Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 222/2013-T
Data da decisão: 2014-02-13  ISP  
Valor do pedido: € 122.810,35
Tema: Estatuto jurídico autorizado; Irregularidades; Isenção
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Decisão Arbitral

CAAD - Arbitragem Tributária

 

Processo nº 222/2013 - T

Requerente – A…, Lda., NIPC: …

Requerida - Autoridade Tributária e Aduaneira

Tema - Imposto Sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos - ISP

Árbitros designados - Jorge Lino Ribeiro Alves de Sousa (presidente), António Correia Valente e Lina Ramalho

 

I - RELATÓRIO

  1. PARTES

 

A sociedade A…, Lda., doravante designada por “Requerente”, com sede na Rua …, sociedade comercial por quotas, com o número de pessoa colectiva …, impugnante no procedimento tributário acima e à margem referenciado, veio, invocando a alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante RJAT), requerer a constituição de tribunal arbitral, tendo em vista a apreciação da seguinte demanda que a opõe à Autoridade Tributária e Aduaneira, a seguir designada por “Requerida” ou “AT”.

 

  1. PEDIDO

1 - O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 17/09/2013 e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) na mesma data.

2 - A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do art.º 6.º e na alínea a) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou para árbitros do tribunal colectivo: Jorge Lino Ribeiro Alves de Sousa (presidente), António Correia Valente e Lina Ramalho que, dentro do prazo legal, comunicaram a aceitação do encargo.

3 - Em 31/10/2013 as Partes foram notificadas dessa designação, nos termos conjugados do disposto no art.º 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT, na redacção introduzida pelo art.º 228.º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro, e nos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD, não tendo as mesmas manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros.

4 - Nestas circunstâncias, em conformidade com o disposto na alínea c) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo art.º 228.º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi regularmente constituído em 15/11/2013.

5 - No dia 6 de Janeiro de 2014 realizou-se com as Partes a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, da qual foi lavrada acta que se encontra junta aos autos, tendo a Requerente declarado prescindir das testemunhas arroladas e preferir a apresentação de alegações escritas, ao que a Requerida declarou não se opor, em prazo sucessivo, tendo o Tribunal concedido o prazo sucessivo de 15 dias para as partes apresentarem as correspondentes alegações escritas.

6 - Nessa mesma data, a Requerente apresentou um requerimento visando a alteração do pedido arbitral no sentido de, a final, a decisão arbitral incluir a condenação da Requerida na restituição do ISP, entretanto pago, no montante de €122.810,35, acrescido dos juros legais que forem devidos.

7 - A Requerida declarou nada ter a opor ao requerimento de alteração do pedido arbitral, tendo o Tribunal determinado a junção aos autos do mencionado requerimento, disso ficando as partes devidamente notificadas.

8 - A Requerente pretende que o presente Tribunal Arbitral Colectivo:

  1. Declare a ilegalidade e consequente anulação do acto tributário de liquidação praticado pelo Director da Alfândega de …, na sequência de um processo de inspecção a que foi sujeita, iniciado em 22/01/2013 e com incidência temporal no período compreendido entre 01/01/2011 e 30/04/2013, liquidação que foi notificada à Requerente através do ofício n.º …, de 8 de Julho de 2013, relativa ao Processo de cobrança n.º CP - …/2013, e associada ao registo de liquidação nº 2013/… de 2013/07/08, respeitante à quantia de €122.810,35, cuja desagregação é a seguinte:
  • ISP: €121.319,45 (cento e vinte e um mil, trezentos e dezanove euros e quarenta e cinco cêntimos);
  • JC: € 1.489,10 (mil quatrocentos e oitenta e nove euros e dez cêntimos);
  • Impressos aduaneiros: €1,80 (um euro e oitenta cêntimos)
  1. Condene a AT na restituição do montante de € 122.810,35, correspondente à quantia liquidada e que, entretanto, em 23/12/2013, foi paga, conforme documento de Certificação do Pagamento junto aos autos;
  2. Condene a AT ao pagamento dos juros legais que forem devidos.

 

  1. CAUSA DE PEDIR

9 - A Requerente, na fundamentação do seu pedido de pronúncia arbitral, afirma, em resumo, o seguinte:

  1. Que é uma sociedade comercial por quotas, cujo objecto social consiste no “comércio, importação e exportação de produtos químicos industriais e na fabricação de produtos químicos auxiliares para uso industrial, sendo o seu CAE: 046750 - Comércio por grosso de produtos químicos”.
  2. Que os produtos, por si adquiridos, em suspensão de imposto, e utilizados, nomeadamente, como matéria-prima, sem que se tenha requerido previamente a isenção do ISP são os constantes do quadro seguinte:

