Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 411/2019-T
Data da decisão: 2020-02-27  IRC  
Valor do pedido: € 381.117,25
Tema: IRC - Período de tributação diferente do ano civil; Facto tributário: Alteração de taxa do IRC; Aplicação da lei no tempo.
*Decisão arbitral anulada por acórdão do STA de 21 de abril de 2021, recurso n.º 57/20.8BALSB, que fixa jurisprudência.
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Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Regina de Almeida Monteiro e Ana Teixeira de Sousa, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, na seguinte:

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

1.            No dia 14 de Junho de 2019, A..., S.A., NIPC..., com sede na ..., n.º..., ..., ...-... Lisboa, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade parcial do acto de liquidação de IRC n.º 2018..., relativo ao ano de 2014, da qual resultou valor a reembolsar de €1.710.371,19, assim como da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa que teve a referida liquidação como objecto.

 

2.            Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que tendo adotado um período de tributação não coincidente com o ano civil, com início em 01-02-2014 e término em 31-01-2015, a taxa de IRC aplicável aos rendimentos obtidos no período de tributação de 2014, será a taxa de 21% prevista no n.º 1 do artigo 87.º do Código do IRC com a alteração introduzida pelo artigo 192.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro, por ser essa a taxa em vigor no momento do facto gerador do imposto e não a taxa de 23%.

 

3.            No dia 17-06-2019, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

4.            A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

5.            Em 07-08-2019, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

6.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 28-08-2019.

 

7.            No dia 02-10-2019, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por excepção e por impugnação.

 

8.            Tendo sido invocada pela Requerida matéria de excepção, foi facultada à Requerente a possibilidade de exercer o seu contraditório relativamente a tal matéria, o que fez.

 

9.            Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.

 

10.          Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.

 

11.          Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º/1 do RJAT.

 

12.          O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-            A Requerente é uma sociedade de direito português que se dedica ao “comércio de pronto a vestir de criança e adulto, fios de algodão e lãs, retrosarias, tecidos e miudezas” a que corresponde o CAE 47711.

2-            Em 29-04-2014, foi constituído um grupo abrangido pelo regime especial de tributação dos grupos de sociedades, sendo a Requerente a sociedade dominante.

3-            O grupo adotou um período de tributação não coincidente com o ano civil, com início a 01-02-2014.

4-            Em 2015, a Requerente deixou de ser a sociedade dominante do grupo, assumindo essa posição a sociedade de direito espanhol “B..., S.A.”.

5-            Por referência ao período de tributação de 2014, em 29-06-2015, a Requerente procedeu à entrega da declaração de rendimentos modelo 22 de IRC individual.

6-            Na qualidade de sociedade dominante do grupo, a Requerente procedeu em 30-06-2015, à declaração de rendimentos modelo 22 de IRC do grupo.

7-            O grupo tributado ao abrigo do regime especial de tributação dos grupos de sociedades apurou um lucro tributável no valor de €25.834.480,43, tendo-se apurado um valor total de IRC a recuperar de €1.719.438,93.

8-            Na sequência da entrega da declaração de rendimentos modelo 22 de IRC do grupo, foi emitida a liquidação de IRC n.º 2015..., da qual resultou montante a reembolsar de € 1.588.026,76.

9-            A Requerente foi objecto de uma acção inspectiva interna, em sede de IRC, credenciada pela Ordem de Serviço n.º 2017..., relativa ao período de 2014.

10-         A referida inspecção procedeu a uma correcção ao lucro tributável apurado pelo grupo através da desconsideração do montante de €6.693.848,45, referente ao lucro tributável apurado pela “C..., SA”, pelo facto de a AT ter considerado que tal sociedade não se encontrava abrangida pelo RETGS.

11-         Em consequência disso, o resultado fiscal do grupo a que pertence a Requerente sofreu uma alteração, diminuindo para o valor de €19.140.631,98.

12-         Na sequência das propostas de correção notificadas à Requerente, esta procedeu, no decurso da acção inspectiva, à entrega de uma declaração de rendimentos modelo 22 de IRC de substituição, relativa ao ano de 2014.

13-         Na sequência disso, foi emitida a declaração de IRC n.º 2018..., na qual se apurou uma matéria coletável de €19.055.862,58 e um valor a reembolsar de €1.710.371,19.

14-         À matéria coletável apurada foi aplicada a taxa de IRC de 23%.

15-         Da aplicação da taxa de 23% resultou uma coleta de IRC de €4.382.848,39 e um valor de derrama estadual de €507.729,20.

16-         Não se conformando com a taxa de IRC aplicada, a Requerente apresentou em 30-01-2019, um pedido de revisão oficiosa tendo por objecto a liquidação de IRC n.º 2018..., referente ao ano de 2014.

