Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 488/2019-T
Data da decisão: 2020-02-17  IRC  
Valor do pedido: € 272.668,13
Tema: IRC - Perda por ajustamento do justo valor v. perda por imparidade. Deduções no Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI).
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

I – Relatório

 

1.            A contribuinte A..., S.A., com o Número de Identificação de Pessoa Coletiva ... (doravante “Requerente”), apresentou, no dia 22 de Julho de 2019, um pedido de constituição de Tribunal Arbitral Colectivo, nos termos do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”).

2.            A Requerente veio pedir a pronúncia arbitral sobre a ilegalidade dos actos de liquidação adicional de IRC e juros compensatórios relativos ao exercício de 2014, no valor global de €272.668,13, requerendo que essa liquidação fosse declarada nula e condenada a AT a pagar indemnização por garantia indevida.

3.            A Requerente alega basicamente, no Pedido de Pronúncia Arbitral, que, em resultado de uma acção de inspecção externa, a AT procedeu a correcções meramente aritméticas, e a uma consequente liquidação (e acerto de contas), que no seu entender desconsideraram injustificadamente uma perda por ajustamento do justo valor que deveria ter sido aceite no cálculo da matéria tributável, e injustificadamente anularam deduções à colecta ao abrigo do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (doravante, “RFAI”).

4.            A Requerente remata com o pedido indemnização pelos prejuízos resultantes da prestação de garantia bancária para suspender a execução do valor liquidado.

5.            O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT.

6.            O Conselho Deontológico designou os árbitros do Tribunal Arbitral Colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação.

7.            O Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 1 de Outubro de 2019; foi-o regularmente e é materialmente competente.

8.            Nos termos art.º 17.º do RJAT, foi a AT notificada, em 4 de Outubro de 2019, para apresentar resposta.

9.            A AT apresentou a sua Resposta em 6 de Novembro de 2019.

10.          Nessa resposta a AT alega fundamentalmente a improcedência dos argumentos da Requerente, insistindo na legalidade das liquidações impugnadas.

11.          O Despacho Arbitral de 7 de Novembro de 2019 dispensou a reunião prevista no art.º 18.º do RJAT, estabeleceu prazo para alegações e fixou o dia 30 de Janeiro de 2020 como data previsível para prolação e notificação da decisão arbitral final.

12.          A Requerente apresentou em 11 de Novembro de 2019 as suas alegações escritas, que se limitaram a remeter para os argumentos já apresentados no Pedido de Pronúncia Arbitral.

13.          A Requerida apresentou alegações em 12 de Novembro de 2019, igualmente limitadas a uma remissão para a sua Resposta.

14.          As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade.

15.          A AT procedeu à designação dos seus representantes nos autos e a Requerente juntou procuração, encontrando-se assim as Partes devidamente representadas.

16.          O processo não enferma de nulidades.

 

II – Fundamentação: a matéria de facto

 

II.A. Factos que se consideram provados e com relevância para a decisão

 

1)            A Requerente, em actividade desde 1969, dedica-se à produção e montagem de equipamentos metálicos destinados essencialmente às áreas de lacticínios, vinhos e outras bebidas, química e petroquímica.

2)            No final de 2014, a Requerente era detentora de 104.037 ações do B... (BB...), as quais ainda detém, e se encontram registadas numa conta “SNC 414109 Investimentos financeiros noutras empresas” pelo custo de aquisição de 145.528,33 euros.

 

3)            A análise ao balancete final de 2014 evidencia que a Requerente contabilizou, em períodos anteriores a 2014, ajustamentos numa subconta “SNC 4141092 B... Ajustamentos” no montante de 49.079,60 euros, os quais foram considerados como gasto fiscal nesses períodos, por enquadramento nos termos da alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º do CIRC.

 

4)            Em Julho de 2014, a Requerente procedeu à aquisição de 29.935 ações do B... (29.640 + 295), pelo valor global de €19.457,75.

5)            E no final do período, aquando das operações de encerramento de contas de 2014, a Requerente procedeu à contabilização de uma perda na conta “SNC 662 Perdas por redução de justo valor em investimentos financeiros”, no montante de €96.449,73, conforme lançamento n.º TDV..., de 31 de Dezembro de 2014, o qual não foi alvo de qualquer correcção fiscal, por parte do sujeito passivo, na determinação do lucro tributável.

 

6)            Reduzindo assim a zero a quantia escriturada do activo, mantendo um saldo devedor na conta SNC 414109, pelo custo de aquisição das acções, e acumulando ajustamentos credores na conta SNC 4141092 no mesmo montante total, conforme balancete final de 2014.

 

7)            Ora, o montante de €96.449,73 corresponde ao somatório da quantia escriturada a 31 de Dezembro de 2013, à cotação dessa data (104.037 acções x €1,039 = €76.991,98) com o custo de aquisição das 29.935 acções do B..., adquiridas pelo valor global de €19.457,75 (cotação de €0,65).

 

8)            Um extracto da carteira de títulos da Requerente “à guarda” do C... evidencia uma quantidade de 104.037 acções, com cotação de 0,00 euros (ou sem cotação), perfazendo um valor nulo da carteira de acções em causa.

 

9)            Sobre esse extracto, a Requerente veio a emitir o seguinte esclarecimento: “Esta redução de justo valor verificou-se nas 104.037 acções do B... detidas pela empresa. Atendendo à dimensão da participação (menor que 5%) e à circunstância de as mesmas se encontrarem cotadas em mercado regulamentado, o seu justo valor, de acordo com o SNC, é determinado pela respectiva cotação. Como se poderá constatar no Extracto da Carteira de Títulos emitido pelo banco depositário C..., a sua cotação, em 31.12.2014, era de 0,00€, pelo que, no exercício, se verificou uma perda da totalidade do seu valor (justo valor em 31.12.2013 era de 96.449,73€).”

10)         A CMVM procedeu à suspensão da negociação das acções do B..., na tarde do dia 1 de Agosto de 2014, a meio da sessão daquele dia, nos termos do artigo 214.º e da alínea b) do n.º 2 do artigo 213.º do Código dos Valores Mobiliários (CVM)

 

11)         O artigo 213.º do CVM intitula-se “Suspensão e exclusão da negociação em mercado regulamentado”, prevendo na alínea b) do n.º 2 que “a suspensão da negociação justifica-se quando: b) ocorram circunstâncias suscetíveis de, com razoável grau de probabilidade, perturbar o regular desenvolvimento da negociação”

12)         A referida suspensão foi sendo renovada a cada 10 dias, nos termos do n.º 2 do artigo 215.º do CVM, tendo culminado com a decisão de exclusão da negociação apenas no dia 1 de Fevereiro de 2016.

13)         As acções do B... continuaram, e continuam, a poder ser negociadas fora do mercado regulamentado (Euronext Lisbon), não sendo necessária qualquer autorização da CMVM, conforme esclareceu esta entidade em publicação de 6 de Outubro de 2014:

5. As ações do B... podem ser negociadas fora de mercado regulamentado enquanto se mantiver a suspensão de negociação na Euronext Lisbon?

As referidas deliberações de suspensão abrangem a negociação deste instrumento em mercado regulamentado, não sendo extensíveis a negócios de compra e venda fora de mercado. Desta forma, não é necessária qualquer autorização por parte da CMVM para operações de compra e venda fora de mercado que envolvam as ações do B...

14)         A mesma publicação da CMVM esclarece, ainda, que só após o processo de liquidação se poderá apurar se resulta algum valor para os acionistas do B...:

3. As ações do B... podem ter algum valor?

Os processos de resolução de instituições de crédito e certas empresas de investimento são regulados pela Diretiva 2014/59/EU. Neste quadro, os Estados-Membros asseguram que caso as autoridades de resolução transfiram apenas parte dos direitos, ativos e passivos da instituição objeto de resolução, os acionistas e os credores cujos créditos não tenham sido transferidos não podem ficar em pior situação do que a que teriam caso a instituição tivesse sido liquidada ao abrigo de processos normais de insolvência.

Para o efeito, os Estados-Membros asseguram que seja realizada uma avaliação, por uma pessoa independente, o mais cedo possível depois da(s) medida(s) de resolução em causa produzirem efeitos (esta avaliação é feita numa ótica de liquidação e, portanto, distinta da efetuada para efeitos de resolução).

Mas, para além disso, a Diretiva estabelece também que o eventual resultado positivo da venda do banco de transição (neste caso o C...) reverta para os acionistas e credores do banco objeto de resolução (o B...), sendo-lhes devido este valor caso ele seja superior ao valor de liquidação acima referido

Esta Diretiva, com prazo limite de transposição integral de 31/12/2014, está refletida parcialmente no Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), recentemente alterado, designadamente pelo Decreto-Lei n.º 114-A/2014, de 1 de agosto.

Da aplicação deste quadro normativo resultará o valor da indemnização eventualmente devida aos acionistas do B... e, portando, o valor patrimonial das ações sendo que os respetivos titulares assumirão prioritariamente as perdas e serão, por isso, graduados em último lugar, depois dos credores comuns e dos credores subordinados, tal como num processo de liquidação comum.

15)         De 2009 a 2014, a Requerente procedeu a dotações de RFAI (Regime Fiscal de Apoio ao Investimento) em todos os períodos, os quais foram concorrendo para a formação das deduções à coleta inscritas no campo 355 do quadro 10 da declaração de rendimentos modelo 22 de IRC desses períodos:

 

16)         Para preenchimento de outro dos requisitos do RFAI (criação e manutenção de postos de trabalho), a Requerente forneceu os seguintes dados:

 

17)         No período de tributação de 2014, a Requerente registou deduções à coleta, no campo 355 do quadro 10 da declaração de rendimentos modelo 22 de IRC, no valor de €235.780,23, dos quais €208.709,08 respeitam ao RFAI.

 

18)         A dedução do RFAI utilizada pela Requerente (€208.709,08) respeita a dotações relativas a períodos anteriores, uma vez que o saldo não deduzido transitado do período anterior (2013), ascendia a €534.552,01.

 

19)         A Requerente foi sujeita a uma acção inspectiva de âmbito parcial, cingida ao exercício de 2014, e que decorreu entre 26 de Setembro de 2018 e 19 de Março de 2019.

20)         O RIT conclui que a Requerente infringiu os artigos 17.º, 23.º, 23.º-A, 28.º-A e 31.º-B do Código do IRC, o artigo 62.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, bem como os artigos 1.º, 2.º e 3.º do RFAI (artigo 13.º da Lei n.º 10/2009, de 10 de Março, vigente para os períodos de 2009 a 2012), artigos 26.º, 27.º e 28.º do Código Fiscal do Investimento (aditado pelo artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 82/2013, de 17 de Junho, vigente para o período de 2013) e artigos 1.º, 22.º e 23.º do Código Fiscal do Investimento (publicado pelo Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de Outubro, vigente no período de 2014), incorrendo na coima prevista no n.º 4 do artigo 26.º e artigo 119.º, ambos do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho.

21)         Dessa Inspecção resultou ainda a proposta de dois tipos de correcções meramente aritméticas, umas relativas à matéria colectável por não aceitação de alguns gastos apresentados; outras relativas à colecta de imposto, por desconsideração de deduções à colecta que tinham sido efectuadas.

22)         Foram os seguintes os montantes em causa:

A) Gastos não aceites: €104.445,48

B) Imposto em falta (extinção de benefícios fiscais): €208.709,08

23)         Quanto aos gastos não-aceites, o lucro tributável da Requerente foi revisto para €1.919.307,00:

 

24)         Num quadro sintético:

 

A) IRC – Matéria colectável – TOTAL: €104.445,48

ITEM     RESUMO DA INFRACÇÃO             ARTIGOS INFRINGIDOS ARTIGOS PUNITIVOS     MONTANTE

III.1.1.1 Gastos não aceites – despesas não documentadas          23º-A CIRC          119º RGIT           €6.045,75

III.1.1.2 Gastos não aceites – donativos não aceites         23º CIRC, 62º EBF            119º RGIT           €1.500,00

III.1.1.3 Dedução indevida – majoração de donativo não aceite  23º CIRC, 62º EBF            119º RGIT           €450.00

III.1.1.4 Gasto não aceite – perda por imparidade em investimento financeiro    17º, 28º-A e 31º-B CIRC 119º RGIT                €96.449,73

 

B) IRC – Imposto – TOTAL: €208.709,08

ITEM     RESUMO DA INFRACÇÃO             ARTIGOS INFRINGIDOS ARTIGOS PUNITIVOS     MONTANTE

III.1.2.1 Dedução à colecta indevida – Regime Fiscal de Apoio ao Investimento  1º, 22º, 23º CFI 119º RGIT                €208.709,08

 

25)         A Requerente foi notificada pelo ofício n.º 80233 para exercer o seu direito de audição, e exerceu-o em 8 de Fevereiro de 2019.

26)         A Requerente solicitou um esclarecimento à Comissão de Normalização Contabilística (CNC) em 10 de Janeiro de 2019, obtendo resposta a 15 de Janeiro de 2019.

27)         Por seu lado, a AT igualmente solicitou um esclarecimento à Comissão de Normalização Contabilística (CNC) em 13 de Fevereiro de 2019, obtendo resposta a 12 de Março de 2019.