Produtos

Código NC

White Spirit

2710 12 21 00

Hexano

2710 12 25 99

Isohexano

2710 12 25 99

C9 Tipo 1

2707 50 00 90

Tolueno

2902 30 00 00

Xileno

2902 44 00 00

  1. Que, para além de proceder à venda dos produtos que adquiria em suspensão de imposto aos seus clientes, titulares de Autorização de Isenção como utilizadores de matérias-primas sujeitas a ISP na produção, passou, desde o ano 2012, a produzir diluentes utilizando como matérias-primas esses produtos, sem que, então, tivesse solicitado o reconhecimento prévio da autoridade aduaneira competente.
  2. Que, em 22/01/2013, foi destinatária de uma acção inspectiva realizada pela AT (Divisão Operacional do … da Direção de Serviços Antifraude Aduaneira), no âmbito dos impostos sobre os produtos petrolíferos e energéticos, com incidência temporal no período compreendido entre 01/01/2011 e 30/04/2013.
  3. Que, no âmbito da referida inspecção, a AT, tendo procedido, nomeadamente, a entrevistas, varejo do armazém, análise à contabilidade, bem como ao cruzamento e análise de informação, concluiu que os produtos petrolíferos e energéticos adquiridos pela Requerente, não sendo utilizados em uso como carburante nem em uso como combustível, tiveram os seguintes destinos:
  • revenda dos produtos a clientes titulares de Autorização de Utilizador Isento;
  • utilização, pela Requerente, dos produtos em suspensão de ISP, como matéria-prima na produção de diluentes;
  • constituição de stocks dos mencionados produtos, em suspensão de ISP, para subsequente uso na produção de diluentes.
  1. Que, à data dos factos subjacentes ao acto tributário de liquidação em crise, detinha o estatuto de destinatário registado, que lhe fora atribuído em 10/02/2011, com o NIEC PT … e que, no decurso da aludida acção inspectiva, ou seja, em 15/05/2013, requereu à Alfândega de … o estatuto de depositário autorizado, tendo, em 03/07/2013, adquirido tal estatuto, com a identificação de operador PT …, tendo-lhe, nesse quadro, sido também reconhecida, pela aludida Estância Aduaneira, a isenção do imposto relativamente aos produtos inscritos no quadro abaixo referenciado, destinados a serem usados como matéria-prima, na produção/fabrico de diluentes:

Produtos

Código NC

Hexano

2901 10 00 00

Tolueno

2902 30 00 00

Xileno

2902 44 00 00

Mistura Hidrocarbonetos Aromáticos C9 Tipo 1

2707 50 00 90

White Spirit

2710 12 21 19

  1. Que as irregularidades verificadas, segundo considera a própria AT (Equipa Inspectiva/Alfândega de …), tipificadas como contra - ordenações aduaneiras, foram as seguintes:
  • utilização de produtos sujeitos a ISP, como matérias-primas, sem autorização prévia para o efeito;
  • detenção de produtos sujeitos a ISP em suspensão de imposto, sem estatuto fiscal adequado, que no caso, seria o de depositário autorizado;
  • não cumprimento das formalidades de introdução no consumo, no âmbito do estatuto de destinatário registado.
  1. Que não concorda com a aplicação da taxa da gasolina sem chumbo, com base no disposto na alínea a) do nº 7 do art.º 92.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC), aos produtos referenciados na alínea b) do nº 9 supra, utilizados, nomeadamente como matéria-prima, quer porque a mencionada norma não contemplava ao tempo dos factos, nem contempla, actualmente, os produtos classificados pelos códigos NC 2710 12 21 00 (white spirit) e 2710 12 25 99 (hexano e isohexano), quer porque os produtos em causa estão isentos, nos termos da alínea a) do nº 1 do art.º 89.º do CIEC, sempre que forem usados para outros fins que não sejam em uso como carburante ou em uso como combustível.
  2. Que a tributação dos referidos produtos com a taxa da gasolina sem chumbo está condicionada à sua comprovada utilização como carburante, dado que a sua utilização normal é como matéria - prima.
  3. Que a AT, na fundamentação do acto de liquidação em crise, invoca o disposto na alínea a) do nº 7 do art.º 92.º do CIEC, competindo-lhe, assim, fazer a prova de que os produtos em questão tiveram uso carburante ou uso combustível, o que não foi feito.
  4. Que o acto de liquidação em causa enferma de ilegalidade, por erro e falta de fundamentação, de facto e de direito, pelo que deve ser anulado ao abrigo do art.º 99.º, alíneas a) e c) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
  5. Que foi notificada, pela Alfândega de …, do processo de cobrança n.º CP-…/2013, com referência à liquidação n.º 2013/…, de 8 de Julho de 2013, no montante de € 122.810,35.
  6. Que não chegou a prestar qualquer garantia suspensiva, tendo optado por proceder ao pagamento das quantias liquidadas.

 

  1. RESPOSTA DA REQUERIDA

10 - A Requerida procedeu, em 17/12/2013, à junção do Processo Administrativo Tributário e apresentou resposta, na qual afirma, em suma, o seguinte:

  1. Que em 22/01/2013 foi iniciada uma acção inspectiva à Requerente, cuja data de fim se situou em 28/06/2013, destinada à verificação do cumprimento das formalidades aduaneiras inerentes ao estatuto de destinatário registado de que a mesma era titular.
  2. Que no quadro do mencionado procedimento inspectivo constatou-se que os produtos que a Requerente adquirira em regime de suspensão de imposto, à luz do seu estatuto de destinatário registado, foram destinados a três distintos fins, designadamente:
  • revenda a titulares de Autorização de utilizadores isentos;
  • utilização dos produtos como matéria-prima na produção de diluentes;
  • constituição de stocks.
  1. Que o estatuto de destinatário registado, de harmonia com o disposto no nº 1 do art.º 28.º do CIEC, não confere à Requerente a possibilidade de deter ou expedir produtos sujeitos a ISP em regime de suspensão de imposto, devendo o destinatário registado, no termo da circulação de tais produtos, face ao estabelecido na alínea b) do nº 3 do citado artigo, cumprir as formalidades inerentes à sua introdução no consumo em território nacional.
  2. Que a Requerente mantinha, por um lado, stoks dos produtos sujeitos a impostos sobre os produtos petrolíferos que adquirira em suspensão de imposto, sem que os tivesse prévia e regularmente introduzido no consumo, e que, por outro lado, procedeu à utilização de tais produtos, como matéria-prima, na produção de diluentes, sem que previamente tivesse também procedido à sua introdução no consumo, conforme determinam as disposições conjugadas da alínea a), do nº 2 do art.º 9º e o nº 1 do art.º 10º do CIEC.
  3. Que a Requerente, à data dos factos, não tinha estatuto fiscal que lhe permitisse deter matérias-primas sujeitas a ISP, em suspensão de imposto, e utilizá-las na produção de outros produtos, nem podia ver deferido um eventual pedido de reconhecimento de benefício fiscal, visto não deter o necessário estatuto para o efeito, ou seja, o estatuto de depositário autorizado, não dispondo, consequentemente, das condições legais exigidas no nº 7 do art.º 89.º do CIEC para beneficiar das isenções aí previstas.
  4. Que a introdução irregular no consumo dos produtos sujeitos a ISP, detidos pela Requerente, e a consequente constituição da dívida, não estão dependentes da utilização dos referidos produtos como carburante, combustível ou qualquer outro fim, bastando, para efeitos da constituição da dívida a saída do regime de suspensão de imposto, como aconteceu no presente caso, não estando, pois, em causa o desvio do fim de tais produtos.
  5. Que são devidos juros compensatórios, na medida em que o retardamento da liquidação da totalidade do imposto devido é imputável à actuação da Requerente, quer porque manteve produtos sujeitos a imposto em stock sem a respectiva regularização do imposto, quer porque utilizou produtos de igual natureza para incorporar no fabrico de outros fora do regime de suspensão, sem ter o reconhecimento da isenção.
  6. Que o acto tributário de liquidação de ISP, cuja anulação a Requerente preconiza, deve manter-se na ordem jurídica, porquanto é inteiramente legal, face ao direito aplicável.

