Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 390/2019-T
Data da decisão: 2020-04-29  IRC  
Valor do pedido: € 7.273.910,98
Tema: IRC – Desvios acturiais; Dedutibilidade
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DECISÃO ARBITRAL

I – RELATÓRIO

 

1.            No dia 04 de Junho de 2019, A..., S.A., NIPC..., com sede Rua ..., n.º..., Lisboa, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”) n.º 2016..., de 11 de Janeiro de 2016, relativo ao período de tributação de 2013, bem como das decisões de indeferimento da reclamação graciosa e do recurso hierárquico que tiveram aquele acto como objecto.

 

2.            Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que:

i.             face ao apuramento da variação patrimonial negativa decorrente da alteração da política contabilística, nos termos da Lei n.º 64-B/2011, a A... encontra-se a considerar correctamente o dia 1 de Janeiro de 2011 como data de referência;

ii.            àquela data, a Requerente não tinha quaisquer responsabilidades com o Fundo de Pensões do B..., pelo que não foi apurada qualquer variação patrimonial enquadrável na Lei n.º 64-B/2011 a seu respeito;

iii.           mesmo que a data de referência fosse 31 de Dezembro – o que apenas para efeitos de raciocínio se concede e com dificuldade – não poderia nunca a AT compensar responsabilidades e excedentes de fundos distintos e, com isso, tributar variações patrimoniais positivas.

 

3.            No dia 05-06-2019, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

4.            A Requerente procedeu à indicação de árbitro, tendo indicado o Exm.º Sr. Dr. José Alberto Pinheiro Pinto, nos termos do artigo 11.º n.º 2 do RJAT. Nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, a Requerida indicou como árbitro o Exm.º Sr. Dr. Jorge Carita.

 

5.            Os árbitros indicados pelas partes foram nomeados e aceitaram os respectivos encargos.

 

6.            Na sequência de requerimento apresentado pelos árbitros designados pelas partes para que o árbitro-presidente fosse designado pelo Conselho Deontológico, foi designado árbitro-presidente nos termos do artigo 6.º, n.º 2, alínea b) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro e do artigo 5.º do Regulamento de Selecção e de Designação de Árbitros em Matéria Tributária, o ora Relator, que, no prazo aplicável, também aceitou o encargo.

 

7.            Em 02-08-2019, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

8.            Em conformidade com o preceituado no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Tribunal Arbitral Colectivo foi constituído em 23-08-2019.

 

9.            No dia 30-09-2019, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por excepção e por impugnação.

 

10.          Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.

 

11.          Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.

 

12.          Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º/1 do RJAT.

 

13.          O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-            A Requerente é uma instituição de crédito controlada pelo C... (doravante designado por “C...”), tendo sido constituída em 24 de Março de 1844.

2-            Supervisionada pelo Banco de Portugal, a Requerente tem por objecto o exercício da actividade própria das instituições de crédito do seu tipo, praticando operações de captação de recursos de terceiros, sob a forma de depósitos, os quais, aplica, conjuntamente com recursos próprios na concessão de créditos, títulos e activos.

3-            No decurso da sua actividade, a Requerente assumiu diversas responsabilidades pós-emprego com os seus colaboradores, tendo ficado as mesmas essencialmente a cargo de dois fundos de pensões – o Fundo de Pensões do D... e o Fundo de Pensões do B... .

4-            A Requerente assumiu a responsabilidade de pagar, aos seus colaboradores, pensões de reforma por velhice, invalidez, sobrevivência e cuidados médicos nos termos do estabelecido no Acordo Colectivo de Trabalho do Sector Bancário (“ACT”), para o pessoal admitido até 1 de Março de 2009.

5-            As admissões posteriores àquela data ficaram enquadradas no regime geral da Segurança Social.

6-            Os benefícios previstos nos planos de pensões são os abrangidos pelo “Plano ACT – Acordo Colectivo de Trabalho do Sector Bancário” e pelo “Plano ACTQ – Acordo Colectivo dos Quadros do Sector Bancário”.

7-            A Requerente financia as suas responsabilidades através de fundos de pensões geridos pela E..., S.A.

8-            O Fundo de Pensões D... tinha como beneficiários colaboradores actuais ou passados da A..., bem como as respectivas famílias.

9-            A Requerente preparava as suas demonstrações financeiras de acordo com as Normas de Contabilidade Ajustadas (“NCA”), tal como definidas pelo Banco de Portugal.

10-         As responsabilidades associadas àqueles fundos (e activos que as suportavam) foram enquadradas na International Accounting Standard (“IAS”) 19 – Benefícios dos Empregados, na redacção à data, optando pelo denominado “método do corredor”.

11-         A aplicação deste método conduzia a que as referidas diferenças actuariais pudessem não se encontrar totalmente reflectidas na situação líquida da entidade.

12-         Neste contexto normativo, a Requerente reconhecia como gasto na sua demonstração de resultados, em cada período, um valor total líquido que incluía (i) o custo do serviço corrente, (ii) o custo dos juros, (iii) o rendimento esperado dos activos do fundo e (iv) uma porção dos ganhos e perdas actuariais determinada com base no referido “método do corredor”, bem como (v) o efeito das reformas antecipadas.

13-         Por sua vez, as diferenças actuariais que se encontrassem dentro do limite de 10%, eram reflectidas no balanço, dispensando o seu reconhecimento em resultados.

14-         Em resultado da aplicação deste método, a Requerente apresentava, nas suas demonstrações financeiras relativas a 2010, desvios actuariais no montante de € 102.246.356,23, ainda não reflectidos em resultados, relativos apenas ao Fundo de Pensões D... .

15-         A Requerente optou por alinhar a sua política contabilística com as alterações decorrentes da nova redação da IAS 19 em 2011, tendo deixado de aplicar o “método do corredor” com referência a 1 de Janeiro daquele ano.

16-         A Requerente referiu no seu Relatório e Contas do exercício de 2011 que, “considerando que a IAS 19 – Benefícios dos empregados permite o reconhecimento direto em capitais próprios dos desvios atuariais, em alternativa ao método do corredor utilizado até 2010, a A... optou em 2011 por uma alteração da política contabilística passando a reconhecer os desvios atuariais do exercício por contrapartida de reservas.”.

17-         Esta alteração de critérios contabilísticos da Requerente, surgiu no contexto da transferência, para a Segurança Social, de um conjunto muito alargado de responsabilidades com pensões no final de 2011, que produziram efeitos, nos termos das normas aplicáveis, a 1 de Janeiro do mesmo ano.

18-         Caso a Requerente não tivesse alterado a sua política contabilística, as perdas actuariais ainda não reflectidas em resultados seriam traduzidas na demonstração de resultados da Requerente de uma assentada, penalizando substancialmente um indicador relevante no sector económico onde actua.

19-         Assim, a Requerente aplicou o “método do corredor” até 31 de Dezembro de 2010 e deixou de o aplicar a 1 de Janeiro de 2011, tendo em consequência registado uma variação patrimonial a este respeito.

20-         A Requerente reexpressou igualmente, para efeitos comparativos, a informação relativa ao exercício de 2010, como se tivesse aplicado a nova política contabilística naquele exercício, tendo em vista dotar as demonstrações financeiras daquele ano (2010) de comparabilidade face às do exercício da transição (2011).

21-         Perante a ruptura no tratamento a conferir a uma mesma realidade (os desvios actuariais), foi necessário enquadrar os impactos decorrentes daquela mudança, ou seja o ajustamento de transição.

22-         Aquele ajustamento traduziu-se no abatimento, à situação líquida da A..., do montante dos desvios actuariais ainda pendente de reflexo em resultados.

23-         A 31 de Dezembro de 2010, o valor do corredor e dos ganhos e perdas actuariais acima do valor do corredor correspondiam a um total negativo de € 102.246.356,23.

24-         Em resultado da alteração da política contabilística, a Requerente teve, por um lado, de reverter os montantes no seu balanço que, de acordo com a nova política, não deveriam subsistir.

25-         Assim, a Requerente reverteu a parcela do dito “corredor” que, em exercícios anteriores, teria já sido reflectido em resultados e procedeu igualmente ao desreconhecimento do activo relativo a desvios actuariais, refletindo aquela variação nas responsabilidades líquidas do fundo de pensões mas sem afectar o capital próprio.