17-         Em 13-02-2019, a AT notificou a Requerente do projecto de decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e para, querendo, exercer direito de audição, nos termos do artigo 60.º da LGT.

18-         A Requerente não exerceu direito de audição.

19-         Através do despacho proferido em 13-03-2019, a AT indeferiu o pedido de revisão oficiosa.

20-         Da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa consta a seguinte fundamentação:

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

 

a. Da matéria de excepção

                Começa a Requerida, em sua defesa, por invocar a excepção da da incompetência material do Tribunal.

                Para o efeito alega que o processo arbitral não é o meio próprio para que um direito em matéria tributária seja reconhecido e que a quantia exacta a reembolsar, decorrente de uma eventual procedência do pedido, não pode ser determinada neste momento.

                Para a Requerida, estando as competências do tribunal arbitral circunscrita às matérias indicadas no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT e da vinculação operada nos termos da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, ex vi artigo 4.º do RJAT, será manifesto que não se insere no âmbito daquelas competências a apreciação do pedido de reconhecimento de direitos nos termos formulado pela Requerente, ainda que possa constituir consequência, a nível de execução, da declaração de ilegalidade de actos de liquidação, conforme decorre do previsto no artigo 24.º do RJAT, sendo que o modo como se deve concretizar a execução de julgados arbitrais compete, em primeira linha, à AT, com possibilidade de recurso aos tribunais tributários para requerer coercivamente a execução.

                Em sede de contraditório, salienta a Requerente que nos presentes autos de processo arbitral não pretende proceder à contestação das correcções efetuadas no âmbito do processo de inspecção fiscal realizado ao período de tributação de 2014, estando em causa apenas a ilegalidade da aplicação da taxa de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) de 23%, no procedimento de liquidação, em vez da taxa de 21%, que a Requerente considera a correcta.

                Sustenta, também, a Requerente que a jurisprudência arbitral se tem pronunciado inúmeras vezes no sentido de reconhecer sem margem para dúvida poderes condenatórios aos tribunais arbitrais, devendo o racional observado na decisão de condenação ao pagamento de juros indemnizatórios ser aplicável mutatis mutandis ao racional observado no reconhecimento do direito ao reembolso da quantia de imposto indevidamente paga, conquanto se verifique a ilegalidade e anulação da liquidação de IRC subjacente, objeto de impugnação.

                Mais nota a Requerente que peticiona a título principal que seja determinada a anulação da decisão de indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa, em resultado da aplicação ilegal de uma taxa de IRC de 23% e, apenas em virtude disso, que seja posteriormente reconhecido o direito à Requerente ao reembolso do valor total de imposto indevidamente pago, como consequência da anulação da liquidação.

Como tem sido jurisprudência recorrente dos tribunais superiores da jurisdição estadual tributária “Na interpretação das peças processuais devem observar-se os critérios impostos pelos princípios do moderno processo e bem assim pelo princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva, pelo que o tribunal deve extrair da redacção dada ao pedido na petição inicial o sentido mais favorável aos interesses do peticionante, estabelecendo, ainda que com recurso à figura do pedido implícito, qual a verdadeira pretensão de tutela jurídica.”

                No caso, o pedido formulado pela Requerente foi o de:

“a anulação da decisão de indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa, proferida no âmbito do processo n.º ...2019... e, por via disso, a anulação da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) n.º 2018..., emitida em 17 de dezembro de 2018, em resultado da aplicação ilegal de uma taxa de IRC de 23% e, consequentemente, ser reconhecido o direito à Requerente ao reembolso do valor total de Euro 381.117,25 (trezentos e oitenta e um mil, cento e dezassete euros e vinte e cinco cêntimos), acrescido de juros indemnizatórios devidos até ao reembolso integral do montante ilegalmente liquidado, por vício de violação de lei, nos termos legais”

Conforme se verifica da leitura do pedido formulado, e a própria Requerente esclareceu em sede do contraditório que lhe foi facultado, relativamente à matéria de excepção, o pedido formulado consiste na anulação da liquidação adicional objecto da presente acção arbitral, e actos conexos (decisão do pedido de revisão oficiosa), sendo a parte do pedido relativa ao reconhecimento do direito à Requerente ao reembolso, uma presumíveis consequências lógicas que a Requerente atribui à procedência do pedido anulatório formulado.

                Efectivamente, o pedido de reconhecimento do direito ao reembolso não é um pedido autónomo da Requerente distinto da impugnação da liquidação de IRC objecto da presente acção arbitral, que será o único verdadeiro pedido indicado nas conclusões do pedido de pronúncia arbitral, sendo configurado como uma consequência necessária da declaração de procedência da impugnação que a Requerente solicita, pelo que tal consequência verificar-se-ia automaticamente, independentemente da Requerente a ter solicitado, por força da directa aplicação das alíneas b) e c) do n.º 1 do art.º 24º do RJAT.