 

  1. QUESTÕES DECIDENDAS

11 - Cumpre, pois, apreciar e decidir.

12 - Face ao exposto nos números anteriores, relativamente às posições das Partes e aos argumentos apresentados, a principal questão a decidir é a seguinte:

  • A (i)legalidade material do acto de liquidação praticado pelo Director da Alfândega de …, respeitante à quantia de €122.810,35, tal como alega a Requerente, tendo, particularmente, em conta:
  1. a utilização irregular dos produtos adquiridos, em suspensão de imposto, pela Requerente, decorrente da não detenção do estatuto de depositário autorizado, e da não obtenção de reconhecimento prévio da autoridade aduaneira competente; e,
  2. o regime de tributação dos produtos petrolíferos e energéticos aplicável aos produtos adquiridos, em suspensão de imposto, pela Requerente, e por si utilizados.

 

  1. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

13 - O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 1.º do RJAT.

14 - As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. art.º 4.º e n.º 2 do art.º 10.º do RJAT e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de Março).

15 - O processo não enferma de vícios que o invalidem.

16 - Tendo em conta o processo administrativo tributário e a prova documental junta aos autos, cumpre agora apresentar a matéria factual relevante para a compreensão e sustentação da decisão, que se fixa nos seguintes termos.

 

  1. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

 

  1. Factos provados

17 - Em matéria de facto relevante, dá o presente tribunal por assentes os seguintes factos:

  1. A Requerente é uma sociedade comercial por quotas, cujo objecto social consiste no “comércio, importação e exportação de produtos químicos industriais e na fabricação de produtos químicos auxiliares para uso industrial, sendo o seu CAE: 046750 - Comércio por grosso de produtos químicos”.
  2. À data dos factos subjacentes ao acto tributário de liquidação em crise, a Requerente detinha o estatuto de destinatário registado, que lhe fora atribuído em 10/02/2011, com o NIEC PT ….
  3. No decurso da aludida acção inspectiva, mais propriamente, em 15/05/2013, a Requerente solicitou à Alfândega de … o estatuto de depositário autorizado, estatuto que, em 03/07/2013, lhe foi atribui, com a identificação de operador PT …, tendo-lhe, nesse quadro, sido também reconhecida, pela aludida Estância Aduaneira, a isenção do imposto relativamente aos produtos objecto do seu pedido.
  4. Os produtos objecto do referido pedido, destinados a serem usados como matéria-prima, na produção/fabrico de diluentes, para os quais a aludida Estância Aduaneira reconheceu a isenção do imposto são os constantes do quadro abaixo:

Produtos

Código NC

Hexano

2901 10 00 00

Tolueno

2902 30 00 00

Xileno

2902 44 00 00

Mistura Hidrocarbonetos Aromáticos C9 Tipo 1

2707 50 00 90

White Spirit

2710 12 21 19

  1. Os produtos adquiridos pela Requerente, em suspensão de imposto, e utilizados, nomeadamente, como matéria-prima na produção de diluentes, sem que se tivesse requerido previamente a isenção do ISP, foram os constantes do quadro seguinte:

Produtos

Código NC

White Spirit

2710 12 21 00

Hexano

2710 12 25 99

Isohexano

2710 12 25 99

C9 Tipo 1

2707 50 00 90

Tolueno

2902 30 00 00

Xileno

2902 44 00 00

  1. Em 22/01/2013 foi, no âmbito dos impostos sobre os produtos petrolíferos e energéticos, iniciada uma acção inspectiva à Requerente, concluída em 28/06/2013, destinada à verificação do cumprimento das formalidades aduaneiras inerentes ao estatuto de destinatário registado de que a mesma era titular, com incidência temporal no período compreendido entre 01/01/2011 e 30/04/2013.
  2. No âmbito da referida inspecção, a AT concluiu que os produtos petrolíferos e energéticos adquiridos pela Requerente, em suspensão de imposto, tiveram os seguintes destinos:
  • revenda a clientes titulares de Autorização de Utilizador Isento;
  • utilização, pela Requerente, dos produtos em suspensão de ISP, como matéria-prima na produção de diluentes;
  • constituição de stocks dos mencionados produtos, em suspensão de ISP, para subsequente uso na produção de diluentes.
  1. A AT (Equipa Inspectiva/Alfândega de …) considera que as irregularidades verificadas, no quadro da acção inspectiva em causa, tipificadas como contra-ordenações aduaneiras, foram as seguintes:
  • utilização de produtos sujeitos a ISP, como matérias-primas, sem autorização prévia para o efeito;
  • detenção de produtos sujeitos a ISP em suspensão de imposto, sem estatuto fiscal adequado, que, no caso, seria o de depositário autorizado;
  • não cumprimento das formalidades de introdução no consumo, no âmbito do estatuto de destinatário registado.
  1. A Requerente, à data dos factos, detinha o estatuto de destinatário registado, nos termos do disposto no nº 1 do art.º 28.º do CIEC, o que não lhe permitia a detenção ou expedição de produtos sujeitos a ISP, em regime de suspensão de imposto.
  2. A Requerente, no termo da circulação de tais produtos, não procedeu, tal como se estabelece na alínea b) do nº 3 do citado artigo, ao cumprimento das formalidades inerentes à sua introdução no consumo em território nacional.
  3. A AT, dado que a Requerente não procedeu às declarações de introdução no consumo dos produtos, em conformidade com o disposto no art.º 10.º do CIEC, entendeu que se tornara exigível o valor do ISP, face ao estabelecido no art.º 8º do referido Código e que a taxa do referido imposto era, nos termos da alínea a), do nº 7 do art.º 92.º do CIEC, a aplicável à gasolina sem chumbo, fixada em € 518,95/1000 litros pela Portaria nº 16 - C/2008, de 09/01, tendo, nesses termos, procedido à liquidação do imposto.
  4. A Requerente foi notificada, pela Alfândega de …, do processo de cobrança n.º CP-…/2013, com referência à liquidação n.º 2013/…, de 8 de Julho de 2013, no montante de € 122.810,35.
  5. A Requerente não chegou a prestar qualquer garantia suspensiva, tendo optado por proceder ao pagamento das quantias liquidadas.

ii)    Fundamentação dos factos provados

18 - Os factos foram dados como provados com base nos documentos que as Partes juntaram ao processo, dado os mesmos documentos se apresentarem adequados à realidade e na medida em que a sua falsidade não foi suscitada pela outra parte.

iii)   Factos não provados

19 - Não existem factos dados como não provados, uma vez que foram provados todos os factos tidos como relevantes para a apreciação do pedido.

 

  1. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

20 - O pedido objecto do presente processo consiste na declaração de ilegalidade e consequente anulação do acto tributário de liquidação, relativo, quer ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos respeitante aos produtos adquiridos pela Requerente em suspensão de imposto, quer aos juros compensatórios correspondentes e ao custo de um impresso aduaneiro; bem como na consequente restituição do montante de € 122.810,35, correspondente à quantia liquidada e que, em 23/12/2013, foi paga, conforme documento de Certificação do Pagamento junto aos autos, e ainda ao pagamento dos juros indemnizatórios legais devidos.

21 - A matéria de facto está fixada, tal como consta do nº 17 supra, importando, agora, determinar o Direito aplicável aos factos subjacentes, de acordo com as questões decidendas identificadas no nº 12 supra, sendo certo que a questão central em causa nos presentes autos, relativamente à qual existem entendimentos absolutamente opostos entre a Requerente e a AT, consiste em saber quais as consequências jurídicas da utilização irregular dos produtos e qual o regime de tributação que deve ser aplicado a tais produtos.

Tudo visto, e tendo em conta, por um lado, as posições das partes em confronto, mencionadas e decorrentes dos pontos 9 e 10 supra, e considerando, por outro lado, que as questões centrais a decidir são as que atrás se deixam mencionadas, cumpre, neste quadro, apreciar e proferir decisão.

i)     Consequências da utilização irregular dos produtos no âmbito do estatuto de destinatário registado

22 - Já se referiu que a Requerente, à data dos factos, era titular do estatuto de destinatário registado. O mencionado estatuto, em conformidade com o disposto no nº 1 do art.º 28.º do CIEC, autoriza o seu detentor a receber produtos sujeitos a impostos especiais de consumo que circulem em regime de suspensão de imposto, devendo, face ao estabelecido na alínea b) do nº 3 do referido artigo, no termo da circulação proceder-se ao cumprimento das formalidades aplicáveis à sua introdução no consumo em território nacional.

A Requerente, enquanto titular do estatuto de destinatário registado, adquiriu no espaço comunitário, em regime de suspensão de imposto, os produtos referenciados no quadro abaixo indicado:

Produtos

Código NC

White Spirit

2710 12 21 00

Hexano

2710 12 25 99

Isohexano

2710 12 25 99

C9 Tipo 1

2707 50 00 90

Tolueno

2902 30 00 00

Xileno

2902 44 00 00

Os referidos produtos, qualificados como produtos petrolíferos e energéticos, nos termos do disposto na alínea a) do nº 1 do art.º 88.º do CIEC e na alínea b) do nº 2 do mesmo artigo, não tiveram, por parte da Requerente, uma utilização em uso carburante ou em uso combustível, tendo sido, consequentemente, utilizados para outros fins, como decorre do estabelecido na alínea a) do art.º 89.º do CIEC, fins que se inscrevem e designam por uso como matéria-prima, em conformidade com o referido no nº 14º da Portaria nº 117-A/2008, de 8 de Fevereiro.

23 - Os produtos em questão, estando, embora, sujeitos à incidência do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, nos termos do disposto no nº 2 do art.º 88.º do CIEC, são, todavia, isentos, face ao disposto na alínea a) do nº 1 do art.º 89.º do referido Código, quando forem utilizados, comprovadamente, para outros fins que não sejam em uso carburante ou em uso combustível.

A mencionada isenção depende da verificação de um pressuposto e está associada a duas condições.

Quanto ao pressuposto, que enquadra o real e profundo sentido da isenção estabelecida na alínea a) do nº 1 do art.º 89.º do CIEC, qual seja o de incentivar e estimular a actividade industrial, nomeadamente a de pendor químico, dir-se-á que o mesmo ao visar que os produtos petrolíferos e energéticos sejam utilizados em outros fins, que não o uso carburante ou uso combustível, assume uma essencialidade absoluta e incontornável, ou seja, trata-se de um pressuposto de verificação indispensável para que a isenção se concretize.