28)         A acção inspectiva concluiu-se com o Despacho do Chefe de Divisão (por delegação), de 19 de Março de 2019, concordando com as correcções técnicas em sede de IRC do ano de 2014 e determinando a alteração dos montantes propostos do resultado tributável em IRC, nos termos do art.º 16.º, 3 CIRC.

29)         Para suspender a execução do valor liquidado, a Requerente apresentou, em 18 de Junho de 2019, Garantia Bancária n.º ... prestada pelo Banco D... S.A., no montante de €345.259,71.

30)         A Requerente apresentou o seu pedido de constituição de Tribunal Arbitral Colectivo no dia 22 de Julho de 2019, dentro do prazo para a apresentação do pedido de pronúncia arbitral, tal como estabelecido no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

 

II.B. Factos que se consideram não provados

 

Com base nos elementos documentais disponibilizados nos autos e consensualmente aceites pelas partes, verifica-se que, com interesse para a decisão da causa, nada ficou por provar, não havendo controvérsia sobre a matéria de facto.

 

III – Fundamentação: a matéria de Direito

 

Dado que não foram suscitadas, pelas partes, quaisquer excepções ou questões prévias, e não se verificam nulidades processuais, estamos em condições de apreciar as questões de Direito que se apresentam.

 

III.A. Posição da Requerida no Relatório da Inspecção Tributária.

 

III.A.1. Relativamente às correcções à matéria colectável.

 

1.            O projecto de RIT assinala que a Requerente se baseia no extracto da carteira de títulos, emitido pelo C..., para considerar uma perda total da quantia escriturada (€96.449,73) que se encontrava registada na conta “SNC 414109 Investimentos financeiros noutras empresas” antes do lançamento n.° TDV-..., de 31 de Dezembro de 2014.

2.            Mas o RIT sustenta ainda que, de forma incorreta, a Requerente enquadra tal perda total nos termos da alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º do Código do IRC, ao aludir à percentagem de participação (inferior a 5%) e ao mercado regulamentado, para justificar a mensuração ao “seu justo valor, de acordo com o SNC (...) determinado pela respetiva cotação”.

3.            É que, no seu entender, a justificação da Requerente para a mensuração ao justo valor não corresponde a critérios contabilísticos, na medida em que o nível de participação (“não igual ou superior a 5%”) e o “preço formado num mercado regulamentado” são condições impostas pela legislação fiscal [artigo 18.º, 9, a) do CIRC], para efeitos de aceitação dos ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor na formação do lucro tributável.

4.            A intenção da Requerente em identificar tais condições teria sido a de querer justificar o facto de não ter efectuado, erroneamente, qualquer ajustamento fiscal no quadro 07 na declaração de rendimentos modelo 22 de IRC do período de 2014, relativamente a tal perda de 96.449,73 euros.

5.            Sublinha-se ainda o facto de haver uma contabilização incorrecta dos valores em causa: por se tratar, à data de 31 de Dezembro de 2013, de um instrumento financeiro mensurado ao justo valor, nos termos da Norma Contabilística e de Relato Financeiro (NCRF) 27, os ganhos ou perdas de valor decorrentes das oscilações na cotação das ações deveriam ter sido reconhecidos numa conta “SNC 77 Ganhos por aumentos de justo valor” ou “SNC 66 Perdas por reduções de justo valor”.

6.            Por sua vez, o investimento financeiro deveria estar contabilizado na conta “SNC 14 Instrumentos financeiros”, registado inicialmente ao justo valor, bem como as alterações de justo valor ocorridas à data de relato por contrapartida de resultados (SNC 66 ou SNC 77). Segundo a nota explicativa à conta “SNC 14 Instrumentos financeiros”, prevista na Portaria n.º 1011/2009, de 09 de setembro: “esta conta visa reconhecer todos os instrumentos financeiros que não sejam caixa (conta 11) ou depósitos bancários que não incluam derivados (contas 12 e 13) que sejam mensurados ao justo valor, cujas alterações sejam reconhecidas na demonstração de resultados. Consequentemente, excluem-se desta conta os restantes instrumentos financeiros que devam ser mensurados ao custo, custo amortizado ou método da equivalência patrimonial (classe 2 ou conta 41)”.

7.            Voltando à questão substantiva: de acordo com a NCRF 27 Instrumentos financeiros, um instrumento de capital próprio de uma outra entidade (ações) é um ativo financeiro (alínea b) do § 5).

8.            Segundo o § 11 da NCRF 27, todos os activos financeiros “são mensurados, em cada data de relato, quer:

a)            Ao custo ou custo amortizado menos qualquer perda por imparidade; ou

b)           Ao justo valor com as alterações de justo valor a ser reconhecidas na demonstração de resultados”.

9.            Assim, segundo o § 11 da NCRF 27, estando mensurados ao justo valor, os activos financeiros só são ajustados, por via das “alterações de justo valor a ser reconhecidas na demonstração de resultados” no final de cada período de relato.

10.          A alínea c) do § 12 é esclarecedora ao estabelecer que “uma entidade deve mensurar os seguintes instrumentos financeiros ao custo ou ao custo amortizado menos perda por imparidade: c) Instrumentos de capital próprio que não sejam negociados publicamente e cujo justo valor não possa ser obtido de forma fiável”.

11.          Por sua vez, o § 15 da NCRF 27 determina que “uma entidade deve mensurar ao justo valor todos os instrumentos financeiros que não sejam mensurados ao custo ou ao custo amortizado nos termos do parágrafo 12”.

12.          E o § 18 da NCRF 27 determina que “se deixar de estar disponível uma mensuração fiável do justo valor para um instrumento de capital próprio mensurado ao justo valor, a quantia escriturada do justo valor torna-se, à data da transição, a quantia de custo para efeitos da adoção do modelo do custo amortizado”. Ou seja, a quantia escriturada do investimento financeiro será utilizada como “custo considerado” para efeitos de mensuração na aplicação inicial do modelo do custo. E importa destacar que o momento para o fazer é “à data da transição”, ou seja, quando deixa de ser possível aplicar o modelo do justo valor, e não apenas no “final do período de relato”, como decorre da redacção do § 18 da NCRF 27.

13.          Da mesma forma que, no caso da mensuração ao custo, é “à data de cada período de relato financeiro” que uma entidade deve avaliar a imparidade de todos os activos financeiros que não sejam mensurados ao justo valor através de resultados (§ 23 da NCRF 27)

14.          Neste sentido, seja por via de alterações de justo valor (modelo do justo valor), seja por evidências de imparidade (modelo do custo), o reconhecimento de perdas na demonstração de resultados (SNC 66 Perdas por reduções de justo valor, ou SNC 65 Perdas por imparidade) ocorrerá somente “em cada data de relato”, ou seja, à “data de cada período de relato financeiro”.

15.          Com isto, o RIT pretendeu demonstrar que, no momento em que deixar de estar disponível uma mensuração fiável do justo valor para um instrumento de capital próprio, uma entidade deve abandonar a mensuração pelo justo valor, sendo que a quantia escriturada do investimento financeiro registada à data da transição será a quantia da mensuração inicial na transição para o modelo do custo (custo considerado), sem se efetuar previamente qualquer ajustamento de justo valor, uma vez que os mesmos somente são passíveis de efetuar à data de cada período de relato financeiro.

16.          Com efeito, caso se permitisse um ajustamento para o último justo valor disponível à “data da transição”, tal implicaria demonstrações financeiras de um determinado período de relato, emitidas sob a influência de duas políticas contabilísticas distintas (modelo do justo valor desde o início do período de relato até à “data de transição”, e modelo do custo desde a “data de transição” até ao final do período de relato), o que não se coaduna com as bases de elaboração e preparação da informação financeira decorrentes da legislação do SNC.

17.          De assinalar que esta alteração de política contabilística, e mudança de modelo de mensuração, resulta da NCRF 27, indo de encontro ao previsto na alínea a) do § 12 da NCRF 4, sendo que a forma de aplicação inicial do novo modelo de mensuração (quantia escriturada como custo considerado à data da transição) é explicitada no § 18 da NCRF 27.

18.          No caso das acções do B... detidas pela Requerente, considera então o RIT que não pode ser registada qualquer “perda por redução de justo valor”, no final do período de 2014, conforme foi contabilizada na conta “SNC 662 Perdas por redução de justo valor em investimentos financeiros”, no montante de €96.449,73 (lançamento n.º TDV-..., de 31 de dezembro de 2014), uma vez que deveria ter existido uma alteração do modelo de mensuração, do modelo do justo valor para o modelo do custo, quando foi comunicada, em 3 de Agosto de 2014, pelo Banco de Portugal, a medida de resolução do B... .

19.          Na tarde de 1 de Agosto de 2014 as acções do B... deixaram de ser negociadas num mercado regulamentado, perante as circunstâncias conhecidas que geraram volatilidade do título, com oscilações anormais, limitativas do “regular desenvolvimento da negociação”, não existindo, por isso, condições para se qualificar como um instrumento financeiro mensurável ao justo valor através de resultados (alínea a) do § 16 da NCRF 27), na medida em que deixaram de existir cotações divulgadas publicamente face à ausência de negociações e o preço não estava formado num mercado regulamentado.

20.          Daqui se deduz que, nem a 31 de Dezembro de 2014, nem sequer já em Agosto de 2014, as acções do B... detidas pela Requerente possuíam as condições necessárias para, contabilisticamente, se qualificarem como activos financeiros mensuráveis ao justo valor através de resultados. Mais especificamente, é inequívoco que a partir do momento em que é conhecida a medida de resolução determinada pelo Banco de Portugal, em 3 de Agosto de 2014, deixa de poder estar “disponível uma mensuração fiável do justo valor”, impondo-se, naquele momento, a alteração da política contabilística de mensuração do activo, mormente para efeitos de adopção do modelo do custo.

21.          Desta forma, infere o RIT, o montante de €96.449,73 euros, quantia escriturada em 4 de Agosto de 2014, deveria ter passado como “mensuração inicial” no modelo do custo, para uma nova subconta da conta “SNC 4141 Investimentos financeiros noutras empresas - participações de capital”, deixando de reconhecer todos os saldos existentes nas contas anteriormente utilizadas (SNC 414109 e SNC 4141092):

 

22.          Passando a ser utilizado o modelo do custo, logo a partir de Agosto de 2014 a mensuração da participação no B... deixa de ser passível de ajustamentos por alterações de justo valor – pela razão de este “modelo do justo valor” ter deixado de estar disponível e, por tal facto, ter ocorrido uma alteração de política contabilística.

23.          Só que o modelo do custo implica o reconhecimento de perdas por imparidade na demonstração de resultados, nos termos dos §§ 23 e 24 da NCRF 27:

“23 - À data de cada período de relato financeiro, uma entidade deve avaliar a imparidade de todos os ativos financeiros que não sejam mensurados ao justo valor através de resultados. Se existir uma evidência objetiva de imparidade, a entidade deve reconhecer uma perda por imparidade na demonstração de resultados.

24 - Evidência objetiva de que um ativo financeiro ou um grupo de ativos está em imparidade inclui dados observáveis que chamem a atenção ao detentor do ativo sobre os seguintes eventos de perda:

(a) Significativa dificuldade financeira do emitente ou devedor; (...)

(d) Torne-se provável que o devedor irá entrar em falência ou qualquer outra reorganização financeira”

24.          Tal como preconiza alínea b) do § 27 da NCRF 27, a mensuração da perda por imparidade, no caso de instrumentos de capital próprio, será dada pela diferença entre a quantia escriturada (“custo considerado” aquando da alteração de política contabilística) e a melhor estimativa de justo valor do referido ativo. Ora, nos termos do § 23 da NCRF 27, na mensuração ao custo, é “à data de cada período de relato financeiro,” que “uma entidade deve avaliar a imparidade de todos os ativos financeiros que não sejam mensurados ao justo valor através de resultados”.

25.          Atendendo às circunstâncias da resolução do B..., é plausível que a melhor estimativa da quantia recuperável (ou justo valor) das ações fosse nula, o que determinaria a contabilização de uma perda no exacto montante da quantia escriturada de €96.449,73 – mas a título de perda por imparidade, e não como perda por redução de justo valor.

26.          Só que esta distinta política de mensuração, e consequente diferente qualificação da tipologia da perda (imparidade ou redução de justo valor), ainda que desprovida de alcance prático em termos de resultado contabilístico, não é indiferente à luz da tributação em sede de IRC.

27.          Na verdade, os sujeitos passivos estão obrigados ao cumprimento do normativo contabilístico, nos termos do artigo 17.º, 1 e 3 do Código do IRC – pelo que, para efeitos fiscais, estaríamos sempre na presença de uma “perda por imparidade em investimentos financeiros”.

28.          Ou seja, não se poderia admitir o enquadramento no artigo 18.º, 9, a) do Código do IRC, na medida em que:

             A perda não respeita a um instrumento financeiro reconhecido pelo justo valor através de resultados;

             Não se trata de um instrumento de capital próprio com preço formado num mercado regulamentado.

29.          Assim, sendo tal instrumento financeiro mensurável ao custo e passível de reconhecimento de perda por imparidade, há que saber se tal perda se encontra prevista nos termos do Código do IRC.