                Este artigo dispõe que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, alternativa ou cumulativamente, consoante o caso:

a). Praticar o ato tributário legalmente devido em substituição do acto objecto da decisão arbitral;

b). Restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os actos e operações necessários para o efeito;

c). Rever os atos tributários que se encontrem numa relação de prejudicialidade ou de dependência com os actos tributários objeto da decisão arbitral, designadamente por se inscreverem no âmbito da mesma relação jurídica de imposto, ainda que correspondentes a obrigações periódicas distintas, alterando-os ou substituindo-os, total ou parcialmente;

d) Liquidar as prestações tributárias em conformidade com a decisão arbitral ou abster-se de as liquidar.

                               Vistas as coisas deste modo, ou seja, que o pedido formulado pela Requerente nos autos é o de anulação da liquidação de IRC que constitui o seu objecto, e que o a referência ao reconhecimento do direito ao reembolso é, meramente, um decorrência ou consequência que a Requerente extrai daquele, verifica-se a competência deste Tribunal arbitral, nos termos do art.º 2.º, n.º 1, al. a), do RJAT, devendo por isso, improceder a excepção ora em apreço.

 

***

b. do fundo da causa

 

                Conforme Requerente e Requerida assentam, nos presentes autos de processo arbitral estando em causa unicamente a questão da ilegalidade da aplicação da taxa de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas de 23%, no procedimento de liquidação do qual emerge o acto de liquidação de IRC ora impugnado, em vez da taxa de 21%, que a Requerente considera a correcta.

                Efectivamente, a Requerente entende que, relativamente ao período especial de tributação de 2014, atendendo à legislação em vigor à data dos factos (isto é, em 31 de Janeiro de 2015), bem como à mais recente jurisprudência do tribunal arbitral, tendo o facto gerador de IRC, ocorrido no último dia do período especial de tributação de 2014 – ou seja, no dia 31 de Janeiro de 2015 -, deverá ser aplicada a taxa de IRC de 21%, enquanto data posterior à entrada em vigor da  Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro de 2014 (Lei do Orçamento do Estado para 2015), e do disposto no n.º 1 do artigo 97.º do Código do IRC, na redacção vigente após 1 de Janeiro de 2015, que prevê a taxa de IRC de 21%.

                Nota, ainda, a Requerente, que contrariamente ao que tem sido prática comum nas Leis do Orçamento do Estado de anos anteriores, na Lei do Orçamento do Estado para 2015, o legislador não estabeleceu qualquer disposição transitória quanto à alteração da taxa de IRC e à sua aplicação temporal, concluindo-se pela sua clara intenção de diminuir a taxa de imposto para os períodos de tributação que terminaram a partir da data da respetiva entrada em vigor.

Por seu lado, entende a Requerida que para o período de tributação de 2014, nos termos do n.º 1 do art.º 87.º do CIRC, na redacção dada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, a taxa de IRC era de 23%, não sendo a data de encerramento do exercício de 2014 que determina a taxa aplicável, mas sim a taxa aplicável ao exercício de 2014, que é de 23% e não de 21%.

Vejamos, então.

 

*

                Questão análoga à dos presentes autos, foi apreciada por tribunal arbitral singular, no âmbito do processo 179/2018 do CAAD, invocado pela Requerente.

                No âmbito desse processo, julgou-se que:

“De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 87.º do Código do IRC, com a redacção dada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, diploma que procedeu à reforma do IRC, a taxa de IRC em vigor no ano de 2014 era 23%.

Por força do artigo 14.º da referida Lei n.º 2/2014, as alterações introduzidas ao Código do IRC aplicavam-se aos períodos de tributação que se iniciassem, ou aos factos tributários que ocorressem, em ou após 01/01/2014.

Assim, em 01/07/2014, data em que se iniciou o período de tributação de 2014 da Requerente, a taxa de IRC em vigor era de 23%.

Contudo, no final do mesmo ano, o artigo 192.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro (“Lei do Orçamento de Estado para 2015”) veio alterar a taxa de IRC para 21%.

Nos termos do n.º 1 do seu artigo 261.º, a Lei do Orçamento de Estado para 2015 entrou em vigor no dia 01/01/2015 e, portanto, a taxa geral de IRC em vigor desde essa data é de 21%.

Ora, ao contrário do que fez nos anteriores diplomas legais que alteraram a taxa de IRC, o legislador não estabeleceu na Lei do Orçamento de Estado para 2015 qualquer disposição transitória relativa à alteração da taxa de IRC e à sua aplicação temporal.