26-         O ajustamento de transição decorrente do afastamento do “método do corredor” foi reflectido no balanço de abertura do exercício fiscal de 2011.

27-         Nos termos da nova política contabilística, e dado os desvios actuariais deverem ser reflectidos directamente na situação líquida, a Requerente apurou uma variação patrimonial negativa de € 102.246.356,23, com referência a 1 de Janeiro de 2011, analisada e evidenciada no Relatório e Contas daquele exercício, a qual reflecte, o impacto em capitais próprios dos desvios actuariais verificados no passado e até aí não traduzidos na demonstração de resultados da Requerente.

28-         Para efeitos fiscais, a Requerente diferiu, pelo período de 10 anos, a relevância fiscal das variações determinadas a propósito do ajustamento contabilístico de transição para a nova redacção da IAS 19, começando em 2012, no montante anual de € 10.224.635,62.

29-         Assim, a Requerente não deduziu, para efeitos fiscais, qualquer montante relativamente àquela matéria em 2011, não obstante ter apurado uma variação patrimonial negativa, e tendo procedido à dedução, no Quadro 07 da declaração de Rendimentos Modelo 22 do ano seguinte  (exercício de 2012), o montante de € 10.224.635,60 (correspondente a um décimo da variação patrimonial negativa decorrente da transição verificada no exercício de 2011).

30-         Na sua declaração Mod. 22 de IRC, para o exercício de 2013, a Requerente deduziu, a título de variações patrimoniais negativas determinadas pelo ajustamento contabilístico de transição para a nova redacção da IAS 19, o montante de € 8.994.021,25.

31-         O valor referido no ponto anterior resulta da diferença entre o valor de € 10.224.635,60 e um décimo da variação patrimonial com referência a 31 de Dezembro de 2010 que a AT considerou, aquando das correções promovidas ao exercício de 2012, estar associada ao Fundo de Pensões do B..., no montante de € 1.230.614,37.

32-         Em 31 de Março de 2011, a A... adquiriu a totalidade do capital social do F..., S.A., tendo adquirido, a 4 de Abril de 2011, a quase totalidade dos activos e passivos do G... S.A., entre os quais as responsabilidades com o Fundo de Pensões B... .

33-         A partir daquela operação, a Requerente passou a assumir responsabilidades sobre aqueles dois Fundos de Pensões autónomos, cujos beneficiários, dimensão, histórico de contribuições são diferentes.

34-         No decurso do exercício em apreço, a Requerente apurou desvios actuariais que teve necessidade de enquadrar à luz da nova política adoptada.

35-         O saldo positivo entre ganhos e perdas actuariais relativos ao Fundo de Pensões D... e respeitantes ao próprio ano de 2011, reflectidos directamente na situação líquida da Requerente, ascenderam ao montante de € 53.647.169,15, do qual € 1.705.609,70 respeitava a desvios actuariais decorrentes de responsabilidades com o subsídio por morte.

36-         Ao abrigo da ordem de serviço n.º OI 2015..., de 17 de Junho de 2015, foi a Requerente sujeita a uma acção inspectiva externa de âmbito geral.

37-         Da referida acção inspectiva resultaram diversas correcções à matéria colectável no valor total de € 11.475.944,89 e correcções ao imposto apurado no montante de € 141.723,49, conforme detalhe infra:

 

38-         Do Relatório de Insepecção Tributária (RIT) emitido, consta, para além do mais, o seguinte:

“A A... deduziu à matéria tributável de IRC o montante de € 8.994.021,05 como sendo a parte, imputável a 2013, do diferimento por dez anos da “alteração da política contabilística relativa a planos de pensões e outros benefícios pós-emprego” prevista no art.º 183.o da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro (Orçamento de Estado de 2012)], quando, em resultado da correta aplicação da disciplina vertida no art.º 183.º do citado artigo, apenas poderia ter deduzido € 2.950.724,62.

Esta diferença, no montante de € 6.043,296,43, resulta de o sujeito passivo ter considerado como alteração da política contabilística nos termos do art.º 183.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, imputável a 2013, um décimo do montante que corresponderia ao apuramento da “alteração da política contabilística relativa a planos de pensões e outros benefícios pós-emprego” a 31 de dezembro de 2010, quando, em resultado da correta aplicação da citada norma, o montante resultante da “alteração da política contabilística relativa a planos de pensões e outros benefícios pós-emprego” deveria ter por base o valor apurado a 31 de dezembro de 2011.”.

39-         Concluíram, assim, os SIT da AT que o procedimento adotado pela Requerente não era o legal, e que o montante a deduzir naquele período e em cada um dos nove períodos de tributação seguintes, nos termos do regime transitório previsto no Orçamento do Estado para 2012, deveria ascender a apenas € 2.950.724,62.

40-         Após notificação do referido Relatório de Inspecção Tributária, a Requerente foi notificada da correspondente nota de liquidação adicional de IRC, demonstração da liquidação de juros e demonstração de acerto de contas, objecto da presente acção arbitral, tendo apresentado a correspondente reclamação graciosa.

41-         A Requerente foi notificada a 8 de Agosto de 2016 do Projecto de Decisão de Indeferimento da Reclamação Graciosa.

42-         Não tendo exercido o direito de audição prévia, a Requerente foi notificada posteriormente da decisão final da Reclamação Graciosa, a qual veio confirmar o indeferimento total das pretensões da Requerente.

43-         A Requerente apresentou Recurso Hierárquico daquela decisão a 20 de Setembro de 2016, com vista à sua anulação.

44-         Por decisão datada de 6 de Março de 2019, a AT manteve a sua decisão inalterada tendo, no essencial, replicado os argumentos apresentados na decisão de indeferimento da reclamação graciosa.

45-         A Requerente apresentou o presente pedido arbitral em 4 de junho de 2019.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13 , “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

 

a.            Da matéria de excepção

Começa a Requerida por arguir a incompetência do Tribunal Arbitral por incompetência material e bem como por impossibilidade de impugnação contenciosa directa.

Para a Requerida, não obstante se peticionar a anulação parcial da liquidação adicional de IRC melhor identificada no pedido de pronúncia arbitral, a Requerente vem, em adição à anulação da correcção promovida pela AT e por si impugnada, peticionar cumulativamente que lhe seja reconhecida uma correcção à sua autoliquidação de IRC do mesmo exercício, pugnando a alteração dos valores ali por si declarados.

Concretiza a Requerida que a Requerente pretende que a par da anulação da correção promovida em sede inspectiva e que subjaz ao ato tributário de liquidação posto em crise, seja ainda reconhecido a seu favor uma correcção ao montante por si declarado na sua autoliquidação do exercício de 2013 por referência à questão em causa, devendo assim o Tribunal relevar a parcela de € 1.230.614,37 (referente ao Fundo de Pensões do B...) e considerar um valor de € 10.224.635,60 ao invés do montante de € 8.994.021,05 por si declarado e sobre o qual a AT efetuou a sua correcção.

Conclui a Requerida que não pode a Requerente formular um pedido que extravase o pedido de anulação do acto tributário de liquidação promovido pela AT na sequência da correcção por aquela efectuada em sede de procedimento inspectivo e por si impugnada.

Daí decorrerá, na perspectiva da Requerida, a existência de excepção (dilatória) que, consubstanciada na incompetência material do tribunal arbitral, obsta ao conhecimento de parte do pedido, atento o disposto nos artigos 576.º, n.º 1 e 577.º, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, por um lado, e nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 4.º, n.º 1, ambos do RJAT e dos artigos 1.º e alínea a), da Portaria n.º 112- A/2011.

Acrescenta ainda a Requerida, essencialmente com o mesmo fundamento, que tendo sido ultrapassado o prazo de impugnação directa do acto de autoliquidação de imposto (IRC), deve o pedido formulado nesta parte ser declarado improcedente, por intempestivo e, consequentemente, ser a Requerida absolvida da instância – cf. alínea e), do n.º 1, do artigo 278.º do Código de Processo Civil vigente, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

No exercício do contraditório que lhe coube, a Requerente sustentou que a menção no seu pedido de pronúncia arbitral traduz-se, apenas, numa antevisão daquela que seria a consequência para a AT decorrente da execução da decisão arbitral, sendo, na perspectiva da Requerente, o corolário lógico da anulação da liquidação impugnada.