30.          O artigo 31.º-B do Código do IRC, relativo a perdas por imparidades em activos não correntes, não contempla as perdas em investimentos financeiros, sendo restrito aos casos em que se verifique o abate físico, o desmantelamento, o abandono ou a inutilização de ativos.

31.          Por sua vez, as únicas perdas por imparidade em activos financeiros correntes previstas no Código do IRC são-no no artigo 28.º-A, e trata-se apenas das relacionadas com créditos de cobrança duvidosa, recibos por cobrar por empresas de seguros e as outras perdas específicas constituídas por entidades sujeitas à supervisão do Banco de Portugal.

32.          Por isso mesmo é que existe, no quadro 07 da declaração de rendimentos modelo 22 de IRC, um campo específico (721) que prevê expressamente o acréscimo das “perdas por imparidade fiscalmente não dedutíveis de ativos financeiros”.

33.          A ser assim, conclui o RIT, vigorará o princípio da realização, para efeitos de tributação em sede de IRC, sendo aceites fiscalmente as perdas efectivas como “gastos no período de tributação em que os elementos que lhes deram origem sejam alienados, extintos ou liquidados”, conforme se encontra implícito no artigo 18.º, 9, a) do Código do IRC, para os casos de não-aceitação fiscal do modelo do justo valor.

34.          A perda efectiva que poderia concorrer para a formação do lucro tributável só se verificará se, e quando, ocorrer a liquidação do B... e se apurarem os resultados dessa liquidação – não antes, não em nenhum período anterior àquele em que se der essa liquidação.

35.          Sendo assim, remata o RIT neste ponto, importa que a Requerente proceda ao acréscimo do montante de €96.449,73 no campo 721 do quadro 07 da declaração de rendimentos modelo 22 de IRC do período de 2014, nos termos dos artigos 17.º, 28.º-A e 31.º-B do Código do IRC.

 

III.A.2. Relativamente ao imposto em falta por indevida dedução à colecta.

 

1.            O projecto de RIT começa por caracterizar o enquadramento normativo do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI), que vigorou autonomamente entre 2009 e 2012, e do Código Fiscal do Investimento (CFI), que a partir de 2013 incorporou aquele Regime , e identificá-lo como uma derrogação do princípio comunitário da “proibição de auxílios de Estado”, dado o âmbito regional e os objectivos específicos .

2.            Recorda, de seguida, que daquele Regime (RFAI 2009, CFI 2013 e CFI 2014 ) decorrem obrigações específicas, nomeadamente a realização de investimentos que promovam a criação de postos de trabalho e a sua manutenção (art.º 2.º, 4, f) do RFAI 2009, art.º 26.º, 3, f) do CFI 2013 e art.º 22.º, 4, f) do CFI 2014), e mais especificamente investimentos em activos afectos à exploração da empresa, em activos imobilizados sejam corpóreos (activos fixos tangíveis, adquiridos em estado de novo), sejam incorpóreos (activos intangíveis, despesas com transferência de tecnologia, aquisição de direitos de patentes, licenças, «know-how» ou conhecimentos técnicos não protegidos por patente) (art.º 2.º, 2, a) e b) do RFAI 2009, art.º 27.º, 2, a) e b) do CFI 2013 e art.º 22.º, 2, a) e b) do CFI 2014).

3.            E lembra ainda que, entre várias condições cumulativas, o Regime impõe – com duas ressalvas  – a obrigatoriedade de manutenção do investimento, na empresa e na região, por um período de tempo definido:

             quatro exercícios seguintes no RFAI 2009

             cinco exercícios seguintes no CFI 2013

             cinco exercícios seguintes no CFI 2014 (a menos que se trate de micro, pequenas e médias empresas, o que não é o caso da Requerente – art.º 22.º, 4 do CFI 2014)

4.            A dedução à colecta é o benefício fiscal que decorre da verificação cumulativa de todas as condições estabelecidas no Regime, e ela traduz-se em:

             RFAI 2009 - dedução até 25% da colecta do valor correspondente a 20% do investimento relevante, relativamente ao investimento até ao montante de €5.000.000,00 (artigo 3.º);

             CFI 2013 - dedução até 50% da colecta do valor correspondente a 20% do investimento relevante, relativamente ao investimento até ao montante de €5.000.000,00 (artigo 28.º);

             CFI 2014 - dedução até 50% da colecta do valor correspondente a 25% do investimento relevante, relativamente a investimento até ao montante de €5.000.000,00 (artigo 23.º).

5.            Reconhecendo-se que, de 2009 a 2014, a Requerente procedeu a dotações de RFAI em todos os períodos, colocou-se, na acção inspectiva, a questão de saber se isso se traduziu especificamente na criação de postos de trabalho e na sua manutenção (art.º 2.º, 4, f) do RFAI 2009, art.º 26.º, 3, f) do CFI 2013 e art.º 22.º, 4, f) do CFI 2014) – afinal, como enfatiza o RIT, a própria razão de ser do benefício fiscal , já que se trata de favorecer o emprego e, através dele, de promover o desenvolvimento económico de regiões em que o nível de vida seja anormalmente baixo ou em que exista grave situação de subemprego, ou o desenvolvimento de regiões periféricas, tendo em conta a sua situação estrutural, económica e social  – e daí a excepção da proibição de auxílios de Estado, que é a regra nos termos do art.º 107.º do TFUE.

6.            No mesmo sentido, o RIT invoca a informação vinculativa referente ao processo n.º 2010..., PIV n.° ..., com entendimento sancionado por Despacho de 2010-10-27, do Diretor-Geral, que determinou (§ 1) que “apenas pode integrar o conceito de “criação de postos de trabalho” a admissão de trabalhadores através da celebração de contrato de trabalho sem termo (ou por tempo indeterminado), abrangendo a admissão de trabalhadores novos e de trabalhadores que já estivessem na empresa mas ao abrigo de um contrato com termo” – enfatizando, com a exclusão dos contratos com termo, o elemento “sustentabilidade” que resultava já do enquadramento comunitário.

7.            A mesma informação vinculativa esclarece que a condição de “criação de postos de trabalho” se considera “cumprida quando, à data de 31 de Dezembro (...) (considerando que o período de tributação do sujeito passivo coincide com o ano civil), se verifique um aumento líquido do número de trabalhadores relativamente à média dos 12 meses precedentes”, acrescentado que “pode acontecer com admissão de um único trabalhador” (cfr. artigo 12.º, 3, b) do Regulamento (CE) n.º 800/2008 da Comissão, de 6 de Agosto, e artigos 2.º, § 32 e 14.º, 9, a), do Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 16 de Junho)

8.            Quanto ao requisito “manutenção”, a informação vinculativa estabelece (§ 4), que “ainda que a empresa pudesse beneficiar da totalidade do benefício no período de tributação que se iniciou em 2009, ela teria de manter os postos de trabalho criados nos termos anteriormente referidos até ao final do período de tributação que se inicie em 2013”, ou seja, nos “quatro exercícios seguintes” – conforme impunha, à data, o artigo 3.º, 3 do RFAI 2009.

9.            O § 4 dessa informação vinculativa determina ainda claramente que os sujeitos passivos têm de “manter os postos de trabalho criados nos termos anteriormente referidos”, havendo criação de postos de trabalho quando “à data de 31 de dezembro (...) se verifique um aumento líquido do número de trabalhadores relativamente à média dos 12 meses precedentes”.

10.          Infere daqui o RIT que, se a criação é aferida em tais termos (em função do número de trabalhadores a 31 de dezembro, face à média dos 12 meses anteriores), se imporá aos sujeitos passivos a manutenção, pelo menos, do número de trabalhadores existentes a 31 de dezembro durante o número de anos seguintes estabelecido no regime aplicável (RFAI 2009, CFI 2013 ou CFI 2014).

11.          Em suma, o RIT procura enfatizar o facto de a contratação “líquida”, o incremento sustentável no nível de emprego alcançado pela entidade no período do investimento relevante, sem qualquer excepção ou quebra por toda a duração do período mínimo exigido pelo RFAI, ser um pressuposto inafastável para a concessão do benefício fiscal e para a derrogação do regime geral do art.º 107.º TFUE.

12.          Tendo a Requerente fornecido os valores relativos ao número de trabalhadores com contrato sem termo, foi possível apurar a sua média durante os 12 meses precedentes a dezembro do período n (dezembro de n-1 a novembro de n).

 

13.          Nesse quadro é possível verificar, na antepenúltima coluna, a média desses 12 meses, a qual, quando comparada com o número de trabalhadores com contratos sem termo existentes a 31 de dezembro do período n (penúltima coluna), permite aferir a ocorrência (ou não) de “aumento líquido do número de trabalhadores” em cada um dos períodos em análise (última coluna do quadro acima). Ora, a análise da última coluna do quadro acima é elucidativa de que apenas nos períodos de 2013 e 2014 se constata esse aumento líquido do número de trabalhadores (+5, +4), calculado nos termos, já aludidos, da informação vinculativa referente ao processo n.º 2010..., PIV n.º ..., do artigo 12.º, 3, b) do Regulamento (CE) n.º 800/2008 da Comissão, de 6 de Agosto, e dos artigos 2.º, § 32 e 14.º, 9, a), do Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 16 de Junho.

14.          Assim sendo, o RIT dá por não cumprida a condição obrigatória de criação de postos de trabalho nos períodos de 2009, 2010, 2011 e 2012, a imposição que invariavelmente consta de RFAI 2009, CFI 2013 e CFI 2014. – o que tem por resultado tornar ilegítimas as dotações de RFAI desses períodos de 2009 a 2012, fazendo caducar os benefícios fiscais nos termos do art.º 14.º, 2 do EBF.

15.          Além da criação de postos de trabalho, outro requisito autónomo, de verificação cumulativa, é o da manutenção desses postos de trabalho – manutenção até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objecto de investimento, nos termos do artigo 22.º, 4, c) e f) do CFI 2014.

16.          É uma manutenção por cinco anos no caso da Requerente, visto que ela não é uma micro, pequena ou média empresa – cinco anos contados a partir de 2014, mantendo uma continuidade com a imposição de 4 anos pelo RFAI 2009 e de 5 anos pelo CFI 2013.

17.          Ora, no que respeita ao período de 2014, em que se verificou a criação líquida de postos de trabalho, o RIT constata, apesar disso, uma quebra do nível de empregabilidade de trabalhadores com contrato sem termo, uma vez que, dos 332 trabalhadores existentes à data de 31 de Dezembro de 2014, apenas mantiveram os postos de trabalho 327 à data de 31 de Dezembro de 2015, conforme se evidencia pela análise da última coluna do quadro seguinte:

 

18.          Assim sendo, também aqui se verificaria um fundamento para a caducidade do benefício fiscal – por quebra no número de trabalhadores com contrato sem termo, entre o final de 2014 e o final de 2015, logo dentro do período mínimo de cinco anos de verificação dos requisitos.

19.          Relativamente ao investimento do período de 2013, a Requerente considerou elegível um total de €843.444,75, determinando-se uma dotação de 20% para efeitos do RFAI incorporado no CFI 2013(€168.688,95).

 

20.          Todavia, o RIT considera que, dos activos fixos tangíveis, só podem ser considerados aqueles que tiverem sido “adquiridos”, mais especificamente “adquiridos em estado de novo” (art.º 27.º, 2, a) do CFI 2013, aditado pelo Decreto-Lei n.º 82/2013, de 17 de Junho), o que excluiria aqueles que, tendo sido indicados pela Requerente, correspondessem a investimento em bens construídos por ela própria, não adquiridos a terceiros, antes remunerados aos próprios trabalhadores da Requerente (remetendo, para a distinção entre “adquiridos” e “construídos”, para os §§ 6, 10 e 23 da NCRF 7 do SNC). Daí, por essa razão e por algumas outras complementares (art.º 27.º, 1 e 2, a) do CFI 2013), a desconsideração de investimentos em reparações, benfeitorias e substituições em equipamentos já existentes, num montante total de €364.834,36 – porque não constituiriam novos activos:

 

21.          Também não foram considerados, nos termos do art.º 27.º, 2, a) do CFI 2013, outros investimentos num total de €49.798,16:

 

22.          O mesmo sucedendo com um investimento de €2.950,00 no sector da fundição (siderurgia), por inelegível nos termos do CFI 2013:

 

23.          Igualmente foram desconsiderados activos no valor de €4.264,20, que foram tidos como não afectos à actividade produtiva, ou porque nunca o estiveram ou porque não o estiveram pelo período mínimo exigível (art.º 27.º, 2 e 3, b) do CFI 2013):

 

24.          Do mesmo modo foi recusada, no RIT, a consideração de certos investimentos por não terem proporcionado a criação de postos de trabalho – mais um requisito cumulativo (art.º 27.º, 3, f) do CFI 2013), traduzido na exigência de que o investimento aumente a procura de trabalhadores, em resultado de a) criação de novo estabelecimento, b) expansão da capacidade produtiva de um estabelecimento existente, c) diversificação da produção ou d) da mudança do processo produtivo. O que, no entender do RIT, não se teria verificado nos seguintes casos que perfazem um total de €17.842,13:

 

25.          Finalmente, foram desconsiderados no RIT os investimentos em activos intangíveis que não constituíssem despesas com transferência de tecnologia, nomeadamente através da aquisição de direitos de patentes, licenças, know how ou conhecimentos técnicos não protegidos por patente, num montante total de €15.596,00 (art.º 27.º, 2, b) do CFI 2013) – mormente porque muitos deles constituíam mera atribuição de licenças periódicas para operar softwares massificados no mercado tecnológico, e não verdadeiras transferências de propriedade intelectual.