Por outro lado, as referidas condições, ao contrário do carácter objectivo do aludido pressuposto, têm um pendor de carácter subjectivo. Com efeito, a isenção em causa, salvo se os produtos por ela visados forem utilizados na navegação aérea, com excepção da aviação de recreio privada; ou estiverem contidos nos reservatórios normais e nos contentores especiais dos veículos automóveis procedentes de outros Estados membros, depende, desde logo, como previsto nº 2 do art.º 89.º do CIEC, de reconhecimento prévio da autoridade aduaneira competente.

Trata-se de um reconhecimento que, reportando-se à isenção dos produtos, não pode deixar de ter em conta o estatuto do adquirente desses produtos e as suas condições legais para a respectiva utilização. Assim, tal reconhecimento terá de assumir-se como um “post”, face a um “ante” condicional, traduzido no estatuto fiscal do adquirente dos produtos, que será o de depositário autorizado, enquanto pessoa singular ou colectiva que, face ao disposto no nº 1 do art.º 22.º do CIEC, foi autorizada pela autoridade aduaneira, no exercício da sua profissão, a produzir, transformar, deter, receber e expedir, […], produtos sujeitos a impostos especiais de consumo em regime de suspensão do imposto.

24 - As mencionadas condições são, em larga medida, destinadas a facilitar a fiscalização e assegurar o eficiente controlo da utilização dos produtos isentos, inscrevendo-se, assim, no naipe de instrumentos orientados para a prevenção da fraude fiscal-aduaneira, ao dispor da Autoridade Tributária e Aduaneira. As referidas condições tem subjacentes especiais preocupações no sentido de evitar que os produtos petrolíferos e energéticos objecto de isenção sejam, afinal, encaminhados para finalidades diversas daquelas que as sustentam, ou seja, o que se visa é garantir que a utilização dos produtos se concretize em uso como matéria-prima e não em uso carburante ou em uso combustível, porque, se assim for, será, então, devido o respectivo imposto, de acordo com as taxas correspondentes, que, no caso dos autos, seriam as aplicáveis à gasolina sem chumbo.

25 - A intenção legislativa subjacente às normas relativas às mencionadas condições é assim, em suma, a de assegurar uma eficiente fiscalização da utilização dos produtos utilizados em suspensão de imposto, evitando um aproveitamento individualmente abusivo e privilegiado do benefício fiscal, à margem das profundas razões e finalidades de interesse económico-social que se encontram por trás desse mesmo benefício.

A propósito da primeira condição referida, ou seja, a respeitante ao reconhecimento prévio da autoridade aduaneira competente, para efeitos da isenção prevista na alínea a) do nº 1 do art.º 89.º do CIEC, cabe lembrar o disposto no art.º 5.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), referente aos benefícios fiscais automáticos e dependentes de reconhecimento, quando estabelece no seu nº 2 queO reconhecimento dos benefícios fiscais pode ter lugar por acto administrativo ou por acordo entre a Administração e os interessados, tendo, em ambos os casos, efeito meramente declarativo, salvo quando a lei dispuser em contrário.” (sublinhado nosso)

Ora, o disposto no nº 2 do mencionado art.º 89.º, referente ao reconhecimento da autoridade aduaneira competente, não dispõe em termos contrários ao aludido efeito meramente declarativo desse reconhecimento, pelo que, no caso dos autos, o referido reconhecimento tem efeitos meramente declarativos. Por outro lado, dispõe o art.º 12.º do EBF relativo à constituição do direito aos benefícios fiscais que “O direito aos benefícios fiscais deve reportar-se à data da verificação dos respectivos pressupostos, ainda que esteja dependente de reconhecimento declarativo pela administração fiscal ou de acordo entre esta e a pessoa beneficiada, salvo quando a lei dispuser de outro modo.” (sublinhado nosso)

Assim, porque também aqui a lei não dispõe de outro modo, o benefício fiscal em causa, neste caso a isenção prevista na alínea a) do nº 1 do art.º 89.º do CIEC, nasce no momento em que se verifiquem os respectivos pressupostos, os quais se concretizam na utilização para outros fins dos produtos petrolíferos e energéticos, que não sejam em uso como carburante ou em uso como combustível, reportando-se os efeitos do acto de reconhecimento, face ao disposto no atrás citado art.º 12.º, a essa mesma data.

26 - Resulta do disposto no mencionado art.º 12.º do EBF que o acto administrativo de reconhecimento ocorre em momento posterior ao acto constitutivo da isenção, ou pelo menos, o mesmo, compreende tal possibilidade.

No caso dos autos, temos, por um lado, face à documentação junta aos autos, o reconhecimento por despacho de 21/05/2013, proferido pelo Director da Alfândega de …, da isenção de ISP para os produtos adquiridos pela Requerente destinados a utilização como matéria-prima e, por outro lado, a referência de que tais produtos são idênticos aos que a Requerente utilizou, igualmente como matéria-prima, no período compreendido entre 01/01/2011 e 30/04/2013.

Quanto ao aludido reconhecimento, cabe notar o que refere Nuno Sá Gomes, in Teoria Geral dos Benefícios Fiscais, Ciência e Técnica Fiscal, Out-Dez 1990 - nºs 360, p. 84, quando considera que o “[…] reconhecimento, quer por acto administrativo da Administração Fiscal, quer por contrato fiscal, é sempre praticado no exercício de poderes vinculados - e não discricionários, daí decorrendo, necessariamente, que o reconhecimento, tem natureza declarativa e não constitutiva do direito ao benefício fiscal respectivo, pelo que o nascimento desse direito deve reportar-se sempre ao momento da verificação histórica dos respectivos pressupostos legais e não ao momento da prática do próprio reconhecimento […].”