Como tem sido jurisprudência recorrente dos tribunais superiores da jurisdição estadual tributária “Na interpretação das peças processuais devem observar-se os critérios impostos pelos princípios do moderno processo e bem assim pelo princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva, pelo que o tribunal deve extrair da redacção dada ao pedido na petição inicial o sentido mais favorável aos interesses do peticionante, estabelecendo, ainda que com recurso à figura do pedido implícito, qual a verdadeira pretensão de tutela jurídica.”

                Conforme se verifica da leitura do pedido formulado, e a própria Requerente esclareceu em sede do contraditório que lhe foi facultado, relativamente à matéria de excepção, o pedido formulado consiste na anulação da liquidação adicional objecto da presente acção arbitral, e actos conexos (reclamação graciosa e recurso hierárquico), sendo a parte do pedido relativa à reversão da correcção ao prejuízo fiscal do exercício e determinação de que o ajustamento a efectuar na declaração de rendimentos Modelo 22 do período de 2013 corresponde a uma dedução ao resultado tributável no montante de € 10.224.635,62, as presumíveis consequências lógicas que a Requerente atribui à procedência do pedido anulatório formulado.

                Efectivamente, a consideração na autoliquidação de IRC de valores distintos dos inscritos na declaração modelo 22 não é um pedido autónomo da Requerente distinto da impugnação da liquidação adicional de IRC de 2013, que será o único verdadeiro pedido indicado nas conclusões do pedido de pronúncia arbitral, sendo configurado como uma consequência necessária da declaração de procedência da impugnação que a Requerente solicita, pelo que tal consequência verificar-se-ia automaticamente, independentemente da Requerente a ter solicitado, por força da directa aplicação da alínea c) do nº1 do art.º 24.º do RJAT.

                Este artigo dispõe que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, alternativa ou cumulativamente, consoante o caso:

a). Praticar o acto tributário legalmente devido em substituição do acto objecto da decisão arbitral;

b). Restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os actos e operações necessários para o efeito;

c). Rever os atos tributários que se encontrem numa relação de prejudicialidade ou de dependência com os actos tributários objeto da decisão arbitral, designadamente por se inscreverem no âmbito da mesma relação jurídica de imposto, ainda que correspondentes a obrigações periódicas distintas, alterando-os ou substituindo-os, total ou parcialmente;

d) Liquidar as prestações tributárias em conformidade com a decisão arbitral ou abster-se de as liquidar.

                Resulta da alínea c) supra referida que a consideração na autoliquidação de IRC de valores distintos dos inscritos na declaração modelo 22 não é um pedido autónomo da Requerente distinto da impugnação da liquidação adicional de IRC de 2013, que é efectivamente o único e verdadeiro pedido indicado nas conclusões do pedido de pronúncia arbitral, sendo aquele, uma consequência necessária da declaração de procedência da impugnação que a Requerente peticiona, que se verificaria automaticamente, independentemente da Requerente a ter solicitado, por força da directa aplicação da alínea c) do nº1 do art.º 24º do RJAT.

                Acresce que, como se decidiu no Ac. do STA de 03-06-2015, proferido no processo 0793/14, “Na impugnação judicial subsequente a decisão da AT que recaia sobre reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa do acto tributário, podem, e devem, os órgãos jurisdicionais conhecer de todas as ilegalidades de substância que afectem o acto tributário em crise, quer essas ilegalidades tenham ou não sido suscitadas na fase graciosa do litigio, impondo-se-lhes um dever acrescido quando se tratem de questões de conhecimento oficioso.”.

                Daí que, sem prejuízo de o Tribunal, adiante, retirar as consequências lógicas que entender devidas, face ao que se decidir, deverá julgar-se o mesmo competente para apreciar a totalidade do pedido anulatório formulado pela Requerente, que é tempestivo, face ao seu objecto assim compreendido, improcedendo, por isso, as excepções invocadas pela AT, ora em apreço.

 

***

b. Do fundo da causa

                Está essencialmente em causa, no presente processo arbitral, a definição do sentido e alcance do art.º 183.º da Lei nº 64-B/2011, de 30/12, que aprovou o Orçamento do Estado para 2012, que dispôs que:

“As variações patrimoniais negativas registadas no período de tributação de 2011 decorrentes da alteração, nos termos previstos na Norma Internacional de Contabilidade n.º 19, da política contabilística de reconhecimento dos ganhos e perdas atuariais relativos a planos de pensões e outros benefícios pós-emprego de benefício definido, respeitantes a contribuições efetuadas nesse período ou em períodos de tributação anteriores, não concorrem para os limites estabelecidos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 43.º do Código do IRC, sendo consideradas dedutíveis para efeitos de apuramento do lucro tributável, em partes iguais, no período de tributação que se inicie em ou após 1 de Janeiro de 2012 e nos nove períodos de tributação seguintes.”

Nos termos desta disposição legal, portanto, as variações patrimoniais negativas, registadas  por sujeitos passivos no período de tributação de 2011, resultantes, nos termos previstos na Norma Internacional de Contabilidade nº 19 (doravante referida por IAS 19), da alteração da política contabilística de reconhecimento dos ganhos e perdas actuariais relativos a planos de pensões e outros benefícios pós-emprego de benefício definido, respeitantes a contribuições efetuadas nesse período ou em períodos de tributação anteriores, não concorrem para os limites estabelecidos nos n.ºs 2 e 3 do art.º 43.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC), sendo as variações patrimoniais negativas consideradas dedutíveis, para efeitos de apuramento do lucro tributável, em partes iguais, no período de tributação que se inicie em ou após 1 de Janeiro de 2012 e nos nove períodos de tributação seguintes.

Nos termos do art.º 215.º da referida Lei, o art.º 183.º em questão entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2012.

Segundo a Requerente, a variação patrimonial negativa apurada no período de tributação de 2011, mas a ser deduzida faseadamente, ao abrigo dessa disposição legal de carácter transitório, nos períodos de tributação iniciados após 01-01-2012, seria a registada na abertura do exercício fiscal de 2011, no montante de € 102.246.356,23, respeitante exclusivamente ao Fundo de Pensões D..., e não o saldo dos desvios actuariais apurados no balanço no termo do exercício de 2011, durante o qual a Requerente procedeu à alteração retrospetiva  da política contabilística de reconhecimento dos ganhos e perdas actuariais relativos a planos de pensões e outros benefícios pós-emprego de benefício definido, e adquiriu, por trespasse de 04-04-2011, a totalidade dos activos e passivos da entidade G... SA.

Essa variação patrimonial negativa a deduzir anualmente nos termos daquele art.º 183.º seria, assim, de € 10.224.635,62, dividida por cada um dos 10 anos de duração do período transitório, iniciado em 2012, não tendo sido consideradas pela Requerente no seu apuramento, de acordo com esse critério, não apenas a variação patrimonial positiva registada em 2011 respeitante ao Fundo de Pensões D..., como também a variação patrimonial positiva verificada após o abandono do método do corredor na esfera do Fundo de Pensões do B... SA, por esta instituição de crédito apenas ter sido adquirida a 04-04-2011.

Por seu turno, segundo a Requerida, essa variação patrimonial negativa a deduzir, nos termos do mesmo art.º 183.º, seria a registada no termo do exercício de 2011 e não a registada no termo do exercício anterior, data em que os desvios actuariais relativos a esse exercício, dado o método contabilístico fundado no princípio do corredor, então adoptado, ainda não tinham sido reflectidos, ainda que faseadamente, na demonstração de resultados da Requerente, que não seriam alteradas.

Nessa perspectiva, ainda segundo a Requerida, deveriam ser tidos em conta pela Requerente, na aplicação desse art.º 183.º, não apenas o desvio actuarial positivo global apurado em 2011 respeitante ao Fundo de Pensões D..., mas também, além das responsabilidades e activos afetos ao seu financiamento transmitidos pela Requerente para o Fundo de Pensões D..., as responsabilidades e os inerentes activos recebidos pela Requerente em virtude da referida aquisição do Fundo de Pensões do B... SA.