 

26.          Em suma, no RIT foram considerados inelegíveis para o RFAI 2013:

 

27.          O RIT assinala ainda que existe uma ligeira diferença entre o total do investimento considerado pelo sujeito passivo no Anexo D (€843.444,75) e o somatório decorrente da listagem remetida pelo mesmo em Anexo 5 (€836.214,71).

28.          Desta forma, o investimento considerado elegível pela AT ascenderá apenas a €380.929,86 (€836.214,71 – €455.284,85), ficando a dotação legítima do período de 2013 restrita a €76.185,97 (20% de €380.929,86):

 

29.          Daqui resultam consequências para o período de tributação de 2014. A Requerente registou deduções à colecta, no campo 355 do quadro 10 da declaração de rendimentos modelo 22 de IRC, no valor de €235.780,23, dos quais €208.709,08 respeitam ao RFAI:

 

30.          Verificou-se que a dedução do RFAI utilizada pela Requerente (€208.709,08) respeitava a dotações relativas a períodos anteriores, uma vez que o saldo não-deduzido transitado do período anterior (2013), ascendia a €534.552,01:

 

31.          Todas as deduções à colecta de 2009 a 2014 ficam, assim, em crise nesta interpretação do RIT: as de 2009 a 2012 de forma total – considerando-se ilegítimos os saldos transitados para 2014 (€72.802,44 + €141.100,22 + €151.960,40), a de 2013 de forma parcial (com a dotação do RFAI, considerada pela Requerente no montante de €168.688,95, a ser corrigida para somente €76.185,97), e de 2014, de novo, de forma total. Constata-se ainda que o saldo não deduzido transitado do período de 2013, no montante de €534.552,01, correspondia a parte da dotação do RFAI do período de 2010 e à integralidade das dotações dos períodos de 2011, 2012 e 2013:

 

32.          Deste modo, infere o RIT, a ilegitimidade das dotações de RFAI dos períodos de 2009 a 2012 e 2014, conjugada com a revisão da dotação do RFAI de 2013 para apenas €76.185,97, implica que não existam dotações de RFAI disponíveis para utilização como dedução à colecta no período de tributação de 2014, uma vez que a única dotação legítima ascende somente a €76.185,97 (RFAI 2013), e é imputável na sua totalidade como dedução do período de 2013 face à ilegitimidade das dotações dos períodos anteriores (2009 a 2012):

 

33.          O impacto, na liquidação do período de tributação de 2014, decorrente do indeferimento total ou parcial dos benefícios fiscais associados às dotações do RFAI dos períodos de 2009 a 2013 tem cobertura legal no art.º 45.º, 3 da LGT em termos de prazo de caducidade.

34.          E a única dedução à colecta que o RIT admite como legítima é o benefício fiscal associado ao SIFIDE 2014

 

35.          Pelo que, nos termos dos artigos 1.º, 22.º e 23.º do CFI, o RIT recomenda que a Requerente proceda à anulação integral da dedução à coleta no âmbito do RFAI, no montante de €208.709,08 (€235.780,23 – €27.071,15), no campo 355 do quadro 10 da declaração de rendimentos modelo 22 de IRC.

 

III.B. Posição da Requerente no Exercício do Direito de Audição.

 

III.B.1. Relativamente às correcções à matéria colectável.

 

1.            No exercício do direito de audição em sede de inspecção tributária, a Requerente aceitou todas as correcções à matéria tributável propostas no RIT, menos uma: a respeitante à perda por imparidade em investimentos financeiros, no montante de €96.449,73, relativa à titularidade de 104.037 acções do B... .

2.            A Requerente esclarece que a participação no B... foi contabilizada com base no justo valor, por se tratar de investimento em instrumentos de capital próprio com cotações divulgadas publicamente, e de acordo com o regime da Norma Contabilística e de Relato Financeiro 27 – Instrumentos Financeiros (NCRF 27).

3.            Essa situação enquadrava-se no regime do art.º 18.º, 9 do CIRC, na medida em que a Requerente não detinha, directa ou indirectamente, uma participação no capital desse banco igual ou superior a 5% do respectivo capital social, pelo que os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor concorriam para a formação do lucro tributável.

4.            No final de 2013 a Requerente tinha 74.102 ações do B..., contabilizadas com base nesse método do justo valor, pela cotação do último dia desse ano, que era de €1,039, sendo assim o valor global de €76.991,98.

5.            Em 28 de Julho de 2014 a Requerente adquiriu mais 29.935 acções do B..., ao preço unitário de €0,65, aumentando a participação no capital desse banco para um valor global de € 96.449,73.

6.            A suspensão da negociação em bolsa das acções do B... levou a que a última cotação conhecida fosse de 1 de Agosto de 2014, com o valor de €0,12 por acção.

7.            Com o processo de resolução, o justo valor das acções do B... passou a ser nulo.

8.            E isso determinou que a Requerente registasse na sua contabilidade uma perda por ajustamento do justo valor, no valor global de € 96.449,73.

9.            Discorda a Requerente que se trate de uma perda por imparidade, como a qualifica o RIT, já que o método do justo valor era aplicável, e foi aplicado, até à data da última cotação publicada.

10.          Recorda ainda a Requerente que, nos termos do § 18 da NCRF 27, se e quando se torne indisponível uma mensuração fiável do justo valor para um instrumento de capital próprio de uma outra entidade mensurado ao justo valor, o instrumento de capital próprio deve ser mensurado ao custo, tornando-se, à data da transição, a “quantia do justo valor” em “quantia de custo” para efeitos da adoção do modelo do custo.

11.          A Requerente infere que, desaparecendo a cotação das acções – a mensuração fiável do seu justo valor –, se transita imediatamente do “método do justo valor” para o “método do custo”, transitando igualmente, para base cálculo deste último método, a quantia escriturada de acordo com o método do justo valor.

12.          Discorda assim do entendimento plasmado no RIT, segundo o qual o momento a considerar seria o de 31 de Dezembro de 2013, e não o da última cotação disponível, 1 de Agosto de 2014 – por só se poder proceder a ajustamentos no “justo valor” na data do encerramento de contas.

13.          No entender da Requerente, as referências normativa a “data do relato” (§ 11 da NCRF 27) significam que há requisitos que têm que estar preenchidos nessa data, mas não se exclui que o estejam antes, mormente em matéria de ajustamento do “justo valor” – culminando, na “data do relato”, em demonstrações financeiras que são publicitadas e se dirigem aos destinatários normais da informação contabilística.

14.          No entender da Requerente, nada impede que as demonstrações financeiras de um determinado período de relato sejam elaboradas sob a influência de duas políticas contabilísticas distintas, de duas metodologias, não só porque é isso que resulta do § 18 da NCRF 27, como também nada o impede na legislação do SNC.

 

Consulta à Comissão de Normalização Contabilística (CNC)

 

15.          A Requerente consultou a CNC, em 10 de Janeiro de 2019, acerca da interpretação a dar ao § 18 da NCRF 27: “Dado que, após o reconhecimento inicial, a mensuração destes ativos deve ser feita, em cada data do relato, pelo justo valor (ou seja, pela cotação nessa data) e na medida em que deixe de existir divulgação de cotação a partir de um determinado dia de um dado ano, a quantia a tomar deve ser a da cotação desse dia ou a da cotação no fim do ano anterior? […] Deve ou não apurar-se na contabilidade o resultado correspondente à variação da cotação entre essas datas? Qual a quantia do custo a considerar para efeitos da adoção do modelo do custo? […] Embora me pareça que a mudança para o modelo do custo deve ser operada [na segunda das datas], com o apuramento da variação do justo valor entre [a primeira e a segunda das datas], e a consideração como custo para efeitos de adoção do modelo do custo da cotação nesta última data, gostaria de ver confirmado este entendimento, assim se dissipando quaisquer dúvidas.”

16.          E obteve, em 15 de Janeiro de 2019, uma resposta concordante da CNC: “A Comissão de Normalização Contabilística confirma o seu entendimento de que o custo a considerar para o ativo financeiro na data da transição, ou seja quando deixar de estar disponível uma mensuração fiável do justo valor, é o seu justo valor nesse momento, sendo o ganho ou perda de justo valor reconhecido nos termos previstos na NCRF 27 - Instrumentos Financeiros.”

17.          Louvando-se neste esclarecimento da CNC, a Requerente remata esta parte do exercício do Direito de Audição admitindo que não seja reconhecido fiscalmente na totalidade o gasto registado, pela consideração do valor zero para as acções do B..., mas apenas o gasto correspondente ao ajustamento do justo valor para a última cotação dessas acções, em 1 de Agosto de 2014, no montante de €0,12.

18.          Isso levaria a um montante de gasto fiscalmente aceite de €83.969,73, subtraindo-se ao valor de €96.449,73 o montante de 104.037 acções com o valor unitário de €0,12 (sendo a correspondente correcção ao lucro tributável a efectuar de €12.480,00 (ou seja, €96.449,73 – €83.969,73).

 

III.B.2. Relativamente ao imposto em falta por indevida dedução à colecta.

 

1.            A Requerente discorda da interpretação da AT, de que a redução de 332 para 327 trabalhadores com contrato sem termo, entre 31 de Dezembro de 2014 e 31 de Dezembro de 2015, seja comprovativa de uma falta de manutenção de postos de trabalho por parte da Requerente, ou que ela exclua a realização, em 2014, de investimento elegível gerador de emprego sustentável, e mantido pelo período mínimo legalmente requerido.

2.            A Requerente esclarece que a referida redução líquida global de 5 postos de trabalho observada em 2015 só ocorreu porque, nesse ano, se verificou a saída da empresa, por exclusivo motivo de reforma, de 20 colaboradores com contrato sem termo, 18 dos quais foram reformados por velhice e 2 por invalidez – tratando-se, pois, de saídas compulsivas, determinadas por motivos de índole legal, que as empresas não podem controlar – significando isso, no seu entender, que a empresa não “destruiu” emprego, mas, pelo contrário, criou 15 novos postos de trabalho (com contrato sem termo), dos quais, 13 ainda se mantêm actualmente. Além de que o nível de rendimentos dos reformados se mantém praticamente intacto, pelo que não é posto em causa o “desenvolvimento económico de regiões em que o nível de vida seja anormalmente baixo ou em que exista grave situação de subemprego”, razão última da instituição do benefício fiscal.

3.            A Requerente esclareceu ainda que se verifica uma grande escassez de oferta de trabalhadores do sector, embora ela própria tenha desenvolvido um grande esforço nessa matéria, mormente criando e mantendo um Centro de Formação Profissional.

4.            Justifica depois, em termos técnicos, a aquisição de equipamentos em Fevereiro de 2014 no valor de €324.200,00, parte principal dos investimentos de €513.113,63 que foram considerados elegíveis; sendo que esses investimentos seriam cruciais para o desenvolvimento das actividades da empresa, além de que gerou mais dois postos de trabalho em Março de 2014, os quais ainda se mantêm.

5.            Daí conclui a Requerente que não se lhe afigura que a dedução à colecta no âmbito do RFAI tenha sido ilegítima, discordando que a mesma deva ser integralmente anulada.

 

III.C. Posição da Requerida em Reacção ao Exercício do Direito de Audição.

 

III.C.1. Relativamente às correcções à matéria colectável.

 

1.            Na versão final do RIT, a AT reage às posições assumidas pela Requerente no exercício do Direito de Audição, começando pela matéria da alegada perda por imparidade em investimento financeiro, para efeitos da sua aceitabilidade nos termos dos artigos 18.º e 31.º-B do CIRC.

2.            Identifica que o que a Requerente pretende, com a defesa de que o modelo do justo valor é “aplicável (...) até à data da última cotação”, é uma divisão do montante de €96.449,73 em duas parcelas, respeitantes a duas perdas distintas:

             Perda por redução de justo valor: €83.965,29 (€96.449,73 – €12.484,44), relativa ao período de 1 de Janeiro de 2014 a 1 de Agosto de 2014 – SNC 66;

             Perda por imparidade: €12.484,44 (104.037 acções x €0,12), relativa ao período de 2 de Agosto de 2014 a 31 de Dezembro de 2014 – SNC 65.

3.            A AT mantém que, sendo a data de relato a data de referência para a elaboração das demonstrações financeiras (§ 11 da NCRF 27), impõe-se que seja utilizado o modelo de mensuração (“custo” ou “justo valor”) passível de aplicação à data de relato, que é a de 31 de Dezembro de 2014.

4.            Ora, no caso em análise, a AT sustenta que se impõe reconhecer que o “modelo do justo valor” é inaplicável à integralidade das demonstrações financeiras anuais do período de 2014, pelo que o único método legítimo para a totalidade do período é o “do custo”, tomando por referência de cálculo os valores do último relato disponível, o de 31 de Dezembro de 2013.