Não existindo norma transitória, importa atender às regras gerais sobre a aplicação no tempo da lei fiscal.

Ao abrigo do n.º 1 do artigo 12.º da Lei Geral Tributária, “As normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer impostos retroactivos” (sublinhado nosso).

Assim, tendo em consideração que a Lei do Orçamento de Estado para 2015 entrou em vigor no dia 01/01/2015, é necessário determinar quando é que o facto gerador do IRC, relativo ao seu período de tributação de 2014, foi verificado na esfera da Requerente.

Sobre esta questão, entende a DSIRC, com base na sua interpretação da sucessão das leis no tempo, que:

Ao período de tributação de 2014 (iniciado em 01/07/2014 e findo em 30/06/2015) aplicam-se as regras do Código do IRC em vigor para o período de tributação de 2014 (por outras palavras, a taxa de IRC em vigor durante ano civil de 2014, que, regra geral, corresponde ao período de tributação da maioria dos sujeitos passivos);

Ao período de tributação de 2015 (iniciado em 01/07/2015 e findo em 30/06/2016) aplicam-se as regras do Código do IRC em vigor para o período de tributação de 2015 (por outras palavras, a taxa de IRC em vigor durante o ano civil de 2015); e

A obrigação tributária nasce depois da alteração da taxa de IRC, que apenas se aplica aos períodos de tributação com início em ou após 1 de janeiro de 2015.

Ou seja, para a DSIRC, a obrigação tributária (leia-se, o facto gerador em sede de IRC, que determinará a taxa aplicável), nasce com o início do período de tributação.

Assim, ao período de tributação iniciado durante o ano civil de 2014, aplica-se a taxa de IRC em vigor para 2014, de 23%, enquanto ao período de tributação iniciado durante o ano civil de 2015, aplica-se a taxa de 21%.

Ora, esta posição está em total desacordo com as normas aplicáveis.

Com efeito, dispõe o n.º 9 do artigo 8.º do Código do IRC que o “facto gerador do imposto considera-se verificado no último dia do período de tributação”.

Mas se dúvidas existissem, para as esclarecer bastaria atender à decisão proferida pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 382/2012 de 12 de Julho de 2012, ao analisar a retroatividade da lei fiscal que alterou as taxas de tributação autónoma no ano de 2008, “na tributação dos rendimentos em sede de IRS ou IRC, em que se tributa o conjunto dos rendimentos auferidos num determinado ano (o que implica que só no final do mesmo se possa apurar a taxa de imposto, bem como o escalão no qual o contribuinte se insere) (...) no caso do IRC, estamos perante um imposto anual, em que não se tributa cada rendimento percebido per si, mas sim o englobamento de todos os rendimentos obtidos num determinado ano, considerando a lei que o facto gerador do imposto se tem por verificado no último dia do período de tributação (cfr. artigo 8.º, n.º 9, do CIRC)” (sublinhado nosso).

Aliás, a própria AT refere na decisão de indeferimento que “Nos termos do disposto no n.º 9 do art.º 8.º do CIRC, o facto gerador do imposto considera-se verificado no último dia do período de tributação” (cfr. página 3).

Portanto, no caso da Requerente, o facto gerador do IRC devido com referência ao período de tributação de 2014 verificou-se no último dia de tal período de tributação, ou seja, no dia 30/06/2015, quando a taxa de IRC em vigor era 21%.

E não se diga para contrariar a conclusão a que chegámos no artigo anterior que, na verdade, apenas por mero lapso o legislador não estabeleceu uma norma transitória na Lei do Orçamento de Estado para 2015, sendo sua intenção que a nova taxa de IRC se aplique apenas aos períodos de tributação iniciados depois de 01/01/2015.

Esta afirmação deve ser liminarmente rejeitada, por não merecer qualquer acolhimento nos termos das normas interpretativas previstas no Código Civil, em especial no n.º 3 do seu artigo 9.º, nos termos do qual o “intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”.

Com efeito, se o legislador não estabeleceu uma norma transitória, devemos concluir que apenas não o fez porque não o quis fazer, ou seja, porque pretendeu a aplicação das regras gerais acima referidas, das quais resulta a aplicação imediata da nova taxa de IRC a todos os períodos de tributações iniciados ou em curso a 01/01/2015.

Com efeito, em ocasiões anteriores onde a taxa geral de IRC foi alterada e o legislador quis que a nova taxa apenas se aplicasse a períodos de tributação iniciados após a entrada em vigor da nova taxa, o legislador estabeleceu uma norma transitória nesse sentido, conforme resulta dos vários exemplos que se seguem.

Na sua redação inicial, o atual n.º 1 do artigo 87.º do Código do IRC correspondia ao n.º 1 do artigo 69.º do Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de Novembro, e dispunha que “A taxa do IRC é de 36,5%, excepto nos casos previstos nos números seguintes”.

