Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 107/2013-T
Data da decisão: 2014-01-28  Selo  
Valor do pedido: € 13.530,89
Tema: Imposto do Selo - Contrato de Mútuo Gratuito
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Decisão Arbitral

 

 

 

  1. RELATÓRIO

 

A…, pessoa colectiva n.º…, com sede na Rua…, doravante designada por “Requerente”, apresentou pedido de pronúncia arbitral sobre a ilegalidade das liquidações adicionais de Imposto do Selo, na importância global de € 13.530,89, referentes aos anos 2009 e 2010, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (adiante referido por RJAT[1]).

 

       É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, sucessora da anterior Direcção-Geral dos Impostos.

 

       O Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, em conformidade com o artigo 6.º, n.º 1 do RJAT, designou como árbitro do Tribunal Arbitral Singular Alexandra Coelho Martins, tendo o Tribunal sido constituído em 5 de Julho de 2013.

 

       A fundamentar o seu pedido, a Requerente alega que os contratos de mútuo que foram objecto de tributação são gratuitos e que foram celebrados entre entidades que não revestem a natureza de entidades financeiras, em concreto com os seus clientes de serviços de formação profissional, pelo que sobre os mesmos não deve recair Imposto do Selo, atento o disposto no artigo 1.º, n.º 1 do Código deste imposto e a não previsão de tais operações na Tabela Geral do Imposto do Selo, designadamente na verba 17 desta Tabela.

 

       Invoca ainda que este entendimento foi confirmado nos dois Serviços de Finanças de …. Peticiona, por fim, a anulação das liquidações adicionais, identificadas sob os números…, no valor de € 3.063,93, e…, no valor de € 10.466,96, reportadas aos anos 2009 e 2010, respectivamente.

 

       A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta. Considera que, tendo presente a matéria de facto definida no Processo Administrativo, os empréstimos efectuados pela Requerente sem cobrança de juros a várias empresas suas clientes são enquadráveis na verba 17.1.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo.

 

       Acrescenta que qualquer entidade concedente de crédito, independentemente da sua natureza jurídica, i.e., mesmo que não seja instituição financeira, é sujeito passivo deste imposto (cf. artigo 2.º n.º 1, alínea b) do Código do Imposto do Selo), embora o encargo deva ser suportado pelas empresas mutuárias (cf. artigo 3.º n.º 1, alínea f) do Código do Imposto do Selo), nos moldes constantes na Circular n.º 15/200, de 5 de Julho, da Direcção de Serviços dos Impostos do Selo e das Transmissões do Património. Conclui pela absolvição do pedido arbitral.

 

       Em 20 de Novembro de 2013, realizou-se a primeira reunião do Tribunal Arbitral Singular, nos termos e com os objectivos previstos no artigo 18.º do RJAT, não tendo sido suscitadas excepções (cf. Acta da Reunião do Tribunal Arbitral Singular).

 

       As partes apresentaram alegações escritas onde reiteraram as posições expressas nos articulados.

 

 

2.    SANEAMENTO

      

       O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, de acordo com o artigo 2.º do RJAT.

 

       As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março). 

      

       Não foram identificadas nulidades no processo.

 

 

3.    OBJECTO DO LITÍGIO

 

       Está em causa na presente acção aferir a sujeição a Imposto do Selo da utilização de fundos efectuada no âmbito de contratos de mútuo celebrados, a título gratuito, entre a Requerente e os seus clientes.

 

       A questão discutida é essencialmente de direito e prende-se com o enquadramento na verba 17.1.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo da referida utilização de fundos, por parte dos clientes de serviços de formação profissional prestados pela Requerente e abrangidos por programas com financiamento comunitário, tendo em conta, quer a sua gratuitidade [do mútuo], quer o facto de as entidades envolvidas – Requerente (mutuante) e seus clientes (mutuários) – não revestirem a natureza de instituições de crédito ou financeiras.

 

 

4.    FUNDAMENTAÇÃO

 

4.1. Matéria de facto

 

       Para apreciação das questões decidendas importa ter em conta os seguintes factos, provados com base nos elementos documentais constantes do processo:

 


  1.  

       Nos exercícios de 2009 e 2010 a sociedade A..., aqui Requerente, desenvolvia actividades de consultoria, científicas, técnicas e de formação profissional, estando enquadrada como sujeito passivo de IVA e de Impostos sobre o Rendimento no Regime Normal de Tributação – cf. Relatório de Inspecção Tributária, a p.6.

 

  1.  

