Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 430/2019-T
Data da decisão: 2020-02-19  IRC  
Valor do pedido: € 1.306.435,01
Tema: IRC – Amortização; Aerogeradores; Painéis fotovoltaicos; Poderes discricionários
* Decisão arbitral anulada por acórdão do STA de 09 de dezembro de 2020, recurso n.º 40/20.3 BALSB, que fixa jurisprudência.
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Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Cristiana Maria Leitão Campos e Cristina Aragão Seia, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, na seguinte:

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

  1. No dia 25 de Junho de 2019, A..., S.A., NIPC..., com sede na ..., n.º ..., andar ..., Lisboa, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de liquidação de IRC n.º 2019..., das liquidações de juros n.º 2019... e 2019 ... e da demonstração de acerto de contas n.º 2019..., referentes ao exercício de 2014, no valor de €1.306.435,01.

 

  1. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, o seguinte:

      i.  o procedimento inspectivo do qual a Requerente foi alvo não poderá ser qualificado como externo, pelo que não tem a virtualidade de suspender o prazo de caducidade do direito à liquidação, o que implica a ilegalidade das liquidações ora impugnadas por terem sido notificadas à Requerente para além do prazo previsto no artigo 45.º, n.º 1 da LGT; 

    ii.  a taxa de depreciação praticada pela Requerente encontra-se dentro do intervalo legalmente permitido;

   iii.  violação do princípio constitucional da igualdade e da tributação pelo lucro real; 

 

  1. No dia 26-06-2019, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

  1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  1. Em 14-08-2019, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 03-09-2019.

 

  1. No dia 07-10-2019, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.

 

  1. Por requerimento apresentado na sua resposta nos autos, a Requerida pediu o aproveitamento, nos presentes autos, dos depoimentos prestados no processo arbitral n.º 372/2018T do CAAD. Notificada para se pronunciar a esse propósito, a Requerente nada opôs ao peticionado. Face ao exposto, ao abrigo do disposto no artigo 421.º do Código de Processo Civil, aplicável nos termos do artigo 29.º/1/e) do RJAT, foi deferido o requerido aproveitamento dos depoimentos prestados no processo n.º 372/2018T do CAAD.

 

  1. Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.

 

  1. Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas. 

 

  1. Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º/1 do RJAT.

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades. 

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-    A Requerente tem por objecto a gestão de participações sociais noutras empresas e é, desde 2006, a sociedade dominante de um grupo de sociedades (doravante, “Grupo A...”) tributadas de acordo com o Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades.

2-    No exercício de 2014, o Grupo A... de que a Requerente é, e era à data, a sociedade dominante, era constituído pelas seguintes sociedades:

·      A..., S.A. (NIF...);

·      B..., S.A. (NIF...); 

·      C..., Lda. (NIF...); 

·      D..., Lda (NIF...); 

·      E..., Lda (NIF...); 

·      F..., Lda (NIF...); 

·      G..., Lda. (NIF...); 

·      H..., S.A. (NIF...);

·      I..., S.A. (NIF...); 

·      J..., S.A. (NIF...); 

·      K..., SGPS, S.A. (...); 

·      L…, S.A. (NIF…); 

·      M..., S.A. (NIF...); 

·      N... Unipessoal Lda (NIF...); 

·      O... Unipessoal, S.A. (NIF...); 

·      P... Unipessoal, Lda (NIF...); 

·      Q..., S.A. (NIF...);

·      R..., S.A. (NIF...); 

·      S..., S.A. (NIF...);

·      T..., S.A. (NIF...); 

·      U..., S.A. (NIF...);

·      V..., S.A. (NIF...). 

3-    Em consequência da sujeição às regras de tributação do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades, a Requerente declarou, no ano de 2014, um lucro tributável de €63.594.242,38. 

4-    Tal montante resulta do somatório dos resultados fiscais apurados por cada uma das sociedades que integram o grupo da Requerente: 

Sociedade

Lucro Tributável

A..., S.A.

€ 4.867.544,19

B... Unipessoal, S.A.

€ 54.243,86

C..., Lda.

€ 739.320,90

D..., Lda.

€ 1.366.732,15

E..., Lda.

€ 804.682,008

F..., Lda.

€ 116.991,03

G…, Lda.

€ 1.643.421,30

H..., S.A.

€ 16.634.703,18

I..., S.A.

€ 488.110,22

J..., S.A.

€ 557.041,93

K..., SGPS, S.A.

€ 1.110,47

M..., S.A.

- € 177.071,06

N... Unipessoal, Lda.

€ 1.679.880,11

O... Unipessoal, S.A.

- € 6.024,74

P... Unipessoal, Lda.

€ 1.089.175,77

Q..., S.A.

€ 662.798.26

R..., S.A.

€ 9.778.208,33

S..., S.A.

€ 300.206,32

T..., S.A.

€ 12.482.000,16

U..., S.A.

€ 1.964.659,71

W..., S.A.

€ 2.758.382,30

V..., S.A.

€ 4.201.362,42

L... S.A.

€ 1.586.763,48

 

5-    As sociedades que integram o grupo da Requerente têm por objecto a produção e comercialização de energia, através da exploração de empreendimentos de aproveitamento de energias renováveis, bem como quaisquer outras actividades complementares ou acessórias daquelas que, eventualmente, sejam necessárias ou tenham relação com o objecto principal. 

6-    As sociedades que integram o grupo da Requerente investiram na construção das infraestruturas que compõem diversos parques eólicos e centrais solares, nomeadamente: 

·      a T..., S.A. investiu no Parque Eólico ...; 

·      a X..., S.A. investiu no Parque Eólico do ...; 

·      a I..., S.A. investiu no Parque Eólico do ...; 

·      a J..., S.A. investiu no Parque Eólico ...; 

·      a S..., S.A. investiu no Parque Eólico ...; 

·      a U..., S.A. investiu no Parque Eólico ...; 

·      a N... Unipessoal, Lda. investiu na Central Fotovoltaíca de ... . 