5.            Além disso, a AT entende ser inaceitável que duas diferentes políticas contabilísticas sejam aplicadas num mesmo ano financeiro, não só porque o estabelecem os §§ 44 e 45 da IAS 34 (normas internacionais de contabilidade adoptadas pelo Regulamento (CE) n.º 1126/2008, da Comissão, de 3 de Novembro), como também porque, em termos lógicos, a aplicação num só período de duas diferentes políticas contabilísticas implicaria resultados obscurecidos e informação incompreensível – no caso vertente, a aplicação sucessiva, num mesmo ano financeiro, do SNC 66 e do SNC 65.

6.            Daí que a AT repudie inteiramente a tese, formulada pela Requerente em sede de Direito de Audição, de que “nada impede que as demonstrações financeiras de um determinado período de relato sejam elaboradas sob a influência de duas políticas contabilísticas”.

 

Consulta à Comissão de Normalização Contabilística (CNC)

 

7.            Por essa razão, a AT requereu, em 13 de Fevereiro de 2019, uma aclaração à Comissão de Normalização Contabilística (CNC), quanto à possibilidade de apresentação de perdas de naturezas distintas num só período financeiro, à luz do § 18 da NCRF 27.

8.            Manifesta a sua oposição à ideia de que o valor da derradeira negociação de acções do B..., ocorrida a meio da tarde de 1 de Agosto de 2014, seja considerado como uma base de mensuração do justo valor e que legitima o apuramento de perdas por ajustamento de justo valor por diferença para a anterior quantia escriturada do ativo, a reconhecer em Agosto de 2014.

9.            E mais oposição ainda à ideia de que esse alegado, ou suposto, “justo valor” encontrado a 1 de Agosto de 2014 possa servir como “custo considerado” para efeitos da adopção subsequente do “modelo do custo”, a fim de, com a alteração da base de mensuração, se proceder ao registo de uma perda por imparidade no final do período de 2014, nos termos do § 24 da NCRF 27.

10.          Nessa solicitação de aclaração à CNC, a AT sublinha ainda que não se tratou de uma saída ordenada e voluntária de bolsa, antes se tratou do resultado das condições anómalas de extrema volatilidade que acompanharam a suspensão da negociação dos títulos do B..., e seguidamente o início do processo de resolução – deixando de haver cotações divulgadas publicamente face à ausência de negociações, e sem um preço formado num mercado regulamentado (face às cotações desreguladas praticadas nas últimas negociações).

11.          Nessas circunstâncias, a AT enfatiza o facto de poderem suscitar-se fundadas dúvidas quanto à formação e presença de uma base de mensuração do justo valor, dado terem deixado de verificar-se materialmente as condições pressupostas (pronta disponibilidade, regularidade) na IAS 39, norma internacional de contabilidade subjacente à redacção da NCRF 27.

12.          Defende ainda a ideia de que a situação periclitante em que se encontrava a entidade B... e a forma como decorreu a última sessão em que foram transaccionadas acções do B... não se coadunam com os requisitos impostos pela IAS 39 relativamente à mensuração pelo justo valor, pelo que não se considera que o valor da derradeira negociação a meio da tarde do dia 1 de Agosto de 2014 seja uma base de mensuração do justo valor – por outras palavras, em 1 de Agosto de 2014 já não existia, sequer, uma mensuração fiável do justo valor, pelo que sempre faltaria um dos pressupostos de aplicação do § 18 da NCRF 27, mesmo que prevalecesse a interpretação que a Requerente dele fez.

13.          Por isso é que, sustenta ainda, se afiguram como únicas razoáveis e seguras, como únicas admissíveis, as soluções que decorrem de uma conjugação de princípios contabilísticos (plasmados na IAS 39 e na NCRF 27) e ditam que a quantia escriturada do investimento financeiro seja utilizada como “custo considerado” para efeitos de mensuração na aplicação inicial do modelo do custo, mas não actualizada “à data da transição”, correspondendo apenas à quantia inicial do balanço de abertura (mensurada ao justo valor a 31 de dezembro do ano n-1), acrescida de eventuais aquisições do período n (registadas pelo preço de aquisição).

14.          Isto porque, segundo o disposto do § 11 da NCRF 27, apenas em cada “data de relato” é que os activos financeiros são mensurados “pelo justo valor com as alterações de justo valor reconhecidas na demonstração de resultados”. Assim, estando mensurados ao justo valor, os ativos financeiros só são ajustados, por via das “alterações de justo valor”, no final de cada período de relato.

15.          Na verdade, insiste a AT no seu pedido de aclaração, os ajustamentos de valor dos activos são reportados à data de relato financeiro, normalmente designados por operações de encerramento, pois é a posição àquela data que importa para aferir a posição financeira da entidade, dando cumprimento aos objetivos da informação financeira decorrentes do quadro normativo contabilístico. É por referência à data de relato que as demonstrações financeiras são elaboradas com destino aos diferentes utilizadores da informação contabilística.

16.          Assim, no momento em que deixar de estar disponível uma mensuração fiável do justo valor para um instrumento de capital próprio, uma entidade deve abandonar a mensuração pelo justo valor, sendo que a quantia escriturada do investimento financeiro registada à data da transição será a quantia da mensuração inicial na transição para o modelo do custo (custo considerado), sem se efectuar previamente qualquer ajustamento de justo valor, uma vez que os mesmos somente se podem efectuar na data de cada período de relato financeiro.

17.          Neste entendimento, a quantia escriturada do investimento financeiro à data da transição corresponderia, no caso vertente, ao valor da cotação das acções do B... a 31 de Dezembro de 2013, acrescido do custo de aquisição do lote adquirido dias antes da medida de resolução, pois não foi feito qualquer ajustamento entre 1 de Janeiro de 2014 e 1 de Agosto de 2014, por não ter existido qualquer relato financeiro intercalar.

18.          Insistindo que, caso se permitisse um ajustamento para o último (suposto) justo valor disponível à “data da transição” (agosto de 2014), tal implicaria demonstrações financeiras do período de 2014 emitidas sobre a influência de duas bases contabilísticas distintas, quando se exige a aplicação da mesma política contabilística num mesmo período, e de forma consistente entre períodos contíguos.

19.          A AT destaca ainda que no caso inverso previsto no § 19 da NCRF 27 (alteração do modelo do custo para o modelo do justo valor) está expressamente previsto, como consequência da transição, que “as variações do justo valor (são) reconhecidas na demonstração de resultados”, o que não é referido no caso do § 18 da NCRF 27. E não o é porque simplesmente não pode existir qualquer apuramento de “variações do justo valor reconhecidas na demonstração de resultados” no período de alteração do modelo do justo valor para o modelo do custo, salvo as que correspondam à diferença de valor da quantia escriturada no balanço de abertura (mensurada ao custo) face ao justo valor no final do período de relato.

20.          Desta forma, o activo financeiro, bem como os ganhos ou perdas, figurariam nas demonstrações financeiras com base num único modelo de mensuração (modelo do custo), uma vez que a quantia escriturada inicial do balanço de abertura (acrescida de eventuais aquisições do período) seria a adoptada para “custo considerado”.

21.          Realça, ainda, que a redacção do § 18 da NCRF 27 refere “a quantia escriturada do justo valor torna-se, à data da transição, a quantia de custo”, o que é substancialmente diferente de uma redacção que dissesse “a quantia do justo valor à data da transição torna-se a quantia de custo” – uma diferença de construção que a AT tem por esclarecedora, pois parece afastar qualquer ideia de, na data de transição, se ajustar a quantia escriturada para o último (suposto) justo valor.

22.          Dada a necessidade de uniformidade e consistência no interior de um mesmo e único período financeiro, infere a AT que, mesmo que houvesse relato financeiro intercalar (e não houve), se imporia a aplicação retrospetiva para “assegurar que uma só política contabilística seja aplicada a uma determinada classe de transações ao longo de todo o ano financeiro” (§ 44 da IAS 34).

23.          Destes considerandos faz a AT resultar três questões que coloca à CNC:

I.             Com base na IAS 39, pode ou não ser considerado como base de mensuração do justo valor o preço da derradeira cotação de ações, na sequência de uma medida imposta por um organismo regulador que põe em causa a continuidade de uma entidade?

II.            Com base na IAS 39 e NCRF 27, existe ou não lugar a algum ajustamento intercalar resultante de variações de justo valor, antes da alteração da base de mensuração, no momento imediatamente prévio à transição do modelo do justo valor para o modelo do custo?

III.          Com base na IAS 8, IAS 34 e NCRF 4, ainda que uma entidade emita demonstrações financeiras com uma periodicidade inferior a um ano (mensal, trimestral ou semestral), no âmbito do relato financeiro intercalar (obrigatório ou voluntário), haveria ou não lugar à aplicação retrospetiva, revertendo todos os ajustamentos decorrentes da aplicação do modelo do justo valor, registados em períodos de relato intercalares anteriores, aquando da transição para o modelo do custo e no caso de ser este modelo (custo) que vigore como política de mensuração aplicada ao período de relato anual?

 

24.          A Comissão de Normalização Contabilística respondeu em 12 de Março de 2019, contrariando o entendimento subscrito pela AT.

25.          Relativamente à questão I, a CNC entendeu que não existia, no momento da suspensão da negociação das acções do B..., evidência de que o referido preço não refletisse o justo valor naquela data – pelo que, face ao regime da NCRF 27, “o último preço da cotação poderá ser utilizado como justo valor nessa data”.

26.          Relativamente à questão II, a CNC observa que o facto de o parágrafo 11 da NCRF 27 referir que os activos financeiros são mensurados em cada data de relato, este parágrafo por si só não impede que essa mesma forma de mensuração se aplique em outras datas. Desta forma, até à data em que deixa de existir uma mensuração fiável do justo valor, o activo financeiro deve manter-se mensurado pelo justo valor, não sendo aplicável o reconhecimento de imparidades – remetendo para a IAS 39, que no seu § 54 esclarece que a data de transição corresponde à data em que deixa de estar disponível uma medida fiável de justo valor, e no seu § 46 determina que a mensuração pelo justo valor deverá ser aplicada após o reconhecimento inicial, não exigindo que o mesmo seja efectuado apenas, e somente, em cada data de relato.

27.          Relativamente à questão III, a CNC lembra que, de acordo com o § 14 da NCRF 4, não são alterações de políticas contabilísticas: 1) A aplicação de uma política contabilística para transacções, outros acontecimentos, ou condições, que difiram em substância daqueles que ocorreram anteriormente; e 2) A aplicação de uma nova política contabilística para transacções, outros acontecimentos ou condições, que não ocorreram anteriormente ou eram imateriais. Ora, para o CNC, a situação descrita no parágrafo 18 da NCRF 27, a de deixar de estar disponível uma mensuração fiável do justo valor para um instrumento de capital próprio mensurado ao justo valor, não deve ser entendida como uma alteração de política contabilística uma vez que se trata de aplicação de uma política contabilística a condições que diferem em substância daquelas ocorridas anteriormente. Nestes termos, conclui a CNC que não há lugar à aplicação retrospectiva, não se devendo reverter os ajustamentos que decorreram da aplicação do justo valor ao instrumento de capital próprio reconhecidos em períodos anteriores.

28.          A AT não se conformou com a resposta da CNC, em especial porque esta resposta se restringiu explicitamente ao regime da NCRF 27, o que no entender da AT teria determinado uma distorção daquilo que resulta das imposições das normas internacionais de contabilidade e teria gerado soluções truncadas e dificilmente compreensíveis dentro do quadro global do Sistema de Normalização Contabilística (SNC), todo orientado para a harmonização contabilística a nível internacional, seguindo o exemplo da aproximação da União Europeia às normas do International Accounting Standards Board (IASB).

29.          Mais especificamente, a AT recorre ao ponto 1.4 do SNC publicado em anexo ao Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de Julho, que prevê que “sempre que o SNC não responda a aspetos particulares de transações ou situações, que se coloquem a dada entidade em matéria de contabilização ou de relato financeiro (...), o recurso, supletivamente e pela ordem indicada: as normas internacionais de contabilidade (NIC), adotadas ao abrigo do Regulamento (CE) n.° 1606/2002, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Julho; às normas internacionais de contabilidade (IAS) e normas internacionais de relato financeiro (IFRS), emitidas pelo IASB, e respetivas interpretações SIC-IFRIC.”

30.          Isso teria impedido a CNC de pronunciar-se adequadamente sobre a forma como as IAS 39 e IAS 34 impedem a consideração da “derradeira cotação das acções do B...” como base fiável de mensuração do justo valor ou como justificação para o recurso a ajustamentos intercalares dentro de um período anual, em detrimento do princípio da unidade de política contabilística dentro de um mesmo e único período económico.

31.          Isso teria levado a CNC a ficcionar a existência de uma última cotação fiável, quando ela não é aceitável de acordo com os critérios dos §§ AG69 e AG71 do anexo à IAS 39 – já que não havia continuidade da entidade emitente dos títulos, e os preços cotados deixaram de estar pronta e regularmente disponíveis.

32.          Por outro lado, insiste que, mesmo que houvesse relato financeiro intercalar, se imporia a reversão dos ajustamentos para “assegurar que uma só política contabilistica seja aplicada a uma determinada classe de transações ao longo de todo o ano financeiro”, conforme estipula o § 44 da IAS 34, que é supletivamente aplicável face à ausência de norma expressa sobre o tema no SNC.

