Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 628/2019-T
Data da decisão: 2021-05-21  IRC  
Valor do pedido: € 596.070,85
Tema: IRC – Inspeção Tributária; Prazo; Informação vinculativa; Realizações de utilidade social; Erro na autoliquidação.
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SUMÁRIO:

 

I.             O excesso do prazo de inspeção não tem, só por si, efeito invalidante da notificação, apenas implicando a cessação do efeito suspensivo da caducidade do direito de liquidação previsto no n.º 1 do artigo 46.º da LGT;

II.            Emitida uma informação vinculativa fica a AT obrigada a atuar em conformidade com aquela, verificados os pressupostos da mesma;

III.          Apenas no caso de as realizações de utilidade social abrangerem a generalidade dos trabalhadores da empresa é que os correspondentes encargos são dedutíveis.

IV.          A falta de conhecimento, até à data, de posição da AT quanto a determinada matéria, não permite a postergação da utilização dos meios processuais próprios, no respetivo prazo, garantindo o ordenamento jurídico-processual vigente os meios necessários a assegurar a tutela jurisdicional efetiva.

 

Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Sérgio Pontes e Álvaro Caneira, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, na seguinte:

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

1.            No dia 24 de Setembro de 2019, A…S.A., NIPC ………, com sede na Avenida …., n.º 3, Edifício …, Piso ., Carnaxide, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do ato de liquidação adicional de IRC n.º 2017 ………, relativo ao exercício de 2013, no valor de €596.070,85, assim como da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º 3……….., que teve o referido ato de liquidação como objeto.

 

2.            Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, o seguinte:

i.             os atos praticados em Julho de 2015, consubstanciam os primeiros atos materiais de inspeção, a partir dos quais se deverá iniciar a contagem do prazo do procedimento de inspeção, pelo que a inspeção tributária à sociedade B… excedeu o prazo máximo de duração, motivo pelo qual é ilegal o relatório de inspeção tributária à B… e, consequentemente, o relatório de inspeção tributária realizado ao nível do grupo sujeito ao RETGS, o que acarreta a ilegalidade da liquidação impugnada;

ii.            a liquidação impugnada é ilegal pelo facto do procedimento adotado pela B… e objeto de correção pelos Serviços de Inspeção Tributária ter sido anteriormente validado pela AT no âmbito de um pedido de informação vinculativa;

iii.           a atribuição de seguros de saúde e de vida aos colaboradores tem carácter de generalidade, encontrando-se preenchidos os pressupostos da alínea a) do n.º 4 do artigo 43.º do CIRC, razão pela qual são dedutíveis os gastos suportados no valor de €12.210,70;

iv.           solicita a Requerente que sejam alvo de revisão, por erro na autoliquidação, as declarações modelo 22 de cada uma das sociedades por si dominadas, sendo promovida a consideração dos valores de SIFIDE II disponíveis para cada uma delas.

 

3.            No dia 25-09-2019, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

4.            A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou a Exm.ª Sr.ª Conselheira Maria Fernanda dos Santos Maçãs, como Árbitro-Presidente, e os Ex.ºs Srs. Prof. Doutor Sérgio Pontes e Dr. Álvaro Caneira, como Árbitros-Vogais, do tribunal arbitral coletivo, que comunicaram todos a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

5.            Em 17-12-2019, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

6.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral coletivo foi constituído em 17-12-2019.

 

7.            Por despacho do Sr. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, de 19-12-2019, foi aceite a renúncia às funções arbitrais da Exm.ª Sr.ª Conselheira Maria Fernanda dos Santos Maçãs, por razões que foram consideradas como justificativas, e determinada a substituição daquela, como árbitro presidente no presente processo, pelo ora relator.

 

8.            Em 20-01-2020, as partes foram notificadas da nova designação de árbitro-presidente, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas

 

9.            No dia 24-02-2020, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.

 

10.          Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.

 

11.          Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pela Requerida.

 

12.          Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º/1 do RJAT, com as prorrogações necessárias, determinadas nos termos do n.º 2 do mesmo artigo.

 

13.          O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir:

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

 

A.1. Factos dados como provados

1-            A Requerente era, à data dos factos, a sociedade dominante de um grupo de sociedades tributadas ao abrigo do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS).

2-            No ano de 2013, o grupo era composto pelas seguintes sociedades dominadas:

 

3-            Em 30-05-2014, a Requerente, enquanto sociedade dominante, procedeu à submissão da declaração Modelo 22 de IRC, relativa ao exercício de 2013.

4-            Várias empresas incluídas no grupo da Requerente detinham participações num Agrupamento Complementar de Empresas (ACE), com sede e direção efetiva em território português, denominado N… – Prestação de Serviços Administrativos e Operacionais ACE.

5-            A N… – Prestação de Serviços Administrativos e Operacionais ACE é o veículo de serviços partilhados às unidades de negócio do Grupo, tendo iniciado a sua atividade em Fevereiro de 2004 com o objetivo de prestar serviços informáticos, operacionais, administrativos e de negociação aos seus membros, visando a melhoria das condições de exercício das atividades económicas.