7-    Para efeitos de depreciação e amortização contabilística dos aerogeradores e dos painéis fotovoltaicos, entenderam as sociedades do Grupo A... que o período de vida útil esperado corresponderia a 16 anos, devendo os mesmos ser amortizados anualmente à taxa de 6,25%. 

8-    As sociedades do Grupo A... consideraram que a vida útil daqueles equipamentos deveria ser apurada em função de um dado período temporal em que os mesmos estariam disponíveis para serem usados. 

9-    As sociedades do Grupo A... consideraram que a depreciação daqueles equipamentos se deveria iniciar no momento em que estivessem devidamente instalados nos locais devidos e em condições para poderem funcionar.

10- Para determinar o período de vida útil daqueles equipamentos, as sociedades do Grupo A... tiveram em conta diversos factores, como sejam:

- os benefícios económicos futuros que os aerogeradores e os painéis fotovoltaicos eram capazes de gerar; 

- a obsolescência técnica provocada designadamente por alterações ou melhoramentos na produção de tais equipamentos; e

- limites e/ou constrangimentos legais; 

11- A T..., S.A., a X..., S.A, a I..., S.A., a J..., S.A., a S..., S.A., a U..., S.A. e a N... Unipessoal, Lda.  celebraram com o Estado Português acordos mediante os quais este se comprometeu a adquirir a totalidade da eletricidade produzida nos centros electroprodutores daquelas entidades, mediante o pagamento por parte deste de uma remuneração fixa e garantida.

12- No Decreto-Lei n.º 189/88, de 27 de Maio o legislador definiu como prazo de aplicabilidade do factor de remuneração garantida o período de 15 anos, a contar do início do fornecimento de eletricidade à rede. 

13- Consideraram as sociedades que integram o Grupo A... que, findo o prazo de 15 anos da remuneração garantida, os fornecimentos da eletricidade produzida naqueles centros electroprodutores passariam a estar sujeitos às regras do mercado liberalizado, pelo que se registaria uma quebra acentuada de rentabilidade. 

14- O sector da energia e dos equipamentos empregues no contexto da respetiva produção é um sector dinâmico e tem sofrido o fenómeno da obsolescência tecnológica. 

15- Na sequência da ordem de serviço n.º OI2018..., emitida pela Direção de Finanças de Lisboa, Serviços de Inspeção Tributária — Divisão III, a AT procedeu a uma acção inspectiva externa, de âmbito parcial (IRC), com referência ao exercício de 2014, à aqui Requerente. 

16- A referida inspecção tinha por objectivo reflectir no resultado do Grupo A... as correcções apuradas no exercício de 2014, ao abrigo de procedimentos inspetivos realizados às sociedades que integravam o grupo. 

17- No âmbito de acções inspectivas individuais realizadas, nomeadamente, à T..., S.A., à X..., S.A, à I..., S.A., à J..., S.A., à S..., S.A., à U..., S.A. e à N... Unipessoal, Lda., a AT concluiu que haviam sido utilizadas taxas de amortização superiores às que entendeu legalmente estabelecidas.

18- Entendeu a AT que a as sociedades em causa inscreveram no seu ativo fixo tangível equipamentos destinados à produção de energia eléctrica (aerogeradores e/ou painéis fotovoltaicos), tendo-os amortizado à taxa de 6,25%, admitindo um período de utilidade esperada de 16 anos, porém, de acordo com as informações técnicas que obteve dos fornecedores dos equipamentos em causa, o período de utilidade esperada para os aerogeradores era de 20 anos e para os painéis fotovoltaicos era de 25 anos. 

19- Em 31-12-2018, a Requerente foi notificada do Relatório de Inspeção Tributária. 

20- Os actos praticados pela AT no âmbito da referida inspecção reconduziram-se à análise de elementos que foram obtidos no decurso de outras ações inspectivas, junto das sociedades que integram o Grupo A..., bem como à troca de mensagens via correio eletrónico com a Requerente, sem qualquer deslocação às instalações da Requerente para consulta de elementos, recolha de documentação ou prestação de depoimentos. 

21- No relatório de inspeção consta, além do mais, o seguinte: 

Uma imagem com captura de ecrã

Descrição gerada automaticamente

 

22- Em 21-02-2019, a Requerente foi notificada da liquidação de IRC n.º 2019..., das liquidações de juros n.º 2019... e 2019 ..., e da demonstração de acerto de contas n.º 2019..., no valor de €1.306.435,01.

23- A Requerente efectuou o pagamento parcial das referidas liquidações, na parte relativa às correcções que aceitou. 

24- A Requerente foi citada no processo de execução fiscal n.º ...2019..., tendo apresentado garantia bancária n.º..., prestada pelo Y..., S.A., no valor de €1.613.589,23, para obter a suspensão do referido processo de execução fiscal. 

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13[1], “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

 

 

B. DO DIREITO

 

Conforme se enunciou previamente, são as seguintes as questões que se apresentam a decidir no presente processo arbitral:

      i.         a ilegalidade das liquidações ora impugnadas por terem sido notificadas à Requerente para além do prazo previsto no artigo 45.º, n.º 1 da LGT; 

    ii.         a ilegalidade das liquidações ora impugnadas por a taxa de depreciação praticada pela Requerente se encontrar dentro do intervalo legalmente permitido;

   iii.         violação do princípio constitucional da igualdade e da tributação pelo lucro real.

Dispõe o art.º 124.º do CPPT que:

“1 - Na sentença, o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do acto impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação.

2 - Nos referidos grupos a apreciação dos vícios é feita pela ordem seguinte:

a) No primeiro grupo, o dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos;

b) No segundo grupo, a indicada pelo impugnante, sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público ou, nos demais casos, a fixada na alínea anterior.”

