Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 362/2017-T
Data da decisão: 2018-01-23  IRC  
Valor do pedido: € 465.436,53
Tema: IRC – Dedutibilidade – Facturas - Tributação Autónoma - Disposição antiabuso especial - Regime de tributação claramente mais favorável.
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Decisão Arbitral

 

 

            Os árbitros Dr. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente, designado pelos outros Árbitros), Prof. Doutor Rui Duarte Morais e Dr.ª Maria Manuela do Nascimento Roseiro, designados, respectivamente, pela Requerente e pela Requerida, para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 05-09-2017, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

           

A…, S.A., pessoa colectiva n.º … (adiante também denominada por A… ou requerente), com sede na Rua da …, Lugar de …, …, …-… … (doravante designada como “Requerente”), apresentou um pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a declaração de ilegalidade da liquidação de IRC n.º 2016…, demonstração de acerto de contas n.º 2016… e demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao exercício de 2012, onde se evidencia um montante de imposto a pagar de € 465.436,53, dos quais € 225.746,33 correspondem a Tributação Autónoma (TA) e € 48.465,46 a juros compensatórios, bem como da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa que deduziu contra essa liquidação.

            É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

A Requerente designou como Árbitro o Prof. Doutor Rui Duarte Morais, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea b), do RJAT.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 06-06-2017.

Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º e do n.º 3 do RJAT, e dentro do prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, o dirigente máximo do serviço da Administração Tributária designou como Árbitra a Dr.ª Maria Manuela do Nascimento Roseiro.

Os Árbitros designados pelas Partes designaram para Árbitro Presidente o Cons. Jorge Lopes de Sousa, que aceitou a designação.

Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes dessa designação em 17-08-2017.

Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 7 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 05-09-2017.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou Resposta, em que defendeu que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente.

Em 27-11-2017, foi dispensada a realização de reunião e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas.

As Partes apresentaram alegações.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.

            As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

            Não há nulidades nem obstáculos à apreciação do mérito da causa.

 

           

            2. Matéria de facto

 

            2.1. Factos provados

 

            Consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1. A Requerente é uma sociedade anónima, com a actividade principal de decoração de artigos cerâmicos de uso doméstico e ornamental, a que corresponde a CAE 23414 e que declarou o início de actividade em 1997-02-01. Declara ainda a actividade secundária de “outra impressão”, correspondente ao CAE 18120;
  2. A Requerente dedica-se ao fabrico de artigos de faiança, porcelana e grés fino e opera sob a marca registada "B…";
  3. Os artigos produzidos pela Requerente são, na sua quase totalidade, chávenas de café e de chá (e respectivos pires);
  4. A Requerente desenvolve projectos de desenho de chávenas e pires e acompanha o cliente de modo a que o produto final — chávena de café ou de chá com comunicação alusiva à marca de torrefacção;
  5. A Requerente adquire a matéria-prima — mormente as chávenas e os pires — a diversos fornecedores, a maior parte no mercado interno;
  6. Os principais fornecedores da Requerente são a Sociedade C…, S.A. ("C…") e a "D…, Lda.", com sede em … ("D…"), que asseguram mais de 50% dos fornecimentos da Requerente;
  7. No ano de 2012, a Requerente adquiriu fornecimentos provindos do estrangeiro devido à incapacidade do mercado nacional de produção de chávenas e pires satisfazer as necessidades da Requerente;
  8.  Há vários anos que que a Requerente tem recorrido a um fornecedor/trader chinês, accionista de várias empresas locais que, a partir de Hong Kong e da Malásia, tem assegurado, junto de produtores chineses e malaios, uma parte do inventário da Requerente;
  9. Este fornecedor da Requerente, E…, é um empresário chinês com ligações à indústria e ao comércio na China e em Hong Kong, que era sócio gerente das sociedades F... Ltd./ G…, bem como das sociedades H… e I… (doravante, somente, “H…/I…”, que foram os fornecedores relevantes em 2012) (documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  10. A H…/I… tem proporcionado de diferimento do pagamento dos fornecimentos alargado (documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
  11. As aquisições de mercadorias às sociedades H…/I… vêm tituladas por duas facturas — que, por simplificação, foram apodadas de "A" e "B" — respeitando estas últimas a serviços que são prestados localmente (na China) e que se destinam a colocar as mercadorias no seu estado à saída do porto local;
  12. Estas facturas “B” respeitam a serviços como trânsito local das mercadorias, custos com armazenamento, despesas portuárias, certificados de origem e embalagens que são contratados localmente pelos fornecedores e que a Requerente paga de acordo com as especificações por aqueles transmitidas;
  13. A Autoridade Tributária e Aduaneira procedeu a um procedimento de inspecção às aquisições da Requerente no período de 15-11-2012 a 31-03-2015, a pedido das autoridades aduaneiras holandesas em que elaborou o Relatório que consta do documento n.º 11 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido em que se refere, além do mais o seguinte:
  1. CONCLUSÕES DA AÇÃO

      CONCLUSÕES

Atenta a envolvente e factualidade adiante descritas, pode assim concluir-se que:

O sujeito passivo "A…, SA”, NIF PT…, com domicílio fiscal e instalações comerciais na Rua …– …| …| …-… … …, possui como atividade principal a produção de bens de porcelana, essencialmente para torrefactores de café.

No período em análise, compreendido entre 2012/11/15 e 2015/03/31, a empresa PT efectuou aquisições extracomunitárias de mercadoria, processadas em estâncias aduaneiras PT, em número insignificante [2 operações de importação suportadas por Documento Administrativo Único (DAU) - DAU n.º …-…. (2012/03/01) e n.º 2013PT… (2013/07/19)], totalizando um contravalor de € 555.20

(quinhentos e cinquenta e cinco euros e vinte cêntimos).

Na sequência das ações propostas em Ficha de Informação Para a Ação (FIPA n.º…), o presente procedimento teve como objectivo, a pedido das autoridades aduaneiras holandeses:

1. Confirmar a veracidade de 20 (vinte) operações comerciais de importação (uma com origem na China e dezanove com origem na Malásia) processadas na Holanda;

2. Confirmar a autenticidade dos certificados de origem do suporte a essas operações;

3. Confirmar o registo contabilístico dessas operações.

Solicitando-nos aquelas, também, que, dentro do possível, lhes fornecemos as seguintes informações:

a) Qual a razão que levou a empresa portuguesa a importar o mesmo género de mercadoria com origem na Malásia quando anteriormente a importava com origem China?

b) Porque razão as faturas pró-forma n.º CT1079, CT1089 e CT1112 foram utilizadas diversos vezes?

c) É possível determinar e verdadeira origem de mercadoria?

d) A empresa "I…" produz ela própria os produtos que exportou ou é um revendedor?

e) A empresa importadora tem na sua posse contrato de compra/venda das mercadorias?

t) As faturas são verídicas e autênticas?

g) A empresa importadora efetuou mais algum pagamento para além do preço indicado na fatura?

h) A quem foram as mercadorias efectivamente pagas?

Do averiguado resulta confirmado:

1. A veracidade das operações comerciais de importação que serviram de suporte aos 20 (vinte) DAU de introdução em livre prática processados na Holanda, relacionados na FIPA n.º…;

2. O registo contabilístico dessas operações;

Do averiguado resulta, também, nada indicar em contrário sobre:

3. A autenticidade dos certificados de origem de suporte a essas operações.

As respostas às questões colocadas pelas autoridades aduaneiras holandesas [alíneas a) a h)] constam do ponto VIII ("Outros Elementos Relevantes") deste relatório.

Foram compulsados todos os registos e documentos contabilísticos e aduaneiros de suporte às vinte e duas operações de importação em questão (20 processadas na Holanda e 2 processadas em Portugal) e recolhidas cópias dos documentos considerados relevantes para o esclarecimento do solicitado.

Observa-se concordância entre os documentos e registos contabilísticos / aduaneiros do sujeito passivo e os documentos e registos administrativos compulsados.

O sujeito passivo "A…, SA", NIF PT…, possuía em arquivo documental todos os documentos contabilísticos e aduaneiros em questão.

(...)

RESPOSTA À FIPA N.º …

Do averiguado, sobre os 3 (três) quesitos principais detalhados na FIPA n.º…, resulta confirmado:

1. A veracidade das operações comerciais de importação que serviram de suporte aos 20 (vinte) DAU de introdução em livre pratica processados na Holanda, relacionados na FIPA n.º …;

3. O registo contabilístico dessas operações;

Resulta, também, nada indiciar em contrário sobre:

2. A autenticidade dos certificados de origem de suporte a essas operações.

Já quanto às questões específicas colocadas peias autoridades aduaneiras holandesas [alíneas e) a h)], segue súmula de resposta dedicada a cada uma datas:

a) Qual a razão que levou a empresa portuguesa a importar o mesmo género de mercadoria com origem na Malásia quando anteriormente a importava com origem China?

R: Segundo declarações de responsável (ponto de contacto) da empresa PT “A... SA", NIF PT…, a mudança de país de origem (e do fornecedor) da mercadoria em questão prende-se com um ato de boa gestão aduaneira das operações de comércio internacional, evitando, desta forma, custos acrescidos com o pagamento de direitos anti-dumping (aos quais ficaram sujeitas essas mercadorias importadas com origem China).

b) Porque razão as faturas pró-forma n.º CT1079, CT1089 e CT1112 foram utilizadas diversas vezes?

R: Estes faturas pró-forma (a exemplo de todas as outras mencionadas em todas as faturas definitivas em questão) são emitidas por uma trading (H…), corporizam um acordo contratual, e a elas se sucedem as faturas definitivas que estão mencionadas nos DAU processados na Holanda (mencionados na FIPA n.º…).

      c) É possível determinam verdadeira origem da mercadoria?

R: Do averiguado resulta nada indiciar em contrário sobre autenticidade dos certificados de origem de suporte aos DAU processados na Holanda (mencionados na FIFA n.º…).

d) A empresa “I…” produz ela própria os produtos que exportou ou é um revendedor?

R: Segundo declarações de responsável (ponto de contacto) da empresa PT "A... SA". NIF PT…, e segundo o constante na Declaração emitida pela empresa MY “I…”, certificada pela MY "J…” (carimbada e assinada pelo seu Administrador Executivo), a referida empresa MY é um produtor da mercadoria relativa aos dezanove DAU processados na Holanda (mencionados na FIPA n.º … - com origem declarada na Malásia).

e) A empresa importadora tem na sua posse contrato de compra/venda das mercadorias?

R: Não existe qualquer contrato formal e normalizado. O processo de aquisição da mercadoria tida como necessária inicia-se com uma “ordem de compra”, corporizada numa "order detail" junto de uma trading (H…), a qual trate de encontrar o melhor fornecedor (de acordo com os padrões de qualidade exigidos), remetendo resposta sob a forma de faturas pró-forma que, uma vez aceites, constituem o acordo comercial.

      f) As faturas são verídicas e autênticas?

R: Nada indicia que qualquer fatura de suporte aos DAU processados na Holanda (mencionados na FIPA n.º…) não seja verídica e autêntica. Todas estas faturas se encontram devidamente registadas na contabilidade da empresa PT “A... SA", NIF PT… . Os seus originais constam do respetivo arquivo contabilístico e aduaneiro e estão devidamente registados.

g) A empresa importadora efetuou mais algum pagamento para além do preço indicado na fatura?

R: Os pagamentos respeitantes às transações comerciais de suporte aos DAU processados na Holanda (mencionados na FIPA n.º…), mormente os efetuados à empresa MY "I…", constam especificados no Quadro 4 deste relatório. Não se vislumbrou qualquer pagamento adicional que não fosse os respeitantes às transações comerciais registadas na contabilidade da empresa PT ”A…, SA", NIF PT… .

      h) A quem foram as mercadorias efectivamente pagas?

R: Os pagamentos em questão foram efetuados por transferência interbancária internacional à ordem da trading “H…”.