6-            As participações detidas na N… – Prestação de Serviços Administrativos e Operacionais ACE pelas sociedades pertencentes ao grupo da Requerente resume-se no seguinte:

 

7-            Atento o montante de despesas de investigação e desenvolvimento, a sociedade B…, a sociedade L… e a N… – Prestação de Serviços Administrativos e Operacionais ACE, no exercício de 2013, entenderam que poderiam beneficiar de um benefício fiscal por dedução à coleta associado ao SIFIDE II.

8-            As sociedades B… e  L… e a N… – Prestação de Serviços Administrativos e Operacionais ACE procederam à apresentação de candidaturas ao SIFIDE II, por referência ao exercício de 2013.

9-            A sociedade B… foi notificada da declaração datada de 06-12-2015 a qual atribuía um crédito fiscal de €29.208,11.

10-         A sociedade L… foi notificada da Declaração datada de 27-11-2014 a qual atribuía um crédito fiscal de €110.194,33.

11-         A N… – Prestação de Serviços Administrativos e Operacionais ACE foi notificada da declaração datada de 30-12-2014 a qual atribuía um crédito fiscal de €60.025,02.

12-         Nenhuma das sociedades que participam na N… – Prestação de Serviços Administrativos e Operacionais ACE inscreveu na sua declaração modelo 22 do ano de 2013, qualquer valor relativo ao SIFIDE II.

13-         A sociedade L… não inscreveu qualquer montante relativo ao SIFIDE II, na declaração modelo 22 referente ao exercício de 2013.

14-         A sociedade B… inscreveu um montante, na sua declaração de rendimentos modelo 22, a título de SIFIDE II, montante esse inferior em €35.606,67 ao total do crédito de imposto disponível, para o grupo económico, a título daquele mesmo benefício fiscal, notificado até 30-05-2014.

15-         A B… é uma sociedade anónima de direito português que prosseguia, no âmbito do seu objeto social, a atividade de gestão e exploração do estabelecimento hospitalar S….

16-         A gestão e exploração do hospital eram efetuadas em regime de parceria público-privada entre a B… e o Ministério da Saúde, através da Administração Regional de Saúde do Norte, I.P., de acordo com o contrato de gestão, organização e funcionamento do T…, celebrado no ano de 2009.

17-         De acordo com o contrato de gestão celebrado entre a B… e a Administração Regional de Saúde do Norte, I.P., era responsabilidade desta última assegurar as condições de funcionamento do regime de internato médico.

18-         A B… procedeu ao registo na conta #78 – Internato médico, por contrapartida da conta #21 – Clientes, em cada um dos períodos compreendidos entre 2009 e 2012, de rendimentos no valor global de €3.901.234,94, que estimava vir a receber da Administração Regional de Saúde do Norte, I.P enquanto compensação pelos gastos incorridos com as remunerações dos profissionais enquadrados no regime de internato médico.

19-         No dia 01-03-2012, a Requerente rececionou o ofício GC/2012/… da ARS Norte, com o seguinte teor:

 

20-         No dia 27-05-2013, a Requerente rececionou o ofício GC/2013/… da ARS-Norte, com o seguinte teor:

 

21-         Do referido ofício constava, ainda, um despacho do Secretário de Estado da Saúde, com o seguinte teor:

 

22-         A Requerente apresentou um pedido de informação vinculativa, para confirmar o entendimento segundo o qual deveria ser aceite, para efeitos fiscais, o gasto relativo a correções de exercícios anteriores, respeitante ao montante de rendimentos registados entre 2009 e 2012, no valor global de €3.901.234,30.

23-         Da informação vinculativa consta, além do mais, o seguinte:

“i) Os réditos relativos à faturação emitida à ARS Norte entre 2009 e 2012, inclusive, relacionada com as remunerações dos profissionais integrados no âmbito do regime de internato médico, cujo montante ascendeu a € 3.901.234,30, concorreram para a formação do lucro tributável desses períodos de tribulação, face ao regime de periodização económica acolhido pelo legislador fiscal e presente no n.º 1 do art. 18.º do CIRC. Com efeito, tendo incorrido em tais encargos e estando a requerente convencida de que tinha direito ao respetivo reembolso direto por parte da Entidade Pública Contratante, estavam reunidas as condições para o correspondente rédito se mostrar realizado e, portanto, constituir uma componente positiva do lucro tributável dos respetivos períodos de tributação.

ii) O facto de o Ministério da Saúde ter concluído - só em 2013 - que a faturação era indevida, não significa que os efeitos da anulação devam afetar o lucro tributável apurado nos períodos de tribulação em que foram incorridos os gastos com as remunerações dos médicos internos.

iii) Dado que só em 2013 é que a requerente teve conhecimento de tal facto, é nesse período de tributação que o gasto/a variação patrimonial negativa resultante da anulação do rédito realizado em períodos anteriores deve concorrer negativamente para a formação do lucro tributável”.