Como já atrás se assinalou, não só a verificação dos mencionados pressupostos está indicada no relatório da inspecção realizada pela Divisão Operacional do … da Direção de Serviços Antifraude Aduaneira, mas também a data em que tal aconteceu aí está referenciada, como tendo ocorrido no período compreendido entre 01/01/2011 e 30/04/2013. As referidas datas, nomeadamente a primeira delas, que se reporta ao momento do primeiro recebimento dos produtos pela Requerente, era, consequentemente conhecida da AT.

Por esta via, o reconhecimento da isenção solicitada à Alfândega de … ainda no decurso da aludida inspecção, embora não tendo, per se, ou seja, independentemente de qualquer outra influência, efeitos retroactivos, pois não é disso que se trata, não deixará, face ao estabelecido no mencionado art.º 12.º do EBF, de produzir efeitos reportados à data da verificação dos respectivos pressupostos.

Nestas circunstâncias, as condições em referência não relevam para efeitos da constituição do direito à isenção, inserindo-se num quadro de condicionantes que, embora essenciais, se inscrevem no domínio procedimental que se mostra exterior e circundante ao facto constitutivo do benefício fiscal, corporizado na verificação dos pressupostos, sem com ele interferir.

Por outro lado, e face ao que já se referiu, há uma similitude entre essas condições e as formalidades essenciais que se degradam, porém, em formalidades não essenciais quando, as finalidades que visam assegurar, afinal se mostram alcançadas. A esta matéria se referem, nomeadamente, os Acórdãos do STA de 13/01/2011, de 19/04/2012 e de 11/03/2003, processos nºs 01121/09, 0852/11 e 035966, respectivamente, disponíveis em www.dgsi.pt, onde tais formalidades essenciais se consideram degradadas em formalidades não essenciais, sempre que as finalidades por elas visadas forem, afinal, alcançadas, o que, substancialmente também ocorreu com as referidas condições que, não sendo embora observadas, não impediram que os objectivos por elas visados fossem, afinal, plenamente prosseguidos e concretizados.

No caso dos autos, com efeito, a Requerente, à data dos factos, não assegurava a observação das duas mencionadas condições, ou seja, não detinha o reconhecimento prévio da autoridade aduaneira nem o estatuto de depositário autorizado, o que veio, aliás, a solicitar ainda no decurso da acção inspectiva, ou seja, em 15/05/2013 e lhe foi concedido, respectivamente, em 21/05/2013 e 03/07/2013, para produtos idênticos, e classificados pelos mesmos códigos da nomenclatura pautal, aos que adquirira em suspensão de imposto e utilizara irregularmente. Todavia, se é certo que assim foi quanto às aludidas condições, não é menos certo que a sua preterição não impediu que as finalidades e objectivos por elas visados fossem plenamente satisfeitos.

Na verdade, no caso dos autos, dúvidas não há de que os produtos adquiridos em suspensão de imposto pela Requerente não foram utilizados em uso carburante ou em uso combustível, bem pelo contrário, como explicitamente considera a AT, os produtos petrolíferos e energéticos em questão foram utilizados para os outros fins a que alude a alínea a) do nº 1 do art.º 89.º do CIEC, ou seja, para utilização, como matéria-prima, na produção de diluentes e para a constituição de stocks destinados a suportar a mencionada produção.

Assim, tivessem as condições em causa sido preenchidas, e a utilização dos produtos petrolíferos e energéticos adquiridos pela Requerente não teria sido outra, senão aquela que efectivamente lhe foi dada, o que significa que as finalidades visadas por tais condições se mostram, sem dúvida e afinal, no caso dos autos, concretamente asseguradas.

As irregularidades alegadas pela AT no quadro da acção inspectiva, não têm a virtualidade de convolar a utilização dos produtos para outros fins em utilização em uso carburante e em uso combustível, nem de reactivar as normas de incidência objectiva constantes do art.º 88.º do CIEC, e extinguir a isenção que se constituiu nos termos referidos, pelo que as consequências jurídicas das alegadas irregularidades, ou seja, da utilização dos produtos adquiridos, em suspensão de imposto, pela Requerente, sem deter o estatuto de depositário autorizado, nem ter obtido reconhecimento prévio da autoridade aduaneira competente, não se situam relevantemente, no caso dos autos, ao nível estritamente fiscal.

Assim, a resposta à questão decidenda, identificada no ponto 12 - a), supra, é a de que as irregularidades atribuídas ao comportamento da Requerente, nas circunstâncias expostas, não têm consequências relevantes no estrito domínio fiscal, não bulindo, consequentemente, com a constituição do direito à isenção.

  1. Regime de tributação aplicável aos produtos adquiridos pela requerente

27 - Quanto à segunda questão decidenda, mencionada no ponto 12 - b), supra, ou seja, a de saber qual a tributação a aplicar aos produtos adquiridos, em suspensão de imposto, pela Requerente, e por si utilizados, deve notar-se, antes de mais, que os referidos produtos adquiridos pela Requerente, enquanto detentora do estatuto de destinatário registado, e utilizados, nomeadamente, no fabrico de diluentes e na sua detenção em stock para suportar tal produção, são, face ao disposto nas alíneas a) e b) do nº 1 do art.º 9.º do CIEC, legalmente considerados como tendo saído irregularmente do regime de suspensão em que se encontravam, e que tal saída é considerada introdução em consumo, reportando-se o momento da introdução no consumo, em conformidade com o disposto na alínea a) do nº 2 do art.º 9.º do CIEC, ao momento da recepção dos produtos pelo destinatário autorizado, a agora Requerente.

Assim, não se contesta o entendimento da AT de que basta a detenção fora do regime de suspensão do imposto, dos produtos sujeitos a ISP, sem que tenha sido cobrado o imposto devido, para que se considere verificada a respectiva introdução no consumo. É, com efeito, o que, como atrás se assinalou, resulta, directamente, do disposto no nº 1 do art.º 7.º, nos nºs 1 e 2 do art.º 8.º e nas alíneas a) e b) do nº 1 do art.º 9.º, todos do CIEC.