33.          Discorda ainda do entendimento de que após a transição do “modelo do justo valor” para o “modelo do custo” a entidade já poderia passar a reconhecer imparidades, tal como poderia, antes dela, medir o justo valor em qualquer data, porque ambas as soluções contrariam o § 11 da NCRF 27, que remete exclusivamente para a data de relato financeiro, como operações de encerramento – e supletivamente o § 44 da IAS 34, que determina que uma só política contabilística seja aplicada a uma determinada classe de transacções ao longo de todo o ano financeiro.

34.          A AT insiste que a questão que colocou à CNC não respeitava à reversão de ajustamentos ocorridos em períodos anuais anteriores, mas sim à reversão dos “ajustamentos decorrentes da aplicação do modelo do justo valor, registados em períodos de relato intercalares anteriores” dentro do mesmo período anual de reporte. E que, apesar de não se tratar de uma alteração de política contabilística, mesmo que houvesse ajustamentos intercalares de justo valor durante um período anual de relato, se impunha a reversão dos mesmos para “assegurar que uma só política contabilística seja aplicada a uma determinada classe de transações ao longo de todo o ano financeiro”.

35.          A AT concluiu que, face aos contraditórios, ao direito de audição exercido pelo sujeito passivo e à resposta da CNC, não havia que alterar as propostas de correcção contidas no projecto de RIT em sede da correção da perda no activo financeiro, a qual apenas se poderá qualificar, integralmente, como uma perda por imparidade no período de 2014.

36.          Em consequência, sustenta que vigora o princípio da realização, pelo que só aquando da liquidação da entidade B..., e do apuramento do resultado de tal processo, a Requerente verá realizada a perda efetiva, podendo tal quantia concorrer para a formação do lucro tributável desse período.

 

III.C.2. Relativamente ao imposto em falta por indevida dedução à colecta.

 

1.            A Requerida regista que a Requerente, no exercício do direito à audição, apenas se opõe à anulação integral das deduções à colecta – daí deduzindo que a Requerente não se opõe a uma anulação parcial.

2.            Assim, como no projecto de RIT se propunha a desconsideração das dotações de RFAI referentes aos períodos de 2009 a 2012 e 2014, e parcialmente a referente a 2013, e a Requerente só contraditou a de 2014, deduz que haverá concordância quanto às demais.

3.            Quanto à manutenção dos postos de trabalho em 2014, a AT de novo invoca a Informação Vinculativa processo n.º 2010..., PIV n.º..., de 2010-10-27, que estabelecia que a verificação da condição “criação de postos de trabalho” seja dada por “cumprida quando, à data de 31 de Dezembro (...) (considerando que o período de tributação do sujeito passivo coincide com o ano civil), se verifique um aumento líquido do número de trabalhadores relativamente à média dos 12 meses precedentes” (§ 2 da Informação Vinculativa) – acrescentando que esta orientação se coaduna com a solução estabelecida no Regulamento (UE) n.º 651/2014, da Comissão, de 16 de Junho (RGIC).

4.            Quanto ao argumento de que as saídas foram causadas por motivos de reforma, a Requerida sustenta que se não existir uma substituição dos trabalhadores reformados, tal significa que o investimento efectuado em 2014 não foi gerador de postos de trabalho, na medida em que a entidade empregadora não procede à contratação sem termo de novos trabalhadores para os lugares daqueles que saíram.

5.            Entende a AT que, sendo objectivo do RGIC que o rendimento per capita aumente, que haja desenvolvimento e não estagnação, e muito menos degradação do nível de vida das pessoas, se não ocorrer a substituição dos trabalhadores e se permitir a quebra dos postos de trabalho, haveria simplesmente uma diminuição (se forem para o desemprego) ou uma estagnação (se forem para outra entidade ou se reformarem).

6.            A AT lembra que o valor do número de trabalhadores com contratos sem termo, no final de 2015, se cifra apenas em 327 trabalhadores, que é inferior, inclusivamente, à média dos 12 meses precedentes a Dezembro de 2014, que se calculou em 328 trabalhadores.

 

7.            Isto significa que atendendo ao número de trabalhadores no final de 2015 (327), não se daria por cumprida a condição de criação de postos de trabalho no período de 2014, perante a média dos 12 meses precedentes (328). E esta evidência comprovaria, no entendimento da AT, que o investimento de 2014 não proporcionou uma criação líquida de postos de trabalho, quanto mais a manutenção.

8.            Isto significa que o que se exige a uma grande empresa – como é a Requerente – é que, como entidade empregadora, mantenha a criação de postos de trabalho durante os 5 anos seguintes, tendo por referência os termos em que foi aferida tal criação, ou seja, face à média dos 12 meses precedentes a 31 de Dezembro do ano do investimento. Na interpretação da AT, isso implica que durante os 5 anos seguintes o número de trabalhadores com contrato sem termo, a 31 de Dezembro, tem de ser sempre, pelo menos, superior (e não apenas igual) à média dos 12 meses precedentes a 31 de dezembro do ano do investimento.

9.            Quanto à manutenção do rendimento dos reformados, a AT lembra que o desiderato supremo do RGIC é que o rendimento per capita aumente, que haja desenvolvimento e não estagnação. E se não ocorrer a substituição dos trabalhadores reformados, em caso de quebra dos postos de trabalho, haverá simplesmente uma estagnação ou redução ligeira do rendimento per capita.

10.          A AT entende serem irrelevantes, para efeitos de dotação no âmbito do RFAI, sejam os esforços de contratação de pessoal especializado, seja a aquisição de maquinaria tecnologicamente sofisticada, se eles não se traduzirem efectivamente em criação e manutenção de postos de trabalho – pressupostos sem os quais todo o regime deixa de fazer sentido.

11.          A AT conclui que, face ao contraditório suscitado pelo exercício do direito de audição pela Requerente, não se afiguram necessárias alterações às propostas de correcção em sede de IRC contidas no projeto de RIT.

 

III.D. Posição da Requerente no Pedido de Pronúncia Arbitral.

 

III.D.1. Relativamente às correcções à matéria colectável.

 

1.            No Pedido de Pronúncia Arbitral, a Requerente reitera que não quer impugnar todas as correcções à matéria tributável resultantes do RIT, mas somente a perda por imparidade em investimentos financeiros, consistentes em 104.037 acções de que a Requerente era titular no B..., com um valor contabilístico de €96.449,73.

2.            A Requerente mantém que, face aos eventos da resolução do B..., o justo valor das acções passou a ser nulo, registando-se com isso uma perda por ajustamento do justo valor no referido montante de €96.449,73, uma perda relevante fiscalmente; e recusa que se trate de uma simples perda por imparidade, fiscalmente não reconhecida no âmbito do princípio da tipicidade vigente neste domínio em IRC – como se sustentava no RIT.

3.            A Requerente admite, quando muito, que haja uma perda por imparidade depois da “data de transição” a que alude o § 18 da NCRF 27; mas não antes.

4.            Reitera a sua tese de que o valor a considerar é o da data da última cotação (1 de Agosto de 2014) e não a data do último relato financeiro (31 de Dezembro de 2013), porque é só a partir de 1 de Agosto que deixa de haver possibilidade de medir rigorosamente o “justo valor”.

5.            E mantém que as referências normativas no SNC à “data de relato” significam somente que tem que haver informação nessa data, mas não impedem que haja informação noutras datas, com ajustamentos contabilísticos intercalares.

6.            E lembra ainda que a CNC deu inteira razão à sua leitura do § 18 da NCRF 27.

7.            Daí retira, em conclusão, que as correcções à matéria colectável, e subsequentes liquidações, devem ser anuladas, ao menos parcialmente: se não os €96.449,73 da “cotação zero”, ao menos os €83.965,29 (€96.449,73 – €12.484,44) da cotação a €0,12.

8.            E sustenta que a AT infringiu o disposto nos artigos 17.º, 23.º, 23.º-A e 31.º B do CIRC, por errada qualificação e quantificação da matéria tributável (art.º 99.º, a) do CPPT).

 

III.D.2. Relativamente ao imposto em falta por indevida dedução à colecta.

 

1.            No Pedido de Pronúncia Arbitral, a Requerente insiste que cumpriu todos os requisitos para a aplicação do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI).

2.            A Requerente faz uma leitura distinta do Regulamento (UE) n.º 651/2014, sustentado que o que ali se exige é que possa verificar-se, por comparação inter-temporal, que ocorreu um aumento de um número de trabalhadores, seguindo-se a exigência de que os postos que foram criados sejam mantidos por um período de 5 anos – no sentido de que os trabalhadores admitidos durante esse período e contabilizados para o efeito desse regime devem permanecer por um mínimo de 5 anos, ou ser substituídos em igual número, caso saiam – evitando-se que os beneficiários do regime extingam os postos de trabalho cuja criação foi condição para a atribuição do benefício.

3.            Ora, salienta a Requerente, no final de 2017 a empresa tinha 348 trabalhadores, mais do que os 316 de Dezembro de 2014; e, longe de “destruir emprego”, no próprio ano de 2014 a Requerente criou 15 novos postos de trabalho, entre os quais 2 relativos ao maior investimento desse ano, uma máquina no valor de €324.200,00 (num total de despesas elegíveis de €513.113,63).

4.            Adianta ainda a Requerente que, ao considerar não cumprida a condição obrigatória de criação de postos de trabalho nos períodos de 2009, 2010, 2011 e 2012, a AT esquece o disposto no art.º 14.º, 4, b), que permite que o “aumento líquido” ocorra no prazo de 3 anos apos a conclusão dos trabalhos – sendo que de 2012 para 2013 foram criados 17 postos de trabalho, preenchendo assim os requisitos dos 3 anos anteriores (2012, 2011 e 2010), pelo que só relativamente a 2009 é que o dito requisito “instantâneo” do art.º 14.º, 4, b) deixou de ser cumprido pela Requerente. De qualquer modo, ao pretender corrigir (com efeitos retroactivos) as dotações de RFAI dos períodos de 2009 a 2012, a AT incorreu na violação do disposto no art.º 45.º da LGT, que estabelece um prazo máximo de 4 anos para a liquidação de impostos e sua revisão.

5.            A Requerente também se opõe à desconsideração, pela AT, de um investimento no montante de € 364.834,36 com o argumento de não se tratar de “activos fixos tangíveis, adquiridos em estado de novo”, antes de activos “construídos”, para efeitos do art.º 27.º, 2, a) do CFI 2013 e da NCRF 7 do SNC – realçando que essa dicotomia não existe, dada a convergência de regimes, e que sobretudo se perfilha um entendimento escusadamente restritivo sobre o que seja “adquirido” (até porque, no entender da Requerente, os bens “construídos” também são “adquiridos”, não obstante poderem não ser comprados).

6.            Por fim, a Requerente não se conforma com uma anulação de uma dedução respeitante a despesas com transferência de tecnologia, no valor de €15.596,00, ainda que deixe cair as deduções relativas aos investimentos em reparações, benfeitorias e substituições (no valor de €49.798,16), em actividade não elegível (no valor de €2.950,00), em activos não afectos à actividade produtiva (no valor de €4.264,20), e ao investimento que não proporciona a criação de postos de trabalho (no valor de € 17.842,13).

7.            Conclui a Requerente que a AT, ao efectuar tais correcções e as correcções técnicas à matéria tributável de 2014, e ao liquidar o IRC desse exercício nessa conformidade, violou o disposto no art.º 27.º, 2, a) e b) do CFI de 2013, no art.º 14.º, 9 do Regulamento n.º 651/2014, de 16 de Junho, e disposições equivalentes do Regulamento n.º 800/2008, de 6 de Agosto, da Lei n.º 10/2009, de 10 de Março, da Lei n.º 82/2013, de 17 de Junho e do Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de Outubro, e ainda o art.º 45.º da LGT ― o que constitui fundamento de impugnação judicial dos actos de liquidação, por errada qualificação e quantificação de factos tributários (art.º 99.º, a) do CPPT).

 

III.D.3. Relativamente à indemnização por prestação de garantia.

 

Para efeitos do disposto no art.º 53.º, 1 e 2 da LGT, a Requerente declarou ter prestado garantia bancária com vista a suspender a execução do valor liquidado, pelo que, no caso de procedência do pedido de declaração de ilegalidade, por erro imputável aos serviços da AT, lhe assistiria direito a ser indemnizada pelos prejuízos resultantes da sua prestação.

 

III.E. Posição da Requerida na Resposta.

 

III.E.1. Relativamente às correcções à matéria colectável.

 

1.            Na sua Resposta a AT retoma as posições já expendidas na versão final do RIT, sustentando que a Requerente averbou em 2014 puras perdas por imparidade, calculáveis pela “mensuração inicial” no modelo do custo, e insusceptíveis, mesmo retroactivamente (em homenagem à uniformidade no período anual), de ajustamentos por alterações de justo valor.