Ao abrigo do n.º 1 do artigo 41.º da Lei n.º 3-B/2000, de 4 de Abril (Lei do Orçamento de Estado para 2000), a redação do n.º 1 do artigo 69.º do Código do IRC vigente à data foi alterada para “A taxa do IRC é de 32%, excepto nos casos previstos nos números seguintes”.

Simultaneamente, estabeleceu o legislador no n.º 3 do mesmo artigo que “O disposto no n.º 1 do artigo 69.º do Código do IRC, com a redacção dada pela presente lei, é aplicável aos rendimentos obtidos em períodos de tributação cujo início ocorra a partir de 1 de janeiro de 2000” (sublinhado nosso).

No ano de 2002 houve uma nova alteração à taxa de IRC através do n.º 1 do artigo 32.º da Lei n.º 109-B/2001, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2002), tendo a redação do então artigo 80.º do Código do IRC passado a ser “A taxa de IRC é de 30%, excepto nos casos previstos nos números seguintes”.

Mais uma vez, o legislador estabeleceu uma norma transitória relativa à aplicação temporal da nova taxa de IRC no n.º 7 do artigo referido no parágrafo anterior que dispunha “O disposto no n.º 1 do artigo 80.º aplica-se aos rendimentos obtidos nos períodos de tributação cujo início ocorra a partir de 1 de Janeiro de 2002” (sublinhado nosso).

A evolução da taxa de IRC manteve a sua tendência e no ano de 2004, e o n.º 1 do artigo 30.º da Lei n.º 107-B/2003, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2004) alterou o n.º 1 do artigo 80.º do Código do IRC vigente à data por forma a estabelecer que “A taxa de IRC é de 25%, excepto nos casos previstos nos números seguintes”.

Em conformidade com o procedimento adoptado pelo legislador nas alterações anteriores à taxa de IRC, ao abrigo do n.º 2 do mesmo artigo, “O disposto no n.º 1 do artigo 80.º do Código do IRC aplica-se aos rendimentos obtidos nos períodos de tributação cujo início ocorra a partir de 1 de Janeiro de 2004” (sublinhado nosso).

Como resulta dos vários exemplos de alterações à taxa de IRC mencionados anteriormente, sempre que a intenção do legislador foi excluir a aplicação da nova taxa de IRC aos períodos de tributação iniciados antes da entrada em vigor da nova lei, mas com um termo posterior à alteração da taxa, o legislador estabeleceu normas transitórias nesse sentido.

Se não o fez para a redução da taxa de IRC prevista na Lei do Orçamento de Estado para 2015 não foi certamente porque se esqueceu.

Foi simplesmente porque pretendeu a imediata aplicação da nova taxa a todos os períodos de tributação iniciados em 01/01/2015, após 01/01/2015 ou em curso a 01/01/2015.

Assim, é imperioso concluir que a taxa geral de IRC em vigor em 30/06/2015, data do termo do período de tributação de 2014 da Requerente, era de 21%, sendo essa a taxa a aplicar para efeito do cálculo do IRC devido pela Requerente com referência a tal período.

Importa aqui salientar que a temática do facto gerador e entidades com período de tributação diferente do ano civil não é novidade.

Refere Rui Duarte Morais que “Sobre o facto gerador duradouro, coloca-se a questão do momento a considerar para determinar qual a lei que regerá a obrigação de imposto relativa a dado exercício. A resposta resultará, em princípio, do disposto no n.º 9 do art. 8.º: o facto gerador de imposto considera-se verificado no último dia do período de tributação. Ou seja, a lei fiscal aplicável será, por regra, (admitindo a normal coincidência do exercício com o ano civil), a vigente em 31 de dezembro. O que resulta coerente com a anualidade dos impostos (desde logo, com as alterações que são introduzidas na lei fiscal por força da Lei do Orçamento, também ele referido a um ano civil).

Significa isto que aos sujeitos passivos cujo exercício não coincida com o ano civil serão aplicáveis, no cálculo do lucro tributável e do imposto a pagar relativamente a cada período de doze meses, regras diferentes daquelas a que está sujeita a generalidade dos sujeitos passivos” (...).

Em sentido idêntico, Patrícia Anjos Azevedo em anotação ao n.º 9 do artigo 8.º do Código do IRC, “O facto gerador do imposto, ou seja, o facto tributário (entendido como aquilo que desencadeará a obrigação de pagamento do tributo) considera-se verificado no último dia do período de tributação (em regra, 31 de Dezembro de cada ano civil, com as excepções pontualmente observáveis e de acordo com o preceituado na disposição em análise).