No caso, porém, porque está em causa apreciar a (i)legalidade material do acto tributário de liquidação na quantia de € 122.810,35, a questão essencial consiste em saber em que termos deverá ser efectuada a liquidação do correspondente imposto, o que significa que a vexata quaestio não é a da introdução em consumo dos produtos, mas sim a de saber qual, afinal, a taxa de ISP a aplicar aos produtos petrolíferos e energéticos em causa, tendo em consideração que a efectiva finalidade de tais produtos, sem qualquer margem de dúvida, se concretizou, de harmonia com o legalmente previsto, na utilização dos produtos para outros fins que não sejam o uso como carburante ou o uso como combustível.

28 - Dispõe a alínea a) do nº 1 do art.º 89º do CIEC o seguinte: “1 - Estão isentos do imposto os produtos petrolíferos e energéticos que, comprovadamente:

a) Sejam utilizados para outros fins que não sejam em uso como carburante ou em uso como combustível, salvo no que se refere aos óleos lubrificantes classificados pelos códigos NC 2710 19 81 a 2710 19 99.” (negrito e sublinhado nossos)

Por outro lado, a propósito das taxas do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, dispõe o nº 7 e a sua alínea a), do art.º 92.º do CIEC que: “7 - Sem prejuízo das isenções previstas no presente diploma, os produtos petrolíferos e energéticos sujeitos a imposto que não constam dos números anteriores, quando utilizados em uso carburante ou em uso combustível, são tributados com as seguintes taxas:

a) Com a taxa aplicável à gasolina sem chumbo, os produtos petrolíferos e energéticos classificados pelos códigos NC 2707 10 10, 2707 20 10, 2707 30 10, 2707 50 10, 2710 11 21 a 2710 11 31, 2901 10 00 a 2901 24 90, ex 2901 29 00, 2902 11 00, ex 2902 19 80, 2902 20 00 a 2902 44 00, 3811 11 10 e 3811 11 90.” (negrito e sublinhado nossos)

Note-se, entretanto, que, face ao Regulamento (UE) N.º 1006/2011 da Comissão de 27 de Setembro de 2011, que alterou o anexo I do Regulamento (CEE) Nº 2658/87 do Conselho, relativo à nomenclatura pautal e estatística e à pauta aduaneira comum, entrado em vigor em 1 de Janeiro de 2012, os produtos petrolíferos e energéticos adquiridos pela Requerente estão compreendidos na alínea a) atrás referenciada.

Os produtos petrolíferos e energéticos adquiridos pela Requerente, ou foram utilizados para outros fins, nomeadamente como matéria-prima, ou foram utilizados em uso como carburante ou em uso como combustível, sendo certo que, face ao legalmente estabelecido, se tiveram uso como carburante ou uso como combustível são tributados com a taxa específica aplicável à gasolina sem chumbo, que de harmonia com o nº 1 da Portaria nº 16-C/2008, de 9 de Janeiro, era, tal como a AT considerou na liquidação efectuada, de € 518,95 por 1000 l, se, pelo contrário, tiveram, comprovadamente, uso para outros fins estão legalmente isentos.

No caso dos autos, face aos factos inscritos no probatório, dúvidas não restam de que os produtos em questão não foram utilizados nem em uso carburante, nem em uso combustível, mas sim em outros fins, como matéria-prima, pelo que a tributação considerada pela AT e a liquidação a essa luz efectuada não encontram suporte nas disposições legais em vigor.

Os mencionados produtos têm no uso carburante e uso combustível a pedra-de-toque da sua tributação, o que significa que, ou tal utilização se verifica e há lugar à aplicação da referida taxa específica, que no caso dos autos é a legalmente prevista para a gasolina sem chumbo, ou a utilização dos produtos foi concretizada em outros fins e tais produtos estão isentos.

Como já se referiu, a saída irregular dos produtos do regime de suspensão de imposto em que se encontrem é legalmente considerada como introdução no consumo, com a consequente liquidação do imposto que se mostre devido, liquidação que, face à ausência de base legal que permita aplicar a tais produtos a taxa do imposto sobre os produtos petrolíferos e energético aplicável à gasolina sem chumbo, deverá ser presidida pela isenção de que os produtos beneficiam, tendo em conta a utilização que efectivamente tiveram.

Assim, a isenção em causa não devia ter deixado de ser considerada para efeitos da liquidação do ISP, aquando da introdução em consumo dos aludidos produtos e, menos ainda, deveria ter sido considerada, para esse mesmo efeito, a taxa aplicável à gasolina sem chumbo, fixada em € 518,95/1000 litros, pela razão simples de que, para tanto, não havia qualquer base legal.

A propósito das taxas do imposto, cabe lembrar que as mesmas, no dizer de J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA, ANOTADA, VOLUME I, 4ª Edição, 2007, Coimbra Editora, p. 1091, respeitam, tal como a incidência, aos elementos intrusivos ou agressivos do imposto, estando sujeitas à reserva de lei, na medida em que, nos termos do disposto na alínea i) do nº 1 do art.º 165º da CRP, integram as competências relativamente reservadas da AR, não sendo tolerada a analogia em matéria de taxas. Sobre o assunto, cabe, igualmente, notar o entendimento de Nuno Sá Gomes, in Lições de Direito Fiscal, Ciência e Técnica Fiscal, Julho-Setembro 1984 - nºs 307/309, p. 50, quando refere que “[…] na norma tributária (verifica-se) o fenómeno da tipicidade fechada ou taxativa (elevado grau de determinação conceitual ou de fixação do conteúdo) […] que se opõe […] à integração analógica.”