Deste modo, e não tendo sido expressamente estabelecida pela Requerente qualquer relação de subsidiariedade entre os vícios arguidos, passar-se-á à apreciação do vício supra-referido no ponto ii., por ser aquele cuja procedência determina a mais estável e eficaz tutela dos interesses ofendidos.

 

*

Conforme decorre dos factos dados como provados, a AT desconsiderou a taxa de depreciação correspondente a um período de vida útil de 16 anos, aplicada pela Requerente, porquanto entendeu que apenas seria razoável fixar tal período em 20 anos, para os aerogeradores, e em 25 anos, e para os painéis fotovoltaicos.

A decisão da AT assenta no n.º 3 do artigo 31.º do CIRC e no n.º 3 do artigo 5.° do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 Setembro, que dispõem, respectivamente:

-       “Relativamente aos elementos para que não se encontrem fixadas taxas de depreciação ou amortização, são aceites as que pela Direção-Geral dos Impostos sejam consideradas razoáveis, tendo em conta o período de utilidade esperada.”;

-       “Relativamente aos elementos para os quais não se encontrem fixadas, nas tabelas referidas no n.º 1, taxas de depreciação ou amortização são aceites as que pela Direcção-Geral dos Impostos sejam consideradas razoáveis, tendo em conta o período de utilidade esperada.”

A questão que se apresenta a dirimir nos presentes autos, foi já objecto de apreciação noutros processos arbitrais tributários, conforme indicado pelas partes, tendo, de um modo geral, as decisões proferidas ido no sentido de se substituírem ao juízo efectuado pela AT, considerando razoável o prazo inferior utilizado pelos contribuintes.

Ressalvado o muito respeito por tais decisões, considera-se pertinente e acertada a crítica efectuada no voto de vencido proferido no processo arbitral n.º 593/2015T[2], citado pela AT, que, com a devida vénia, se transcreve:

“Note-se que, nos termos do art. 31.º, 2 do Código do IRC e do art. 5.º do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de Setembro, essas taxas de amortização passaram a ser as aplicáveis "ex lege", na medida em que aqueles preceitos atribuíram à AT um poder discricionário de fixação das taxas – num quadro específico de "discricionariedade técnica", como melhor veremos adiante.

Isso basta para encerrar a questão especificamente suscitada pela omissão de taxas de amortização expressas para os equipamentos em causa: aqueles preceitos apontam o caminho para se resolver essa questão, e esse caminho foi o seguido. Passou a haver taxas de amortização definidas nos termos legais, e foram essas que foram aplicadas. (...)

Esclareçamos agora o nosso entendimento, seja quanto à existência, no caso, de discricionariedade técnica "stricto sensu", seja quanto às respectivas implicações em matéria de insindicabilidade contenciosa das decisões tomadas, nesse âmbito, pela AT.

A discricionariedade administrativa é mais um poder-dever do que uma pura liberdade de escolha, visto que tudo se subordina à prossecução do interesse público concreto, ainda que quanto ao conteúdo, quanto ao objecto, ou quanto à forma da solução administrativa possa admitir-se uma multiplicidade de vias igualmente válidas – ou seja, que não colidam com qualquer outro princípio norteador da actividade administrativa.

Nos casos em que a lei quis atribuir discricionariedade, deixa de ser legítimo ao Tribunal encarregado de controlar a legalidade de um acto de administração entrar na definição de um conteúdo, um objecto ou uma forma como únicos compatíveis com o fim a prosseguir, para, em função deles, apreciar o acto em questão – o que na prática significaria admitir que o Tribunal se substituísse à Administração Pública no traçado dos elementos do acto por ela praticado, negando a própria existência da discricionariedade estabelecida na lei.

A margem de livre decisão administrativa constitui assim um limite funcional à jurisdição administrativa, na medida em que aquela margem se centra em esferas de mérito, de conveniência ou de oportunidade na reserva de competência, sem implicações na validade da conduta administrativa, situando-se por isso à margem da sindicabilidade contenciosa, que só poderá valer para a violação dos limites externos do poder discricionário (ainda que subsista a possibilidade de controlo de mérito pela via graciosa, esta compatível ainda com a autonomia pública administrativa).

Por outras palavras, na pura discricionariedade administrativa os Tribunais têm que limitar-se a verificar se os limites legais da discricionariedade, os limites positivos de competência, de finalidade, de imparcialidade e de proporcionalidade foram ou não respeitados – não podendo sindicar o que quer que tenha resultado da decisão administrativa tomada na observância daqueles limites (...).

Não podendo o Tribunal substituir-se à Administração na formulação de um juízo que caiba estritamente no mérito e na oportunidade da acção desta, a discricionariedade técnica está em princípio subtraída, também ela, à sindicabilidade do Tribunal, a menos que ostente erro grosseiro, manifesto, crasso.

Em sentido estrito, a discricionariedade técnica é aquela em que, estando em causa a solução de questões que exijam conhecimento científico especializado, a Administração é forçada a tomar decisões amparada em informações e estudos técnico-profissionais, ficando a Administração vinculada, pois, à manifestação conclusiva dos profissionais consultados, não podendo em suma adoptar solução diversa da indicada pelos especialistas – sendo que as decisões administrativas desta natureza só poderão ser impugnadas judicialmente ou administrativamente se faltar o apoio nessas informações técnicas corroboradas por especialistas na matéria, ou se a decisão divergir ostensivamente das conclusões contidas nessas informações e estudos.

Na discricionariedade técnica os pressupostos que integram a previsão da norma configuram conceitos técnicos reportados a factos apenas verificáveis ou valoráveis com base em conhecimentos e instrumentos próprios de ciências que não a ciência jurídica.

Está em causa, pois, uma actividade administrativa traduzida em juízos técnicos de existência, juízos técnicos valorativos ou juízos técnicos de probabilidade, pelos quais a lei confere à Administração um poder de valoração técnica, que, não implicando ponderação comparativa de interesses secundários, envolve valoração de factos e circunstâncias de carácter técnico.