O saldo actuarial positivo global entre esses activos e responsabilidades implicaria, segundo a AT, uma variação anual positiva de € 1.230.614,37, a deduzir às variações patrimoniais negativas referidas nessa norma legal.

São estes os fundamentos do pedido de pronúncia arbitral.

 

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Como se viu já, a Requerente, na sequência da alteração da política contabilística de reconhecimento dos ganhos e perdas actuariais relativos a planos de pensões pós-emprego de benefício definido, apurou uma variação patrimonial negativa de € 102.246.356,23, com referência a 1 de Janeiro de 2011, pretendendo a dedução para apuramento do lucro tributável de um décimo desse montante, a partir de 2012, em aplicação do disposto no artigo 183.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro.

A Autoridade Tributária, no âmbito do procedimento inspectivo relativo ao período de tributação de 2013, promoveu uma correcção aritmética ao apuramento de imposto por considerar que o montante cuja relevância fiscal a Requerente deveria ter diferido, não era a variação patrimonial apurada no saldo de abertura do exercício em que era adoptada a nova política, mas o saldo de desvios actuariais no balanço a 31 de Dezembro de 2011. E, por outro lado, considerarou ser de relevar também o valor acumulado dos desvios actuariais positivos associados ao Fundo de Pensões do B... para efeitos do montante a reportar por aquele período.

A Autoridade Tributária entendeu, então, que a dedução para efeitos fiscais das variações patrimoniais decorrentes da alteração da política contabilística devia incluir, com referência a 31 de Dezembro de 2011, a diferença entre a variação patrimonial negativa imputável ao Fundo Pensões da D..., no montante de € 102.246.356,23, e a variação patrimonial positiva imputável ao Fundo Pensões B..., no montante de € 12.306.145.73, de onde resulta que o saldo devedor a essa data se fixava em € 8.994.021,05 e não em € 10.224.635,62.

Por outro lado, em relação aos desvios actuariais apurados ainda no decurso de 2011,  e por efeito do englobamento das variações patrimoniais dos dois fundos de pensões, a Administração considerou que a variação patrimonial era de € 29.507.246,22, resultante da diferença entre o valor negativo de € 50.304.796,78, imputável ao Fundo Pensões da D..., e o valor positivo de € 20.797.550.56, imputável ao Fundo Pensões B..., implicando uma dedução anual, para efeitos do disposto no artigo 183.º da Lei n.º 64-B/2011, de € 2.950.724,62.

Nestes termos, a correcção proposta no relatório de inspecção tributária, que originou a liquidação adicional, foi fixada em € 6.043.296,43, montante correspondente à diferença entre o valor efectivamente deduzido de € 8.994.021,05 e o valor corrigido de € 2.950.724,62.

A primeira questão que se coloca consiste então em saber se a variação patrimonial negativa apurada no termo do período de tributação de 2011 para ser deduzida faseadamente ao abrigo do regime do artigo 183.º da Lei n.º 64-B/2011, nos períodos de tributação iniciados em ou após 1 de Janeiro de 2012, seria a registada por referência ao termo do exercício de 2010, no indicado montante de € 102.246.356,23, respeitante exclusivamente ao Fundo de Pensões D..., e não o saldo dos desvios actuariais apurados no balanço no termo do exercício de 2011.

                O artigo 43º, do CIRC aplicável, a que o art.º 183.º da Lei nº 64-B/2011, de 30/12, acima transcrito, faz referência, sob epígrafe “Realizações de utilidade social”, no seu n.º 2, qualifica como gastos do período de tributação, até ao limite de 15% das despesas com o pessoal escrituradas a título de remunerações, ordenados ou salários, os suportados com contratos de seguros de doença e de acidentes pessoais, bem como com contratos de seguros de vida, contribuições para fundos de pensões e equiparáveis ou para quaisquer regimes complementares de segurança social, que garantam, exclusivamente, o benefício de reforma, pré-reforma, complemento de reforma, benefícios de saúde pós-emprego, invalidez ou sobrevivência a favor dos trabalhadores da empresa.

                Nos termos do n.º 3 daquele mesmo art.º 43.º, o limite de 15% aí estabelecido é elevado para 25% se os trabalhadores não tiverem direito a pensões da segurança social.

                Assim, o artigo 183.º da Lei n.º 64-B/2011, estabelecendo uma excepção ao regime geral que decorre do artigo 43.º do CIRC, define um regime transitório especial de dedução de variações patrimoniais negativas relativas a ganhos e perdas  actuariais referentes a planos de pensões e outros benefícios pós-emprego pelo período de dez anos, com início em ou após 1 de Janeiro de 2012, em aplicação da Norma Internacional de Contabilidade n.º 19 (IAS 19).

                O legislador reporta-se à norma do IAS 19, na redacção resultante do Regulamento (UE) n.º 475/2012, de 5 de Junho, que adoptou uma nova regulamentação da contabilização dos desvios actuariais (parágrafos 128º e 129º), que se traduziu na eliminação do procedimento de diferimento dos desvios actuariais, conhecido como o “método do corredor”, passando as perdas actuariais e financeiras  a ser reflectidas directamente em capitais próprios, na rubrica "Outras reservas - desvios actuariais", no período em que ocorressem.

Nos termos do artigo 2.º, n.º 2, do mesmo Regulamento, as empresas deviam aplicar essas alterações do regime contabilístico “o mais tardar a partir da data de início do seu primeiro exercício financeiro que comece em ou após 1de janeiro de 2013”.

O Regulamento (CE) n.º 1910/2005, de 8 de Novembro, na sequência de uma alteração à IAS 19 emitida pelo “International Accounnting Standar Board” (IASB), por força da redacção dada aos parágrafos 93 e 93-A, já introduzia uma nova opção quanto ao reconhecimento dos ganhos e perdas actuariais de planos de pensões de prestações definidas, tendo passado a permitir-se o reconhecimento total de ganhos e perdas actuariais numa “demonstração ganhos e perdas reconhecidos” (Stament of Recognised Income and Expense) distinta da demonstração de resultados, ou seja, os ganhos e perdas actuariais podiam ser reconhecidos directamente nos capitais próprios (considerando (3)).

                Essa era, no entanto, uma medida facultativa que apenas se tornou obrigatória por via da alteração introduzida no IAS 19 pelo Regulamento (UE) n.º 475/2012 e cuja implementação, como se viu, deveria ocorrer pelo menos a partir de 1 de Janeiro de 2013.

                Na situação do caso, a Requerente alterou  a política contabilística de reconhecimento de desvios actuariais relativos aos planos de benefícios definidos de pensões e outros benefícios pós-emprego, no início do exercício de 2011, antecipando  o cumprimento do previsto na nova versão da IAS 19, que apenas se tornaria de aplicação obrigatória a partir do exercício de 2013.

                Efectivamente, não restam dúvidas, sendo tal facto reconhecido no próprio RIT (cfr. p. 14), onde se pode ler que “Em 2011, e relativamente ao fundo de pensões “próprio” da A..., o sujeito passivo efetuou, num primeiro momento, a contabilização do impacto da alteração da política contabilística que correspondeu a um débito na conta de capitais próprios “612801-2 DESVIOS ATUARIAIS IAS 19” no montante de €102.246.356,23.”.

                Deverá, assim, considerar-se facto assente que a referida variação patrimonial negativa, no valor de € 102.246.356,23, foi registada no ano de 2011.

                Do mesmo modo, dúvidas não haverá, desde logo, face às posições assumidas pelas partes, e pelo próprio RIT, confirmadas pelo quanto previamente se expôs, que o procedimento contabilístico adoptado pela Requerente foi, sob o ponto de vista das normas próprias de tais procedimentos (normas contabilísticas) lícito e insusceptível de censura.

                Não obstante, julga-se que a questão decidenda é, essencialmente, uma questão de natureza jurídico-tributária, e não contabilística.