24-         A referida informação teve por base o ofício da ARS Norte, referência GC/2013/…(registo de saída no ARSN 13…), de 21-05-2013, entregue como documento 4, anexo ao pedido de informação vinculativa.

25-         Em 2013, a sociedade B… registou um gasto a título de correções de períodos anteriores, no valor de €3.901.234,30.

26-         No exercício de 2013, a B… registou na conta 6363000 – Seguros de Saúde, o valor de €15.964,91, tendo acrescido ao campo 723 do quadro 07 da declaração Modelo 22, o valor de €8.309,13 e na conta 634000 – seguro de vida, o valor de €4.554,92.

27-         Os seguros de saúde e vida foram atribuídos pela B… à generalidade dos seus trabalhadores efetivos, segundo critérios por aquela fixados excluindo, desse benefício, os trabalhadores abrangidos por contrato em funções públicas.

28-         Após pedido de esclarecimentos por parte da AT acerca dos seguros de saúde e vida, informou a B… o seguinte:

 

29-         Em 15-07-2015, os Serviços de Inspeção Tributária, através do Ofício n.º 510….., de 14 de Julho, notificaram a B… para enviar o Dossier Fiscal e a sua declaração anual de rendimentos modelo 22 submetida por referência ao exercício de 2013.

30-         Através do Ofício n.º 510….., de 9 de Dezembro de 2016, os Serviços de Inspeção Tributária notificaram a B… para apresentação de esclarecimentos e informações adicionais.

31-         A sociedade B…, sociedade que pertence ao grupo da Requerente, foi objeto de uma ação inspetiva ao exercício de 2013, instaurada ao abrigo da ordem de serviço n.º OI2015…., de 26 de Novembro de 2015.

32-         Em 09-02-2017, os Serviços de Inspeção Tributária solicitaram por e-mail esclarecimentos adicionais à B… do âmbito do procedimento inspetivo.

33-         O prazo do procedimento de inspeção não foi prorrogado.

34-         Em 23-02-2017, a Requerente foi notificada do projeto de correções do relatório de inspeção à sociedade B…, através do Ofício n.º 5…… da Direcção de Finanças de Braga.

35-         A Requerente exerceu direito de audição.

36-         A AT manteve as seguintes correções apuradas ao nível da B…:

a)            Acréscimo do montante de €3.901.234,30, correspondente a gastos registados na rubrica de balancete “#68810000 – Corr Rel Per Ant” referentes à anulação de acréscimos de rendimentos de 2009, 2010, 2011 e 2012; e

b)           Acréscimo do montante de €12.210,70 correspondente a seguros de vida e de saúde que alegadamente não observam as condições previstas no artigo 43.º do CIRC.

37-         A matéria coletável do grupo de que a Requerente é a sociedade dominante, foi corrigida de €6.589.515,61 para €6.391.907,96, que refletiu as correções efetuadas pelos serviços de inspeção tributária na esfera da sociedade B… – Sociedade Gestora do Estabelecimento, S.A.

38-         Do RIT consta, para além do mais, o seguinte:

- “dos elementos enviados desconhecem-se as faturas anuladas, já que apenas consta uma menção manuscrita fazendo alusão à inclusão por lapso da fatura 531119 referente a doenças lisossomais de março de 2013 em vez da fatura 233 de 2012-04-30 relativa ao internato médico, fazendo referência a um e-mail enviado em 2013-12-10 que também juntou.”;

- “Já aquando a Ordem de Serviço n. 0I2015…… de 2015-11-26 (que leve por objeto o sujeito passivo mas que incidiu sobre 2012), foi levantada a questão da anulação de faturação por parte do EPC, lendo inclusive o sujeito passivo mencionado nessa altura um pedido de informação vinculativa (PIV), pelo que, adotar-se-á o mesmo critério de validação dos gastos, que se acolheu em 2012, a coerência assim o impõem, em consonância com o Pedido de Informação Vinculativa (PIV) solicitado pelo sujeito passivo.

Assim o critério da aceitação fiscal será o da data da tomada de conhecimento da posição da EPC, por parte do sujeito passivo da anulação da faturação anteriormente emitida.

Ora o sujeito passivo tomou conhecimento do ofício n.º GC/2012…. de 2012-02-2 8, em 2012- 03-01, onde lhe é comunicado a decisão da não aceitação das faturas emitidas no valor de 2.817.998,67 EUR (ver quadro n.º 5).

Atendendo a que o relatório de gestão, as contas do exercício e os demais documentos de prestação de conta, por força do n.º 5 do art. 65.º do Código das Sociedades Comerciais, devem ser apresentados ao órgão competente e por este apreciados, no prazo de três meses a contar da data do encerramento de cada exercício anual, e que não são permitidos atrasos na execução da contabilidade superiores a 90 dias, contados do último dia do mês a que as operações respeitam.