Deste modo, a lei fiscal aplicável a cada exercício será a vigente no termo do período de tributação considerado, coerentemente com a questão da anuidade dos impostos e atenta a questão de que, por exemplo, eventuais alterações fiscais são introduzidas aquando da Lei do Orçamento de Estado, vigente por um ano civil” [2] (sublinhado e realçado nosso).

Finalmente, importa ainda notar que a DSIRC refere que a taxa de 23% deverá aplicar-se ao período de tributação de 2014 da Requerente, uma vez que o artigo 14.º da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, estabelece que “Sem prejuízo do disposto no artigo 8.º, a presente lei aplica-se aos períodos de tributação que se iniciem, ou aos factos tributários que ocorram, em ou após 1 de janeiro de 2014”.

O artigo 14.º estabeleceu que a taxa de IRC de 23% introduzida com a referida lei era aplicável aos períodos de tributação iniciados em ou após 01/01/2014, ou aos factos tributários ocorridos após essa data.

Com efeito, o período de tributação de 2013 da Requerente, iniciado 01/07/2013, findo em 30/06/2014, já se encontrava em curso aquando da entrada em vigor da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, pelo que o facto tributário ocorrido após 01/01/2014 foi o facto gerador de IRC do período de tributação de 2013, no dia 30/06/2014 (determinando assim, ainda que não tenha sido reclamado pela Requerente, que ao IRC desse período de tributação deveria ter sido aplicada a taxa de 23% e não de 25%).

Da mesma forma que no ano subsequente, em 30/06/2015, foi consumado o facto gerador de IRC relativo ao período de tributação de 2014 da Requerente, quando a taxa de IRC em vigor era 21%.

Em face de tudo quanto se vem expondo, facilmente se conclui que:

A Lei do Orçamento de Estado para 2015 alterou a taxa de IRC prevista no n.º 1 do artigo 87.º do Código do IRC, e veio reduzir a mesma de 23% para 21%;

A Lei do Orçamento de Estado para 2015 não estabeleceu norma transitória sobre a aplicação temporal da nova taxa de IRC de 21%;

A Lei do Orçamento de Estado para 2015 entrou em vigor no dia 01/01/2015;

O período de tributação de 2014 da Requerente, iniciado em 01/07/2014 (findo em 30/06/2015) já se encontrava em curso quando a Lei do Orçamento de Estado para 2015 entrou em vigor;

Nos termos do n.º 1 do artigo 12.º da LGT, as normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor;

Nos termos do n.º 9 do artigo 8.º do Código do IRC, o facto gerador de IRC considera-se verificado no último dia do período de tributação;

O facto gerador de IRC do período de tributação da Requerente verificou-se no dia 30/06/2015; e

A taxa de IRC em vigor a 30/06/2015 era de 21%.”.

                Ressalvado o muito respeito pelo decidido, não se poderá concluir aqui da mesma forma.          

                Efectivamente, julga-se, o ponto de partida da determinação do critério decisório a aplicar deverá situar-se, não na alteração da taxa de IRC pela Lei do Orçamento de Estado para 2015, no momento da sua entrada em vigor, e na determinação do momento da verificação do facto tributário sujeito a imposto pela liquidação sub iudice, mas no teor normativo do art.º 14.º da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, ao dispor que “Sem prejuízo do disposto no artigo 8.º, a presente lei aplica-se aos períodos de tributação que se iniciem, ou aos factos tributários que ocorram, em ou após 1 de janeiro de 2014”, norma esta em que a Requerida estriba, essencialmente, o entendimento pelo qual pugna.

                Efectivamente, não estará, em primeira linha, em questão apurar se a taxa de IRC genericamente em vigor a 31 de Janeiro de 2015 era ou não 21% - que era, como refere a decisão acima transcrita – nem apurar se o facto tributário sujeito a imposto pela liquidação ora em crise se deu naquela data – que se deu, como também aquela decisão o demonstra – mas, antes, apurar se, e em que medida, a norma do supra-referido art.º 14.º estava, ou não em vigor, no dia 31 de Janeiro de 2015.

                É que, se se considerar que aquela norma vigorava a 31 de Janeiro de 2015, por força da mesma, ter-se-á de considerar que a taxa de imposto aplicável era, ainda, a instituída na Lei que a consagra.

                Deste modo, dever-se-á começar por definir o sentido e alcance do art.º 14.º em questão.

                Antes de mais, e a este respeito, convirá notar que a redacção do mesmo não é a mais feliz.

                Com efeito, situando-nos apenas na letra da norma em causa, verifica-se, desde logo, que a mesma comportaria a interpretação de que, por exemplo, no caso de entidades como a Requerente, que tivessem um período de tributação em IRC não coincidente com o ano civil, se aplicariam as normas da Lei 2/2014, relativamente aos factos tributários ocorridos a partir de 1 de Janeiro de 2014, mesmo que relativos ao exercício de 2013.