Daí que a doutrina tenha por vezes, no século e meio de elaboração do conceito (que terá surgido em meados do século XIX), usado a expressão "discricionariedade imprópria" como género de que a "discricionariedade técnica" seria uma espécie, procurando com isso enfatizar a ausência de juízos de oportunidade e conveniência que sobrelevem aos juízos de carácter estritamente técnico (a "discricionariedade técnica" estaria irmanada com a "liberdade probatória" e com a "justiça burocrática" dentro dessa família de "discricionariedades impróprias"). (...)

Por outro lado, na discricionariedade técnica "stricto sensu" não cabe o juízo de valoração assente em conceitos jurídicos ou jurídico-técnicos indeterminados, um juízo que nada tem a ver com a margem de livre apreciação e decisão que caracterizam o genuíno juízo de discricionariedade, antes se reconduz às regras próprias da interpretação jurídica em via de aplicação puramente subsuntiva e, portanto, passível de controlo jurisdicional.

Com a técnica do conceito jurídico indeterminado não há discricionariedade: a lei refere-se a uma esfera de realidade cujos limites não aparecem bem enunciados, mas que podem ser determinados no caso concreto, por via de interpretação, não se admitindo mais do que uma solução, mais do que uma "densificação" do conceito.

Na discricionariedade técnica "stricto sensu" cabe, sim, o juízo de valoração assente em conhecimentos e regras próprias da ciência ou da técnica não-jurídicas que estejam em causa, sendo certo que não cabe ao Tribunal controlar a boa ciência ou a boa técnica empregues pela entidade administrativa, por manifesta falta de competência nas matérias extrajurídicas para tanto necessária.

Trata-se de casos em que a apreciação pela Administração exige a utilização de critérios técnicos, e a solução de questões técnicas deve realizar-se conforme regras e conhecimentos próprios – e a lei não apenas o reconhece como o impõe a todos os operadores do Direito (e não somente à Administração, sua primeira destinatária).

Verificando-se discricionariedade técnica "stricto sensu", o controle jurisdicional terá, portanto, que cingir-se às zonas de vinculação adjacentes, ou seja, novamente, limitar-se à verificação do respeito, ou não, dos limites legais da discricionariedade, dos limites positivos que presidiram à atribuição legal do poder discricionário e correspondentes prerrogativas – podendo especificamente sindicar-se, nas fronteiras da "margem de livre apreciação", (1) um erro grosseiro ou manifesto de apreciação (2) um erro nos pressupostos de facto (3) um desvio de poder ou (4) a violação manifesta dos princípios gerais da imparcialidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da boa fé como princípios conformadores da actividade administrativa.

Mais especificamente, se a lei comete à Administração o poder de especificar uma valoração não previamente fixada pela própria lei, não pode um Tribunal proceder à reponderação dos juízos efectuados pela Administração nesse âmbito, a não ser que esteja demonstrada a existência de erro grosseiro ou manifesto – nomeadamente a falta de apoio em informações e estudos técnico-profissionais corroborados por especialistas e reclamados pela densificação de conceitos extrajurídicos. (...)

Estamos aqui muito próximos do âmbito no qual se tem desenvolvido, nos EUA, o tema da "discricionariedade técnica", lá muito centrado na delimitação da competência das agências reguladoras, seja para definir os limites de sua função normativa, seja para estabelecer os limites do correspondente controle jurisdicional.

Aí emergiu a técnica dos "standards", pela qual a lei se limita a estabelecer parâmetros, princípios, conceitos indeterminados, ficando para as agências a função de especificarem normas reguladoras, directrizes – regras especializadas e descentralizadas, assentes em conhecimentos técnicos inabarcáveis, na sua especificidade, seja pelo próprio legislador, seja pelo controle judicial.

Não pode um Tribunal sindicar aqueles juízos, insiste-se, por muito que eles divirjam do entendimento dos particulares ou do entendimento do próprio julgador – tendo um Tribunal que cingir-se às zonas de vinculação adjacentes, e quando muito demonstrar, através de outras informações técnico-profissionais corroboradas por especialistas, que as informações e estudos utilizados pela Administração em apoio dos seus juízos eram gritantemente falsos, caprichosos ou inadequados, ou que foram ostensivamente, grosseiramente, desconsiderados nos próprios juízos efectuados pela Administração para a pretendida densificação de conceitos extrajurídicos.

Insistamos que a mera divergência de juízos entre a Administração e os particulares, ou até entre a Administração e o Tribunal, não constitui prova de qualquer erro ou vício do acto impugnado que seja passível de sindicância contenciosa, e não legitima de modo algum que o Tribunal se substitua à Administração na formulação de um juízo que cabe estritamente no mérito e na oportunidade da acção desta.

E tanto assim é que, em casos de erro grosseiro em que possa concluir-se que a Administração exorbitou dos seus poderes e saiu abertamente do campo da discricionariedade técnica para entrar no da ilegalidade, a ponto de o Tribunal poder anular a decisão administrativa em causa, é pacífico que o Tribunal não pode nunca substituir a decisão administrativa anulada por outra que repute mais adequada – ou seja, não pode, sem violação do princípio constitucional da separação de poderes, avocar para si aquela discricionariedade técnica.

Não pode um Tribunal sindicar aqueles juízos, em suma, salvo nesses pressupostos estritos, salvo quando seja patente um erro crasso, palmar, ostensivo, traduzido em grave desajustamento da decisão à situação concreta e à prossecução do interesse público, em termos em que poderia ter-se por arbitrária a exclusão da sindicabilidade por meios não-técnicos – pois a não ser assim, sem todas estas salvaguardas, a discricionariedade técnica "stricto sensu" seria letra morta, tudo soçobrando em vinculação estrita, e a invocação de uma margem de livre apreciação e valoração técnica cometida à Administração passaria a ser uma bizarra ficção antijurídica. (...)

Voltando ao caso, e resumindo.