                Com efeito, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 25-10-2018, proferido no processo 1207/11.0BELRS, “a opção legislativa na relação entre a contabilidade e a fiscalidade, expressa no n.º 10 do preâmbulo do diploma, não as separa ou agrega totalmente, antes determina que o ponto de partida da determinação do lucro tributável seja a primeira mas, com as correcções que sejam impostas pelas normas fiscais”.

                Também no acórdão proferido no processo arbitral n.º 334/2018-T, do CAAD , se explica que:

“Como é dito por Saldanha Sanches, encontramos proclamado na Constituição, “sem ambiguidades e com muito poucas restrições, o direito subjectivo dos sujeitos passivos de IRC – as empresas – a serem tributados segundo o seu lucro real – artigo 104.º, n.º 2. (…)

O lucro real é um conceito-chave do direito constitucional fiscal das empresas, tal como as necessidades e os rendimentos do agregado familiar o são em relação às pessoas singulares. (…)

A tributação do lucro efectivo ou real das empresas constitui um processo complexo que implica a atribuição do processo de determinação do facto tributário ao sujeito passivo. O imposto será determinado não apenas com base na declaração do sujeito passivo, mas também com base num conjunto de elementos de prova por este recolhidos e que constituem a sua escritura comercial (documentos que justificam os lançamentos contabilísticos). (…)

A determinação dos lucros passa a ser feita de acordo com o balanço e a elaboração do balanço passa a ser o objecto de um conjunto de normas fiscais, as quais fazem com que, a partir do modelo de balanço criado e regulado pelo Direito Comercial (o balanço comercial), surja um balanço fiscal. (…)

Temos, pois, o balanço fiscal como balanço comercial corrigido, tal como se encontra determinado pelo artigo 17.º, n.º 1, do Código do IRC. O balanço fiscal é suportado pelo mesmo sistema de recolha e registo de informação que vai conduzir ao balanço comercial. (…)

As normas criadas pelo Código do IRC para a tributação das empresas segundo a sua contabilidade têm, como sentido fundamental, criar limites às faculdades de escolha do decisor contabilístico, no sentido de evitar comportamentos abusivos e tornar mais fácil o controlo fiscal das empresas.(…)

Por exemplo, quando o Código do IRC definiu, no seu artigo 18.º, sob a epígrafe “A Periodização do Lucro Tributável”, regras sobre o exercício em que os custos ou proveitos da empresa devem ser considerados, criou normas que são vinculativas na área do direito Fiscal e na área do Direito Comercial. (…)

O conceito de lucro tributável é, pois, o resultado de uma complexa e minuciosa previsão normativa (o balanço torna-se uma factispécie tributária) onde o ordenamento jurídico acolhe grande número de conceitos extraídos das técnicas e práticas contabilísticas. (…)

É da natureza funcional do balanço que resulta que qualquer variação patrimonial que seja realizada deve, em princípio, reflectir-se no aumento ou diminuição do lucro tributável.” 

É por isso que, segundo o mesmo autor, “[o] principal dever de cooperação as empresas – uma vez que actua como um pressuposto para o cumprimento das restantes – é a exigência contida no artigo 98.º [artigo 123.º, na redação aqui aplicável] do Código do IRC (…)”.

Nesta senda, Rui Duarte Morais afirma que reside aqui a explicação para “que a lei fiscal assuma o lucro contabilístico como o “valor” de onde se deve partir no apuramento do lucro tributável, ou seja, consagre um modelo de dependência parcial entre lucro contabilístico e lucro tributável.

Porém, estas duas “visões” do lucro não se identificam, pelo que os valores do lucro contabilístico e do lucro fiscal dificilmente coincidirão. Não porque correspondam a realidades substancialmente diversas, mas, apenas, por ser diferente o prisma de avaliação (os concretos interesses em causa) que preside à quantificação de cada um deles.”   

A este propósito, Clotilde Celorico Palma diz que “o modelo de dependência parcial é a forma ideal de apuramento do lucro fiscal, dado que a Contabilidade, na precisa descrição do comportamento global da empresa, quantifica fielmente o lucro empresarial. Lucro contabilístico e lucro fiscal não se contrapõem como realidades distintas, podendo o rédito fiscal repousar sobre as regras contabilísticas, compatibilizando-se e salvaguardando-se os respectivos interesses específicos.”  Nesta conformidade, ainda segundo a mesma autora, “o resultado contabilístico é a base geral e o ponto de partida do lucro tributável, sendo posteriormente submetido a ajustamentos extra contabilísticos positivos e negativos tendo em vista o apuramento definitivo do resultado fiscal. Ou seja, neste caso, a determinação da matéria colectável realiza-se por dois patamares. Num primeiro, pela aceitação acrítica das regras contabilísticas de apuramento do resultado líquido, que funcionam como um prius relativamente à regulação fiscal do balanço, numa segunda fase prevêem-se correcções devidas a autónomas valorações da lei fiscal.”  A mesma autora conclui, então, que o “conceito de lucro tributável entre nós, é, assim, o resultado de uma complexa e minuciosa previsão normativa – o balanço torna-se um factispécie tributário – onde o ordenamento jurídico acolhe grande número de conceitos extraídos das técnicas e práticas contabilísticas.”   

No mesmo sentido, Manuel Henrique de Freitas Pereira diz que “a contabilidade fornece uma base conceptual para o recorte operacional do lucro tributável, mas, dados os objectivos e princípios que enquadram a fiscalidade, não pode haver uma identificação entre este e o resultado contabilístico pois a contabilidade tem também objectivos e princípios que lhe são próprios e que devem ser salvaguardados.”

Ainda a este propósito e em igual sentido, Filipe de Vasconcelos Fernandes afirma que, “quanto ao apuramento do lucro tributável, a relação entre o Direito Fiscal e o Direito Contabilístico, repousa sobre uma relação de dependência parcial, na qual o resultado contabilístico é a base e o ponto de partida para a determinação do lucro tributável, sendo este último submetido a ajustamentos extracontabilísticos, de ordem positiva e negativa, tendo em vista o apuramento definitivo do resultado fiscal. (…) determinadas normas fiscais podem assim ser consideradas normas contabilísticas, no sentido de normas jurídicas que exprimem ou concretizam princípios contabilísticos: princípios que se tornam vinculativos para as empresas pela sua transformação em normas jurídicas, isto é, pela sua positivação; veja-se o caso da especialização de exercícios, atualmente constante no artigo 18.º, n.º 1, do CIRC. (…) balanço fiscal torna-se um Tatbestand, por intermédio do qual o sistema fiscal português acolhe grande número de conceitos extraídos das técnicas e práticas contabilísticas, sem abdicar da construção de um pressuposto normativo de incidência especificamente fiscal.”  Assim, segundo o mesmo Autor, “[a]o repousar numa expressa remissão para o Direito Contabilístico, a lei fiscal procede a uma receção da técnica contabilística, atribuindo-lhe os efeitos de uma inclusão na normatividade fiscal, sob o espetro de uma relação de dependência parcial que cabe aos sujeitos passivos respeitar e oferecer concretização.”

Assim, e como se adiantou já, o que cumpre apurar nos presentes autos de processo arbitral, é o sentido da lei fiscal – em concreto, do art.º 183.º da Lei n.º 64-B/2011 – e não a aceitabilidade, sob o ponto de vista da regulação contabilística, dos procedimentos adoptados pela Requerente, e, designadamente, da sua opção quanto ao momento em que efectuou o registo da transição de uma política contabilística para outra. Antes, o que se impõe apurar é quais os pressupostos e efeitos que a lei consagrou, na norma referida, para que os seus efeitos sejam produzidos.

                Nesta perspectiva, previamente à hermenêutica do preceito, convém ter presente a realidade substancial subjacente.

                O litígio sub iudice emerge, desde logo, porquanto, conforme entendimento da própria Autoridade Tributária, as variações patrimoniais positivas derivadas dos desvios actuariais relativos a fundos de pensões, “são, em substância, ganhos potenciais, deve-se-lhes dar o devido tratamento fiscal, isto é, não devem concorrer para a determinação do lucro tributável, nos termos do artigo 21.º do Código do IRC.” , pelo que “para efeitos contabilísticos, os montantes em excesso são registados, no momento em que se verifique a existência de tal excesso, “em outro rendimento integral””, enquanto que “para efeitos fiscais, os montantes em excesso apenas terão relevância fiscal no momento em que a empresa os venha a resgatar em seu favor”.