E ainda, de acordo com o n.º 3 do art. 120.º do CIRC, conjugado com a al. b) do n.º 3 do art.º 17.º do CIRC, nos termos do qual a contabilidade deve refletir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo, não existe fundamento para estes gastos não terem sido contabilizados e refletidos no exercício de 2012.

Por outro lado, como por força do n.º 2 do art.18.º do CIRC as componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a exercícios anteriores só são imputáveis ao exercício quando na data de encerramento das contas daquele a que deveriam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas, não se consegue alcançar assim como é que, relativamente às faturas no valor de 2.817.998,67 EUR, possam ser aceite fiscalmente em 2013 já que, aquando a data de encerramento das contas de 2012, a que deveriam ser imputadas, eram previsíveis e manifestamente conhecidas.

Motivo pelo qual, ao abrigo do n.º 2 do art.º 18.º do CIRC, não serão aceites fiscalmente e acrescer-se- á ao lucro tributável de 2013 o valor de 2.817.998,67 EUR.”;

- “o valor remanescente da conta 68810000 não acrescido no quadro 07 da mod. 22 de IRC de 2013, no valor de 1.083.235,63 EUR (3.901.234,30EUR- 2.817.998,67 EUR), apenas se poderá especular que estarão legitimados pelo o ofício n.º GC/2013/208 de 2013-04-30, já que o mesmo não identifica quaisquer valores.

Assim, e à luz do n. 2 do art. 18.º do CIRC, aqueles valores não poderão aceites, por falta de fundamentação, porquanto nos termos do n.º do art. 74.º da LGT o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos dos contribuintes recai sobre quem os invoque.

Motivo pelo qual, este gasto não será aceite fiscalmente e acrescer-se-á ao lucro tributável de 2013 o valor de 1.083.235,63 EUR”.

39-         Em 07-04-2017, foi notificado à sociedade B… o relatório de inspeção tributária.

40-         Em 22-11-2017, a Requerente foi notificada da liquidação adicional de IRC n.º 2017 ……….

41-         A Requerente procedeu ao pagamento do montante de €973.773,03.

42-         Em 03-05-2018, a Requerente apresentou reclamação graciosa da referida liquidação de IRC.

43-         A Requerente solicitou, ainda, no âmbito da reclamação graciosa, o direito à dedução à coleta do benefício associado ao SIFIDE, no exercício de 2013.

44-         A reclamação graciosa foi indeferida.

45-         Por despacho da Subdiretora Geral do IR, de 5 de Novembro de 2019, foi parcialmente revogada a liquidação respeitante ao exercício de 2013, objeto da presente ação arbitral.

46-         Do referido despacho consta, para além do mais, o seguinte:

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13 , “o relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

 

                Conforme exposto, são as seguintes as questões que se apresentam a resolver nos presentes autos de processo arbitral:

a.            apurar se a inspeção tributária à sociedade B… excedeu o prazo máximo de duração, e se tal circunstância gera a ilegalidade do relatório de inspeção tributária à B…, do relatório de inspeção tributária realizado ao nível do grupo sujeito ao RETGS, e a ilegalidade da liquidação impugnada;

b.            apurar se a liquidação impugnada é ilegal pelo facto do procedimento adotado pela B… e objeto de correção pelos Serviços de Inspeção Tributária ter sido anteriormente validado pela AT no âmbito de um pedido de informação vinculativa;

c.            Apurar se a atribuição de seguros de saúde e de vida aos colaboradores da Requerente, preenchem os pressupostos da alínea a) do n.º 4 do artigo 43.º do CIRC, pelo que deverão ser considerados dedutíveis os gastos suportados no valor de €12.210,70;

d.            Se é admissível a revisão, por erro na autoliquidação, das declarações modelo 22 de cada uma das sociedades dominadas pela Requerente, aceitando-se a consideração dos valores de SIFIDE II disponíveis para cada uma delas.

Vejamos, então.

 

*

a.

Começa a Requerente por arguir a ilegalidade do procedimento de inspeção tributária, pretendendo que de tal ilegalidade, por si arguida, decorra a ilegalidade e consequente anulabilidade do ato de liquidação por si ora impugnado.

A tal propósito, alega a Requerente, em suma, que se deverá ter por iniciado o procedimento inspetivo em 15-07-2015, quando os Serviços de Inspeção Tributária, através do Ofício n.º 510….., de 14 de Julho, a notificaram para enviar o Dossier Fiscal e a sua declaração anual de rendimentos modelo 22 submetida por referência ao exercício de 2013.

Daí, retira a Requerente que, em 07-04-2017, quando foi notificado o relatório de inspeção tributária, já estaria esgotado o prazo de 6 meses a que alude o art.º 46.º/1 da LGT, gerando-se a ilegalidade do procedimento inspetivo e, consequente, ilegalidade do ato de liquidação que se fundamenta no relatório daquele emergente.