Se aceitarmos que há um poder discricionário estabelecido a favor da AT, não podemos cair na tentação de proceder a uma "comparação de razoabilidades" entre períodos de depreciação, o proposto pela Requerente e o proposto pela AT: a lei vedou-o expressamente ao estabelecer um poder discricionário a favor da AT.

Assim, para rejeitar como "não razoável" um prazo proposto pela Requerente, bastou à AT desenvolver uma diligência no sentido de demonstrar que esse prazo não decorre do conceito de "vida útil esperada" que ela mesma, AT, perfilha. A AT fê-lo; e ao fazê-lo não violou ostensivamente, grosseiramente, quaisquer dos princípios gerais de direito a que está submetida.

Dada a discricionariedade técnica, não compete a nenhum Tribunal entrar no mérito substantivo da liquidação, e menos ainda a um tribunal arbitral, que deve cingir-se a questões de legalidade (art. 2.º do RJAT).

Pode este Tribunal, ou qualquer outro, achar que é mais razoável o prazo proposto pela Requerente, ou pode ao invés achar que é mais razoável o prazo proposto pela AT – mas essa avaliação é, e tem que ser, irrelevante no caso, porque, insiste-se, o estabelecimento por lei de um poder discricionário, como o que foi exercido, veda qualquer possibilidade de "comparação de razoabilidades" entre períodos de depreciação, como veda qualquer outro juízo de mérito.

O que restaria a este Tribunal, ou a qualquer outro Tribunal, seria sindicar as zonas de vinculação adjacentes ao exercício da referida discricionariedade técnica, demonstrando que a AT adoptou um procedimento gritantemente, grosseiramente, incorrecto, a ponto de não deixar dúvidas quanto a poder ferir de ilegalidade o exercício do poder discricionário – a ponto de permitir que, com base num juízo não-técnico, fosse evidente a anti-juridicidade dos resultados da actuação da AT.” 

Subscreve-se tal entendimento, ou seja, o de que as normas em questão conferem à AT uma discricionariedade técnica, pelo que o Tribunal apenas poderá “sindicar as zonas de vinculação adjacentes ao exercício da referida discricionariedade técnica, demonstrando que a AT adoptou um procedimento gritantemente, grosseiramente, incorrecto, a ponto de não deixar dúvidas quanto a poder ferir de ilegalidade o exercício do poder discricionário – a ponto de permitir que, com base num juízo não-técnico, fosse evidente a anti-juridicidade dos resultados da actuação da AT.”.

            Não obstante o expendido no acórdão proferido no processo arbitral 238/2016T[3], do CAAD, que entendeu que, num caso análogo ao presente, não estará em causa o deferimento de um poder discricionário à Administração, mantém-se o referido entendimento.

Efectivamente, entende-se que o referido aresto se ancorou essencialmente em jurisprudência e doutrina que se considera não directamente transponível para o caso concreto, uma vez que se reportam a um tipo de discricionariedade técnica, assente exclusivamente na utilização pelo legislador de termos eminentemente técnicos ou que, por qualquer forma, impliquem um juízo de tal natureza.

Ora, no caso, não só o juízo subjacente às normas em questão tem, de facto, uma natureza eminentemente técnica, como, para além disso, as referidas normas remetem para um juízo de razoabilidade especificamente deferido à AT, utilizando a expressão “são aceites as que pela Direção-Geral dos Impostos sejam consideradas razoáveis”, não se tendo, por isso dúvidas que se está no domínio dos poderes discricionários da Administração, que, para além do mais, por força do princípio da separação de poderes, haverá que ser respeitado, como de resto continua a ser reconhecido por jurisprudência recente[4], sendo que a matéria a que se reportam os referidos poderes discricionários são de natureza eminentemente técnica. 

Conclui-se, assim, sem dúvidas, que o legislador deferiu uma margem de liberdade à AT, ao utilizar a expressão atrás transcrita, pelo que sendo sindicável a decisão da AT, o é, unicamente, dentro dos limites que respeitem a margem deferida de livre apreciação legitimamente deferida pelo legislador à AT.

Não obstante, no caso, julga-se que o que acontece é que o poder discricionário foi, em face da lei, incorrectamente exercido, o que se procurará demonstrar por duas vias.

Senão vejamos.

Embora, in casu, se esteja no campo da discricionariedade técnica, serão aplicáveis, directamente, as considerações tecidas no Acórdão do STA de 27-11-2013, proferido no processo 01159/09[5], a propósito da aplicação de conceitos indeterminados, entendendo-se que:

“Desse modo, deparando-se com conceitos indeterminados, cabe ao órgão decisor, desde logo, apreender-lhes o sentido e alcance através de operação interpretativa da norma em que se inserem, pois a lei há-de fornecer, em larga medida, um padrão suficientemente claro para a sua interpretação. Operação interpretativa que, sendo vinculada, também cabe ao tribunal sindicar.

Nessa medida, e como bem observa ANTÓNIO FRANCISCO DE SOUSA (In “Conceitos Indeterminados no Direito Administrativo”, Almedina, 1994, p. 18 e 60.), os “conceitos jurídicos indeterminados" possuem peculiaridades no âmbito do Direito Administrativo, já que aí o juiz tem a função de fiscalizar se a administração deu a correta interpretação e aplicação a esses conceitos. A interpretação e aplicação de conceitos jurídicos indeterminados pela administração constitui, portanto, uma actividade estritamente vinculada à lei. Admitir qualquer margem de apreciação a favor da Administração «significaria alargar o campo da discricionariedade ao Tatbestand legal e com isso se estaria a aplicar um grave golpe nas garantias do cidadão que o Estado de Direito não admite».”.

Ou seja: a norma que confere os poderes de discricionariedade técnica à AT, não deixa de ser uma norma jurídica, carente de, antes da sua aplicação (onde a discricionariedade é exercida), ser interpretada, interpretação esta que é, naturalmente, jurisdicionalmente sindicável.