                Por outro lado, e situando-nos ainda no plano da letra da lei, também se poderia concluir que da mesma resultaria que as normas da Lei 2/2014, por força do seu art.º 14.º, se aplicariam aos exercícios e factos tributários, ocorridos nos exercícios e anos de 2015 e seguintes, e portanto, abrangendo o facto tributário em causa no presente processo arbitral, a menos que se concluísse que aquele artigo 14.º tivesse sido revogado, o que, sem prejuízo do quanto adiante se dirá, não ocorreu, pelo menos expressamente.

                Do exposto resulta que, em ordem a apreender devidamente o sentido do enunciado normativo do art.º 14.º da Lei 2/2014, o intérprete tem de recorrer a outros elementos que não a letra da lei.

                Assim, a referência, no art.º 14.º em análise, “aos períodos de tributação que se iniciem, ou aos factos tributários que ocorram”, não deverá, sob o ponto de vista lógico, ser visto como um, passe a expressão “pleonasmo” jurídico, devendo antes ser indagada a intencionalidade e o sentido (ou seja a teleologia) de tal expressão.

                Sob este ponto de vista, deverá atender-se a que a Lei 2/2014 procede a alterações profundas em sede de IRC e, também, em sede de IRS, imposto estes cuja tributação assenta, por norma, em períodos de tributação, mas que, incidentalmente, podem impor tributação de factos tributários isolados (como seja no caso das tributações autónomas).

                Daí que a referência a “períodos de tributação que se iniciem, ou aos factos tributários que ocorram” se não deva ter por alternativa, mas como tendo uma relação de subsidiariedade entre si.

                Ou seja, interpretado desta forma, o que o art.º 14.º da Lei 2/2014 pretende dizer é que o disposto nesta lei se aplica aos períodos de tributação, quando esta assente naqueles, e aos factos tributários, quando a tributação não tenha por base aqueles.

Já no contexto sistemático, aquela norma deve ser compreendida como uma norma especial em relação ao art.º 12.º da LGT, que dispõe, no que para o caso interessa, que:

“1 - As normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer impostos retroativos.

2 - Se o facto tributário for de formação sucessiva, a lei nova só se aplica ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor.”.

                Efectivamente, aquele art.º 14.º, veio dispor sobre o âmbito da vigência temporal das disposições da Lei que integra, e apenas se pode explicar como tendo subjacente o propósito de dispor na matéria de modo distinto do que resultaria da aplicação da referida norma da LGT.

                Sob este ponto de vista, a abrangência, que o elemento literal da interpretação acolhe, pelo art.º 14.º em questão, de períodos de tributação subsequentes a 2014, não assumirá qualquer relevância, na medida em que se sobrepõe ao que já resultaria do art.º 12.º da LGT.

                Daí que, ponderado o quanto previamente se expôs, o art.º 14.º da Lei 2/2014 deverá ser interpretado como dispondo no sentido de que as normas daquela Lei se apliquem ao período de tributação de 2014, relativamente à tributação, em IRS ou IRC, que assente naquele, e aos factos tributários ocorridos em 2014, relativamente à tributação, também em IRS ou IRC, que não assente no período de tributação.

                Delimitado assim o sentido normativo do art.º 14.º da Lei 2/2014, cumpre, então, apurar se, a 31 de Janeiro de 2015, o mesmo se encontrava em vigor.

                Ora, como se adiantou atrás, não existe qualquer norma que tenha revogado expressamente aquele art.º 14.º, sendo que, seguramente, a Lei n.º 82-B/2014 não o faz.

                Daí que a conclusão a retirar deva ser a de que aquele art.º 14.º se encontrava em vigor a 31 de Janeiro de 2015, e, como tal, deve aplicar-se ao período de tributação de 2014 da Requerente, que findou nesse ano.

                Não obstará, naturalmente, à conclusão retirada o disposto no art.º 12.º da LGT, na medida em que, como se expôs, o art.º 14.º em questão deverá ser entendido como uma norma especial, e, como tal, prevalecente na matéria que regula, relativamente àquele.

                Sem prejuízo do que vem de se dizer, sempre se chegaria à mesma conclusão por uma outra via.

                Efectivamente, e como se indicou já, a questão verdadeiramente fulcral para o sentido da decisão a proferir no caso sub iudice será a de saber se a o art.º 14.º da Lei 2/2014 estava, ou não vigente a 31 de Janeiro de 2015.

                E, como também se apontou antes, a Lei do Orçamento para 2015, não contém nenhuma norma que revogue, expressamente, o disposto naquele art.º 14.º, sendo que, ausência de norma transitória, invocada pela Requerente, e notada na decisão arbitral supra-citada, não deverá, de per si, ter-se como evidenciadora de uma intenção revogatória.