Antes de apurar se, efetivamente, se deve ter por iniciado o procedimento inspetivo a 15-07-2015, como pretende a Requerente, é necessário apurar se, daí, será suscetível de decorrer alguma ilegalidade para o ato de liquidação impugnado ou não.

A regulamentação do procedimento de inspeção tributária, tem, em primeira linha, uma finalidade essencialmente organizatória (ordenatória) e, na perspetiva dos sujeitos passivos, visará essencialmente definir quais as condições em que os efeitos jurídicos próprios de tal procedimento se refletirão, eficazmente, na sua esfera jurídica, para além de assegurar a sua participação nas decisões que venham a ser tomadas.

Relativamente a este último aspeto, ressalva-se, todavia que, atento o princípio geral da participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito, consagrado no artigo 60.º da LGT, sempre estarão os interesses juridicamente relevantes daqueles, nessa matéria, no essencial devidamente salvaguardados, independentemente da concreta regulamentação do procedimento de inspeção tributária. Acresce, ainda a este propósito que, como princípio, o procedimento de inspeção tributária não tem, primacialmente, uma natureza decisória (daí que, por exemplo, o respetivo ato final – o relatório – não seja diretamente impugnável, na medida em que não é, em si mesmo, lesivo), mas meramente preparatória ou acessória , pelo que a necessidade de salvaguarda da participação dos contribuintes na formação das decisões, no seu âmbito, será secundária.

Deste modo, a principal finalidade, sempre na perspetiva dos sujeitos passivos, da regulamentação do procedimento de inspeção tributária e da respetiva observação pela Administração Tributária, residirá na fixação dos condicionalismos legalmente necessários para que se reflitam eficazmente na esfera jurídica dos contribuintes os efeitos jurídicos próprios do procedimento em questão, máxime, a suspensão do prazo de caducidade do direito à liquidação dos tributos pela Administração, nos termos do artigo 46.º, n.º 1 da LGT, bem como a sujeição dos visados às garantias e prerrogativas da inspeção tributária (artigos 28.º e 29.º do RCPITA), e à aplicação de medidas cautelares (artigos 30.º e 31.º do RCPITA).

                Com efeito, a instauração de um procedimento inspetivo externo, gera diversos deveres de colaboração e sujeição para o contribuinte, como sejam, por exemplo, o de facultar os elementos referidos nas als. c) e d) e o de acolher a inspeção nas suas instalações nos termos descritos nas als. a) e b), todas do n.º 2 do artigo 28.º do RCPITA.

                Para além disso, um procedimento inspetivo externo, como se viu já, tem a virtualidade de suspender o decurso do prazo de caducidade do direito à liquidação.

Daí que, conforme referido, a normação que disciplina o procedimento de inspeção tributária tenha subjacente, em primeira linha, regular os termos em que é legítimo à Administração Tributária impor ao contribuinte os deveres, sujeições e demais efeitos desfavoráveis inerentes àquele procedimento inspetivo.

Assim, tem sido entendimento jurisprudencial que as invalidades do procedimento de inspeção externa não se projetam, imediata e automaticamente, na validade do ato de liquidação, podendo ver-se nesse sentido, por exemplo, os Acs. do STA de 25-02-2015, proferido no processo 0709/14, do TCA-Sul 24-05-2011, proferido no processo 04311/10, e do TCA-Norte de 08-03-2018, proferido no processo 00270/11.9BEBRG, tudo na sequência de extensa jurisprudência que remonta, pelo menos, aos Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 27-02-2008, proferido no processo n.º 0955/07, de 07-05-2008, proferido no processo n.º 0102/08, e de 25-02-2015, proferido no processo n.º 0709/14.

Esta questão foi também apreciada, entre outras, na decisão arbitral proferida no processo 117/2019-T do CAAD, tendo o Tribunal ali concluído em sentido oposto ao pugnado pela Requerente.

Como se escreveu naquela decisão arbitral (suportada no entendimento vertido), embora o artigo 36.º, n.º 2 e 3, do RCPITA consagre o prazo de seis meses como prazo de duração máxima do procedimento de inspeção, podendo este ser prorrogado por mais dois períodos de três meses, “o excesso do prazo de inspeção não tem, só por si, efeito invalidante da notificação, apenas implicando a cessação do efeito suspensivo da caducidade do direito de liquidação previsto no n.º 1 do artigo 46.º da LGT”. 

Mais refere a citada decisão arbitral que, tal solução resulta atualmente da redação do n.º 7 do artigo 36.º do RCPITA, aditado pela Lei n.º 75-A/2014 de 30 de Setembro, que estabelece expressamente que “o decurso do prazo do procedimento de inspeção determina o fim dos atos externos de inspeção, não afetando porém o direito à liquidação dos tributos” (sublinhado nosso).

Deste modo, sendo a única ilegalidade apontada pela Requerente ao procedimento de inspeção, a decorrente do putativo excesso do prazo de 6 meses consagrado no art.º 46.º/1 da LGT, não decorrendo de tal excesso, ainda que verificado, a ilegalidade da liquidação, e não estando em causa a caducidade do direito de liquidar, deverá improceder o pedido arbitral nesta parte.