 

  • A Autoridade Tributária e Aduaneira procedeu a uma acção inspectiva à Requerente no cumprimento da Ordem de Serviço N.º0l2015…, relativa a IRC do exercício de 2012;
  • Nesta acção inspectiva foi elaborado Relatório da Inspecção Tributária que consta do documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

III- DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL

III.1. Aquisições de matérias ao Oriente

III- 1.1. Descrição dos factos

Como se referiu no ponto "II- 3.6.1 Preparação prévia da ação" do presente relatório, o SP pertence ao cadastro do acompanhamento permanente desta unidade orgânica. Por esse motivo, periodicamente são encetados procedimentos de inspeção tributária, cujo objetivo e o de monitorizar o cumprimento das suas obrigações fiscais.

Em consequência desses procedimentos, mais concretamente do procedimento inspetivo aos períodos de 2010 e 2011, realizado entre 2013-01-22 0 2013-09-17, foram sinalizados os factos que a seguir se resumem:

  • Correções à matéria tributável em sede de IRC, em virtude de a contabilidade relevar gastos em duplicado relativos a serviços relacionados com as aquisições com origem no mercado externo, designadamente as aquisições de artigos de porcelana ao operador económico domiciliado na República Popular da China;
  • Diminuição das margens brutas dos períodos de 2009 e 2010;
  • Tendência decrescente do lucro tributável desde 2004 (com inflexão vincada em 2011).

Na presente ação, à semelhança dos atos inspetivos praticados no procedimento inspetivo aos períodos de 2010 e de 2011, foram encetados os procedimentos considerados proporcionais e idóneos no sentido da procura da verdade material, estatuída em princípio do procedimento de inspeção tributária pelo art.º 6.º do RCPITA.

Assim, foi efetuada a análise aos fornecimentos com origem no exterior, especialmente as aquisições de artigos de porcelana (chávenas e pires) aos operadores económicos domiciliados na República Popular da China.

Previamente, importa referir que, relativamente às aquisições de porcelana originárias da República Popular da China, em 2004, o SP efetuou um investimento de USD 970.000,00 em parceria com o operador económico chines, F… LIMITED, (representada por E…): USD 670.000,00 da responsabilidade do SP e USD 300.000,00 da responsabilidade do parceiro chinês.

Esse investimento foi regulado em Contrato de Investimento cuja fotocópia consta do ANEXO l - folhas numeradas de 5 a 6.

No período de 2012, o fornecedor do mercado externo do SP é o operador chinês H… .

No entanto, de acordo com os esclarecimentos prestados pelo SP, na pessoa do seu administrador, tratar-se-á do mesmo fornecedor constante do Contrato de investimento uma vez que o Sr. E…, também é sócio gerente da H… (cf. ANEXO l – folhas numeradas de 1 a 38, ponto 8 dos esclarecimentos-folha 1).

Sublinhe-se que, de acordo com a análise feita às faturas emitidas pela H… e ao Contrato de Investimento, as empresas F… /G…  e H… têm a mesma morada (cf. ANEXO I -folhas 5 e 6 e folhas 9 a 38).

Acresce ainda que a conta bancária de destino dos pagamentos efetuados pelo SP foi sempre a mesma, pelo menos, desde 2010. Esta conclusão foi obtida a partir dos elementos contabilísticos relativos ao procedimento inspetivo aos períodos de 2010 e 2011 e 2012.

Desconhecem-se as razões para as mudanças de nome da empresa, inclusive, a partir de dezembro de 2012, os fornecimentos são responsabilidade da empresa I… (de agora em diante designada simplesmente por I…) com sede na Malásia, que utiliza também a mesma conta bancária domiciliada em Hong Kong, o que faz pressupor tratar-se do mesmo fornecedor.

Refira-se ainda o facto de, em sede do procedimento inspetivo aos períodos de 2010 e 2011, o gerente (à data) do SP, ter referido de que efetivamente se trata do mesmo fornecedor.

No âmbito daquele procedimento acrescentou ainda desconhecer os motivos para as frequentes mudanças de firma. Justificou, contudo, e mudança de origem (Malásia em detrimento da China) com questões de poupança, por parte dos adquirentes de mercadorias, em encargos com direitos aduaneiros, em consequência dos procedimentos anti dumping, a mercadorias com origem na China, impostos peias autoridades da União Europeia, por via do Regulamento (UE) n.º 1072/2012 da Comissão, de 14 de novembro de 2012. Esse regulamento agravou os encargos decorrentes do pagamento de direitos aduaneiros: de uma taxa de 12% sobre o valor aduaneiro passou-se para taxas de 17,6% a 58,8%.

Feitas estas considerações preliminares o da análise as aquisições provenientes da Republica Popular da China, verifica-se que cada fornecimento assenta em duas faturas identificadas por uma numeração que obedece ao seguinte padrão: AN32XXXA e AN32XXXB (o espaço aqui identificado pelo conjunto de carateres XXX destina-se a numeração sequencial dos documentos: 001 a 023)

Para o período em análise as aquisições externas totalizam 1.392.895,31 EUR (cf. relação constante do ANEXO ii - 1 folha), repartidas pelos seguintes fornecedores:

 

A descrição constante das faturas da série A evidencia as referências de chávenas e / ou pires fornecidas pelo operador económico chinês/malaio.

A descrição constante das faturas da serie B (ate setembro de 2012) e constituída por um conjunto de itens, a seguir discriminados:

A partir de outubro de 2012, a fatura da série B evidencia o seguinte descritivo sem discriminação:

TRANPORTATION COST FROM CHAOZHOU TO SHENZHEN YANTIAN: WAREHOUSE CHARGE AND CONTAINERS LOADING IN SHENZHEN; TERMINAL CHARGE IN YANTIAN. SHENZHEN; CARTON BOXES; OTHER EXPENSES SUCH AS MONITORING, QUALITY CONTROL AND ORDERS FORMALIZATION:

Comparando as faturas da série B, emitidas até setembro de 2012, com as emitidas a partir de outubro de 2012, verifica-se que foram suprimidos do descritivo os itens 3, 5 e 6, acrescentando "CARTON BOXES; OTHER EXPENSES SUCH AS MONITORING. QUALITY CONTROL AND ORDERS FORMALIZATION"

O exposto nos parágrafos anteriores impulsionou o aprofundamento da análise às compras a Republica Popular da China, com incidência (1) nas faturas da série B emitidas até setembro de 2012 e (2) nas faturas da série A emitidas a partir de outubro de 2012.

  1. Faturas da série B, emitidas até setembro de 2012

Em resultado da sua análise, verifica-se que a distribuição dos diferentes montantes expressos em cada fatura da série B e homogénea e constante. Ou seja, os montantes absolutos de cada fatura variam de fornecimento para fornecimento, mas, em termos relativos, cada um dos itens acima identificados e igual em todas as faturas da série referida, conforme se evidencia através dos exemptos das seguintes faturas:

Esta conclusão motivou a necessidade de identificar os serviços discriminados nas faturas da serie B.

A tradução para português dos diferentes itens constantes da descrição das faturas da série B é a seguinte:

Ou seja, pela análise do descritivo das faturas da serie B conclui-se que se destinam a repercutir ao SP os diferentes gastos de transporte das mercadorias desde a fabrica na China até ao Porto de Leixões, em Matosinhos.

Todavia, conforme análise levada a cabo no procedimento inspetivo aos períodos anteriores, será necessário conhecer as condições definidas para a aquisição dos bens.

Assim, transcrevem-se as conclusões obtidas no relatório da inspeção aos períodos de 2010 e 2011, credenciado pela Olxxxxxxxx, relativas às condições definidas para a aquisição dos bens:

E, aí, temos que remeter para as faturas série A. onde se expressa que os termos contratuais se sustentam nas condições FOB (Free on Board).

As operações comerciais internacionais têm a sua origem num contrato de compra e venda efetuado entre o importador e o exportador, no qual se estipulam as cláusulas pelas quais a respetiva operação comercial se irá regular. Os INCOTERMS (International Commercial Terms) podem ser considerados como um conjunto de regras Internacionais de caráter facultativo, que a Câmara de Comércio internacional reuniu e definiu com base nas práticas mais ou menos padronizadas pelos comerciantes. Os INCOTERMS definem basicamente o local no qual o vendedor é responsável pela mercadoria e quais são os gastos a seu cargo e que, assim, estarão Incluídos no preço.

As funções dos INCOTERMS são essencialmente as seguintes:

1. Definem a transferência dos gastos. O vendedor sabe exatamente qual o momento e o local até aos quais deverá assumir os gastos respeitantes ao seu contrato de venda e, assim, incluí-los no preço. Este procedimento permite que o comprador possa reconhecer exatamente os gastos que deve acrescentar ao preço de compra para poder comparar com outras ofertas nacionais e Internacionais.

2. Definem a transmissão do risco. O comprador sabe exatamente o momento e o local a partir dos quais os riscos em que as mercadorias incorrem durante o transporte, são por sua conta. Por esta razão, os INCOTERMS definem o momento e o local a partir dos quais a responsabilidade do vendedor acaba e começa a do comprador.

3. Definem o local a partir do qual sairá a mercadoria. Os INCOTERMS assinalam o local exato onde o vendedor deve depositar a mercadoria e, assim, o local onde o comprador a irá levantar.

Os Incoterms obedecem a uma classificação padronizada, que é basicamente a seguinte:

Grupo E (Saída): EXW

Determina um único termo representativo da obrigação mínima por parte do vendedor, através do qual o vendedor coloca a mercadoria à disposição do comprador nos próprios locais do vendedor.

Grupo F (Respetivo transporte principal): FCA. FAS. FOB

O vendedor deve entregar a mercadoria à transportadora designada pelo comprador no local e prazo determinados.

Grupo C (Transporte principal pago): CFR, CIF, CPT, C IP

O vendedor deve contratar a transportadora, mas sem assumir o risco de perda ou danos da mercadoria nem qualquer custo adicional proveniente do embarque e expedição. As condições CIF e CIP significam que o vendedor deve contratar o seguro de transporte. Convém salientar que o Grupo C é idêntico ao Grupo F, no que ao cumprimento do contrato se refere; em ambos os casos o vendedor cumpre o contrato no país de embarque ou expedição para exportação. Como consequência, o Grupo C faz referência a contratos de embarque. Igual ao Grupo F, e não a contratos de chegada ao destino exclusivos do Grupo D. É o vendedor que contrata a transportadora e o seguro (CIF e CIP), mas os riscos de perda ou danos da mercadoria, assim como qualquer gasto adicional posterior ao embarque, são por conta do comprador.

Grupo D (Chegada): DAF, DES. DEQ, DOU, DDP

O vendedor suporta todos os custos e riscos ato entregar a mercadoria no país de destino. A diferença entre este e os Grupos E, F e C, é que o risco para o vendedor se prolonga até ao momento de entrega no local estabelecido no país de importação.

O vendedor não tem obrigação perante o comprador de contratai o seguro de transporte, urna vez que é o próprio vendedor que corre os riscos até ao momento de entrega no local estabelecido.

Importante também será referir que as partes que desejem utilizar os INCOTERMS devem especificá-lo nos contratos.

No que concerne às condições FOB já amiúde referidas, a repartição dos encargos entre comprador e vendedor poder-se-ão resumir no seguinte quadro:

O confronto dos itens apresentados no quadro relativo à descrição constante da fatura da série B (até setembro de 2012) com os apresentados no Quadro 17 da transcrição do anterior relatório, permite verificar o seguinte:

a) O SP está a suportar gastos que, de acordo com os INCOTERMS, em especial as regras FOB, são encargo do vendedor (operador económico chinês). A título de exemplo, compare-se o item identificado como item 1, no quadro relativo à descrição constante da fatura da série B (Custo de transporte de CHAOZHOU para SHENZHEN YANTIAN), com a responsabilidade desse mesmo encargo nos termos das regras FOB que se resumem no Quadro 17, mais propriamente no código 3.

b) No descritivo das faturas da série B, não se vislumbra uma suposta repartição dos itens identificados com os itens 2 e 4 (Encargo de armazém e carregamento de contentores em SHENZHEN e Encargo do terminal em YANTIAN, SHENZHEN, respetivamente) como se sugere fazer pela interpretação do código 5 do Quadro 17.

c) De acordo com o Quadro 17 será encargo a suportar pelo SP o encargo com o frete do porto chinês para o porto português (cf. código 6). Este facto confirma-se pela análise levada a cabo às faturas, do fornecedor K…, e respetiva contabilização no SP, que permitiu concluir que foram relevados na conta "31221 isentas” os encargos decorrentes do frete Yantian I Roterdão I Leixões. No ANEXO III (folhas numeradas de 1 a 61) encontra-se a relação das faturas do fornecedor H… e do fornecedor K…, elaborada a evidenciar este facto e que constitui prova de duplicação do gasto do serviço inerente.