Não se trata aqui, assim, de transpor para o domínio da discricionariedade técnica, o especial dever de fundamentação que assiste à Administração quando aplica conceitos indeterminados, mas antes de afirmar, tal como acontece com as normas que contêm estes, que relativamente às normas que conferem aquela é necessário “apreender-lhes o sentido e alcance através de operação interpretativa da norma em que se inserem, pois a lei há-de fornecer, em larga medida, um padrão suficientemente claro para a sua interpretação. Operação interpretativa que, sendo vinculada, também cabe ao tribunal sindicar.”.

Dito de outro modo, a norma que confere poderes discricionários à Administração carece ela própria de interpretação, desde logo no sentido de determinar quais os concretos poderes que àquela são conferidos – no fundo, qual a tarefa que o legislador pretende que seja confiada à discricionariedade da Administração – sendo que tal operação hermenêutica, como não pode deixar de ser, é jurisdicionalmente sindicável.

Assim, desde logo, e no caso, afigura-se que a interpretação que a AT fez das normas jurídicas em questão, acima indicadas, não é a correcta, tendo a AT determinado, erradamente, qual a tarefa que nos termos daquela, lhe cabia.

Com efeito, a AT, conforme resulta do relatório de inspecção e da matéria de facto apurada, limitou-se a indicar um valor correspondente ao número de anos que entende razoável para a amortização dos equipamentos em causa.

Ora, ressalvado o respeito devido a melhor opinião, não é esse o sentido das normas aplicadas.

Efectivamente, quer uma quer outra das normas, referem-se a situações em que, para um determinado elemento, não se encontrem fixadas taxas de depreciação ou amortização, dispondo que, nesse caso, são aceites as que pela Direção-Geral dos Impostos sejam consideradas razoáveis.

Ora, a utilização do plural não pode deixar de ser significativa, e o significado não deverá deixar de ser o de que à AT não cumpre fixar uma taxa de depreciação única como sendo a razoável, mas, antes, a de fixar um intervalo de taxas que sejam consideradas razoáveis.

Efectivamente, no labor hermenêutico a operar, não se pode deixar de notar que as normas em questão não prescrevem que a AT se substitua ao legislador na indicação de uma percentagem, análoga às fixadas na tabela que é omissa relativamente ao elemento a amortizar, mas na indicação das taxas de depreciação ou amortização que sejam razoáveis.

Assim, as taxas de depreciação ou amortização aceitáveis, no sistema vigente, estão compreendidas dentro de um intervalo decorrente entre o período mínimo e máximo de vida útil de um bem, tal como definido no artigo 3.º n.º 2 do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 Setembro.

Daí que, estando em causa o suprimento de omissões da tabela anexa ao referido D.R., deverá a AT proceder nos mesmos termos, fixando, não uma taxa de amortização ou depreciação fixa, em função de um conceito de “vida útil esperada”, preenchido por um juízo de “valor médio de utilidade esperada”, mas, tal como decorre do regime daquele mesmo D.R. e tabela anexa, um intervalo de taxas de depreciação ou amortização razoáveis, compreendido entre um período de vida mínima razoável e um período de vida máxima razoável (tendencialmente equivalente ao dobro do período de vida mínima)[6] tal como, para os elementos constantes da referida tabela, ocorre, sendo, precisamente, esse, o sentido da utilização do plural da palavra “taxa”, e respectivas concordâncias, nas normas dos artigos 31.º n.º 3 do CIRC e 5.° n.º 3 do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 Setembro.

De outro modo, ou seja, ao entender-se que a AT poderia, em cada caso concreto onde fosse chamada a pronunciar-se, fixar para um mesmo tipo de elemento do activo, uma taxa de amortização concreta, e, consequentemente, um período de vida útil único, em função do que, nesse caso concreto, se lhe afigurasse razoável, cair-se-ia numa inaceitável falta de generalidade nas decisões da Administração, remetendo-se para um "casuísmo" que é precisamente o contrário daquilo que o sistema jurídico impõe que aconteça no preenchimento de lacunas legais através do exercício de poder discricionário.

Os valores da segurança e da justiça reclamam que, quando à Administração é legalmente cometido o poder discricionário de preencher lacunas da própria lei, a Administração deva agir no mesmo plano de abstracção e generalidade que presidem idealmente à fixação dos critérios legais, quando estes existem.

No caso das normas em apreço, quando a lei alude a que "são aceites", não pode pois deixar de referir-se à admissibilidade de um intervalo de taxas, que passam a vigorar para um universo de equipamentos omissos, tenham eles sido já, ou não, objecto de amortização ou depreciação, de liquidação de imposto ou de litígio com a própria Administração.

A Administração tem, despertada ou não pela iniciativa declarativa de algum contribuinte, que tentar apurar, com imparcialidade, com generalidade, abstracção e congruência, as taxas que passam a ser as "aceites" para aquele caso e para todos os outros.

A não ser assim, as próprias garantias que, para os contribuintes, resultam da imparcialidade e da generalidade seriam colocadas em causa: um contribuinte veria a sua taxa de 5% ser ou não aceite – mas outro contribuinte, com o mesmo tipo de equipamento, poderia ver "aceite" uma taxa de 3 ou 7%. 

Por outro lado, apenas a fixação de um conjunto de taxas razoáveis, correspondentes ao intervalo de vida útil mínima e máxima de um elemento do activo omisso, fixado de um ponto de vista da generalidade e da abstracção, permite evitar que um contribuinte com equipamento análogo a outro a que a AT tivesse fixado uma determinada taxa precisa de depreciação ou amortização, mas que o utilizasse em circunstâncias diversas, influentes do respectivo período de vida útil, não fique irremediavelmente prejudicado, pelas circunstâncias valoradas pela AT, próprias do primeiro caso que apreciasse.

