do Direito

 

6.1. Benefício fiscal

 

Sumária e[1] previamente, impõe-se abordar o regime dos benefícios fiscais porquanto a dedução à colecta em apreço nos presentes autos constitui um benefício fiscal constante do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS).

 

Em matéria de benefícios fiscais vigora o princípio da legalidade, nas suas vertentes formal e material (n.º 2 do artigo 106.º da Constituição da República Portuguesa), o que significa que é a lei que tem de definir os pressupostos da concessão de tais benefícios, sendo irrelevante o entendimento das entidades administrativas nesta matéria.

 

Nos termos do n.º 2 do artigo 2.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) “são benefícios fiscais as isenções, as reduções de taxas, as deduções à matéria colectável e à colecta, as amortizações e reintegrações aceleradas e outras medidas fiscais (…)

 

Os benefícios fiscais concretizados nas deduções à colecta são, pois, desagravamentos estruturais que decorrem do princípio da capacidade contributiva e estão contemplados/regulados no próprio CIRS.

 

Por seu turno o artigo 12.º do EBF dispõe que “O direito aos benefícios fiscais deve reportar-se à data da verificação dos respectivos pressupostos, ainda que esteja dependente do reconhecimento declarativo pela administração fiscal ou de acordo com esta e a pessoa beneficiada, salvo quando a lei dispuser de outro modo.”

 

Na presente situação, o direito ao benefício fiscal do Contribuinte não depende do seu reconhecimento pela AT, ao invés resulta automaticamente da lei, comprovada que esteja pela entidade competente o grau de incapacidade que a lei considera relevante para efeitos fiscais.

 

Nos termos do n.º 5 do artigo 87.º do CIRS, considera-se pessoa com deficiência aquela que apresente um grau de incapacidade permanente devidamente comprovado mediante atestado médico de incapacidade multiuso emitido nos termos da legislação aplicável, igual ou superior a 60%.

 

Donde se conclui que, o direito ao benefício fiscal se efectiva no momento da avaliação médica data a partir da qual passa a poder ser exercido, pois, na verdade, o Contribuinte só pode exercer os seus direitos à data da avaliação e respectiva comunicação.

 

6.2. Superveniência do atestado médico

 

Assente que o benefício fiscal resulta directamente da lei efectivando-se com a avaliação e comunicação ao Contribuinte do seu grau de invalidez, importa aferir da superveniência do atestado médico.

 

É hoje jurisprudencial e doutrinalmente consentâneo que o atestado médico que certifica o resultado da avaliação médica é documento superveniente, por si, sem necessidade de alegação e prova da sua superveniência.

 

Neste sentido o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no âmbito do processo n.º 115/04.6 BEBRG, prolatado pelo Tribunal Central Administrativo Norte em 11-09-2008 o qual decidiu pela superveniência do atestado médico que certifica o resultado da avaliação médica pelas seguintes razões: sendo certo que o direito ao referido benefício fiscal aqui em causa (o previsto no art. 44.º do EBF), se adquire quando se encontra comprovada a factualidade descrita na hipótese legal (citados artigos do CIRS e do EBF), pelo referido atestado médico, passado pela entidade competente, no domínio da lei que se encontrar em vigor e de acordo com esta, comprovativo de um grau de incapacidade relevante para o efeito (isto porque, ainda que o direito ao benefício em causa tenha por fonte ou causa a lei e não o referido acto de avaliação, este integra ainda o processo constitutivo do referido direito -- a fattispecie constitutiva --, pois configura uma pronúncia pericial indispensável e determinante da verificação do facto constitutivo, sem a qual o titular do direito, não fica constituído naquele e não o poderá exercer).

Assim a situação jurídica de deficiente só surge quando se verifica o último elemento - o elemento conclusivo do seu processo de formação - que, no caso, é o já mencionado acto de avaliação, que o atestado médico certificará.