Assim sendo, cabe ainda salientar, que a não se aplicar aos produtos em causa a isenção prevista na alínea a) do art.º 89.º do CIEC, ficaríamos perante uma situação caracterizada pela ausência de normas de tributação aplicáveis aos ditos produtos petrolíferos e energéticos, posto que, não se lhes podendo aplicar a taxa da gasolina sem chumbo, como bastas vezes já se referiu, face à sua não utilização em uso carburante ou em uso combustível, outra taxa de ISP não está prevista para tributar tais produtos nas circunstâncias em questão, nem poderia estar, uma vez que o CIEC não prevê a incidência de ISP para produtos petrolíferos e energéticos utlizados como matéria-prima, o que nos colocaria perante um paradoxo legal de natureza insanável, que não pode corresponder ao pensamento legislativo.

 

  1. REEMBOLSO DO MONTANTE TOTAL PAGO E JUROS INDEMNIZATÓRIOS

29 - Nos termos do disposto na alínea b) do nº 1 do art.º 24.º do RJAT, e em conformidade com o que aí se estabelece, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a AT a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta - nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários - Restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito.” (sublinhado nosso)

Trata-se de comandos legais que se encontram em total sintonia com o disposto no art.º 100.º da Lei Geral Tributária (LGT), aplicável ao caso por força do disposto na alínea a) do nº 1 do art.º 29.º do RJAT, no qual se estabelece que “A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.” (sublinhado nosso)

O caso constante nos presentes autos, suscita a manifesta aplicação das mencionadas normas, posto que na sequência da ilegalidade dos actos de liquidação, referenciados neste processo, terá, por força dessas normas, de haver lugar ao reembolso dos montantes pagos, seja a título do imposto pago, seja dos correspondentes juros compensatórios, e ainda os juros indemnizatórios devidos, como forma de se alcançar a reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade.

Quanto aos juros indemnizatórios, afigura-se manifesto que, face ao estabelecido no artigo 61.º do CPPT e preenchidos que estão os requisitos do direito a juros indemnizatórios, ou seja, verificada a existência de erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, tal como previsto no nº 1 do art.º 43.º da LGT, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios à taxa legal, calculados sobre o montante de € 122.810,35, que serão contados desde 23/12/2013, até ao integral reembolso dessa mesma quantia.

 

II - CONCLUSÕES

30 - No quadro circunstancial que se tem vindo a referir, a AT, ao proceder à liquidação de ISP, relativamente à introdução no consumo dos produtos em causa neste processo, porque entendeu, face, designadamente, ao disposto na alínea a) do nº 1 do art.º 9.º, no nº 2 do art.º 8.º e na alínea a) do nº 7 do art.º 92.º, todos do CIEC, que os referidos produtos ao saírem irregularmente do regime de suspensão de imposto em que se encontravam e serem introduzidos no consumo, têm necessariamente de ser objecto de liquidação em ISP à luz da taxa aplicável à gasolina sem chumbo, apesar de os mesmos terem, comprovadamente, sido utilizados em outros fins, fez uma errada interpretação e aplicação da lei, cometendo um erro sobre os pressupostos de direito, o que constitui violação de lei.

31 - Por outro lado, quando considera que os produtos petrolíferos e energéticos adquiridos pela Requerente, em suspensão de imposto, foram utilizados em uso carburante ou em uso combustível, quando, na realidade, tais produtos foram, real e comprovadamente, utilizados em outros fins, como matéria-prima na produção de diluentes, havendo, assim, uma divergência entre a realidade e a matéria de facto utilizada como pressuposto na prática do acto, está a cometer um erro sobre os pressupostos de facto e, também, de violação de lei.

32 - Assim, o acto de liquidação em apreço não pode merecer o nosso acordo, quer porque não teve em conta uma adequada interpretação das mencionadas normas legais, não considerando a isenção, quer porque ousou aplicar aos produtos recebidos pela Requerente as taxas do ISP previstas para a gasolina sem chumbo, sem que, para tanto existisse qualquer base legal, na presunção de que os produtos foram utilizados em uso carburante ou em uso combustível.

33 - Face aos referidos erros sobre os pressupostos de facto e de direito em que assenta o acto de liquidação a que se refere o presente pedido de declaração de ilegalidade, tem de julgar-se o mesmo procedente, justificando-se, pois, a anulação do acto de liquidação em causa com todas as suas consequências legais.

 

III - DECISÃO

Destarte, atento a todo o exposto, incluindo as alegações apresentadas pelas Partes, o presente Tribunal Arbitral Colectivo decide, por unanimidade:

  1. Julgar procedente por provado o pedido de anulação dos actos de liquidação de ISP e de juros compensatórios a que se refere o pedido da Requerente;
  2. Anular os actos de liquidação de ISP e de juros compensatórios a que se refere o Processo de cobrança n.º CP - …/2013, associados ao registo de liquidação nº 2013/… de 2013/07/08;
  3. Condenar a AT no reembolso da quantia de € 122.810,35, indevidamente paga pela Requerente;
  4. Condenar a AT ao pagamento de juros indemnizatórios à taxa legal, calculados sobre o montante de € 122.810,35, contados desde 23/12/2013, até ao integral reembolso dessa mesma quantia;
  5. Condenar a AT a pagar as custas do presente processo.

 

 

Valor do processo 

Em conformidade com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2 do CPC (ex-315.º, n.º 2) e 97.º - A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º1 do art.º 29.º do RJAT, e no artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 122.810,35.

 

Custas

De harmonia com o n.º 4 do art.º 22.º do RJAT, fixa-se o montante das custas em 3.060,00 €, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira, nos termos do art.º 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I, que a este está anexa.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 13 de Fevereiro de 2014

Os Árbitros

 

Jorge Lino Ribeiro Alves de Sousa

 

António Correia Valente

 

Lina Ramalho

 

(O texto da presente decisão foi elaborado em computador, nos termos do artigo 131º, n.º 5 do Código de Processo Civil (ex-138.º, n.º 5), aplicável por remissão do artigo 29.º n.º 1 alínea e) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), regendo-se a sua redacção pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.)