Deste modo, ao que se crê o entendimento ora sustentado, não só não vai contra os princípios da segurança, da igualdade e da generalidade jurídicas, nem contra o dever genérico de imparcialidade que impende sobre a Administração, como, pelo contrário, será imposto por, e uma concretização, daqueles.

Assim, apenas "aceites" taxas de depreciação correspondentes a um período de vida útil mínimo e máximo, pela AT, e passando as mesmas a vigorar para todos os casos similares, nos termos expressos do regime legal, fica preenchida a lacuna e a taxa em vigor deixa de ser a taxa "da AT" para ser a taxa da própria Lei. Só dessa forma, julga-se, se dá execução ao comando legal de fixar “taxas” (no plural) de amortização ou depreciação, não se concebendo como é que a fixação de uma taxa de depreciação única poderá corresponder à intenção legislativa, quando, justamente, não é esse o modus operandi do legislador ao tratar a mesma matéria, por um lado, e o comando legislativo é claro ao prescrever a aceitação de “taxas” razoáveis, por outro.

De resto, esta interpretação sempre seria imposta pelo princípio da igualdade, na medida em que justificação material alguma existe para que os contribuintes possam utilizar taxas de depreciação compreendidas entre o período mínimo e máximo de vida útil dos bens, no caso de os mesmos constarem da tabela anexa ao Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 Setembro, e de apenas poderem utilizar uma taxa única (precisamente, a considerada razoável pela AT), no caso de não constarem.

E note-se que, tal como no caso dos elementos integrantes da tabela anexa ao Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 Setembro, não há qualquer dificuldade com o intervalo de taxas de amortização ou depreciação resultante da conjugação da tabela com o regime de tal decreto, nos casos omissos, de fixação pela AT do intervalo de taxas razoáveis admissíveis, também seguramente não haverá. 

Efectivamente, o procedimento subsequentemente será precisamente o mesmo, ou seja, dentro do intervalo fixado, seja pela conjugação do regime do DR e respectiva tabela anexa, seja pela AT, o contribuinte escolherá a taxa mais adequada à sua situação concreta, sem que haja, numa como noutra situação, quaisquer melindres, casuísmo ou arbítrio, ou, para quem assim não entenda, havendo precisamente os mesmos em ambas as situações.

Daí que, ao indicar, nos termos dos artigos 31.º n.º 3 do CIRC e 5.º n.º 3 do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 Setembro, uma única taxa de amortização, correspondente a um período de vida útil fixo, a AT incorreu em errada aplicação daqueles normativos e, consequentemente, a um errado exercício do poder de discricionariedade técnica que eles lhe deferem.

Estando-se aqui a sindicar uma ilegalidade prévia ao exercício do poder discricionário que as normas em questão deferem à AT, naturalmente que não se está a entrar na matéria da substância do exercício de tal poder, não se discutindo, portanto, o acerto técnico da solução a que discricionariamente chegou, na medida em que o que se conclui é que a solução a que chegou não era aquela que os comandos normativos que lhe conferem o poder discricionário prescreviam que produzisse.

 

*

Não se fica por aqui, todavia, a incorrecta intervenção da AT no caso dos autos. Com efeito, a situação em causa não é uma em que um contribuinte, confrontado com a ausência de um bem na tabela anexa ao Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 Setembro, solicita à AT a indicação de taxas de depreciação ou amortização que considere razoáveis.

Antes, no caso, a Requerente, nos termos legais, apresentou a sua declaração fiscal[7], possuindo a sua contabilidade devidamente organizada, e a AT pretendeu proceder, e procedeu, a correcções àquela, sendo um caso em que “É à AT que cabe a obrigação da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável)”[8]

Ou seja, confrontada com a declaração da Requerente, à AT, cumpria, em primeira linha, demonstrar que aquela estava errada, decorrendo tal ónus não das normas dos n.ºs 3 do artigo 31.º do CIRC e 3 do artigo 5.° do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 Setembro, mas do artigo 74.º n.º 1 da LGT, conjugado com o artigo 75.º n.º 1 da mesma Lei[9].

Ora, ressalvado o respeito devido a outras opiniões, demonstrar que a taxa de depreciação utilizada pela Requerente, correspondente a um período de vida útil de 16 anos, estava incorrecta – i.e. não era “razoável” – não é o mesmo que demonstrar que a taxa de depreciação correspondente a um período de vida útil de 20 ou 25 anos, é correcta – i.e. “razoável” – que foi o que a AT fez.

Dito de outro modo, a circunstância de a taxa de depreciação correspondente a um período de vida útil de 20 (25) anos, ser razoável, nada diz sobre a taxa de depreciação correspondente a um período de vida útil de 16 anos, ser, ou não, razoável[10]

Assim, sendo, como se referiu, ónus da AT demonstrar a verificação dos pressupostos da legalidade da sua actuação, e fazendo parte de tais pressupostos a incorrecção do declarado pela Requerente, conclui-se que a AT não demostrou cabalmente tais pressupostos, já que, em lugar de demonstrar que a taxa de depreciação ou amortização subjacente ao declarado pela Requerente não era razoável, limitou-se a demonstrar que a taxa de depreciação ou amortização correspondente a um período de vida útil período de 20 anos, para os aerogeradores, e de 25 anos, e para os painéis fotovoltaicos, era razoável, de onde não decorre, de forma nem necessária nem directa, que a taxa de depreciação ou amortização correspondente a um período de vida útil de 16 anos, utilizada pela Requerente, não era, também ela, razoável. 

            Desta forma, não tendo demonstrado a AT a legalidade da sua intervenção correctiva, deverá, também por esta via, a mesma ser considerada ilegal.

 

*

            Por fim, não obstante, em sede arbitral, a Requerida vir sustentar que o juízo de razoabilidade relativo ao prazo de 20 anos é relativo a um prazo mínimo de durabilidade do bem em questão, julga-se que tal argumentação não será de acolher.