                Por seu lado, as variações patrimoniais negativas derivadas dos desvios actuariais relativos a fundos de pensões, “desde que cumpridas as condições estabelecidas no artigo 43.º, designadamente quanto ao método de aceitação fiscal dos gastos e dos limites previstos nos n.ºs 2 e 3, estas variações patrimoniais negativas concorrem para a formação do lucro tributável, desde que correspondam a efetivas contribuições, quer efetuadas nesse período quer em períodos anteriores. Caso contrário, não são dedutíveis.”.

                Deve, ainda atender-se a que, como se explica na Ficha Doutrinária da AT, emergente do processo 2013 002764 (PIV 5839), sancionado por despacho de 05-12-2013, do Director-Geral :

“Em 2011.06.16, o International Accounting Standards Board (IASB) emitiu emendas à IAS 19, incluindo a eliminação da opção pelo método do corredor, passando os ganhos e perdas atuariais a ser reconhecidos diretamente em capitais próprios e obrigando as entidades a reconhecer as variações ocorridas nos ativos do fundo e nas responsabilidades com planos de beneficio definido no período a que se referem. A norma é de aplicação obrigatória para períodos iniciados em ou após 1 de janeiro de 2013, sendo, no entanto, dada a possibilidade de adoção antecipada.

Com o Orçamento de Estado para 2012 é estabelecido um regime transitório de dedução para as variações patrimoniais negativas registadas no período de tributação de 2011, decorrentes da alteração, nos termos previstos na IAS19, da política contabilística de reconhecimento dos ganhos e perdas atuariais relativos a planos de pensões e outros benefícios pós-emprego de benefício definido, respeitantes a contribuições efetuadas nesse período ou em períodos de tributação anteriores.

De acordo com esse regime, essas variações patrimoniais não concorrem para os limites estabelecidos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 43.º do CIRC, sendo consideradas dedutíveis para efeitos de apuramento do lucro tributável, em partes iguais, no período de tributação que se inicie em ou após 1 de janeiro de 2012 e nos nove períodos de tributação seguintes.

Uma vez que o regime transitório em causa apenas se aplica aos casos em que a alteração da politica contabilística ocorreu no período de 2011, e não estabelece qualquer regra para os casos em que a alteração dessa politica ocorreu em qualquer outro período de tributação, não podem beneficiar deste regime as entidades que alteraram a sua politica contabilística noutro período de tributação.”.

                Aqui chegados, verifica-se então que na génese do presente litígio está, em primeira linha, a circunstância de, no ano de 2011, a Requerente ter registado um saldo positivo das variações patrimoniais relativamente ao seu Fundo de Pensões, derivado dos desvios actuariais verificados nesse exercício.

                Face a tal circunstância, assume-se como fiscalmente mais vantajoso para a Requerente que os desvios actuariais ocorridos no ano de 2011 não concorram para efeitos da norma do artigo 183.º da Lei nº 64-B/2011, de 30/12, sendo, correspectivamente, mais vantajoso para a Administração Fiscal que aqueles referidos desvios sejam computados para efeitos daquela mesma norma.

                Neste contexto, a Requerente, em suma, como se viu já, sustenta a sua posição no entendimento de que o artigo 183.º da Lei nº 64-B/2011, de 30/12, se refere, unicamente, à variação patrimonial negativa decorrente da alteração, nos termos previstos na Norma Internacional de Contabilidade n.º 19, da política contabilística de reconhecimento dos ganhos e perdas actuariais relativos a planos de pensões, enquanto que a Requerida sustenta, igualmente em suma, que aquela norma abrange todas as variações patrimoniais registadas em 2011, decorrentes da alteração da referida política contabilística.

 

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                Começando pela letra da lei, verifica-se que esta se reporta às variações patrimoniais negativas decorrentes da alteração, nos termos previstos na Norma Internacional de Contabilidade n.º 19, da política contabilística de reconhecimento dos ganhos e perdas actuariais relativos a planos de pensões.

                Face a esta previsão, e às posições das partes plasmadas nos autos, dois aspectos fundamentais se apresentam a esclarecer, a saber:

                - Se e para o cômputo do valor a considerar para efeitos do apuramento do lucro tributável, nos termos do artigo 183.º da Lei nº 64-B/2011, de 30/12, se atende apenas às variações patrimoniais relevantes, aferidas no momento do ajustamento de transição, ou se se atende também às variações patrimoniais relevantes, ocorridas na sequência daquele, registadas no exercício de 2011; e

                - Se, para aquele mesmo cômputo, relevam apenas os gastos actuariais, ou, também, os ganhos da mesma natureza.

 

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Na interpretação do artigo 183.º da Lei nº 64-B/2011, de 30/12, dever-se-á começar por atentar, como se indicou já, que o mesmo se refere a variações patrimoniais negativas registadas no período de tributação de 2011 decorrentes da alteração da política contabilística de reconhecimento dos ganhos e perdas actuariais relativos a planos de pensões.

Assim, e desde logo, será necessário ter em conta que a mera alteração da política contabilística de reconhecimento dos ganhos e perdas actuariais relativos a planos de pensões, de per si, não gera, ou altera o valor das variações patrimoniais negativas derivadas daquele reconhecimento.

Com efeito, a alteração implementada pela redacção em questão da Norma Internacional de Contabilidade n.º 19, determinou, essencialmente e como se viu também, que as perdas actuariais e financeiras passassem a ser reflectidas directamente em capitais próprios, no período em que ocorressem, e não, como acontecia com o “método do corredor”, em que os desvios acumulados dentro do limite do corredor não afectavam os resultados e os desvios acumulados que excedessem esse limite eram reflectidos nos resultados através de um plano de amortização, cujo prazo máximo correspondia à esperança média de vida activa dos trabalhadores participantes do fundo de pensões.

Deste modo, o que se alterou com a mudança de política contabilística em causa foi, fundamentalmente, que os desvios actuariais passaram a ser reconhecidos imediatamente nos resultados dos sujeitos passivos, não sendo, contudo, alterado o valor daqueles desvio.

Compreendido isso, perceber-se-á que o propósito do legislador com a norma do artigo 183.º ora em apreço terá passado, essencialmente, por atenuar o impacto negativo nos capitais próprios dos sujeitos passivos, decorrente da alteração da política contabilística em causa, impacto esse que é condicionado não só pelas variações patrimoniais negativas como, igualmente, pelas variações patrimoniais positivas.

Não está, assim, em causa naquele artigo 183.º, no que para o caso releva, compensar, de alguma forma, os sujeitos passivos por qualquer prejuízo efectivo que a alteração da política contabilística tenha dado causa.

Por outro lado, um regime que consagrasse que apenas a variação patrimonial negativa correspondente à alteração, nos termos previstos na Norma Internacional de Contabilidade n.º 19, da política contabilística de reconhecimento dos ganhos e perdas actuariais relativos a planos de pensões, releva para efeitos do artigo 183.º da Lei nº 64-B/2011, de 30/12, seria um regime facilmente manipulável pelos sujeitos passivos, na medida em que prevendo, ou constatando, estes que no decurso do ano de 2011 os desvios actuariais seriam positivos, poderiam escolher, dentro dos 365 dias daquele ano, o mais oportuno, de modo a maximizar as vantagens fiscais outorgadas por aquela norma.

Assim, dever-se-á concluir que para o regime do artigo 183.º da Lei nº 64-B/2011, de 30/12, relevarão as variações patrimoniais negativas registadas no período de tributação de 2011 decorrentes da alteração da política contabilística de reconhecimento dos ganhos e perdas actuariais relativos a planos de pensões, e não apenas a variação patrimonial negativa apurada no momento da transição para a nova política contabilística, prevista na Norma Internacional de Contabilidade n.º 19.