A avaliação não é assim um mero acto instrumental, sem valoração própria mas um acto de perícia, com a particularidade de ser uma perícia necessária, não só pela sua obrigatoriedade no processo, mas também porque não se traduz num simples parecer, do qual a AF possa afastar-se, antes a vinculando e devendo, por isso, com ela conformar-se, esgotados que estejam os meios legais de reacção contra esse acto. Este acto de avaliação em causa goza, com efeito, de uma certa autonomia relativamente ao acto tributário de liquidação, pela distinta natureza dos elementos normativos que visa concretizar, o que não exclui uma relação de prejudicialidade, pelos efeitos modificativos que pode produzir naquele. A actividade posterior exigida ao titular do direito para que ele se torne eficaz é que, claramente, já não se situa no campo da constituição do direito, mas sim no campo do seu exercício.

O direito a este benefício fiscal, não depende do seu reconhecimento pela AF, antes resultando automaticamente da lei, comprovado que esteja, pela entidade competente, o grau de incapacidade que a lei considera relevante para efeitos fiscais, no caso «um grau de invalidez permanente igual ou superior a 60%» (cfr. n.º 3 do citado art. 25º e n.º 6 do citado art. 80º do CIRS e ainda nº 5 do art. 44º do EBF). Isso mesmo é, aliás, reconhecido pela DGCI, na Circular nº 22/90 de 22/6.

Constata-se assim que é no momento da avaliação médica que se efectiva o direito ao benefício e que só a partir daí pode ser exercido.[2]

O atestado médico que certifica o resultado da avaliação médica deve ser considerado pelas razões expostas como documento superveniente (…) sublinhado nosso.

 

Em suma, o reconhecimento da incapacidade do sujeito passivo em atestado médico não é um facto constitutivo do direito do Requerente, mas sim um facto meramente declarativo desse direito ainda que seja condição do exercício do mesmo, uma vez que da obtenção do atestado depende o direito ao pretendido benefício se a justificação da sua obtenção for devidamente demonstrada.[3]

 

Considerando o acima exposto é forçoso concluir que, para efeitos de início da contagem do prazo para o exercício dos seus direitos, a superveniência subjectiva do documento é suficiente.

 

Ou seja, é atendendo à data da avaliação e sua comunicação ao Contribuinte, in casu ocorrida a 02-09-2015, que surge a possibilidade para o exercício do direito ao benefício.

 

Com efeito, o contribuinte apenas pode reagir a partir da data em que foi obtido o certificado de incapacidade, pois que sem a certificação da incapacidade não poderia ser reconhecido nem o direito ao benefício fiscal, nem a possibilidade de impugnar, administrativa ou judicialmente, as liquidações sindicadas.

 

Por isso, não é intempestiva a reclamação ou pedido de revisão apresentado em momento posterior ao prazo inicial, desde que seja feita prova de que o documento só pôde ser obtido em momento posterior, por motivos alheios ao contribuinte.

 

Sucede que, não foi feita qualquer alegação e muito menos prova de que o documento só pôde ser obtido naquela data (02-09-2015).

 

6.3 Ónus da Prova

 

Questão diferente, mas não despicienda para a análise dos presentes autos, prende-se com o ónus probatório que recai sobre o Requerente de fazer prova da ausência de culpa na obtenção tardia do atestado médico ao abrigo das disposições conjugadas do artigo 70.º n.º 4 do CPPT e artigo 74.º n.º 1 da LGT.

 

E neste particular o Requerente afirma no artigo 6.º do seu Requerimento Inicial que as liquidações ocorreram sem contemplação da “incapacidade” por culpa apenas do Requerente.

 

Ora, uma tal assunção de responsabilidade e a ausência da alegação e prova de factos susceptíveis de demonstrar o contrário, não pode deixar de afectar decisivamente a sua posição processual, até porque competia ao Requerente carrear factos e fazer prova da superveniência objectiva do documento para se poder valer do novo prazo.

 

Porquanto, podia o Requerente pedir a revisão oficiosa das liquidações referentes aos anos de 2011, 2012 e 2013, desde que não lhe tivesse sido possível obter o testado médico antes do decurso do prazo.

 

Tem razão a Requerida, quando invoca “para que o efeito retroactivo do atestado de incapacidade assuma relevância tributária, necessário se torna que o sujeito passivo demonstre a chamada superveniência do documento, isto é, que alegue e prove que não o pôde obter, ou dele dispor, em data anterior aquela que consta como data de emissão do documento, apesar de ter feito esforços e diligenciado nesse sentido.