 

*

b.

                Seguidamente, argui a Requerente que a liquidação impugnada é ilegal pelo facto do procedimento adotado pela B… e objeto de correção pelos Serviços de Inspeção Tributária ter sido anteriormente validado pela AT no âmbito de um pedido de informação vinculativa.

                Relativamente a esta matéria, verifica-se, efetivamente, que foi emitida uma informação vinculativa pela AT, nos termos que melhor constam dos factos dados como provados nos pontos 22 a 24 da matéria de facto.

                Considera a Requerente que, face ao teor de tal informação, estava vedado à AT liquidar imposto nos termos em que o fez.

                A Requerida, por seu lado, em consonância com o que consta do RIT (cfr. ponto 38 dos factos provados), entende que a correção assentou em dois pressupostos diferentes:

- Na primeira situação (€ 2.817.998,67), o que está em causa para aceitação do gasto fiscal no exercício de 2013, é a data da tomada de conhecimento da Entidade Gestora do Estabelecimento (EPE) – B… - relativamente a quem deveria suportar os encargos com o internato médico;

- Na segunda situação (€1.083.235,63), os SIT não colocam em causa a data do conhecimento por parte da EPE, pois reconhecem que está legitimado pelo ofício GC/2013/…, de 30-04-2013, mas colocam em causa o ónus da prova nos termos do art.º 74° da LGT, pois o mencionado ofício é omisso quanto às faturas incluídas e valores em causa.

                Como igualmente resulta da matéria de facto provada, a liquidação de imposto, na parte respeitante à primeira situação, foi revogada, gerando-se, nessa parte, e por esse facto, a inutilidade superveniente da lide, imputável à AT.

                Resta, por isso, proceder à apreciação da segunda das situações indicadas.

                Relativamente a esta questão, julga-se que a correção em causa não poderá igualmente subsistir.

Senão vejamos.

A correção em causa funda-se, unicamente, e conforme a própria Requerida concede, na circunstância de o ofício GC/2013/…, de 30-04-2013, ser omisso quanto às faturas incluídas e valores em causa.

                Ora, de parte alguma das leis fiscais resulta – nem a Requerida invoca que resulte – que fosse imperativo que o dito ofício fizesse referência a quaisquer valores ou faturas.

                O referido ofício tem por função, unicamente – e, novamente, como a própria Requerida o reconheceu ao revogar parcialmente o ato de liquidação – consolidar a intenção da ARS de não assumir o pagamento dos encargos suportados pela Requerente com o internato médico, e não de quantificar aqueles encargos.

                Efetivamente, o referido ofício é concludente no sentido de que a ARS não assumiria qualquer daqueles encargos – fosse ele qual fosse – e isso está cabalmente demonstrado por esse mesmo ofício.

                Daí que, desde logo, a circunstância de tal ofício não fazer menção de faturas ou valores, não ser apta a fundar a correção operada pela AT.

                A partir daqui, é certo que é legítimo colocar a questão suscitada pela AT, ou seja, da comprovação dos referidos encargos.

                Sucede que, desde logo, tal seria uma questão a colocar em sede do art.º 23.º do CIRC, e não, como ocorre no caso, em sede do art.º 18.º do mesmo Código.

                Por outro lado, a comprovação dos encargos efetivamente incorridos com o internato médico, deveria operar-se face à contabilidade da Requerente, e respetivos documentos de suporte e não, como fez a AT, face ao ofício GC/2013/…, de 30-04-2013.

                De resto, a AT não questionou por qualquer forma que os montantes inscritos na conta #78 – Internato médico, da contabilidade da Requerente, tivessem sido efetivamente incorridos, nem pretendeu abalar por qualquer meio admissível a presunção de veracidade daquela (cfr. art.º 75.º, n.º 1 da LGT).

                Daí que, em suma:

                               - A não assunção pela ARS de quaisquer encargos da Requerente com o internato médico está cabalmente demonstrada, pelo ofício GC/2013/…, de 30-04-2013, conforme foi aceite pela AT ao revogar parcialmente a liquidação ora em crise; e

                               - A quantificação dos encargos da Requerente com o internato médico, inscritos na conta #78, não só não foi colocada em crise pela AT, como foi aceite, na medida em que revogou parcialmente o ato tributário.

                Assim, e face ao exposto, dúvidas não deverá haver que os encargos contabilizados na conta #78 da contabilidade da Requerente devem ser aceites como incorridos por aquela, para esses efeitos, e que a ARS, pelo ofício GC/2013/…, de 30-04-2013, declinou definitivamente assumir a responsabilidade pelos mesmos.

                Assim, em conformidade com o assumido pela própria AT na informação vinculativa prestada a pedido da Requerida, deverão os encargos em causa ser aceites como dedutíveis no ano de 2013, enfermando, por conseguinte, a liquidação objeto do presente processo arbitral de erro nos pressupostos de facto, e consequente erro de direito, devendo, por isso, ser anulada, e procedendo assim, nesta parte, o pedido arbitral.