  Assim, fica em causa a aceitabilidade do item 3 apresentado no quadro relativo a descrição constante das faturas da série 8 - Frete de SHENZHEN YANTIAN para Leixões.

  A reforçar este facto, e analisado o descritivo constante das faturas emitidas pelo fornecedor K…, salientam-se os significados dos diferentes itens e inerentes serviços debitados:

  1) BL Pack. Taxa de Porto e Operation Pack: dizem respeito a despesas locais em Portugal;

  2) Transporte local e Tx do combustível: relativas a transporte do Porto de Leixões a casa do cliente;

  3) Frete: transporte com origem em Yantian (China) e destino em Roterdão (Holanda);

  4) ERC: emergency risc charge (a pagar ao dono do navio);

  5) STF: Suei transit fee (taxa de passagem no canal de Suez);

  6) THC/D: terminal handling charge;

  7) Frete UE: transporte com origem em Roterdão (Holanda) e destino Leixões (Portugal), da K…, constam fotocópias de documentos redigidos em neerlandês das quais se destacam os seguintes elementos que reforçam o facto de que houve duplicação de gastos:

  1) Toestemming tot wegvoering: consentimento ao desembarque (em Rolerdão);

  2) Land verzend/ultv: transporte país I exp (China)

  3) Goederencode: código dos bens.

    Trata-se de documento de suporte ao desalfandegamento na Holanda, que acompanha os encargos debitados pela K… à L…, relativo a produtos com origem na China e com referência ao código 69111000. Para identificação dos produtos com este código, e de modo a dispensar a extensa tradução da sua descrição, compulsamos o site do Instituto Nacional de Estatística (INE) do qual consta a Nomenclatura Combinada da União Europeia”, sendo que o código referido respeita a “Louça, outros artigos de uso doméstico e artigos de higiene ou de toucador, de porcelana: artigos para serviço de mesa ou cozinha".

    Desta forma, e em conclusão à alínea c) (encargo com o frete do porto chinês para o português porto de Leixões) verifica-se que os valores debitados pela K… estão relacionados com os serviços de transporte de chávenas e/ou pires da República Popular da China para Portugal, com passagem por Roterdão, pelo que os valores debitados nas faturas da H… série B relacionados com o frete de SHENZHEN YANTIAN para LEIXÕES não podem ser aceites fiscalmente.

d) No que se refere ao item 5 do quadro relativo à descrição constante da fatura da série B (Caixa de oferta), o seu significado remete para uma caixa de oferta oferecida pelo vendedor, mas debitada ao cliente (e com o seu conhecimento). Tal situação não nos parece credível e, por isso, muito improvável.

e) No que concerne ao certificado de origem (item 6 do quadro relativo à descrição constante da fatura da série B), ele constitui um documento que permite aos exportadores nacionais atestar a origem dos seus produtos. É um documento fornecido pelo exportador e utilizado pelo importador, para comprovação da origem da mercadoria, pelo que constitui também um encargo do vendedor.

(2) Faturas da série B. emitidas a partir de outubro de 2012

Conforme referido, a partir de outubro de 2012, as faturas da série B evidenciam o seguinte descritivo:

TRANPORTATION COST FROM CHAOZHOU TO SHENZHEN YANTIAN; WAREHOUSE CHARGE AND CONTAINERS LOADING IN SHENZHEN; TERMINAL CHARGE IN YANTIAN, SHENZHEN; CARTON BOXES; OTHER EXPENSES SUCH AS MONITORING, QUALITY CONTROL AND ORDERS FORMALIZATION:

Traduzindo para português:

Custo de transporte de CHAOZHOU para SHENZHEN YANTIAN; Encargo de armazém e carregamento de contentores em SHENZHEN; Encargo do terminal em YANTIAN, SHENZHEN; Caixas de cartão; Outros encargos tais como a monitorização, o controlo de qualidade e a formalização de encomenda:

A análise levada a cabo às faturas da série B emitidas até setembro de 2012, designadamente a transcrição das conclusões obtidas no relatório de inspeção (elaborado aquando do procedimento inspetivo realizado aos períodos de 2010 e 2011) relativas às condições definidas para as operações comerciais internacionais, pode ser extrapolada para a análise agora em questão, como se demonstra nos parágrafos seguintes.

Como já foi aí referido, as operações comerciais internacionais têm a sua origem num contrato entre o importador e o exportador e no qual se estipulam as cláusulas pelas quais as operações comerciais se irão regular (INCOTERMS),

Recuperem-se as funções e a classificação padronizada dos INCOTERMS: Grupo E: EXW; Grupo F: FCA, FAS, FOB; ...

No que respeita às condições FOB recupere-se também o Quadro 17 que evidencia a repartição dos encargos entre o comprador e o vendedor:

Foi já referido que as faturas da série A expressam os termos contratuais nas condições FOB e como tal o exportador deve assumir os encargos relacionados com a venda e incluí-los no preço.

Confrontando o referido Quadro 17 com o descritivo constante das faturas da série B, conclui-se que o SP está a suportar custos, que de acordo com as condições FOB (sublinhe-se: expressa nas faturas da série A, cf. ANEXO folhas 28v, 29v e 30v) são encargos do exportador.

Veja-se que nas condições FOB (cf. Quadro 17): (1) o "Custo de transporte de CHAOZHOU para SHENZHEN YANTIAN; (2) o "Encargo de armazém e carregamento de contentores em SHENZHEN"; (3) o "Encargo do terminal em YANTIAN, SHENZHEN"; (4) Caixas de cartão; e (5) Outros encargos tais como: a monitorização, o controlo de qualidade e a formalização de encomenda são da responsabilidade do vendedor e não do comprador.

O exposto nos pontos (1) Faturas da série B. emitidas até setembro de 2012 e (2) Faturas da série B. emitidas a partir de outubro de 2012 permite concluir que não é possível a aceitabilidade como gasto fiscal da totalidade dos encargos evidenciados nas faturas da série B, porque, como ficou demonstrado, os mesmos não estão em conformidade com a letra e o espírito da norma constante no art.º 23.º do Código do IRC, que refere que apenas poderão ser fiscalmente aceites os gastos que "... comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora..."

III- 1.2. Cálculo das correções relativas aos encargos constantes das faturas da série B

Conforme já referido, os encargos constantes das faturas da série B não podem ser aceites como gastos.

Os referidos encargos foram contabilizados na conta 31 (compras) e posteriormente transferidos para o CMVMC.

O CMVMC é representado pela seguinte fórmula de apuramento:

CMVMC =Existências inicial + Compras +/- Regularizações de Existências - Existência Final.

Assim, no cálculo do CMVMC ter-se-á de expurgar o valor dos encargos constantes das faturas da série B. Ou seja, é necessário extrair das existências, inicial e final, e das compras, o valor correspondente ao encargo da série B.

Relativamente ao valor registado na conta compras, o valor em questão é 640.236,28 EUR, conforme já referido no ponto "III- 1.1. Descrição dos factos", do presente relatório, mais concretamente no quadro relativo às aquisições externas onde se discrimina por fornecedor e, dentro destes, por série da fatura.

No que diz respeito ao cálculo do valor das existências inicial e final, da matéria-prima dos fornecedores H… e I…, o mesmo foi apurado com a colaboração do SP, na pessoa do seu diretor técnico/operacional, M…, da seguinte forma:

1.1. Os inventários dos períodos de 31/12 de 2011 e de 2012 encontram-se organizados em função do fornecedor e, dentro deste, em função do artigo (cf. documento elaborado a partir dos Inventários constantes da contabilidade - ANEXO IV- folhas numeradas de 1 a 4)

1.2,Assim, os fornecedores do Oriente (H…/I…) (em o Código 3133, as chávenas o código A1 e os pires o código A2,

1.3. Dos referidos inventários extraíram-se os artigos com aqueles códigos e elaborou-se uma relação onde constam as contagens e respetivos valores em 2011/12/31 e em 2012/12/31 (cf. ANEXO IV- folhas numeradas de 5 a 10),

1.4. O preço unitário (P. Unit.) de cada artigo em inventário, de acordo com as informações prestadas pelo referido colaborador, reduzidas a termo de declarações (ANEXO ÍV -folha 11), é dado pela seguinte fórmula:

P. Unit. em Inventário = (P. Unit. constante da fatura da série A + P. Unit. constante da fatura da série B(*)) x 1,229

(*) Obtido pela proporção das quantidades constantes da respetiva fatura da série A

1.5. A título de exemplo, o artigo cuja referência é "A1.3133.0002 - Chávena Café CHO Mod. 4 NS - 80 c.c." constante da primeira linha do Inventário de 2011-12-31 apresenta 43.200 unidades ao P. Unit. de 0,210 EUR.

1.5.1.A análise às faturas da série A10, permite concluir que o P. Unit. do referido artigo é de 0,093 EUR.

1.5.2. Assim, utilizando a fórmula acima evidenciada poder-se-á apurar o P.Unit. relacionado com a fatura da série B;

0,210 EUR = (0,093 EUR + P. Unit. constante da fatura da série B) x 1,22 o ** P, Unit. constante da fatura da série B = 0,0796 EUR

1,5.3, Apurado o P. Unit. conforme ponto anterior, ter-se-á que acrescer o valor relativo ao coeficiente 1,22 imputado ao P. Unit:

0,0972 = 0,0796 EUR X 1,22

1.6. Determinado o P. Unit. conforme ponto anterior, apenas faltará multiplicar este pela quantidade existente em stock (para se obter o valor que terá de expurgar do inventário). Efetuando os cálculos (ainda no exemplo) verifica-se que o valor que terá de ser expurgado das Existências Iniciais relativas ao "artigo A1.3133.0002 - Chávena Café CHO Mod. 4 NS - 80 c.c." é 4.196,88 EUR (43.200 x 0,0972).

Os valores assim apurados encontram-se no ANEXO IV (folhas numeradas de 12 a 15) - e totalizam os seguintes valores:

- Valor das Existências iniciais relacionadas com a fatura da série B = 883.954,87 EUR

- Valor das Existências Finais relacionadas com a fatura da série B = 698.002,02 EUR

Refira-se que, se as quantidades e P. Unit, existentes, de determinado código de artigo, forem os mesmos nas datas de 2011-12-31 e 2012-12-31, nada se apurou na medida em que também o valor daqueles não se alterou (isto é: a Existência Inicial é igual à Existência Final) e consequentemente o CMVMC também não se altera.

A correção em sede de IRC a efetuar na rubrica CMVMC será no valor de 826.189,13 EUR (883.954,87 + 640.236,28 - 698.002,02), nos termos do art.º 23.º do Código do IRC.

III -1.3. Tributação autónoma

Apesar de se estar na presença de aquisições de bens (porcelana) a operadores económicos sedeados na República Popular da China e na Malásia, os pagamentos desses fornecimentos foram efetuados para conta domiciliada na Região Administrativa Especial de Hong Kong da mesma República Popular da China.

O Governo português incluiu Hong Kong na lista dos países, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada, claramente mais favoráveis (cf. Portaria n.º 150/2004, de 13 de fevereiro, alterada pela Portaria n.º 292/2011, de 8 de novembro, cf. nº 31, art.º 1.º).

Conforme determina o n.º 1 do art.º 65.º do Código do IRC (legislação em vigor à data dos factos):

Não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável as importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, salvo se o sujeito passivo puder provar que tais encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado, (sublinhado nosso).

Refere ainda o n.º 4 do referido artigo que "A prova a que se refere o n.º 1 deve ter lugar após notificação do sujeito passivo, efetuada com a antecedência mínima de 30 dias."