Este entendimento tem, julga-se, pleno acolhimento na letra da lei, uma vez que o texto normativo refere expressamente, às “variações patrimoniais negativas registadas no período de tributação de 2011 decorrentes da alteração, nos termos previstos na Norma Internacional de Contabilidade n.º 19, da política contabilística de reconhecimento dos ganhos e perdas actuariais relativos a planos de pensões”.

Com efeito, o entendimento referido tem amparo naquele texto, desde logo na medida em que é utilizado o plural – “variações patrimoniais negativas” –, depois na medida em que se refere às variações patrimoniais negativas registadas em 2011, quando devia, caso fosse intenção do legislador reportar-se apenas à variação patrimonial negativa correspondente ao ajustamento de transição, ter sido empregue uma expressão como “variações patrimoniais negativas registadas aquando da alteração, durante o ano de 2011” ou semelhante.

Acresce ainda que, as variações patrimoniais negativas registadas no final do ano de 2011, após a alteração, em momento prévio, da política contabilística em causa, podem ser consideradas como decorrentes da alteração da política contabilística, na medida em que são registadas da forma que o são, por causa e nos termos da nova política contabilística.

Assim, e em suma, julga-se que o propósito do legislador, com a norma do artigo 183.º da Lei nº 64-B/2011, de 30/12 terá sido o de considerar as variações patrimoniais negativas, registadas em 2011, que, na decorrência da nova política passaram a afectar directamente os capitais próprios do sujeito passivo, e não o de considerar, unicamente, a variação patrimonial negativa, registada no momento da transição.

 

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No que diz respeito à segunda questão acima formulada, não deve deixar de se ter em conta, antes de mais, que o texto legal, se refere expressamente à “política contabilística de reconhecimento dos ganhos e perdas actuariais”, dando assim um sinal de que esteve presente na mente do legislador a circunstância de que não só as variações actuariais em questão podem dar origem quer a ganhos quer a perdas, como de que, na perspectiva legal, as variações patrimoniais negativas elegíveis para efeitos do regime em causa, emergem do reconhecimento de ganhos e perdas actuariais.

                A utilização da expressão “variações patrimoniais negativas” não quererá, assim, indicar que o legislador não pretenda que os ganhos actuariais sejam desconsiderados para efeitos da norma em causa, mas, unicamente, que os desvios actuariais registados em 2011, decorrentes da alteração, nos termos previstos na Norma Internacional de Contabilidade n.º 19, da política contabilística de reconhecimento dos ganhos e perdas actuariais relativos a planos de pensões, apenas concorrerão negativamente para efeitos do apuramento do lucro tributável, nos termos da norma em causa.

                Ou seja, o propósito do legislador, ao empregar a expressão “variações patrimoniais negativas” terá sido o de que o artigo 183.º da Lei nº 64-B/2011, de 30/12, apenas permitisse deduções, e não acréscimos, ao lucro tributável.

                Acresce que um regime que relevasse apenas os desvios actuariais negativos registados no exercício de 2011, decorrentes da alteração, nos termos previstos na Norma Internacional de Contabilidade n.º 19, da política contabilística de reconhecimento dos ganhos e perdas actuariais relativos a planos de pensões, abstraindo dos ganhos da mesma natureza, seria notoriamente despropositado e incongruente, desde logo porquanto a própria variação patrimonial negativa resultante da operação de transição da política de contabilização dos desvios actuariais em causa, corresponde sempre a um saldo de ganhos e perdas anteriores, pelo que não se compreenderia que as variações positivas relevassem até ao momento da transição, e deixassem de relevar daí em diante.

                Daí que não se possa ter outro entendimento, julga-se, que não o de que as variações patrimoniais negativas elegíveis para efeitos do regime do artigo 183.º da Lei nº 64-B/2011, de 30/12, são as emergentes da contabilização dos ganhos e perdas acturiais verificados.

                A este propósito, note-se ainda que, como emerge do RIT (p. 13), no ano de 2011, para além da variação patrimonial relativa à transição da política de contabilização dos desvios actuariais em questão, a Requerente registou, na sequência da mudança da referida política, para além do valor relativo ao ajustamento de transição, perdas decorrentes de desvios actuariais financeiros (cerca de 52 milhões de euros), e perdas actuariais do ano (cerca de um milhão de euros), para além de ganhos relativos a alteração dos pressupostos actuariais, e ganhos actuariais do ano, registos estes que, de acordo com a nova política de contabilização, se repercutiram directamente nos capitais próprios da Requerente.

                Deste modo, e face a todo o exposto, a única interpretação plausível, com um mínimo de correspondência no texto legal e conforme à presunção de um legislador razoável, estatuída no artigo 9.º, número 3, do Código Civil, é a de que para efeitos do artigo 183.º da Lei nº 64-B/2011, de 30/12, ora em apreço, relevam as variações patrimoniais negativas registadas no período de tributação de 2011 decorrentes da alteração, nos termos previstos na Norma Internacional de Contabilidade n.º 19, da política contabilística de reconhecimento dos ganhos e perdas actuariais relativos a planos de pensões, nos termos previamente indicados, ou seja, abrangendo todos os ganhos e perdas actuariais, registados no exercício de 2011, em execução da nova política contabilística.

 

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Interpretada desta forma a norma do artigo 183.º da Lei nº 64-B/2011, de 30/12, será de concluir, então, que nada haverá a censurar à actuação da AT, na parte relativa ao Fundo de Pensões da D... que teve por base o saldo negativo de € 50.304.796,78, resultante da diferença entre a variação patrimonial negativa registada em 1 de Janeiro de 2011 (€ 102.246.356,23) e o crédito de ganhos e perdas actuariais registados no decurso do ano de 2011 ao abrigo da nova política contabilística, no montante de € 53.647.169,15, correspondente ao saldo devedor em € 48.599.187,08, a que acresce o crédito de € 1.705.609,70 relativo ao subsídio por morte, e que assim origina o montante dedutível para efeitos do disposto no artigo 183.º da Lei n.º 64-B/2011 de um décimo do valor de € 50.304.796,78, no montante de € 5.030.479,67.

Deverá, por isso e nesta parte, improceder o pedido arbitral.

 

***

Coloca-se, ainda, nos presentes autos, uma outra questão que se reporta ao englobamento das variações patrimoniais registadas pela Requerente em 2011, ao abrigo da nova política contabilística, relativas ao Fundo Pensões da D... e ao Fundo Pensões B..., a qual releva a dois níveis.

Assim, por um lado e na sequência da acção inspectiva realizada em 2012, considerou a AT que a dedução para efeitos fiscais das variações patrimoniais nos termos do artigo 183.º da Lei nº 64-B/2011, de 30/12, seria constituída pelo valor que resultava da diferença entre o saldo negativo imputável ao Fundo Pensões da D..., no montante de € 102.246.356,23, e o saldo positivo imputável ao Fundo Pensões B..., no montante de € 12.306.145.73, correspondendo ao total de € 89.940.210,50.

Por outro lado, em relação às variações patrimoniais registadas no decurso de 2011, ao abrigo da nova política contabilística, foi subtraído ao valor negativo de € 50.304.796,78, imputável ao Fundo Pensões D..., o valor positivo de € 20.507.246,22 imputável ao Fundo Pensões B..., reduzindo o saldo negativo de €  29.797.550,56.

A Requerente contesta estas correcções com base em quatro ordens de argumentos, a saber:

a) em 31 de Dezembro de 2010, a Requerente não tinha ainda adquirido o Fundo de Pensões do B..., o que só ocorreu em 4 de Abril de 2011, pelo que não apurou nenhuma variação patrimonial, relativamente àquele Fundo de Pensões, decorrente da alteração da sua política contabilística;

b) os desvios actuariais acumulados do Fundo de Pensões do B..., em 31 de Dezembro de 2010, eram positivos e ascendiam a € 12.306.143,74, não sendo aplicável por isso o regime transitório do artigo 183.º da Lei n.º 64-B/2011, que apenas se refere a “variações patrimoniais negativas”;

c) constituindo as variações patrimoniais positivas associadas a desvios actuariais do Fundo de Pensões ganhos meramente potenciais (não tendo associados qualquer resgate de activos a seu favor) não relevam para efeitos do apuramento do resultado tributável;

d) os fundos são distintos, não só no que respeita às suas características como às responsabilidades assumidas em relação aos activos por que respondem.