 

*

c.

                A questão seguinte que se coloca, prende-se com apurar se a atribuição de seguros de saúde e de vida aos colaboradores da Requerente, preenchem os pressupostos da alínea a) do n.º 4 do artigo 43.º do CIRC, devendo ser considerados dedutíveis tais gastos suportados, no valor de €12.210,70.

                Relativamente a esta questão, a Requerente entende que o legislador, ao consagrar o exposto na alínea a) do n." 4 do artigo 43.º do CIRC pretende excluir a discriminação e privilégios entre trabalhadores, notando que os seguros de saúde e vida são atribuídos pela B… à generalidade dos seus trabalhadores efetivos, segundo critérios objetivos e idênticos, excluindo, deste beneficio os trabalhadores abrangidos por contrato em funções públicas, em face da regulamentação específica existente relativamente a este tipo de contratação.

                A Requerida, por seu lado, entende que, não se aplicando a todas as categorias e consequentemente a todos os trabalhadores, tal requisito (generalidade dos trabalhadores) apenas poderia ser afastado se estivéssemos perante o cumprimento de instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho, por exemplo, de uma Convenção Coletiva de Trabalho, o que não se verifica.

Com relevância para a presente questão, dispunha o n.º 2 do art.º 43.º do CIRC que "São igualmente considerados gastos do período de tributação, até ao limite de 15% das despesas com o pessoal escrituradas a titulo de remunerações, ordenados ou salários respeitantes ao período de tributação, os suportados com contratos de seguros de doença e de acidentes pessoais, bem como com contratos de seguros de vida, (...) a favor dos trabalhadores da empresa".

Mais dispondo o n.º 4 do mesmo normativo que:

“Aplica-se o disposto nos n.ºs 2 e 3 desde que se verifiquem, cumulativamente, as seguintes condições, à exceção das alíneas d) e e), quando se trate de seguros de doença, de acidentes pessoais ou de seguros de vida que garantam exclusivamente os riscos de morte ou invalidez:

a) Os benefícios devem ser estabelecidos para a generalidade dos trabalhadores permanentes da empresa ou no âmbito de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho para as classes profissionais onde os trabalhadores se inserem;

b) Os benefícios devem ser estabelecidos segundo um critério objetivo e idêntico para todos os trabalhadores ainda que não pertencentes à mesma classe profissional, salvo em cumprimento de instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho;

c) Sem prejuízo do disposto no n.º 6, a totalidade dos prémios e contribuições previstos nos n.ºs 2 e 3 deste artigo em conjunto com os rendimentos da categoria A isentos nos termos do n.º 1 do artigo 18.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais não devem exceder, anualmente, os limites naqueles estabelecidos ao caso aplicáveis, não sendo o excedente considerado gasto do período de tributação;(...)

f) A gestão e disposição das importâncias despendidas não pertençam à própria empresa, os contratos de seguros sejam celebrados com empresas de seguros que possuam sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território português, ou com empresas de seguros que estejam autorizadas a operar neste território em livre prestação de serviços, e os fundos de pensões ou equiparáveis sejam constituídos de acordo com a legislação nacional ou geridos por instituições de realização de planos de pensões profissionais às quais seja aplicável a Diretiva n.º 2003/41/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de junho, que estejam autorizadas a aceitar contribuições para planos de pensões de empresas situadas em território português;

g) Não sejam considerados rendimentos do trabalho dependente, nos termos da primeira parte do n.º 3) da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS.”

                A propósito desta matéria, escreveu-se no Acórdão do TCA-Sul de 14-02-2019, proferido no processo 74/01.7BTLRS, que:

“Sob a epígrafe “realizações de utilidade social” o legislador fiscal elencou no artº.38, do C.I.R.C. (actual artº.43) um conjunto de contribuições efectuadas pelas empresas, sociedades ou grupos económicos com o objectivo de beneficiar, indirecta e indiscriminadamente, os trabalhadores e, nalguns casos, também os seus familiares (pese embora a circunstância de haver sempre, pelo menos, indirectamente e de algum modo o benefício de familiares). Na redacção do respectivo preceito o legislador, através da consagração do regime de dedutibilidade ao lucro tributável, terá querido consagrar preocupações, de natureza extrafiscal, designadamente de melhoria da segurança social dos trabalhadores e familiares, igualmente ponderando a hipótese de haver trabalhadores sem direito a pensões da segurança social. A preocupação da lei é a de que tais encargos tenham como contrapartida exclusiva as regalias sociais que se visa promover, sentindo o legislador, igualmente, a necessidade de prevenir abusos, desde logo, no sentido de evitar a existência de remunerações ocultas, não tributadas em sede de I.R.S. As despesas consagradas neste preceito são as registadas na contabilidade da empresa - à data, conta 64 do Plano Oficial de Contabilidade (POC) - independentemente do seu tratamento em sede de segurança social ou de qualquer outro tributo. São também aceites como custo os encargos suportados pelas empresas com o pagamento de prémios de seguros de doença, acidentes pessoais, fundos de pensões e regimes complementares de segurança social, desde que deles aproveite a generalidade dos trabalhadores, ou somente determinadas classes profissionais, neste último caso se a existência de tais regalias decorrer de um instrumento de regulação colectiva do trabalho e a sua concessão obedeça a critérios objectivos e idênticos para todos os beneficiários.”