Nestes termos, o SP foi notificado pessoalmente, na pessoa do seu administrador, N…, (ANEXO l - folha 4v), nos termos do n.º 4 do art.º 65.º do Código do IRC, no sentido de apresentar prova de que os "pagamentos efetuados no período de 2012 à entidade H… (...) correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um caráter anormal ou um montante exagerado".

A resposta à referida notificação (cf. o mesmo ANEXO l - folhas numeradas de 1 a 38) refere o seguinte:

1) Os pontos 1. a 14, evidenciam coerência com os factos descritos no ponto "II- 3.7 Análise da atividade" do presente relatório de onde resulta não relevarem quaisquer factos suscitáveis de acrescentar alguma anotação.

2) Os pontos 15. a 24. sublinham o facto de ser o operador da República Popular da China o fornecedor que lhe oferece, para além do melhor preço nos seus fornecimentos, as melhores condições de pagamento (prazos bastantes alargados, geralmente 12 meses). Tais factos não relevam para alterar a posição da AT, em virtude de nunca se ter questionado o preço e as condições de pagamento, das compras no período alvo do procedimento inspetivo.

3) Nos pontos 25. a 28., para além de apresentar todas as faturas relativas às compras efetuadas ao operador H… e com isso querer evidenciar a efetividade e o caráter normal das operações, relata factos relacionados com as compras, designadamente com os encargos associados ao transporte daquelas desde a fábrica até ao porto de embarque (SHENZEN) e que se encontram debitados ao SP nas faturas da série B, Relativamente a este facto, conforme referido e demonstrado no ponto "Hl-1,1. Descrição dos factos", importa referir que:

a) Apesar de o SP na sua resposta não incluir os encargos suportados e documentados nas faturas da série B emitidas até setembro de 2012, é facto que nelas constam encargos que não podem ter coexistido em espaço e tempo com gastos semelhantes debitados por outro fornecedor (K…);

b) Como melhor se documenta pela consulta às faturas da série A apresentadas pelo próprio SP e constantes do ANEXO l, as condições que sustentam as operações comerciais entre o SP e o fornecedor da República Popular da China foram definidas como sendo FOB (as faturas da série A evidenciam expressamente "FOB YANTIAN" ou "fob malaysia") e assim sendo os encargos suportados até ao cais de embarque estão incluídos no preço constante da fatura da série A, pelo que não podem vir refletidos noutro documento,

4) No ponto 29. o SP refere que os montantes pagos à H… não são exagerados (mesmo somando os preços das matéria primas (faturas da serie A) e dos serviços (faturas da série B). Tal facto, e conforme já referido no ponto 2. da presente resposta, não releva para alterar a posição da AT, em virtude de nunca se ter questionado o preço,

5) Nos pontos 30. a 33. efetua uma comparação entre o caso concreto do SP (compras ao operador da República Popular da China) e um relatório elaborado pela empresa DELOITTE ( doc. 6 da resposta à notificação). Sobre este facto, e salvo melhor opinião, importa referir o seguinte:

a) Da análise efetuada ao referido relatório denominado de "Relatório de Benchmarking" verifica-se que o seu objetivo é servir de suporte à análise da estrutura de custos das empresas que efetuam importações de bens, nomeadamente qual a relevância da compra de bens ao exterior (contabilisticamente refletidos na conta CMVMC) face ao total dos outros gastos passíveis de serem debitados pelo exterior,

b) Mais concretamente, o referido relatório evidencia um estudo que pretendeu avaliar qual a relação das componentes CMVMC e FSE versus outros gastos operacionais (exceto gastos com o pessoal) na elaboração do preço dos bens de importação, no setor do "Comércio por grosso de louças em cerâmica e em vidro e produtos de limpeza" (CAE 4644).

c) Os resultados obtidos do estudo demonstram que a estrutura dos custos das empresas que desenvolvem esta atividade deverá aproximar-se dos valores de 61,60% para a percentagem de CMVMC / Custos operacionais (exceto gastos com pessoal) e de 31,31% para a percentagem de FSE / Custos operacionais (exceto gastos com pessoal),

d) O SP extrapola esta conclusão para os encargos considerados nas faturas da série B, referindo que estes representam 45% dos custos totais e as matérias-primas representam 55%.

e) Acrescenta que no CMVMC das empresas constantes do estudo está considerado o custo de transporte (de acordo com o SNC), pelo que para que a comparação seja fiável ter-se-á que expurgar dos serviços (constantes da fatura da série B), pelo menos, o custo de transporte da fábrica para o porto Chinês (que representa 25% do total dos serviços). Conclui que a ponderação dos serviços nos custos totais (matérias-primas e serviços) baixa cerca de 10 pontos percentuais, obtendo assim a percentagem de 35% para o serviços em relação aos custos totais, ou seja, em linha com a média da percentagem obtida dos FSE nos custos operacionais, no referido estudo.

f) Previamente, refira-se o facto de as empresas alvo do estudo não pertencerem à CAE do SP.

g) Todavia, e mesmo que o estudo incidisse sobre as empresas com a mesma classificação, a extrapolação efetuada pelo SP não pode ser feita. A única comparação que este estudo permitiria era verificar se a estrutura de custos constante da contabilidade do SP se assemelha à do estudo, isto é, se a rubrica CMVMC e a rubrica FSE, constantes da contabilidade do SP. apresentam respetivamente cerca de 61.60% e 31,31% dos custos operacionais (exceto gastos com pessoal).

h) Refira-se ainda que também a contabilidade do SP reflete (e bem) os custos de transporte relacionados com a aquisição de matérias nas contas de inventários (fornecedor K…), conforme estipula a Norma Contabilística de Relato Financeiro n.º 18 (NCRL 18) parágrafos 10-22 que incluem no preço de compra os direitos de importação e outros impostos, os custos de transporte, manuseamento e outros custos diretamente atribuídos à aquisição de bens, materiais e serviços,

i) Portanto, não é compreensível para a análise dos factos aqui em questão, a alusão ao referido estudo.

6) Por último (pontos 34. a 41.) o SP refere que em 2012-02-24 foi aprovado o Acordo entre a República Portuguesa e a Região Administrativa Especial de Hong Kong da República Popular da China para evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento (Convenção para evitar a Dupla Tributação - CDT) que entrou em vigor em 2012-06-01. Acrescenta que nos termos do art.º 25.º do referido Acordo, a AT poderá solicitar à sua congénere de Hong Kong "as informações que julgue pertinentes relativamente às contas bancárias que são utilizadas nas transações" aqui em questão.

a) Conforme se depreende do já citado n.º 1, do art.º 65.º do Código do IRC, a prova de que os "...encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado" compete ao SP e não à AT.

b) Todavia, mesmo que a AT tivesse acesso às contas bancárias, por si só, essa análise nada obsta para os factos aqui em questão.

c) A AT, na análise dos factos, em momento algum refere que as transferências bancárias não se verificaram. Aliás, é por se terem concretizado que se coloca a questão do referido art.º 65.º.

d) O que a AT questiona é o facto de os encargos constantes das faturas da série B não titularem operações efetivamente realizadas porque, como ficou demonstrado no ponto III-1.1. Descrição dos factos", as mesmas não estão em conformidade com a letra e o espírito da norma constante no art.º 23.º do Código do IRC, que refere que apenas poderão ser fiscalmente aceites os gastos que "... comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora...".

Do exposto, e em conjugação com a argumentação mencionada ao longo do presente relatório, conclui-se que, em resposta à nossa notificação pessoal, efetuada em 2015-11-04, o SP não apresentou quaisquer elementos novos ao processo, designadamente, elementos suscetíveis de prova de que os pagamentos das faturas de série B correspondem a operações efetivamente realizadas. Encargos suportados e pagamentos efetuados que, como se afirmou, estão em duplicação com outros debitados pelo fornecedor K… e também em contradição com as condições FOB acordadas entre comprador (SP) e vendedor (H…/I…).

Nestes termos, e porque o SP não provou, nos termos do n.º 1 do art.º 65.º do Código do IRC, que "as despesas correspondentes a Importâncias pagas ou devidas, a qualquer titulo, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável (...) correspondem a operações efetivamente realizadas", tais despesas não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável como dispõe a primeira parte do referido artigo e incorre o SP numa tributação a uma taxa de 35% sobre o montante daquelas despesas, como dispõe o nº 8 do artº 88º do Código do IRC.

Sendo a tributação autónoma calculada numa ótica da despesa incorrida, foram apurados os pagamentos efetuados no período analisado.

Tendo em conta os extratos de conta relativos ao fornecedor H…, e com a colaboração do CC, foi elaborada uma listagem que evidencia as faturas pagas em cada documento interno do diário de bancos, constante da contabilidade (ANEXO V - folhas numeradas de 1 a 6).

Pela análise aos respetivos documentos internos conclui-se que as diversas transferências efetuadas correspondem a pagamentos que incluem sempre a fatura da série A e a fatura da série B.

Assim, no quadro seguinte destacam-se apenas as faturas da série B, com o objetivo de se calcular a tributação autónoma:

 

 

Resulta então a seguinte tributação autónoma:

(...)

 

  1. Na sequência da acção inspectiva, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a liquidação de IRC n.º 2016…, datada de 16-05-2016, com n.º da compensação 2016…, a demonstração de acerto de contas n.º 2016… e as liquidações de juros compensatórios n.ºs 2016… e 2016…, referentes ao exercício de 2012, onde se evidencia um montante de imposto a pagar de € 465.436,53, dos quais € 225.746,33 correspondem a Tributação Autónoma (TA) e € 48.465,46 a juros compensatórios (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  2. Em 14-11-2016, a Requerente apresentou reclamação graciosa das liquidações referidas (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  3. Por ofício datado de 26-01-2017 a Requerente foi notificada para exercício do direito de audição sobre o projecto de decisão da reclamação graciosa cuja cópia consta do documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

INFORMAÇÃO

1. De acordo com as informações constantes das bases de dados da AT, bem como do Informado pelo SP, o mesmo foi sujeito a um procedimento inspetivo externo, credenciado peia ordem de serviço OI2016…, para o período de 2012, em resultado do qual se considerou, com relevância para a presente reclamação, o seguinte:

1.1. Em virtude de a contabilidade do SP relevar determinados gastos em duplicado constantes nas faturas série "A" e série "B", dos operadores chineses "H…" (faturas emitidas até Setembro de 2012) e "I…" (faturas emitidas a partir de outubro de 2012), relativos a serviços relacionados com as aquisições com origem no mercado externo, designadamente as aquisições de artigos de porcelana ao operador económico domiciliado na República Popular da China, facto que originará a desconsideração daqueles gastos suportados pela reclamante (documentados pelas faturas da série B supra referidas) conduzindo a uma correcção à matéria tributável em sede de IRC no valor de 826.189,13 €, nos termos do disposto no artigo 23.º, do CIRC;

1.2. Apesar de se estar na presença de aquisições bens (porcelana) a operadores económicos sediados na República Popular da China e na Malásia, os pagamentos desses fornecimentos foram efectuados para conta bancária domiciliada na Região Administrativa Especial de Hong Kong da República Popular da China, a qual se encontra Incluída na lista dos países, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada, claramente mais favoráveis, conforme disposto no n.º 31, do artº 1º, da Portaria n.º 282/2011, de 8 de novembro, alterada pela Portaria n.º 150/2004, de 13 de fevereiro, facto que originará a tributação autónoma daqueles pagamentos no valor total de 199.625,29 €, nos termos do disposto do n.º 1, do artigo 65.º e n.º 8, do artigo 88.º, ambos do CIRC.

2. Notificado da liquidação de IRC n.º 2016… demonstração de acerto de contas n.º 2016… e demonstração de liquidação de juros compensatórios, no montante de Imposto a pagar de 465.436,53 €, referente ao período de 2012, veio a A…, S.A., NIPC…, em petição assinada pelo seu mandatário constituído, com procuração Junta aos autos, O…, Advogado, NIF…, reclamar da mesma, alegando em síntese:

2.1. Que o seu modus operandi incorpora três fases:

• Aquisição de matéria-prima (chávenas e pires);

• Transformação de matéria-prima, consistindo na decoração das referidas chávenas, de acordo com as instruções dos seus clientes (P…, Q…, R… e outras);

• Venda do produto acabado,

2.2. No período de 2012, o seu fornecedor de matéria-prima era a H… (de agora em diante de designada simplesmente por H…).