Relativamente a esta matéria, o Decreto-Lei n.º 12/2006, de 20 de Janeiro - que regula a constituição e o funcionamento dos fundos de pensões e das entidades gestoras de fundos de pensões -, dispõe que um 'Fundo de pensões' é um património autónomo exclusivamente afecto à realização de um ou mais planos de pensões e ou planos de benefícios de saúde (artigo 2.º, alínea c)) e encontra-se sujeito  a um regime de autonomia patrimonial, nos termos do artigo 11.º daquele mesmo diploma, preceito este que estatui, no seu n.º 1, que “sem prejuízo do disposto no artigo 81.º, o património dos fundos de pensões está exclusivamente afeto ao cumprimento dos planos de pensões, ao pagamento das remunerações de gestão e de depósito que envolva, e ao pagamento dos prémios dos seguros referidos no artigo 16.º, não respondendo por quaisquer outras obrigações, designadamente as de associados, participantes, contribuintes, entidades gestoras e depositários”.

Por outro lado, o artigo 81.º, referido naquele mesmo art.º 11.º, apenas ressalva, em caso de excesso de financiamento durante cinco anos consecutivos e por razões estruturais, que o montante do excesso à percentagem do valor actual das responsabilidades totais, pode ser devolvido ao associado, desde que se mantenha uma percentagem mínima de financiamento.

O regime legal aplicável aos fundos de pensões não admite, pelo exposto, que o excedente resultante da alteração da política contabilística relativamente ao Fundo de Pensões B... possa ser deduzido à variação patrimonial negativa apurada pela Requerente com referência a 1 de Dezembro de 2010 e no decurso de 2011, para efeito do cálculo da dedução nos termos previstos no regime do artigo 183.º da Lei n.º 64-B/2011.

Nesse sentido aponta também o parágrafo 131º da IAS 19 que, sob a epígrafe “Compensação”, estabelece que:

“Uma entidade deve compensar um activo relativo a um plano com um passivo relativo a outro plano quando, e só quando, a entidade:

  (a) tiver um direito legalmente executável de usar um excedente de um plano para liquidar obrigações do plano; e

   (b) pretender liquidar as obrigações numa base líquida ou realizar o excedente de um plano e liquidar obrigação de acordo com o outro plano em simultâneo.”

                Face ao exposto, haverá que concluir-se que o saldo positivo decorrente de desvios actuariais imputável ao Fundo de Pensões B... não poderá relevar para a determinação da variação patrimonial negativa de um outro fundo de pensões, ainda que se encontre na titularidade da Requerente, e tratando-se de um ganho potencial não materializado através de resgate - tal como se reconhece na ficha doutrinária sancionada por despacho da Subdirectora Geral de 2 de Maio de 2016, já referida - não pode ser considerado rendimento ou variação patrimonial para efeitos fiscais.

Deste modo, a variação patrimonial negativa imputável ao Fundo Pensões da D..., com referência a 31 de Dezembro de 2010, no montante de € 102.246.356,23, não pode ser influenciada pelo saldo positivo imputável ao Fundo Pensões B..., no montante de € 12.306.145,73, nem do mesmo modo, a variação patrimonial negativa imputável ao Fundo Pensões D..., registada no decurso de 2011, no montante de € 50.304.796,78, não pode ser influenciada pelo valor positivo imputável ao Fundo Pensões B..., no montante de € 20.797.550,56, devendo por isso ser anuladas as correcções ora em apreço, procedendo nessa parte o pedido arbitral.

                Em consonância, o montante dedutível para efeitos fiscais, em aplicação do disposto no artigo 183.º da Lei n.º 64-B/2011, é o que resulta da diferença entre o saldo negativo de € 102.246.356,23 e o saldo positivo de €53.647.169,15 apurados no âmbito do Fundo de Pensões da A…, pelo que o montante dedutível no exercício em causa nos presentes autos, corresponde a um décimo do valor de €50.304.796,78, ou seja, € 5.030.479,67 .

 

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Quanto ao pedido de juros indemnizatórios formulado pela Requerente, o artigo 43.º, n.º 1, da LGT estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

No caso, o erro que afecta a liquidação adicional parcialmente anulada é de considerar imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, que a praticou sem o necessário suporte factual e legal.

Tem, pois, direito a Requerente a ser reembolsada da quantia que pagou indevidamente (nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, do RJAT) por força do acto parcialmente anulado e, ainda, a ser indemnizada do pagamento indevido através de juros indemnizatórios, desde a data do correspondente pagamento, até ao seu reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

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C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar parcialmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

a)            Anular o acto de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”) n.º 2016..., de 11 de Janeiro de 2016, relativo ao período de tributação de 2013, na parte em que não considerou como montante dedutível para efeitos fiscais, em aplicação do disposto no artigo 183.ºda Lei n.º64-B/2011, um décimo do valor de €50.304.796,78, ou seja, €5.030.479,67 ;

b)           Julgar improcedente a restante parte do pedido arbitral;

c)            Condenar a AT na devolução do imposto indevidamente pago, por força da liquidação ora parcialmente anulada, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos acima fixados.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 7.273.910,98, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e dos n.ºs 2 e 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 29 de Abril de 2020

 

O Árbitro Presidente

(José Pedro Carvalho)

 

O Árbitro Vogal

(José Alberto Pinheiro Pinto – vencido conforme declaração de voto)

 

O Árbitro Vogal

(Jorge Carita)

 

 

Declaração de voto

 

 

Voto vencido, fundamentalmente pelas razões constantes da Decisão Arbitral proferida no Processo n.º 391/2019-T, que trata exatamente da mesma questão, referente à mesma Requerente e a um ano diferente, que subscrevi, e em relação à qual mantenho a mesma posição.

 

Com o devido respeito, não posso acompanhar a interpretação que, na questão de fundo, prevaleceu relativamente ao disposto no artigo 183.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro (OE/2012).

 

Estabelece esta disposição um regime especial para as variações patrimoniais negativas registadas no período de tributação de 2011 decorrentes da mudança de política contabilística relativa a planos de pensões e outros benefícios pós-emprego.

 

No referencial contabilístico em que a Requerente se achava enquadrada, estava sujeita à adoção da Norma Internacional de Contabilidade (IAS) 19, cuja redação sofreu ao longo do tempo duas relevantes alterações:

a)            A mais recente, prevista no Regulamento (UE) n.º 475/2012, que, no essencial, decretou o abandono do chamado método do corredor, o mais tardar até ao início do primeiro exercício iniciado em ou após 1 de janeiro de 2013;

b)           Uma outra, anterior, promovida pelo Regulamento (CE) n.º 1910/2005, que, entre outras, veio permitir o abandono do método do corredor, até então obrigatório, podendo esse abandono concretizar-se em períodos anuais terminados em ou após 16 de dezembro de 2004.

 

Ora, a Requerente decidiu – legitimamente, pois – alterar a sua política contabilística nesta matéria a partir de 2011 (inclusive), tendo operado a mudança através de lançamento contabilístico reportado a 1 de janeiro de 2011, por forma a que, a partir daí, o método do corredor fosse eliminado.

 

O ajustamento de transição correspondeu exatamente ao montante dos gastos atuariais de períodos anteriores que, nos termos do método do corredor, se encontravam em situação de diferimento em 31 de dezembro de 2010.

 

Considerou-se, na presente decisão, que as variações patrimoniais – inclusivamente as positivas – registadas pela Requerente ao longo do ano de 2011 seriam “decorrentes da alteração” e, daí, incorporadas no cômputo da quantia a levar a resultados fiscais nos termos do referido artigo 183.º.

 

Não posso, sempre com o devido respeito, subscrever uma interpretação como esta, quando o facto é que as variações patrimoniais, positivas ou negativas, registadas na contabilidade da Requerente em 2011, com exceção da variação patrimonial negativa relativa à mudança de política, nada tiveram a ver com a alteração da política operada em 2011 e que teriam existido mesmo que essa alteração não tivesse ocorrido.

 

O Árbitro vogal

Pinheiro Pinto