                Acresce que o art.º 14.º em questão, não se reporta exclusivamente, à alteração da taxa de IRC operada pelo art.º 2.º da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, abrangendo todas as alterações em matéria tributária, consagradas pela mesma Lei, a maioria das quais continua em vigor, pelo que qualquer revogação que se possa equacionar daquela norma seria, meramente parcial.

                Daí que, o único entendimento possível que se concebe neste domínio, seria o de que art.º 14.º em causa foi parcialmente revogado, na parte em que impunha a aplicação da alteração ao art.º 87.º/1 do CIRC, operada pelo art.º 2.º da Lei n.º 2/2014, e que tal revogação não se poderá retirar senão da entrada em vigor do art.º 192.º da Lei n.º 82-B/2014, que alterou, novamente, aquele mesmo art.º 87.º/1 do CIRC.

                Estaríamos, portanto, perante um caso de revogação tácita parcial da supra referida norma do art.º 14.º da Lei n.º 2/2014, na parte em impunha a aplicação da alteração ao art.º 87.º/1 do CIRC, operada pelo art.º 2.º daquela mesma Lei.

                Assim, como ensinava o insigne Mestre João Baptista Machado , “A revogação pode ser expressa ou tácita, total (ab-rogação) ou parcial (derrogação). É (...) tácita quando resulta de incompatibilidade entre as disposições novas e as antigas”.

                Como se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29-05-2007, proferido no processo 4117/2007-7:

“A revogação, que ora nos ocupa, pressupõe a entrada em vigor de uma nova lei, e pode ser expressa ou tácita, total ou parcial.

Da revogação que ora tratamos, a tácita, é resultante da incompatibilidade entre as disposições novas e as anteriores, ou ainda, quando a nova lei regula toda a matéria (substituição global).  

Todavia, este juízo de incompatibilização decorrente da abrogação tácita entre a lei antiga e a nova lei não surge sempre em segurança para o intérprete. Se a nova lei geral sucede a uma especial, a regra é da coexistência, mas o inverso é duvidoso.

No nosso sistema jurídico vigora a presunção da subsistência do regime especial perante alteração de norma geral-artº 7, nº 3 do CCivil – só cederá perante uma interpretação segura, inequívoca da intenção revogatória do legislador.

Como proceder então perante esta aparente coexistência de normas reguladoras da mesma situação? A solução dependerá caso por caso de identificar qual a ligação entre as normas em questão e sobretudo no fundamento, da razão de ser da nova lei.”.

                Efectivamente, julga-se ser este o critério a seguir na delimitação do âmbito de uma revogação tácita, ou seja, dever-se-á identificar qual a ligação entre as normas em questão e sobretudo no fundamento, da razão de ser da nova lei.

                Ora, vistas as coisas assim, e à luz da interpretação da norma do art.º 14.º da Lei n.º 2/2014, atrás exposto, incluindo a configuração daquele como uma norma especial em relação ao art.º 12.º da LGT, não será possível concluir que o art.º 192.º da Lei n.º 82-B/2014, tenha tido por propósito a revogação daquele art.º 14.º, pelo menos na parte em que se referia à aplicação das normas da Lei que o mesmo integra ao período de tributação de 2014, no caso da tributação em IRS e IRC que tenha por base, e aos factos tributários ocorridos em 2014, relativamente à tributação naqueles impostos que não assente no período de tributação.

                Deste modo, concluindo-se, nos termos expostos, que o art.º 14.º da Lei n.º 2/2014 se encontrava vigente a 31/01/2015, na parte em que impõe a aplicação do disposto naquela Lei à tributação em IRS e IRC que assente no período de tributação de 2014, haverá que concluir pela legalidade da actuação da AT, e pela consequente improcedência do pedido arbitral, incluindo os pedidos acessórios formulados.

 

*

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar improcedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

a)            Absolver a Requerida do pedido;

b)           Condenar a Requerente nas custas do processo, abaixo fixadas.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 381.117,25, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 6.426,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente, uma vez que o pedido foi totalmente improcedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 27 de Fevereiro de 2020

 

O Árbitro Presidente

(José Pedro Carvalho)

 

O Árbitro Vogal

(Regina de Almeida Monteiro)

 

O Árbitro Vogal

(Ana Teixeira de Sousa)

 

 

 

 

 

VOTO DE VENCIDA

 

Voto vencida por aderir à tese que foi defendida por tribunal arbitral singular no Processo 179/2018 do CAAD, citada e explanada no presente acórdão.

 

O Árbitro Vogal

 

(Ana Teixeira de Sousa)