2.3. A reclamante aceitou, a pedido daquela entidade, dividir a fatura dos produtos entre mercadorias, faturas "A", e serviços prestados/comissão, faturas "B", segundo uma percentagem fixa de 45%,

2.4. Das faturas da série "A" constava a expressão FOB (free on board) que significa que sobre o vendedor recairão todas as despesas a responsabilidade e o custo de transportes e outros até ao terminal de saída dos bens, todavia não é verdade que as partes tivessem acordado no sentido da observância desse modelo contratual.

2.5. Quanto às faturas da série "B", o que se acordou, foi que as mesmas incluem serviços de transporte, de controlo, de embalamento especial das mercadorias e de comissão pela intermediação no negócio, traduzidas nos seguintes itens:

1) Transportation Coast from Chaozhou to Shenzhen Yantian - custo de transporte da mercadoria da fábrica na China para o porto de expedição;

2) Warehouse Charge and Containers Loading in Shenzhen – armazenamento no porto de expedição;

3) Freight From Shenzhen Yantian to Leixões - Frete do porto de expedição para Leixões;

4) Terminal Charge In Yantian, Shenzhen - custos de ocupação do terminal no porto de expedição;

5) Gift boxes;

6) Certificate of Origin - certificados de origem.

2.6. Como já se reconheceu, estes serviços poderiam não corresponder, nos exatos termos, ao valor efectivamente despendido em cada um deles, mas, na sua globalidade, estavam dentro de uma margem de variação normal da proporção dos serviços efetivamente prestados pelas ditas fornecedoras no valor total da Importação.

2.7. Quanto aos dois primeiros itens, os mesmos correspondem a custos efectivamente repercutidos na e suportados pela reclamante. Que sendo um custo absolutamente necessário o transporte da fábrica de Chaozhou para o porto de expedição ou o preço deste transporte é incluído no preço dos bens ou então está fora desse preço e a reclamante teria de o custear Independentemente de o contratar directamente com o transportador ou indirectamente através da G… .

2.8. No que toca ao item 3 claramente aquela designação não corresponde a esse exato serviço, mas sim a serviços de controlo de qualidade ao longo do percurso e comissões pagas àquela trading. Aquela terminologia, pouco rigorosa, poderia apontar para uma duplicação de custos, atenta a existência de empresa contratada pela reclamante para o efeito "K…". Não é do serviço de transporte propriamente dito que respeita aquele item, razão pela qual a partir de Setembro de 2012 se solicitou à G…/H… que se alterassem os termos referentes ao referido serviço, de "Freight From Shenzen Yantin to Leixões" para "Other expenses such as monitoring, quality, control and others formalization", assim se corrigindo o equívoco quanto aos serviços de transporte incluídos na referida fatura.

2.9. Relativamente aos Itens 4 e 6 trata-se de serviços efectivamente prestados estando descritos de forma totalmente condizente com a realidade, prendendo-se com a necessidade da própria mercadoria adquirida, uma vez que a sua qualidade e fragilidade obrigam a cuidados adicionais com o seu embalamento e transporte que se traduzem em embalagens para vão para além do normal embalamento requerido por transportes de curta/média distância. Assim, em Setembro de 2012, a designação de "Gitf boxes" foi substituída por "carton boxes".

2.10, Também o item 6 "Certificate of Origin" documentos que atestam a origem dos produtos alienados, estão Incluídos no preço, não só porque tais documentos são de obtenção obrigatória na China, mas também dada a sua Importância para a actividade da reclamante na utilização de produtos de qualidade é da sua responsabilidade a emissão e pagamento dos mesmos.

2.11. Quanto à questão dos contratos FOB, as partes ao fixarem um determinado Incoterm definem a transferência dos gastos, ou seja "o momento e o local até aos quais deverá assumir os gastos respeitantes ao contrato de venda e, assim, incluí-los no preço". Que os serviços contratados pelo vendedor, seja o contrato FOB ou CIF ou outro, são sempre repercutidos no comprador, ou por via indirecta no preço ou por via direta mediante fatura específica de serviços. Se o vendedor prefere facturar separadamente os serviços por motivos que têm a ver com o seu próprio contexto local, o que releva para a reclamante é o preço que ela vai suportar, devendo este ser um preço de mercado, sendo o preço dos fornecimentos em causa totalmente de mercado. Que o que Interessa saber é se a reclamante empolou os seus custos artificialmente - é evidente que não - e não se é compatível com a norma FOB uma facturação autónoma de serviços que incumbe à vendedora contratar, mas não suportar economicamente, daí estarmos perante gastos integralmente dedutíveis.

2.12. Quanto à duplicação do transporte, não obstante constar da dita fatura de serviços o transporte de Shenzhen para Leixões não estava a ser imputado pela H… à reclamante, pois, como se pode verificar, em 2012, o preço dos fornecimentos não se alterou em função da remoção desse descritivo das correspondentes faturas, o que significa que ele não fazia parte do preço global dos fornecimentos em causa. Não existindo qualquer duplicação porque há outros serviços que não estavam ser inscritos na fatura antes de 2012, mas estavam a ser prestados.

2.13. Relativamente à alteração do descritivo das faturas a reclamante quis expressar com a indicação de um valor global para todos os serviços, que essa atribuição de valor individual a cada um dos serviços é completamente indiferente, posto que o compromisso da vendedora é sempre o mesmo prestar todos os serviços requeridos pelo fornecimento das mercadorias, bem como esse mesmo fornecimento, por um determinado preço global, sendo esse preço global efectivamente Inferior ao correspondente ao mesmo fornecimento obtido em Portugal,

2.14. Da errada dedução ao Custo das Mercadorias Vendidas e Matérias Consumidas, do valor de 148.985,00 € (826.189,13 €-826,189,13/1,22), resultante da multiplicação por um fator de 1,22 aos serviços inscritos nas faturas série "B" pela parte do preço unitário das mercadorias, a qual configura a não-aceitação de qualquer dedução com o custo de transporte / importação da China para Portugal, transporte esse constante das faturas da "K…".

2.15. Que apesar de suportar os gastos que seriam por conta do fornecedor, os preços praticados continuam a ser competitivos, não podendo ser considerados anormais ou exagerados, juntando para o efeito um estudo elaborado pela consultora Deloitte.

2.16. Quanto à tributação autónoma não se vislumbra como se podem considerar cumpridas as condições previstas no n.º 8 do art.º 88.º, do CIRC, uma vez que foi feita prova de que os serviços em causa existiram, são perfeitamente normais e não são exagerados.

2.17. Que no ano de 2012 já havia entrado em vigor a Convenção sobre Dupla Tributação celebrada entre Portugal/Hong Kong, pelo que a tributação autónoma dos pagamentos efectuados pela reclamante para uma conta sediada em Hong Kong é violadora daquela CDT, devendo ser de imediato revogada.

2.18. Concluindo em que deve ser dado provimento à presente reclamação e revogado o acto tributário de liquidação contestado, com às consequências legais.

3. Da análise ao relatório de inspecção referenciado em 1 verificamos que foram detetados na contabilidade da reclamante gastos em duplicado constantes nas faturas série "A" e série "B", dos operadores chineses "H…" (faturas emitidas até Setembro de 2012) e "I…" (faturas emitidas a partir de outubro de 2012), relativos a serviços relacionados com as aquisições com origem no mercado externo, designadamente as aquisições de artigos de porcelana ao operador económico domiciliado na República Popular da China.

4. As aquisições efetuadas pela reclamante aos operadores enunciados em 3, no período em análise, são tituladas por faturas distribuídas por duas séries, uma "A" e outra "B". A série "A" evidencia gastos com aquisições de chávenas e pires, constando das mesmas a expressão "FOB" (free on board), enquanto a série "B", emitida até Setembro de 2012, evidencia gastos com "Transportation Cost From Chaozhou to Shenzhen Yantian", "Warehouse Charge and Containers Loading m Shenzhen", "Freight From Shenzhen Yantian to Leixões", "Terminal Charge In Yantian, Shenzhen", "Gift Box" e "Certificate of Origin", e a partir de outubro de 2012 evidenciam gastos com "Tranportation Cost From Chaozhou to Shenzhen Yantian", "Warehouse Charge and Containers Loading in Shenzhen" "Terminal Charge in Yantian, Shenzhen", "Carton Boxes", "Other Expenses Such as Monitoring, Quality Control and Orders Formalization".

5. A expressão "FOB", Free On Board, aposta na série "A" das faturas referidas em 4 designa uma modalidade de repartição de responsabilidades, direitos e custos entre comprador e vendedor, no comércio de mercadorias. O termo, incluído na listagem dos Incoterm (International Commercial Terms), estabelecidos pela Câmara de Comércio Internacional como fórmulas contratuais que fixam direitos e obrigações, tanto do exportador como do importador, estabelecendo com precisão o que está incluído no preço negociado entre ambas as partes. Na modalidade FOB, o remetente da mercadoria (exportador) é responsável pelos custos de transporte e seguro da carga somente até que esta seja embarcada no navio. O comprador (importador) torna-se responsável pelo pagamento do transporte e do seguro a partir daí.

6. Do exposto em 4 e de acordo com o descrito em 5, verifica-se que os descritivos apostos nas faturas série "B" (1) o "Custo de transporte de CHAOZHOU para SHENZHEN YANTIAN; (2) o "Encargo de armazém e carregamento de contentores em SHENZHEN"; (4) o "Encargo do terminal em YANTIAN, SHENZHEN"; (5) Caixas de cartão e (6) Outros encargos tais como a monitorização, o controlo de qualidade e a formalização de encomenda, são, nas condições FOB, aceites por comprador/importador (reclamante) e vendedor/exportador (operadores identificados. em 3), da responsabilidade do vendedor e não do comprador.

7. Acresce que o gasto com o Item (3) frete transporte das mercadorias do porto de Shenzen Yantian para o porto de Leixões é já suportado pela reclamante, como o comprovam as faturas emitidas por "K…" à reclamante e constantes da sua contabilidade.

8. Daqui decorre não só uma duplicação de gastos mas também falta de correspondência entre os serviços descritos nas faturas e os serviços efetivamente prestados e pagos, o que implica a não consideração fiscal dos mesmos. "Os custos ou perdas da empresa constituem, portanto, os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, estancio devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa. A ausência de qualquer destes requisitos implica a não consideração dos referidos elementos como custos, assim devendo os respectivos montantes ser adicionados ao resultado contabilístico". Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul processo 05327/12 de 22-01-2015.

9. No cálculo das correcções do CMVMC relativas aos encargos constantes das faturas da série "B" apenas foi expurgado o valor correspondente aos itens constantes desta série de faturas, de acordo com fórmula, preços unitários e fator (1,22), respeitante ao valor imputado aos diferentes artigos relativo a gastos com o transporte dos artigos do Oriente para Portugal e restantes valores relativos ao processo de Importação, fornecidos pelo SP.

10. Os documentos/faturas, como base da contabilidade, devem reflectir os serviços efectivamente prestados e os exatos valores destes. Não sendo suficiente que que se alegue que os gastos inscritos numa fatura se tratam de valores normais, não exagerados, inferiores aos praticados no mercado nacional e indispensáveis ao exercício da actividade. É necessário que os serviços descritos nas faturas correspondam efectivamente aos serviços prestados e pagos.

11. Da tributação autónoma dos pagamentos efectuados para uma conta domiciliada na Região Administrativa de Hong Kong das aquisições efectuadas a operadores económicos sediados na República Popular da China. Não tendo a reclamante comprovado a natureza e a existência das operações, aliada ao facto de a conta para onde foram efetuados os pagamentos destas operações se encontrar domiciliada numa região administrativa considerada, nos termos do n.º 1, alínea 31, da Portaria n.º 150/2004, de 13-02, como território sujeito a um regime de tributação privilegiada, deverão aqueles pagamentos ser tributados autonomamente à taxa prevista no n.º 8, do artigo 88.º do CIRC. As condições para a tributação autónoma previstas neste artigo são cumulativas, pelo que ao verificar-se que as operações descritas nas faturas não correspondem às que foram efectivamente prestadas, de imediato se verifica a obrigatoriedade de tal tributação.