                Como se vê e resulta dos normativos atrás citados, apenas no caso de as realizações de utilidade social abrangerem a generalidade dos trabalhadores da empresa é que os correspondentes encargos são dedutíveis.

                No presente caso, estando um grupo de trabalhadores definitivamente arredado do acesso aos benefícios em questão, não se poderá dar como verificado tal requisito.

                Com efeito, a norma em causa não integra, unicamente, como pretende a Requerente, uma proibição de discriminação, mas consagra antes um requisito para a dedutibilidade do gasto, requisito esse que, no caso, não se julga ser de interpretar restritivamente.

                Deste modo, e pelo exposto, nada haverá a censurar à correção ora em apreço, que deverá ser mantida, improcedendo, por isso, nesta parte, o pedido arbitral.

 

*

d.

Por fim, cumpre apurar se é admissível a revisão, por erro na autoliquidação, das declarações modelo 22 de cada uma das sociedades dominadas pela Requerente, aceitando-se a consideração dos valores de SIFIDE II disponíveis para cada uma delas.

A este propósito sustenta a Requerente que, não obstante o pedido em apreço ter já sido solicitado por si no âmbito do pedido de Revisão Oficiosa n." 3……….., até à presente data, a ora Requerente não conhece a posição da AT quanto ao tema em apreço, pelo que, entende, só pode procurar que a questão em apreço seja devidamente dirimida na presente sede.

A Requerida aponta que, nos termos do art.º 131.º do CPPT, em caso de erro na autoliquidação, a impugnação será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa, no prazo de dois anos após a apresentação da declaração, pelo que tendo a autoliquidação do grupo sido entregue em 30-05-2014, tendo o sujeito passivo tido conhecimento do valor aceite pela Comissão Certificadora do SIFIDE em 2015 e sido a reclamação graciosa apresentada em 03-05-2018, verifica-se que claramente este prazo foi ultrapassado, sendo o pedido manifestamente intempestivo.

Também aqui não se poderá deixar de reconhecer razão à AT, sendo que o argumento da falta de conhecimento, até à data, da posição daquela Autoridade quanto à matéria ora em causa, não permite a postergação da utilização dos meios processuais próprios, no respetivo prazo, garantindo o ordenamento jurídico-processual vigente os meios necessários a assegurar a tutela jurisdicional efetiva.

                Assim, e por isso, deve também improceder o pedido arbitral nesta parte.

 

***

A Requerente formula, ainda, o pedido acessório de restituição do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

A este respeito, o artigo 43.º, n.º 1, da LGT estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

No caso, o erro que afeta a liquidação adicional parcialmente anulada é de considerar imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, que as realizou por sua própria iniciativa.

Tem, pois, direito a Requerente a ser reembolsada da quantia que pagou indevidamente (nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, do RJAT) por força do atos tributários parcialmente anulados e, ainda, a ser ressarcido do pagamento indevido através de juros indemnizatórios, desde a data do correspondente pagamento, até ao seu reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

A Requerente pede ainda a emissão de nova liquidação, o que não cabe na competência dos tribunais arbitrais.

 

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C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar parcialmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

a)            Declarar a inutilidade superveniente da lide, na parte objeto da anulação oficiosa pelo despacho da Subdiretora Geral do IR, de 5 de Novembro de 2019;

b)           Anular parcialmente o ato de liquidação adicional de IRC n.º 2017 ……… subsistente, relativo ao exercício de 2013, na parte relativa à correção respeitante à não aceitação de encargos da Requerente com internato médico, no montante de €1.083.235,63, assim como, na mesma parte, a decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ……….., que teve o referido ato de liquidação como objeto;

c)            Manter o remanescente dos referidos atos tributários, improcedendo, nessa parte, o pedido arbitral;

d)           Condenar a AT na restituição do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos acima indicados;

e)           Condenar as partes nas custas do processo, na proporção do respetivo decaimento, fixando-se o montante de € 44,00, a cargo da Requerente, e de € 8.830,00, a cargo da Requerida.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 596.070,85, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 8.874,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pelas partes, na proporção do respetivo decaimento, uma vez que o pedido foi parcialmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 21 de Maio de 2021

 

O Árbitro Presidente

(José Pedro Carvalho)

 

O Árbitro Vogal

(Sérgio Pontes)

 

O Árbitro Vogal

(Álvaro Caneira)