 

6.4 Do dever de rever actos injustos

 

O Requerente deu entrada de um pedido de revisão por incapacidade nos termos do artigo 78.º da LGT, invocando injustiça grave e notória no cálculo do IRS, dado a incapacidade ter sido considerada desde 2011.

 

Nos casos previstos na norma de iniciativa oficiosa de revisão[4], podem os contribuintes provocar a revisão a levar a efeito pela AT, tanto mais que é hoje pacífico o entendimento que a AT tem o dever de concretizar a revisão de actos tributários a favor do contribuinte, quando detectar uma situação de ilegalidade, em relação a todos os tributos, atentos os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade que a AT tem de observar na sua actividade, decorrentes dos artigos 266.º, n.º 2 da CRP e 55.º da LGT.

 

É também este o entendimento da doutrina, segundo a qual “(…) Estes princípios impõem que a AT corrija oficiosamente todos os erros de liquidação que tenham conduzido à arrecadação de tributo em montante superior ao que seria devido face à lei. (…)”

Há assim um reconhecimento, no âmbito do direito tributário, do dever de revogar actos ilegais.

 

Aliás opinião defendida pelos serviços da AT e constante da informação da Direcção de Serviços de Justiça Tributária (DSJT) junta com o PA, em cujo texto se pode ler, (…) “Não há pedidos de revisão oficiosa tempestivos ou intempestivos, há apenas aqueles cujos fundamentos configuram uma situação que sujeita a AT a proceder à revisão solicitada ou não. (…)

 

A AT está, pois, obrigada a eliminar da ordem jurídica todos os actos de liquidação ilegais, como, aliás, decorre da jurisprudência dos nossos tribunais superiores, mas tal dever depende da existência de um acto tributário manifestamente ilegal.

 

A posição do Requerente estriba-se na invocação deste poder dever a que está adstrita a AT, por isso, em sua defesa estando demonstrada a incapacidade permanente desde 2011, o que decorre de um atestado médico emitido em 2015, o Requerente reunia as condições para usufruir dos benefícios fiscais à data em que entregou as declarações e, consequentemente deveria a AT, atendendo às circunstâncias do caso, proceder à correcção dos actos de liquidação.

 

Contudo, pese embora recaia sobre a AT o dever de revogar os actos de liquidação de tributos que sejam ilegais e que tenham conduzido à arrecadação de quantias de tributos que não são devidos face à lei, tudo em cumprimento dos deveres que enformam a sua actividade, não podemos deixar de concordar e secundar o referido por Jesuíno Alcântara Martins,[5] quando refere que essa possibilidade só ocorre desde que o erro não seja imputável ao Contribuinte.

 

E, na verdade, a AT conheceu do pedido de revisão solicitado pelo aqui Requerente, concluindo pela sua improcedência, atenta a manifesta falta de alegação e prova da impossibilidade de obter o atestado de incapacidade em data anterior a 02-09-2015.

 

É ainda entendimento da AT que, para efeitos de revisão excepcional da matéria tributável o erro não pode ser imputável ao Contribuinte, e nada estando demonstrado em sentido contrário conclui que a não obtenção do atestado médico em data anterior se deve a um comportamento negligente seu.

 

Negligência que o Requerente confessou nos presentes autos arbitrais.

 

6.5 Injustiça Grave e Notória

 

Os conceitos de gravidade e notoriedade da injustiça são densificados nos n.ºs 3 e 4 do artigo 78.º da LGT, considerando-se como notória a injustiça ostensiva e inequívoca e como grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional.

 

Este dever de rever actos injustos é um verdadeiro poder dever estribado no dever da AT actuar segundo o princípio da justiça, constitucionalmente consagrado[6], e este dever de actuar em sintonia com o princípio da justiça, impõe que o dever de revisão seja estendido a situações em que há excesso de liquidação e o erro não for imputável aos serviços, sempre que tais liquidações tenham conduzido à arrecadação de tributo em montante superior ao que seria devido face à lei.