12. Da violação da Convenção Sobre Dupla Tributação celebrada entre Portugal e Hong Kong relativamente aos pagamentos efectuados pela reclamante para conta domiciliada na Região Administrativa de Hong Kong. O relatório de inspecção não põe em causa os pagamentos ou que os tributa autonomamente apenas por se terem efectuado para aquele território sujeito a regime de tributação privilegiada. O que se questiona é o facto do SP, nos termos do disposto no n.º 1, do art.º 65.º, do CIRC, não ter provado que "...tais encargos correspondem a operações efectivamente realizadas e não tem carácter anormal ou exagerado." Pelo que, ao não se verificar a correspondência entre as operações descritas e as que foram efectivamente prestadas, encontram-se reunidas as condições para a sua tributação autónoma à taxa de 35% nos termos do disposto no n.º 8, do artigo 88.º, do CIRC.

Em face do exposto propõe-se o indeferimento do pedido.

  1. A Requerente não se pronunciou sobre o projecto de decisão da reclamação graciosa;
  2. Por despacho de 02-03-2017, a Senhora Directora de Finanças indeferiu a reclamação graciosa com os fundamentos do projecto de decisão (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  3. A Requerente celebrou com a G… o contrato cuja cópia foi junta com as alegações da Requerente, cujo teor se dá como reproduzido;
  4. A Requerente não contrata qualquer serviço local relativo aos serviços que lhe são prestados pelo trader referido, competindo àquele a armazenagem, 0 transporte local, o controlo de qualidade, a obtenção dos certificados de origem;
  5. O Relatório da Inspecção Tributária realizada à Requerente relativamente aos exercícios de 2010 e 2011 tem o teor que consta do documento n.º 1 junto com as alegações da Requerente, que se dá como reproduzido;
  6. O contrato que rege as relações entre a Requerente e o trader referido é o que consta do documento n.º 1 junto pela Requerente com as alegações, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte, sendo a Requerente a primeira outorgante e a empresa chinesa a segunda:

Clause 1

(Objet)

This agreement has as its object the supply of porcelain, service rendering:

transport services, storage, handling, loading and unloading at the port of origin, quality control of purchased goods, obtaining the certificate of origin, packing and packaging, insurances, for the second to the first party.

 

Clause 2

(Place of delivery/Service provided)

The goods objet of this agreement will be delivered to the Port of Leixões, Portugal, and the services provided take place at the place of loading/shipment of the goods.

 

Clause 4

(Price and payment conditions)

1- The total change of this agreement will be the one described on the enclosed list (annex 1) which is an integral part of this agreement and which can be revised annually;

2- The payment of the price indicated in number one will matte by swift transfer to the IBAN to be indicated by the second party;

3- For payment, the second party shalt present to the first party the corresponding invoices which payment terms cannot be less than 90 days.

 

Clause 10

(Special condition)

1- As far as transport is concerned, which includes the respective Insurances, will be included on the services defined on Clause 1, until the maximum of 35% of the amount of those services, and those will be assumed by the first party.

2- The amounts indicated on number 1 of this clause will be revised annually and adjusted to the market conditions.

3- The percentage of cost to be borne must be an autonomous item of the invoice.

 

Clause 15

(Other charges)

All the expenses arisen from the supply of the goods and services shall be borne by the second part, except the one on clause 10.

 

  1. As cláusulas do contrato foram traduzidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, no Relatório da Inspecção Tributária relativo à acção inspectiva respeitante aos exercícios de 2010 e 2011, nestes termos:

 

Cláusula 1 (Objeto): Fornecimento de porcelanas e prestação de serviços (transporte, armazenagem, handling, carregamento e descarregamento no porto de origem; controlo de qualidade, obtenção de certificado de origem, embalagem e acondicionamento, seguros) do segundo ao primeiro outorgante;

Cláusula 2 (Local de entrega / serviço prestado): Os bens objeto deste acordo serão entregues no porto de Leixões e os serviços prestados no local de carregamento/embarque dos bens;

Cláusula 4 (Preço e condições de pagamento): O encargo total deste acordo será aquele que está descrito na lista anexa;

Cláusula 10 (Condição especial) No que respeita ao transporte, que inclui os respetivos seguros, será Incluído nos serviços indicados na cláusula 1 até a um máximo de 35% do total dos serviços, e esses encargos serão assumidos pelo primeiro outorgante. A percentagem do custo a ser suportado deverá ser um item autónomo da fatura;

Cláusula 15 (Outros encargos) Todas as despesas decorrentes do fornecimento de bens e serviços prestados devem ser suportados pelo segundo outorgante, exceto aqueles mencionados na cláusula 10.

 

  1. As caixas designadas nas facturas da série B como «gift boxes» não são oferta do vendedor, sendo caixas de cartão adequadas para o transporte das mercadorias frágeis, tendo após Outubro de 2012 passado a ser indicadas como «carton boxes» (depoimento da testemunha Dr. N… e documento n.º 14 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  2. A Requerente atendia ao preço global das aquisições, resultante das facturas dos dois tipos, não se preocupando com a discriminação dos valores dos encargos que nelas eram descritos (depoimento da testemunha Dr. N…); 
  3. As facturas da série A reportam-se a preços de fábrica e as facturas da série B reportam-se a actividades que não estavam incluídas naquele preço (depoimento da testemunha Dr.  S…);
  4. A Requerente pagou o custo das facturas dos dois tipos, que no conjunto, não ultrapassavam, portanto, os valores que à partida eram contratados (depoimento da testemunha Dr. S…);
  5. Das somas dos valores das duas facturas resultava que os preços das mercadorias ainda eram inferiores aos das aquisições no mercado nacional (depoimento da testemunha Dr. S…);
  6. Os transportes das mercadorias foram efectuados pela empresa K…, e foram-lhe pagos pela Requerente;
  7. Em 05-06-2017, a Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem a presente processo.

 

 

            2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente e os que constam do processo administrativo, bem como nos depoimentos das testemunhas inquiridas na reunião, cuja credibilidade não é questionada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

As testemunhas aparentaram depor com isenção e com conhecimento dos factos que relataram.

Não se provou que os valores indicados como sendo de transporte entre SHENZHEN YANTIAN e LEIXOES, referidos nas facturas da série B emitidas até Setembro de 2012, respeitassem a serviços de «monitorização, o controlo de qualidade e a formalização de encomenda», que passaram a ser referidos nas facturas emitidas a partir de Outubro de 2012. Com efeito, o descritivo das facturas aponta no sentido de se tratar de despesas de transporte e não se compagina minimamente com serviços destes tipos.

No entanto, também não se provou que a partir de Outubro de 2012 não fossem realizados esses serviços de «monitorização, o controlo de qualidade e a formalização de encomenda».

 

           

3. Matéria de direito

 

 

            No ano de 2012, a Requerente efectuou aquisições de artigos de porcelana ao operador económico domiciliado na República Popular da China (embora a empresa tenha assumido mudanças de designação), nos termos de execução de um contrato que consta do documento n.º 1 junto com as alegações.

            As aquisições foram tituladas por facturas distribuídas por duas séries, uma "A" e outra "B": a série "A" refere-se a gastos com aquisições de chávenas e pires, constando das mesmas a expressão "FOB" (free on board); a série "B", emitida até Setembro de 2012, referem gastos com "Transportation Cost From Chaozhou to Shenzhen Yantian", "Warehouse Charge and Containers Loading m Shenzhen", "Freight From Shenzhen Yantian to Leixões", "Terminal Charge In Yantian, Shenzhen", "Gift Box" e "Certificate of Origin"; a partir de outubro de 2012 as facturas da série B referem gastos com "Tranportation Cost From Chaozhou to Shenzhen Yantian", "Warehouse Charge and Containers Loading in Shenzhen" "Terminal Charge in Yantian, Shenzhen", "Carton Boxes", "Other Expenses Such as Monitoring, Quality Control and Orders Formalization".

            A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que os descritivos das facturas série “B” referem encargos do vendedor e não do comprador pelo que «os encargos constantes das faturas da série B não podem ser aceites como gastos», porque «não estão em conformidade com a letra e o espírito da norma constante no art.º 23.º do Código do IRC, que refere que apenas poderão ser fiscalmente aceites os gastos que "... comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora..."».

            Para além disso, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que é de aplicar aos valores das facturas da série “B” a tributação autónoma prevista no n.º 8 do artigo 88.º do CIRC, reportada ao artigo 65.º, n.º 1, do mesmo Código, porque os pagamentos terem sido efectuados a uma empresa sedeada em Hong-Kong (território que consta da lista dos países, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada) e a Requerente «não apresentou (...) elementos suscetíveis de prova de que os pagamentos das faturas de série B correspondem a operações efetivamente realizadas. Encargos suportados e pagamentos efetuados que (...) estão em duplicação com outros debitados pelo fornecedor K… e também em contradição com as condições FOB acordadas entre comprador (SP) e vendedor (H…/I…)».

           

            3.1. Questão da não dedutibilidade dos encargos referidos nas facturas da serie “B”, à face do artigo 23.º, n.º 1, do CIRC

 

            A Autoridade Tributária e Aduaneira afastou a relevância como gasto das facturas da série “B” com base no artigo 23.º, n.º 1, do CIRC que, na redacção vigente em 2012, estabelece que «consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora».

No caso em apreço, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que não poderiam ser considerados indispensáveis os gastos referidos nas facturas série “B”, por entender, em suma, relativamente às emitidas até Setembro de2012, que:

– alguns encargos deveriam ser suportados pelo vendedor, no regime de expedição de mercadorias FOB (“free on board”), indicado nas facturas da série “A”, designadamente as seguintes indicadas no Quadro 17 que consta do Relatório da Inspecção Tributária:

  • – a «embalagem e verificação (produção, controlo, qualidade, medidas, pesos, etc.)»
  • – a «carga (no armazém do vendedor)»;
  • – o «transporte Interno (da fábrica até ao porto, aeroporto, terminal TIR)»;
  • – as «formalidades aduaneiras exportação»;
  • – as «despesas locais - origem (manuseamento no porto, aeroporto, terminal TIR)».

 

– o custo com o frete do porto chinês para o porto português deveria ser suportado pelo sujeito passivo, como foi, através dos pagamentos que efectuou à K…, pelo que constitui uma duplicação;

– as «gift boxes» serão uma oferta do vendedor;

– o certificado de origem é fornecido pelo exportador, pelo que constitui um encargo do vendedor.

 

Relativamente às facturas da série “B” emitidas a partir de Outubro de 2012, a Autoridade Tributária e Aduaneira a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu também que são encargos do exportador, «nas condições FOB (cf. Quadro 17): (1) o "Custo de transporte de CHAOZHOU para SHENZHEN YANTIAN; (2) o "Encargo de armazém e carregamento de contentores em SHENZHEN"; (3) o "Encargo do terminal em YANTIAN, SHENTZHEN"; (4) Caixas de cartão; e (5) Outros encargos tais como: a monitorização, o controlo de qualidade e a formalização de encomenda».

Com base neste análise, a Autoridade Tributária e Aduaneira concluiu que «exposto nos pontos (1) Faturas da serie B, emitidas até setembro de 2012 e (2) Faturas da serie B emitidas a partir de outubro de 2012 permite concluir que não é possível a aceitabilidade como gasto fiscal da totalidade dos encargos evidenciados nas faturas da série B, porque, como ficou demonstrado, os mesmos não estão em conformidade com a letra e o espirito da norma constante no art.º 23.º do Código do IRC».