2.            Assim sendo, essas perdas seriam fiscalmente irrelevantes, por não caberem na previsão do art.º 28.º-A do CIRC e por serem afastadas pelo art.º 31.º-B do CIRC; e para elas vigoraria o principio da realização, para efeitos de tributação em sede de IRC, sendo as perdas efetivas aceites fiscalmente como “gastos no período de tributação em que os elementos que lhes deram origem sejam alienados, extintos ou liquidados”, conforme se encontra implícito no artigo 18.º, 9, a) do C IRC para os casos de não aceitação fiscal do modelo do justo valor.

3.            Assim, só aquando da liquidação da entidade B..., e do apuramento do resultado de tal processo, o sujeito passivo veria realizada a perda efetiva, podendo tal quantia concorrer para a formação do lucro tributável desse período.

4.            Mantém, por isso, que, ao abrigo do disposto nos artigos 17.º, 28.º-A e 31.º-B do CIRC, foi válida a correcção ao lucro tributável, no montante a acrescer de € 96 449,73.

 

III.E.2. Relativamente ao imposto em falta por indevida dedução à colecta.

 

1.            A AT sustenta que foi correcta a resolução dos benefícios fiscais invocados pela Requerente, por incumprimento por ela da obrigação de criação de postos de trabalho nos períodos de 2009 a 2012.

2.            E que o mesmo é válido quanto à não-manutenção de postos de trabalho, dada a quebra de 332 trabalhadores no final de 2014 para 327 trabalhadores no final de 2015 – defendendo a AT que a norma do art.º 22.º, 4, f) do CFI seja interpretada de acordo com o previsto no RGIC, impondo-se a verificação da “criação de emprego” não só relativamente ao estabelecimento, mas também quanto ao investimento relevante para efeitos de RFAI, que deverá gerar, ele próprio, novos postos de trabalho, impondo-se ainda condições quanto à manutenção dos novos postos de trabalho proporcionados pelo investimento.

3.            Discorda, assim, da interpretação da Requerente quando esta sustenta que os únicos postos de trabalho que deverão ser mantidos durante os cinco anos seguintes à realização do investimento relevante são os que foram criados através do próprio investimento, como contrapartida do benefício fiscal.

4.            A AT assinala o reconhecimento, pela Requerente, de que não cumpriu o requisito da criação líquida de postos de trabalho no ano de 2009

5.            Quanto aos anos seguintes de 2010 a 2012, em que a Requerente defende o cumprimento de mencionada condição de criação líquida de postos de trabalho – assente na alegada criação de 17 postos de trabalho em 2013 face a 2012, e invocando o prazo de 3 anos previsto no artigo 14.º, 9, b) do Regulamento (EU) n.º 651/2014, a AT contra-argumenta que esse Regulamento não é aplicável aos auxílios estatais (nomeadamente benefícios fiscais concedidos) previstos no RFAI.

6.            Conclui a AT que a Requerente não cumpriu, nos anos de 2009 a 2012, a condição prevista no RFAI quanto à criação líquida de postos de trabalho pelo investimento em causa.

7.            Alega ainda a Requerida que não ocorreu qualquer caducidade do direito de proceder à correcção das dotações de RFAI referentes aos anos de 2009 a 2012, e consequentemente do direito de não aceitar a sua dedução à colecta do ano de 2014 (por via do reporte) – remetendo para o art.º 45.º, 3 da LGT que estabelece que “em caso de ter sido efetuada qualquer dedução ou crédito de imposto, o prazo de caducidade é o do exercício desse direito”; e ainda, na medida em que a duração da acção inspectiva não ultrapassou o prazo de seis meses contados da data da notificação da Ordem de Serviço, por se ter verificado a suspensão do prazo de caducidade previsto no art.º 46.°, 1 da LGT.

 

III.E.3. Relativamente à indemnização por prestação de garantia.

 

1.            Quanto ao pedido de indemnização por prestação de garantia bancária no processo executivo instaurado para cobrança coerciva do montante apurado na liquidação contestada, para os efeitos do disposto no artigo 53.º, 1 e 2 da LGT, a AT alega que, na medida em que a referida liquidação não enferma das ilegalidades apontadas, sendo, portanto, de manter na ordem jurídico-tributária, não assiste à Requerente o direito a qualquer indemnização.

2.            Não obstante – remata a AT –, ainda que assim não se ajuizasse, sempre a Requerente teria de fazer prova dos alegados prejuízos sofridos em resultado da prestação de garantia bancária, o que não fez.

 

III.F. Do Mérito da Causa.

 

III.F.1. Relativamente às correcções à matéria colectável.

 

Já no exercício do direito de audição, no âmbito da inspecção tributária, a Requerente obteve da Comissão de Normalização Contabilística (CNC) uma resposta concordante com a sua interpretação do § 18 da Norma Contabilística e de Relato Financeiro 27 – Instrumentos Financeiros (NCRF 27): “o custo a considerar para o ativo financeiro na data da transição, ou seja quando deixar de estar disponível uma mensuração fiável do justo valor, é o seu justo valor nesse momento”.

Tal interpretação é discordante da subscrita pela AT, e isso explica que esta tenha igualmente consultado a CNC, obtendo uma resposta que confirma essa interpretação discordante da CNC relativamente ao entendimento subscrito pela AT: sustentando que “o último preço da cotação poderá ser utilizado como justo valor nessa data”, esclarecendo que o § 46 da IAS 39 determina que a mensuração pelo justo valor deverá ser aplicada após o reconhecimento inicial, não exigindo que o mesmo seja efectuado exclusivamente em cada data de relato, e deixando claro que, no entendimento da CNC, a situação descrita no § 18 da NCRF 27 não deve ser entendida como uma alteração de política contabilística, uma vez que se trata de aplicação de uma política contabilística a condições que diferem em substância daquelas ocorridas anteriormente (aplicando o estabelecido no § 14 da NCRF 4).

Louvando-se no entendimento veiculado pela CNC, a Requerente, já no exercício do direito de audição, admitiu estar-se na presença de duas perdas distintas:

1)            uma redução do justo valor, de 1 de Janeiro a 1 de Agosto de 2014, no valor de €83.965,29;

2)            uma perda por imparidade, de 2 de Agosto a 31 de Dezembro, no valor €12.484,44.

O gasto fiscalmente aceite deveria ser, portanto, de €83.965,29, e não já de €96.449,73, como inicialmente indicado, admitindo a Requerente a correcção ao lucro tributável no valor de €12.484,44 (o valor da imparidade não aceite fiscalmente).

No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente parece regressar à ideia de uma perda por ajustamento do justo valor, fiscalmente relevante, no montante total de €96.449,73; mas na verdade concede que haja uma perda por imparidade depois da “data de transição” a que alude o § 18 da NCRF 27, ou seja depois de 1 de Agosto de 2014.

 

Não obstante a inconformação da AT com as respostas da CNC, e a sua insistência na tese de que as perdas averbadas pela Requerente em 2014 são todas elas puras perdas por imparidade, afigura-se a este tribunal que, com as respostas da CNC, a questão ficou resolvida:

1)            Seja porque se trata de matéria de controvérsia contabilística na qual a Comissão de Normalização Contabilística goza de autoridade, como aliás as partes reconheceram recorrendo ambas a ela – afigurando-se que, ao fazê-lo, ambas as partes devem lealmente aceitar as respostas solicitadas, desde que devidamente fundamentadas;

2)            Seja porque a fundamentação das respostas da CNC é clara e remete para um quadro normativo que recobre a situação em litígio – não havendo, pois, razões jurídicas que aqui devam sobrepor-se às regras contabilísticas;

3)            Seja porque, sem condicionais ou adversativas, as respostas da CNC dão inteira razão à Requerente, e a negam inteiramente à Requerida.

 

Tudo razões para se entender que, quanto ao único ponto que ficou em aberto relativamente às correcções à matéria colectável, o gasto fiscalmente aceitável deve ser de €83.965,29, sendo de €12.484,44 o valor da correcção a efectuar.

 

III.F.2. Relativamente ao imposto em falta por indevida dedução à colecta.

 

No exercício do direito de audição, no âmbito da inspecção tributária, e novamente no pedido de pronúncia arbitral, a Requerente reconhece que parte da dedução à colecta é anulável, discordando somente da anulação integral dessa dedução.

 

A Requerente chega a suscitar, incidentalmente, um problema de caducidade, ao invocar o art.º 45.º da LGT para sustentar que foi ultrapassado o prazo máximo de 4 anos para revisão de impostos – o que, no seu entender, seria o objectivo da AT ao pretender corrigir retroactivamente as dotações de RFAI para os anos de 2009 a 2012.

Tem razão neste ponto a Requerida, ao alegar que se tratou somente de não aceitar a dedução de tais dotações de 2009 a 2012 à colecta de 2014, por via do reporte, não tendo ocorrido, portanto, qualquer caducidade  – e remetendo para o art.º 45.º, 3 da LGT que estabelece que “em caso de ter sido efetuada qualquer dedução ou crédito de imposto, o prazo de caducidade é o do exercício desse direito” – notando ainda que a duração da acção inspectiva não ultrapassou o prazo de seis meses contados da data da notificação da Ordem de Serviço, por se ter verificado a suspensão do prazo de caducidade previsto no art.º 46.°, 1 da LGT.

 

São dois os pontos controversos que subsistem, relativamente aos quais a Requerente mantém a pretensão de deduzir os respectivos custos à colecta:

1)            O impacto da redução líquida global de 5 trabalhadores com contrato sem termo (de 332 para 327), entre 31 de Dezembro de 2014 e 31 de Dezembro de 2015, na aplicação do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI 2009, CFI 2013 e CFI 2014), para efeitos de preenchimento, ou não, dos requisitos de a) manutenção de postos de trabalho e de b) realização, em 2014, de investimento elegível gerador de emprego sustentável, e mantido pelo período mínimo legalmente requerido.

2)            A indispensabilidade, para o desenvolvimento das actividades da empresa e para a geração de emprego sustentável, de equipamentos adquiridos em Fevereiro de 2014 e parte principal dos investimentos que foram considerados elegíveis.

 

Comecemos por lembrar que a dedução à colecta é o benefício fiscal que decorre da verificação cumulativa de todas as condições estabelecidas no Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI 2009, CFI 2013 e CFI 2014), especificamente a realização de investimentos relevantes, isto é, que promovam a criação de postos de trabalho e a sua manutenção (art.º 2.º, 3, f) do RFAI 2009, art.º 27.º, 3, f) do CFI 2013 e art.º 22.º, 4, f) do CFI 2014), e em particular investimentos em activos afectos à exploração da empresa, em activos imobilizados, sejam eles corpóreos ou incorpóreos (art.º 2.º, 2, a) e b) do RFAI 2009, art.º 27.º, 2, a) e b) do CFI 2013 e art.º 22.º, 2, a) e b) do CFI 2014).

Tratando-se de um regime excepcional face à proibição dos “auxílios de Estado” na União Europeia, o RFAI reclama a verificação estrita e objectiva do preenchimento dos seus requisitos, nomeadamente no que respeita ao aumento do número de trabalhadores e sua manutenção durante 5 anos (no caso de uma grande empresa como é a Requerente), valor em que se traduz a criação “sustentável” de emprego, ou seja, a criação e manutenção de um número de trabalhadores com contrato sem termo que, no final de cada ano, seja superior à média anual do ano anterior, e ambas superiores à do ano do investimento.

Interessa enfatizar esse carácter de excepcionalidade, devidamente sublinhado nesta passagem do acórdão arbitral proferido no Proc. n.º 545/2018-T do CAAD:

Na medida em que dizem respeito à matéria europeia dos auxílios de Estado, tanto o CFI, como o RFAI, nele contido, e a Portaria n.º 282/2014, devem ser considerados, acima de tudo, como instrumentos de execução, efetivação e aplicação dos princípios e regras contidos nas OAR, no RGIC e nos art.º 107.º a 109.º do TFUE, traduzindo as correspondentes limitações à soberania orçamental e fiscal nacional. Ou seja, longe de se ver a Portaria n.º 282/2014 como norma de execução apenas do n.º 2 do art.º 2.º do CFI, deve-se ler-se a Portaria n.º 282/2014 e o n.º 2 do art.º 2.º do CFI como normas de execução e concretização dos princípios e regras da OAR e do RGIC, sempre em conformidade com os art.º 107.º a 109.º do TFUE.

Neste contexto, importa ter presentes as “Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020 (OAR)”17, onde a Comissão deixa bem claras as diretrizes que devem ser seguidas neste domínio: “Os auxílios com finalidade regional só podem desempenhar um papel eficaz se forem empregues com parcimónia e de forma proporcionada e se concentrarem nas regiões mais desfavorecidas da União Europeia”.

Vale também a pena transcrever as normas pertinentes: Art.º 22.º, 4, f) do CFI 2014 - “Podem beneficiar dos incentivos fiscais previstos no presente capítulo os sujeitos passivos de IRC que preencham cumulativamente as seguintes condições: Efetuem investimento relevante que proporcione a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto de investimento, nos termos da alínea c).” /

Art.º 14.º, 9 do RGIC, Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 16 de Junho (Auxílios regionais ao investimento)

“9. Quando os custos elegíveis são calculados por referência aos custos salariais estimados, descritos no n.º 4, alínea b), devem ser preenchidas as seguintes condições: a) O projeto de investimento deve conduzir a um aumento líquido do número de trabalhadores do estabelecimento em causa, em comparação com a média dos 12 meses anteriores, ou seja, qualquer perda de postos de trabalho deve ser deduzida do número aparente de postos de trabalho criados nesse período; b) Cada posto de trabalho deve ser preenchido no prazo de três anos após a conclusão dos trabalhos; e c) Cada posto de trabalho criado através do investimento deve ser mantido na zona em causa durante um período mínimo de cinco anos a contar da data em que a vaga foi preenchida, ou três anos no caso de PME.”