 

Mas também neste particular não se afigura suficiente invocar a verificação de uma situação de injustiça grave e notória, uma vez que nos termos do n.º 5 do artigo 78.º da LGT, o erro não pode ser imputável a comportamento negligente do Contribuinte.

 

Ou seja, recai sobre o Contribuinte o dever de provar não só a gravidade e notoriedade da injustiça, mas também que o erro no apuramento do imposto não lhe é imputável (não é consequência de um erro seu).

 

Se por um lado se pode falar em injustiça notória, quando seja liquidado imposto superior ao devido nos termos da lei, cuja gravidade, entendemos dever ser aferida em função dos rendimentos auferidos pelo Contribuinte, o que só por si ainda constituiria fundamento suficiente para a AT proceder à revisão oficiosa, considerado o poder dever de eliminar da ordem jurídica actos de liquidação ilegais ou excessivos.

 

Por outro a negligência do contribuinte, ao concorrer para a formação do erro na liquidação, impede a revisão, erro que o Requerente assume expressamente no artigo 6.º do Requerimento de arbitragem: “Sendo clara e evidente, como efectivamete é, a injustiça grave e notória. A Administração Fiscal, muito embora as liquidações tivessem ocorrido sem contemplação da incapacidade, por culpa apenas o requerente, nem por isso deixou de haver uma injustiça grave e notória (…). (sublinhado nosso)

 

Agir com culpa significa actuar em termos de a conduta do agente merecer reprovação ou censura do direito, estejamos aqui a falar de culpa em sentido amplo, que abrange necessariamente o dolo, ou culpa em sentido estrito ou aquiliana, sinónimo de imprudência, negligência e imperícia; violação de um dever que o agente podia conhecer e observar.

 

6.7 Conclusões:

 

O Requerente não alegou carreou para o processo qualquer facto ou documento que comprove a data da solicitação do atestado, nem existe nos autos arbitrais ou procedimentais qualquer evidencia de que não foi por falta de iniciativa do Requerente nem por qualquer razão alheia à sua vontade e diligência que não lhe foi possível obter o atestado médico em data anterior à da sua emissão, em 02.09.2015.

 

Outrossim, ainda que se entendesse que o pedido de revisão oficiosa era tempestivo, em bom rigor o Requerente, no seu articulado, limitou-se a aduzir a existência de injustiça grave e notória mas não a consubstanciou nem fez o mínimo esforço de demonstração e prova dessa alegação.

 

De qualquer forma, sempre faleceria a verificação do pressuposto legal de que o erro não deriva de comportamento negligente do Requerente, face à assunção expressa de culpa e responsabilidade na liquidação de imposto superior ao devido.

 

Razões que se reputam como suficientes para julgar improcedente os pedidos formulados pelo Requerente.

 

*

7. Decisão

 

Atentos os argumentos acima expostos, é, pois, improcedente o pedido arbitral de declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de IRS referentes a 2011, 2012 e 2013, formulado pelo Requerente, mantendo-se na ordem jurídica os actos tributários cuja ilegalidade foi questionada.

 

8. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 9.580,61 nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

9. Custas

Nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em € 918,00, a suportar pelo Requerente, uma vez que o pedido foi integralmente improcedente, de acordo com o artigo 22.º, n.º 4 do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4.

 

Notifique-se.

 

 

 

Lisboa, 27 de Março de 2018

 

O Árbitro

 

 

   (Cristina Coisinha)

 

Texto elaborado em computador nos termos do disposto no artigo 131.º, n.º 5 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º do RJAT.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.

 

 

 

 



[1] Artigos 78.º, n.º 1 alínea h) e 87.º do CIRS

[2] Consultável em http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/b075a1b77dbd479e802574cf00563b64?OpenDocument

[3] Neste sentido o acórdão arbitral proferido no processo 82/2015-T, consultável em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/

 

[4] Artigo 78.º n.º 4 da LGT

[5] in Garantias Processuais dos Contribuintes, in Lições de Fiscalidade, João Ricardo Catarino e Vasco Branco Guimarães, almedina, 2012, pag. 445

[6] Artigo 266.º n.º 2 da CRP