A Requerente defende, em suma, o seguinte:

– AT nunca põe em causa a contratação do serviço de transporte da fábrica de Chaozhou para o porto de expedição até porque ele é um custo absolutamente necessário, pois as mercadorias têm que ser transportadas para um porto na China para daí serem expedidas para Portugal;

– no que respeita ao o custo com o frete do porto chinês para o porto português não deveria constar das facturas, mas não é ao serviço de transporte — propriamente dito — que respeita aquele item, não se trata de transporte, mas sim de uma panóplia de serviços locais relacionados com a preparação e a concretização da expedição das mercadorias, nomeadamente acompanhamento e controlo do produto e ainda comissões pagas na venda, como ficou explicitado nas facturas emitidas a partir de Outubro de 2012;

– as «gift box» são necessárias para a expedição das mercadorias;

– os «Cerficate of Origin» trata-se de serviços prestados;

– trata-se de gastos necessários pelo que devem considerar-se dedutíveis à face do artigo 23.º, n.º 1, do CIRC.

 

O artigo 17.º do CIRC estabelece que «o lucro tributável das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código».

O artigo 23.º do CIRC na redacção anterior ao Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho (vigente até ao final do ano de 2009), estabelece que «consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora».

Como vem sendo entendido, o conceito de indispensabilidade de custos que consta do artigo 23.º n.º 1, do CIRC, não exige uma ligação causal entre custos e proveitos, bastando que as despesas tenham uma relação com o objecto da empresa, sejam incorridas no âmbito da sua actividade ou evidenciem um business purpose. ( [1] )

Sendo com base na contabilidade que aquele artigo 17.º manda atender, em primeira linha, para determinação do lucro tributável, é com base no teor das facturas registadas na contabilidade, que gozam de presunção de veracidade (artigo 75.º, n.º 1, da LGT), que há que apurar o tipo de serviços ou bens se reportam as despesas, se não se provam factos que permitam concluir que os factos nelas referidos não correspondem a realidade.

No caso em apreço, são referidas nas facturas emitidas até Setembro de 2012 despesas e transporte entre o porto chinês e Portugal, que a própria Requerente reconhece que não foram suportadas pelo vendedor, pois a Requerente pagou directamente as despesas do transporte à empresa K… .

Por outro lado, à face da contabilidade, não se pode considerar que essas facturas, nessa parte que referem ao transporte da China para Portugal, podem ser consideradas meios de prova de custos de tipos completamente diferentes, designadamente de uma «panóplia de serviços locais relacionados com a preparação e a concretização da expedição das mercadorias, nomeadamente acompanhamento e controlo do produto e ainda comissões pagas na venda», de que fala a Requerente.

Assim, quanto a essas despesas referidas nas facturas emitidas até Setembro de 2012 como sendo de transporte da China para Portugal não se pode dar como provado a que tipo bens ou serviços se reportam, pelo que não se pode considerar demonstrada a sua indispensabilidade «para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora».

Por outro lado, quanto às restantes despesas, incluindo as «gift boxes» (que, como resulta da prova produzida não são uma oferta) e as despesas com novas designações que são referidas nas facturas emitidas a partir de Outubro de 2012, trata-se de despesas que, pelos descritivos que constam das facturas, estão conexionadas com a actividade que a Requerente desenvolve em Portugal, pois são despesas que se reportam a criação das condições para que as mercadorias adquiridas aqui lhe sejam disponibilizadas. São despesas foram efectuadas no interesse da Requerente, pelo que satisfazem o requisito da indispensabilidade.

Mesmo que se entendesse que alguns dos encargos deveriam ser suportados pelo vendedor, tendo sido efectivamente a Requerente a suportá-los, não seria de afastar o preenchimento do requisito da indispensabilidade, desde logo, porque, em circunstâncias normais, é o comprador, no âmbito da sua actividade comercial, quem suporta os custos dos serviços e bens que adquire o exercício da sua actividade empresarial, quer eles sejam facturados autonomamente quer sejam incluídos no preço dos bens que adquire.

Por isso, não se tratando de serviços gratuitos prestados pelo vendedor, como evidencia o facto de terem sido emitidas as facturas, não é pelo facto de serem facturados autonomamente em vez de o valor dos bens e serviços ser incorporado nos preços dos bens adquiridos pela Requerente, que estes podem considerar-se dispensáveis para a formação do lucro tributável.

Por outro lado, resulta da prova produzia que o preço global das mercadorias adquiridas, mesmo considerando os valores somados das facturas da séria “A” com os das correspondentes factura da série “B”, são inferiores aos preços que a Requerente podia obter no mercado nacional, apesar de os encargos das facturas da série “B” serem cerca de 45% do valor total de aquisição, o que permite concluir, num juízo de normalidade e razoabilidade, baseado na experiência comum, que os preços dos serviços necessários para a expedição das mercadorias, designadamente os indicados na cláusula 1 do contrato, não estavam incluídos nas facturas da série “A”.

Aliás, facto de a Autoridade Tributária e Aduaneira mesmo considerando esses preços somados das duas séries de facturas não ter considerado exagerado o preço de aquisição das mercadorias («nunca ter questionado o preço», como refere nas páginas 28 e 29 do Relatório da Inspecção Tributária) confirma que, também da sua perspectiva, seria anormal que os preços de aquisição fossem apenas os da série “A”, o que se reconduziria a que fossem cerca de metade dos obtidos no mercado nacional. Como diz a Requerente, se pudesse obter através de importações da China preços de cerca de metade dos que obtém no mercado nacional, não se compreenderia que mantivesse as aquisições neste mercado, que é o predominante.

Por isso, não se afigura relevante qualquer ilação em contrário que se pretenda inferir do facto de nas facturas da série “A” ter sido incluída a sigla “FOB”, pois as circunstâncias referidas apontam manifestamente no sentido de corresponder à realidade a posição da Requerente, no que concerne à não inclusão nos preços das mercadorias indicados nas facturas da série “A” do valor dos serviços prestados pela empresa chinesa, que foram incluídos nas facturas da série “B”.

Assim, à face do artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, não há fundamento para afastar a dedutibilidade de todas as despesas a que se referem as facturas, com excepção das que emitidas até Setembro de 2012 na parte que se referem ao transporte entre a China e Portugal.

Tendo sido a não satisfação do requisito da indispensabilidade o fundamento invocado pela Autoridade Tributária e Aduaneira para efectuar a correcção referida, é com base nele que há que apreciar a legalidade do acto de liquidação, pois o processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), é, como este, um meio processual de mera legalidade, em que se visa eliminar os efeitos produzidos por actos ilegais, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 2.º do RJAT e 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele]. Por isso, o Tribunal não pode, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos. ( [2] )

Nestes termos, a liquidação de IRC enferma de ilegalidade por vício de violação de lei.

No entanto, embora no âmbito da fundamentação da tributação autónoma, a Autoridade Tributária e Aduaneira invoca também o artigo 65.º, n.º 1, do CIRC, que, por si só, é fundamento de não dedutibilidade de despesas, quantias pagas, pelo que terá de apurar-se se a liquidação de IRC, encontra fundamento nesta norma, pois, se um acto de liquidação tem mais que um fundamento cada um deles suficiente para assegurar a sua legalidade, só se pode concluir pela sua ilegalidade se todos os fundamentos forem ilegais.

 

3.2. Questão da verificação dos pressupostos do artigo 65.º, n.º 1, do CIRC e da tributação autónoma

 

Está-se essencialmente perante uma mesma questão, pois a aplicação destas normas assenta pressupostos comuns, como se refere no Relatório da Inspecção Tributária, em que a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que «porque o SP não provou, nos termos do n.º 1 do art.º 65.º do Código do IRC, que "as despesas correspondentes a importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável (...) correspondem a operações efetivamente realizadas", tais despesas não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável como dispõe a primeira parte do referido artigo e incorre o SP numa tributação a uma taxa de 35% sobre o montante daquelas despesas, como dispõe o nº 8 do artº 88º do Código do IRC».

O artigo 65.º, n.ºs 1 e 2, do CIRC estabelecem o seguinte:

 

Artigo 65.º

 

Pagamentos a entidades não residentes sujeitas a um regime fiscal privilegiado

 

1 – Não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável as importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou colectivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, salvo se o sujeito passivo puder provar que tais encargos correspondem a operações efectivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado.

2 – Considera-se que uma pessoa singular ou colectiva está submetida a um regime fiscal claramente mais favorável quando o território de residência da mesma constar da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças ou quando aquela aí não for tributada em imposto sobre o rendimento idêntico ou análogo ao IRS ou ao IRC, ou quando, relativamente às importâncias pagas ou devidas mencionadas no número anterior, o montante de imposto pago for igual ou inferior a 60 % do imposto que seria devido se a referida entidade fosse considerada residente em território português.

(...)

 

            Os n.ºs 1 e 8.º do artigo 88.º do CIRC estabelecem o seguinte:

 

Artigo 88.º

 

Taxas de tributação autónoma

 

1 – As despesas não documentadas são tributadas autonomamente, à taxa de 50 %, sem prejuízo da sua não consideração como gastos nos termos do artigo 23.º

(...)

8 – São sujeitas ao regime do n.º 1 ou do n.º 2, consoante os casos, sendo as taxas aplicáveis, respectivamente, 35 % ou 55 %, as despesas correspondentes a importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou colectivas residentes fora do território português e submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, tal como definido nos termos do Código, salvo se o sujeito passivo puder provar que correspondem a operações efectivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado.

 

Em 2012, Hong Kong constava da lista dos países, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada, claramente mais favoráveis que consta da Portaria n.º 150/2004, de 13 de Fevereiro, alterada pela Portaria n.º 292/2011, de 8 de Novembro. ( [3] )

Por isso, os pagamentos efectuados à empresa sedeada em Hong Kong enquadram-se na previsão do n.º 2 do artigo 65.º, pelo que lhe são potencialmente aplicáveis as estatuições dos referidos artigos 65.º, n.º 1, e 88.º, n.º 8, do CIRC.

Como resulta dos testos destas normas, o afastamento da sua aplicação depende de o «o sujeito passivo puder provar que tais encargos correspondem a operações efectivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado».

No caso em apreço, a Autoridade Tributária e Aduaneira excluiu da fundamentação para aplicação destas normas o «montante exagerado», pois afirma expressamente no Relatório da Inspecção Tributária que:

– «Os pontos 15. a 24. sublinham o facto de ser o operador da República Popular da China o fornecedor que lhe oferece, para além do melhor preço nos seus fornecimentos, as melhores condições de pagamento (prazos bastantes alargados, geralmente 12 meses). Tais factos não relevam para alterar a posição da AT, em virtude de nunca se ter questionado o preço e as condições de pagamento das compras no período alvo do procedimento inspetivo» (negrito nosso) (página 28);

– «No ponto 29, o SP refere que os montantes pagos à H… não são exagerados (mesmo somando os preços das matéria primas (faturas da serie A) e dos serviços (faturas da serie B). Tal facto, e conforme já referido no ponto 2. da presente resposta, não releva para alterar a posição da AT, em virtude de nunca se ter questionado o preço» (negrito nosso) (página 29);

– «O que a AT questiona é o facto de os encargos constantes das faturas da serie B não titularem operações efetivamente realizadas» (negrito nosso) (página 30);

– «Nestes termos, e porque o SP não provou, nos termos do n.º 1 do art.º 65.º do Código do IRC, que "as despesas correspondentes a importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável (...) correspondem a operações efetivamente realizadas", tais despesas não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável como dispõe a primeira parte do referido artigo e incorre o SP numa tributação a uma taxa de 35% sobre o montante daquelas despesas, como dispõe o nº 8 do artº 88º do Código do IRC» (negrito nosso) (página 31).

 

Assim, a questão a apreciar reconduz-se a saber se o sujeito passivo provou que as despesas ou encargos referidos nas facturas da série “B” correspondem a operações efectivamente realizadas.

A norma do artigo 65.º, n.º 1, do CIRC tem a natureza de uma norma antiabuso especial visando obstar a que, através de operações simuladas, se transfiram rendimentos para regimes mais favoráveis.

Não estão em causa, na hipótese desta norma, situações em que não há suficiente documentação de algum dos encargos associado a determinada operação realizada (o que justifica que esse encargo não seja dedutível nos termos do artigo 23.º, n.º 1, do CIRC), mas os casos em que não existiu a operação económica ou comercial e se está perante uma simulação.