Da conjugação destas duas normas retira a AT a conclusão que tudo deve aferir-se em termos de criação líquida de emprego, e sua manutenção pela empresa, no período de referência, calculada por simples comparação do número de trabalhadores com contrato sem termo no final do ano com o número médio dos 12 meses precedentes – abrangendo a totalidade dos trabalhadores da empresa. Sendo com esse entendimento que faz decorrer, da constatação da redução líquida global de 5 postos de trabalho observada em 2015 na Requerente, a conclusão de que haveria fundamento para a caducidade do benefício fiscal.

Ao invés, a Requerente lê, nos requisitos legais, a exigência de manutenção, pelo período de referência, dos postos de trabalho directamente criados pelo investimento, com o aumento líquido do número de trabalhadores condicionado à inexistência de outros factores independentes que são susceptíveis de afectar aquele valor do “aumento líquido” – e daí a invocação de que os valores líquidos de 2015 foram afectados pela saída, por motivo de reforma, de 20 trabalhadores com contrato sem termo.

Por outras palavras, no entendimento da Requerente o “aumento líquido” de postos de trabalho não poderia ser interpretado de forma tão literal e restritiva que se traduzisse numa subversão das finalidades excepcionais do RFAI, que são as do desenvolvimento económico regional de acordo com os ritmos e ciclos naturais do factor trabalho como factor humano.

O que interessaria, em suma, é que fosse sendo criado emprego – e mantido duradouramente o emprego criado, como contrapartida do benefício fiscal –, mesmo quando factores exógenos militassem contra a manutenção de um “nível líquido de emprego” nalguns períodos. Em suma, o que deveria manter-se durante os cinco anos, ou ser substituído durante esse período, seria apenas o contingente de trabalhadores admitidos por causa do investimento.

Compreende-se que assim seja: de outro modo, um incremento do número de trabalhadores com contrato sem termo que não se devesse ao investimento poderia ser ilegitimamente contabilizado como cumprimento dos requisitos do RFAI; e ao invés, uma diminuição fortuita ou exógena do número de trabalhadores com contrato sem termo impediria que se considerasse como “criador de emprego” todo o investimento que, pela sua dimensão, não fosse susceptível de contrabalançar aquela diminuição.

Compreende-se que as alusões à criação “líquida” de emprego remetam para uma aferição global, como é exemplarmente sintetizado no acórdão arbitral proferido no processo n.º 565/2018-T do CAAD:

“Constituindo o RFAI uma medida excecional de fomento à empregabilidade e de incremento do rendimento per capita das regiões desfavorecidas, no quadro de direito europeu acima assinalado, a aferição da criação e manutenção dos postos de trabalho reclamados pela alínea f) em análise deve ser efetiva, ao nível da entidade que aufere o benefício, pelo que se afigura que a comparação há-de ser feita (…) globalmente, pois só assim se pode afirmar que o investimento tenha sido indutor da criação de postos de trabalho, pressuposto que, segundo entendemos, deve ser incremental. Aliás, a condição que a lei impõe de criação incremental de postos de trabalho no ano do investimento (…) é medida em função do número global de trabalhadores da entidade, a 31 de dezembro, face à média dos 12 meses anteriores, não havendo razão para adotar critério distinto em relação à manutenção dos postos de trabalho nos anos subsequentes.”

Mas a aferição global não pode ser tão mecânica e inflexível que, atendendo apenas a resultados finais, desconsidere a natureza das parcelas e se converta num indutor de ineficiência ou mesmo de injustiça (para dar dois exemplos, imaginemos no primeiro caso que a empresa atrasa a passagem à reforma de trabalhadores incapacitados, apenas com o intuito de manter o valor global; e no segundo caso, que despede trabalhadores remunerados a um determinado nível salarial para substituí-los por um número maior de trabalhadores remunerados a um nível salarial inferior).

Note-se que a alínea c) do art.º 14.º, 9 do Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 16 de Junho, não faz qualquer referência a um “número total de trabalhadores” nem a valores líquidos – e pelo contrário refere-se a “cada posto de trabalho criado através do investimento” para efeitos de preenchimento do requisito de manutenção de postos de trabalho, ou seja para efeitos de comparação inter-temporal relevante. O que reforça o entendimento de que se trata de verificar os requisitos do RFAI, não no total de postos de trabalho de uma empresa, mas somente naqueles que foram criados especificamente pelo investimento.

Não se afigura, pois, aceitável o entendimento da AT, de que os benefícios fiscais invocados pela Requerente teriam caducado por incumprimento, por ela, da obrigação de criação de postos de trabalho nos períodos de 2009 a 2012, e de manutenção de postos de trabalho durante o ano de 2015.

 

Dado que os requisitos são de verificação cumulativa, caso seguíssemos o entendimento da AT quanto ao tópico da criação e manutenção de emprego já se verificaria o fundamento para a caducidade dos benefícios fiscais, e não seria necessário prosseguir. E com efeito, é por isso mesmo que a AT tende a desconsiderar as alegações de contratação de pessoal especializado ou de aquisição de maquinaria sofisticada, na medida em que os separa dos efeitos de criação e manutenção de postos de trabalho para efeitos de aplicação do RFAI.

Mas como tomámos por boa a perspectiva perfilhada pela Requerente, fica ainda por considerar o tópico da indispensabilidade, para o desenvolvimento das actividades da empresa e para a geração de emprego sustentável, de investimentos em activos afectos à exploração da empresa, em activos imobilizados, tanto corpóreos como incorpóreos, para efeitos de cálculo de deduções e saldos não-deduzidos do período de tributação de 2013, a transitar para 2014.

 

Vale a pena transcrever a norma pertinente, o art.º 27.º, 2, a) e b) do CFI 2013:

“Para efeitos do presente regime, consideram-se como relevantes os seguintes investimentos desde que afetos à exploração da empresa: a) Investimento em ativos fixos tangíveis, adquiridos em estado de novo, com exceção de: vi) Outros bens de investimento que não estejam direta e imprescindivelmente associados à atividade produtiva exercida pela empresa;

b) Investimento em ativo intangível, constituído por despesas com transferência de tecnologia, nomeadamente através da aquisição de direitos de patentes, licenças, ‘saber -fazer’ ou conhecimentos técnicos não protegidos por patente.”

 

A Requerente deixou cair as deduções relativas aos investimentos em reparações, benfeitorias e substituições (no valor de €49.798,16), em actividade não elegível (no valor de €2.950,00), em activos não afectos à actividade produtiva (no valor de €4.264,20), e ao investimento que não proporciona a criação de postos de trabalho (no valor de € 17.842,13).

Mas não se conforma:

1)            com a desconsideração, pela AT, de um investimento no montante de € 364.834,36 com o argumento de não se tratar de “activos fixos tangíveis, adquiridos em estado de novo”, antes de activos “construídos”, para efeitos do art.º 27.º, 2, a) do CFI 2013 e da NCRF 7 do SNC – tendo nós já visto que a Requerente sustenta que essa dicotomia não existe, dada a convergência de regimes, e que sobretudo recusa o que julga ser um entendimento escusadamente restritivo sobre o que seja “adquirido” (até porque, no entender da Requerente, os bens “construídos” também são “adquiridos”, não obstante poderem não ser comprados);

2)            com a anulação de uma dedução respeitante a despesas com transferência de tecnologia, no valor de €15.596,00.

Quanto aos primeiros, a AT entende, com efeito, que a alusão legal a “adquiridos em estado de novo” exclui o investimento em bens construídos pela própria Requerente, não adquiridos a terceiros, antes remunerados aos próprios trabalhadores da Requerente, e que para esse efeito não constituiriam novos activos.

Quanto aos segundos, foram desconsiderados os investimentos em activos intangíveis que não constituíssem despesas com transferência de tecnologia, nomeadamente através da aquisição de direitos de patentes, licenças, know how ou conhecimentos técnicos não protegidos por patente, porque muitos deles constituíam mera atribuição de licenças periódicas para operar softwares massificados no mercado tecnológico, e não verdadeiras transferências de propriedade intelectual.

 

Não podemos deixar de concordar com a AT relativamente à desconsideração daquilo que a própria Requerente reconheceu serem meros investimentos em reparações, benfeitorias e substituições em equipamentos já existentes, num montante total de €364.834,36: não se trata de activos “adquiridos” no verdadeiro sentido da palavra, e muito menos adquiridos “em estado de novo”, como o exigia o art.º 27.º, 2, a) do CFI 2013.

Adquirir “em estado de novo” só pode significar que se obteve algo, se alcançou a sua posse, como bem acabado, como um produto oferecido pela primeira vez através de uma transacção entre alienante/vendedor e adquirente/comprador; sair disto, sustentar que aquele que produz também “adquire” o seu próprio produto, não é só ignorar conceitos básicos de Economia (como a divisão do trabalho e o mecanismo das trocas): é forçar a semântica da língua portuguesa, transgredindo os limites impostos pelos artigos 11.º da LGT e 9.º do Código Civil.

 

Já quanto à despesa de €15.596,00 com transferência de tecnologia, se se trata de atribuição de licenças periódicas para operar softwares massificados no mercado tecnológico, como refere a AT, então ela é um “investimento em ativo intangível” sob forma de “licenças”, e cabe na previsão do art.º 27.º, 2, b) do CFI 2013, pelo que deve ser dedutível à colecta no âmbito do RFAI. Se a norma não faz distinções, não cabe fazê-las supervenientemente, mais a mais se lembrarmos que se trata de um regime excepcional que recomenda um especial cuidado interpretativo.

 

Conclui-se, assim, que a AT desconsiderou indevidamente:

a)            para efeito de correcções à matéria colectável, um gasto fiscalmente aceitável no montante de €83.965,29;

b)           para efeito de deduções à colecta, uma despesa de €15.596,00 com transferência de tecnologia.

 

Esta última despesa, de €15.596,00, é considerada em 20% para efeitos de dedução à colecta, nos termos do art.º 28.º do CFI 2013, o que perfaz um valor de €3.119,20.

 

III.F.3. Relativamente à indemnização por prestação de garantia.

 

A Requerente alegou, no seu pedido de pronúncia arbitral, que a AT, ao efectuar tais correcções, e as correcções técnicas, à matéria tributável de 2014, e ao liquidar o IRC desse exercício nessa conformidade, violou as diversas disposições aplicáveis, o que constitui fundamento de impugnação judicial dos actos de liquidação, por errada qualificação e quantificação de factos tributários (art.º 99.º, a) do CPPT).

Ora, tendo prestado garantia bancária com vista a suspender a execução do valor liquidado, invocou que, no caso de procedência do pedido de declaração de ilegalidade, por erro imputável aos serviços da AT, lhe assistiria direito a ser indemnizada pelos prejuízos resultantes da sua prestação, nos termos do disposto no art.º 53.º, 1 e 2 da LGT.

A AT, para lá de não encontrar qualquer ilegalidade nas liquidações, alegou que ficara por provar, pela Requerente, qualquer prejuízo sofrido em resultado da prestação de garantia bancária.

Tendo-se concluído que a AT desconsiderou indevidamente, para efeito de correcções à matéria colectável, um gasto fiscalmente aceitável no montante de €83.965,29, e, para efeito de deduções à colecta, uma despesa de €15.596,00 com transferência de tecnologia (traduzível numa dedução efectiva de €3.119,20), há, na correspondente proporção, lugar à indemnização da Requerente por prestação de garantia.

 

IV. Decisão

 

De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

a) Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, reduzindo de €96.449,73 para €12.484,44 o valor do gasto fiscalmente não-aceite nas correcções à matéria colectável , e de €208.709,08 para €205.589,88 o valor indevidamente deduzido à colecta ;

 

b) Manter parcialmente no ordenamento jurídico os actos de liquidação adicional de IRC e juros compensatórios relativos ao exercício de 2014, no valor remanescente;

 

c) Condenar a Requerida no pagamento de uma indemnização pela prestação indevida de garantia bancária, conforme vier a ser apurado em sede de execução do julgado;

 

d) Condenar ambas as partes ao pagamento das custas, na proporção de 65% pela Requerente e 35% pela Requerida, ponderando os decaimentos de cada uma relativamente ao pedido.

 

V. Valor do processo

 

Fixa-se o valor do processo em €272.668,13 (duzentos e setenta e dois mil, seiscentos e sessenta e oito euros e treze cêntimos), nos termos do disposto no art.º 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi art.º 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e art.º 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

VI. Custas

 

Custas no montante de €4.896,00 (quatro mil, oitocentos e noventa e seis euros) e que serão suportadas por ambas as partes na proporção supra (cfr. Tabela I, do RCPAT e artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, do RJAT).

 

Lisboa, 17 de Fevereiro de 2020

 

 

Os Árbitros,

 

José Poças Falcão

(Presidente)

 

Alexandre Andrade

 

Fernando Araújo