            Com efeito, e desde logo, considera-se que integra a referida argumentação uma fundamentação a posteriori, uma vez que, ressalvado o respeito devido a outras opiniões, não se descortina na fundamentação das correcções levadas a cabo e ora contestadas pela Requerente, suporte textual para tal interpretação.

            Assim, como se escreveu no Ac. do STA de 23-09-2015, proferido no processo 0134/11[11], “É exclusivamente à luz da fundamentação externada pela AT quando da prática da liquidação adicional de IVA que deve aferir-se a legalidade desse acto tributário.”.

            Por outro lado, o certo é que a própria argumentação da Requerida acaba por contradizer tal tese, afirmando, por exemplo, as taxas determinadas pela Requerida correspondem a “índices médios[12], e que “a medida e a régua mais acertadas e razoáveis serão aquelas que são consideradas como a média[13], de onde resulta, claramente, aquilo que é a realidade, ou seja, que o que foi fixado nas correcções operadas foi uma única taxa, e não um intervalo de taxas, correspondente a um valor médio, e não a um valor mínimo.

            Daí que se considere, nos termos atrás expostos, e atento o erro de direito verificado, que deverá o pedido arbitral ser julgado procedente, anulando-se a liquidação objecto da presente acção arbitral.

 

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A Requerente formulou pedido de indemnização por garantia indevida.

A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais tributários restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito, conforme resulta expressamente da alínea b) do art.º 24.º do RJAT. 

No mesmo preceito “o legislador deixou claro que os efeitos aí previstos são “sem prejuízo dos demais efeitos previstos no Código do Procedimento e do Processo Tributário”. Considera-se a este propósito que o legislador aqui se está a referir a todos os efeitos que decorram do CPPT, para o sujeito passivo, e que são aplicáveis após a consolidação na ordem jurídica de uma determinada situação jurídico-fiscal, decorrente de uma decisão definitiva seja ela graciosa ou judicial.[14]

Não obstante o processo de impugnação judicial ser essencialmente um processo de mera anulação, pode nele ser proferida condenação da Administração Tributária no pagamento de indemnização por garantia indevida, conforme resulta do art.º 171.º do CPPT.

Como se referiu na decisão proferida no Processo nº 28/2013-T[15] “é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação. O pedido de constituição do tribunal arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido art. 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.”

Conclui-se, assim, que este tribunal é competente para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevidamente prestada.

O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:

“1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida.

2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.”

4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efetuou.”

No caso em apreço, verifica-se que o erro de que padecem os actos de liquidação anulados é imputável à Entidade Requerida pois as liquidações foram da sua iniciativa e a Requerente em nada contribuiu para que esse erro fosse praticado.

Tem, por isso, a Requerente direito a indemnização pela garantia prestada.

No entanto, não foram alegados nem provados os encargos que a Requerente suportou para prestar a garantia, pelo que é inviável fixar aqui a indemnização a que aquela tem direito, o que poderá ser efectuado, se necessário, em execução desta decisão.

*

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência, 

a)    Anular o acto de liquidação de IRC n.º 2019..., a liquidação de juros n.º 2019 ... e n.º 2019... e a demonstração de acerto de contas n.º 2019 ..., todos respeitantes ao período de tributação de 2014, na parte em que acrescem ao lucro tributável do Grupo A... os gastos incorridos com as depreciações e amortizações dos aerogeradores e/ou painéis fotovoltaicos detidos pelas sociedades que integram o grupo;

b)    Condenar a AT no pagamento à Requerente de indemnização por garantia indevida, nos termos acima indicados.

c)    Condenar a Requerida nas custas do processo, abaixo fixadas

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 1.306.435,01, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 17.748,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela AT, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 19 de Fevereiro de 2020

 

O Árbitro Presidente

 

(José Pedro Carvalho)

 

O Árbitro Vogal

 

(Cristiana Maria Leitão Campos)

 

O Árbitro Vogal

 

(Cristina Aragão Seia)

 



[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.

[4] Cfr., por exemplo, o Ac. do STA de 03-03-2016, proferido no processo 0768/15, disponível em www.dgsi.pt, onde se pode ler:

I - A discricionariedade consiste numa liberdade de escolha entre várias soluções tidas como igualmente possíveis [a Administração escolhe livremente uma das soluções apontadas na lei, sendo tidas como igualmente boas, qualquer uma delas]. Por outro lado o controlo jurisdicional do poder discricionário obedece apenas ao controlo da legalidade não se estendendo à esfera da oportunidade, onde o poder discricionário ocupa o seu espaço por excelência.

[5] Disponível em www.dgsi.pt

[6] Sem necessidade, naturalmente, de qualquer diálogo entre AT e Contribuinte no termo do qual se conclua que são aceites ou são rejeitados as taxas e prazos de depreciação ou amortização propostos pelo Contribuinte.

[7] Que se presume verdadeira, nos termos do artigo 75.º n.º 1 da LGT.

[8] Cfr. Ac. TCA-Sul de 16-01-2007, proferido no processo 00911/03, disponível em www.dgsi.pt

[9] Daí que não se esteja a sustentar a necessidade de a AT provar a irrazoabilidade de toda e qualquer taxa que divergisse daquela que ela foi chamada a definir, mas, unicamente, que se entender que uma taxa devidamente declarada não está correcta, careça, como condição da legitimidade da sua intervenção correctiva, de demonstrar a sua incorrecção ou irrazoabilidade.

[10] De resto, a circunstância de ambos os períodos de vida útil caberem, dentro do que o Legislador, quando assim o entendeu, considerou serem aceitáveis, indicia, face ao disposto no artigo 9.º n.º 3 do Código Civil, que ambas serão razoáveis.

[11] Disponível em www.dgsi.pt

[12] Cfr. ponto 85 da Resposta.

[13] Cfr. ponto 86 da resposta.

[14] Carla Castelo Trindade – Regime Jurídico da Arbitragem Tributária –Anotado, Coimbra, 2016, pág. 122.

[15] Disponível em www.caad.org.pt