 Como bem afirma a Autoridade Tributária e Aduaneira no artigo 47.º da sua Resposta, citando GUSTAVO COURINHA, «no caso do art.º 65.º do Código do IRC, “… encontramo-nos diante de uma reacção de carácter anti-abusivo, que contempla nitidamente situações de manifesta simulação fiscal – “operações efectivamente realizadas”», «visam-se as operações não reais ou falsas, cuja veracidade seria sempre de difícil contestação, ao nível da prova pela Administração Fiscal». ( [4] )

À face da prova produzida é evidente que não se está perante uma situação deste tipo, pois não há qualquer dúvida de que as operações a que se referem as facturas da série “B”, isto é, as importações de mercadorias, ocorreram efectivamente.

Por outro lado, como já se referiu, o preço global das mercadorias adquiridas, mesmo considerando os valores somados das facturas da séria “A” com os das correspondentes factura da série “B”, são inferiores aos preços que a Requerente podia obter no mercado nacional (apesar de os encargos das facturas da série “B” serem cerca de 45% do valor total de aquisição) o que justifica que se conclua, em termos de normalidade e razoabilidade, que os preços das mercadorias importadas, incluindo as despesas de transporte, não poderiam ser apenas os das facturas da séria “A”.

Assim, é de concluir que as operações a que se referem as facturas da série “B” não foram simuladas, tendo sido efectivamente realizadas com facturação separada dos vários encargos, respeitantes à própria mercadoria e à sua expedição.

Por outro lado, o facto de haver uma parte do preço que não está justificada, poderia, eventualmente, ser fundamento para considerar o preço exagerado, mas isso está excluído pela posição assumida pela Autoridade Tributária e Aduaneira no Relatório da Inspecção Tributária.

Pelo exposto, não há fundamento para aplicação das estatuições dos artigos 65.º, n.º 1, e 88.º, n.º 8, do CIRC.

 

3.3. Conclusão sobre as liquidações de IRC e tributação autónoma

 

 Do exposto conclui-se que não tem suporte legal a imposição da tributação autónoma, pelo que enferma de vício de violação de lei que justifica a anulação da liquidação, na parte respectiva, e harmonia com o preceituado no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

Quanto a liquidação de IRC não tem fundamento no artigo 65.º, n.º 1, do CIRC, mas tem fundamento parcial no artigo 23.º, n.º 1, do mesmo Código, na parte respeitante aos encargos indicados como despesas de transporte da China para Portugal referidas nas facturas emitidas até Setembro de 2012.

Embora a ilegalidade seja apenas parcial, não sendo discriminada no Relatório da Inspecção Tributária nem na liquidação de IRC a parte que se reporta às despesas de transporte referidas nas facturas emitidas até Setembro de 2012, justifica-se a anulação total. ( [5] )

A liquidação de juros compensatórios tem por base a liquidação de IRC (artigo 35.º, n.º 8, da LGT), pelo que enferma do mesmo vício, justificando-se também a sua anulação.

A decisão da reclamação graciosa, que manteve as liquidações de IRC, juros compensatórios e tributação autónoma enferma dos vícios que afectam estas liquidações.

 

 

3.4. Questões de conhecimento prejudicado

 

Sendo de jugar procedente o pedido de pronúncia arbitral fica prejudicado, por ser inútil (artigo 130.º do CPC), o conhecimento das questões relativas a aplicação do Acordo entre a República Portuguesa e a Região Administrativa Especial de Hong Kong da República Popular da China para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento, aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 49/2012, de 16 de Abril.

 

4. Decisão

 

            Nestes termos acordam neste Tribunal Arbitral em:

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
  2. Declarar a ilegalidade a anular a liquidação de IRC n.º 2016…, datada de 16-05-2016, com n.º da compensação 2016…, a demonstração de acerto de contas n.º 2016… e as liquidações de juros compensatórios n.ºs 2016 … e 2016…, referentes ao exercício de 2012, onde se evidencia um montante de imposto a pagar de € 465.436,53, dos quais € 225.746,33 correspondem a Tributação Autónoma (TA) e € 48.465,46 a juros compensatórios.

 

 

            5. Valor do processo

 

   De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 465.436,53.

 

 

Lisboa, 23-01-2018

Os Árbitros

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

(Rui Duarte Morais)

 

(Maria Manuela do Nascimento Roseiro), vencida conforme declaração de voto anexa.

 

Declaração de voto

 

Subscrevo a douta decisão supra, afastando-me, contudo, dela nos aspectos que resultam da seguinte fundamentação:

1. Está em causa a legalidade da actuação da AT quando, apreciando os gastos efectuados pela Requerente ao longo de anos, incluindo, no casos dos autos, no exercício de 2012, relativos a fornecimentos de chávenas e pires produzidos na China e Malásia, corporizados em duas séries de facturas, designadas no processo como “série A” e “série B”, desconsiderou, para efeitos de dedução ao abrigo do artigo 23º do CIRC, os montantes dos gastos constantes das facturas da série B, incluídos no custo das mercadorias vendidas (sujeitando ainda a tributação autónoma os pagamentos efectuados durante o mesmo período, nos termos dos artigos 65, n.º 1 e 88.º, n.º 8 do CIRC), por entender que o facto de as facturas da “série A”, referentes aos gastos com aquisição de chávenas e pires, incluírem a expressão FOB, significava que todas as despesas corriam pelo vendedor até ao porto onde embarcam com destino a Portugal.

2. Apesar de a situação ser susceptível de levantar dúvidas, precisamente pela contradição expressa na manutenção da referência FOB nas facturas da série A durante um tão largo período, admito que o documento contratual (junto com as alegações) indicie justificação para a posterior prática de discriminação de várias despesas em facturas da “série B” (mas com grandes alterações, não documentadas, porque o encargo assumido pelo comprador apenas abrangia transporte e num montante máximo de 35% e a inclusão de despesas num item autónomo da factura e não outra factura – cf. cláusula 10).

3. Tais gastos foram confirmados por testemunhos, designadamente do ROC (responsável pela revisão de contas da Requerente há vários anos), que garantiu, em termos genéricos, que os mesmos correspondiam a montantes contratados e a pagamentos efectivamente realizados, ainda que admitindo que as equipas de análise não terão verificado em pormenor a discriminação feita nas facturas.

4. Apesar de entender que o baixo preço de custo da mercadoria importada (chávenas e pires) contido nas facturas da série A não justifica, por si só, a veracidade dos preços das facturas da série B, reconheço o peso do considerando, aceite na presente decisão como justificativo da ilação de que se “se pudesse obter através de importações da China preços de cerca de metade dos que obtém no mercado nacional, não se compreenderia que mantivesse as aquisições neste mercado, que é o predominante”[6].

5. Contudo, o tribunal decidiu, correctamente na minha interpretação, que não podem ser aceites os montantes incluídos nas facturas da série B correspondentes ao transporte da mercadoria do porto chinês para Portugal, encontrando-se provada a duplicação de tal despesa, já que a Requerente possui na sua contabilidade facturas relativas ao pagamento desse transporte à empresa K… . E também não foi aceite imputar esse gasto a outras despesas, «designadamente de uma «panóplia de serviços locais relacionados com a preparação e a concretização da expedição das mercadorias, nomeadamente acompanhamento e controlo do produto e ainda comissões pagas na venda», de que fala a Requerente»

6. Por um lado, esta duplicação de gasto parece-me inquinar a própria credibilidade de alteração de classificação de gastos, ocorrida a partir de Outubro de 2012, com a inclusão de montantes idênticos aos anteriormente classificados como despesas de transporte entre a China e Portugal mas agora designados como despesas de controlo de qualidade dos produtos e outras (item 1 em vez do anterior item 3).

7. Por outro lado, não se encontrando comprovado o gasto classificado como transporte entre a China e Portugal, não me parece poder concluir-se, relativamente ao item em causa, – e ainda que tenha havido importação de mercadorias e tenham sido efectuados pagamentos, através de uma conta em Hong Kong – que esteja comprovado que os respectivos montantes correspondam a operações efectivamente realizadas, pelo que consideraria legal a aplicação que a Requerida fez dos artigos 65º, nº 2 e 88º, nº 8 do CIRC.[7]

8. E, ainda quanto a esta última questão, entendo que não colheria a invocação do artigo 24º do Acordo celebrado entre a República Portuguesa e a Região Administrativa Especial de Hong Kong da República Popular da China para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento. Desde logo, o Acordo não se aplica ao caso dos autos, referente a 2012, porque apenas produziu efeitos a partir do ano civil imediatamente seguinte ao da sua entrada em vigor, ou seja, em 2013 [8]. Além disso, o disposto no nº 4 do artigo 23º do ADT não prejudica a aplicação dos referidos artigos do CIRC, salvaguardada pelo artigo 27º do mesmo Acordo.[9]

 

Lisboa, 23 de Janeiro de 2018

 

 

 

Manuela Roseiro

 

 



[1]              Neste sentido, pode ver-se, entre outros, o acórdão arbitral proferido no processo n.º 587/2014-T, em que se refere, citando TOMÁS TAVARES, Da relação de dependência parcial entre a contabilidade e o direito fiscal na determinação do rendimento tributável das pessoas colectivas: algumas reflexões ao nível dos custos, in Ciência e Técnica Fiscal, n.º 396, 1999, páginas 136-137:

A noção legal de indispensabilidade recorta-se, portanto, sobre uma perspectiva económico-empresarial, por preenchimento, directo ou indirecto, da motivação última para a obtenção do lucro. Os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, por outras palavras, em todos os actos abstractamente subsumíveis num perfil lucrativo. Este desiderato aproxima, de forma propositada, as categorias económicas e fiscais, através de uma interpretação primordialmente lógica e económica de causalidade legal. O gasto imprescindível equivale a todo o custo realizado em ordem à obtenção de ingressos e que represente um decaimento económico para empresa. Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a actividade produtiva da empresa”.

 “ …A indispensabilidade subsume-se a todo qualquer acto realizado no interesse da empresa…A noção legal de indispensabilidade reprime, pois, os actos desconformes com o escopo da sociedade, não inseríveis no interesse social, sobretudo porque não visam o lucro…”.

 

[2] Neste contexto, não se aprecia a eventualidade de a correcção ter fundamento no artigo 45.º, n.º 1, alínea c), do CIRC (como a Requerente aventa, sem concordar, no artigo 26.º das alegações).

[3] Aliás, Hong- Kong ainda está incluído nessa lista, na redacção que lhe foi dada pela Portaria n.º 345-A/2016, de 30 de Dezembro.

[4]              A Cláusula Geral Anti-Abuso no Direito Tributário, Almedina, 2009, página 93.

[5] Sem prejuízo de eventual possibilidade ou não de renovação do acto, em execução de julgado, com «respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado» (artigo 173.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).

 

[6] Embora este raciocínio se confronte com indícios de que, quanto aos fornecimentos nacionais, a Requerente seja a decoradora de chávenas produzidas por empresas, como a …, de superior qualidade e cuja produção não é previsível (ou desejável) que venham (ou devam ser) substituídas pela importação da produção chinesa.

[7] Trata-se de aplicação de normas anti-abuso específicas que prevêem a inversão do ónus da prova, como analisado no Acórdão do TCAS de 5 de Novembro de 2015, in rec. nº 07022/13, a propósito da aplicação do art. 65º do CIRC.

[8] Cf. artigo 28.º, n.º 2, i) e ii) do Acordo.

[9] De acordo com comentários da OCDE ao artigo 23º (correspondente ao art. 24º do Acordo entre Portugal e Hong Kong, deve-se entender que o nº 4 da cláusula 24”, “não proíbe requisitos adicionais em matéria de informações relativas a pagamentos feitos a não residentes dado que tais requisitos visam garantir níveis de cumprimento e de fiscalização similares no caso de pagamentos a residentes e a não residentes” Cf. Comentários do Comité dos assuntos Fiscais da OCDE, ao Modelo de Convenção Fiscal sobre Rendimento e o Património, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, Julho 2010, p. 382.