       No decurso de 2009 e 2010, a Requerente reflectiu na contabilidade diversos empréstimos a clientes, sem cobrança de qualquer juro (“contas de clientes empréstimos gratuitos”), titulados através de contratos de mútuo gratuito – cf. Relatório de Inspecção Tributária, pp.27 a 30 e 39 a 43, e exemplo de Contrato de Mútuo Gratuito junto com as Alegações da Requerente, celebrado com .....

 

  1.  

       Os referidos empréstimos gratuitos eram efectuados para que as entidades clientes da Requerente pudessem encerrar financeiramente os projectos no âmbito do Programa Operacional do Potencial Humano e recebessem a última tranche dos fundos comunitários. Para este efeito, tinham de demonstrar a efectiva “liquidação [leia-se pagamento] das facturas de prestação de serviços inerentes aos projectos de formação emitidas” pela Requerente – cf. Contrato de Mútuo Gratuito junto com as Alegações da Requerente, celebrado com ...

 

  1.  

       Neste âmbito, os empréstimos gratuitos concedidos materializavam-se através de transferências bancárias da conta da Requerente para as contas dos clientes ou do levantamento de cheques emitidos pela Requerente e eram, com frequência, pagos pelos clientes no mesmo exercício em que haviam sido concedidos – cf. Relatório de Inspecção Tributária, pp.27 a 30 e 39 a 43. 

 

  1.  

       A Requerente foi alvo de uma acção inspectiva de âmbito geral, relativa aos anos 2008 a 2010, efectuada em cumprimento das ordens de serviço n.ºs … e …, de 4 de Janeiro de 2011 e de 12 de Julho de 2011, respectivamente – cf. Relatório de Inspecção Tributária, pp. 6 e 7. 

 

 


 

  1.  

        Desta acção inspectiva resultou o Projecto de Relatório e, após exercício do direito de audição, o Relatório de Inspecção Tributária, o qual foi comunicado à Requerente, através do ofício n.º …, datado de 16 de Janeiro de 2012, com correcções de Imposto do Selo de € 3.063,93, para o ano 2009, e de € 10.466,96, para o ano 2010, ao abrigo da verba 17.1.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo. Este ofício foi recebido pela Requerente – cf. Relatório de Inspecção Tributária, pp.27 a 30 e 39 a 43. 

 

  1.  

        Como fundamento das correcções de Imposto do Selo, refere o Relatório de Inspecção Tributária (pp.27 a 30 e 39 a 43) que:

 

       “No exercício de 2009, a empresa criou várias contas de clientes empréstimos gratuitos, que se traduzem em empréstimos a clientes sem a cobrança de qualquer juro.

 

Cliente

Valor dívida a 31/12/2009

11.000,00

1.183,43

3.923,84

0,00

639,46

0,00

16.128,92

21.650,00

1.200,00

Total

55.725,65

 

       Em relação à empresa …, o empréstimo totalizou o montante de 25.000€ em Janeiro de 2009 (doc 10012 – diário 11) através de transferência bancária do …. Durante o exercício de 2009, a empresa … pagou o valor de 14.000€.

 

       Em relação à empresa …, no dia 01/01/2009, a dívida era de 10.000,00€, mas recebeu ainda 18.300,00€ em Janeiro de 2009 (doc ...) através de transferência bancária do …. Durante o exercício de 2009, a empresa … pagou o valor de 27.116,57€.

 

       Em relação à empresa …, o empréstimo totalizou o montante de 35.800€ em Janeiro de 2009 (doc …) através de transferência bancária do …. Durante o exercício de 2009 a empresa … pagou o valor de 31.876,16€.

 

       Em relação à empresa …, no dia 01/01/2009, a dívida era de 12.000,00€, que pagou na totalidade ao longo de 2009.

 

       Em relação à empresa …, o empréstimo totalizou o montante de 26.000€ em Janeiro de 2009 (doc…) através de cheque do …. Durante o exercício de 2009, a empresa … pagou o valor de 25.360,54€.

 

       Em relação à empresa …, no dia 01/01/2009, a dívida era de 34.000€, que pagou na totalidade ao longo de 2009.

 

       Em relação à empresa …, o empréstimo totalizou o montante de 16.128,92€ em Setembro de 2009 (doc …) através de transferência bancária do …. Durante o exercício de 2009 a empresa … não efectuou qualquer pagamento.

 

       Em relação à empresa …, o empréstimo totalizou o montante de 21.650,00€ em Novembro de 2009 (doc…) através de transferência bancária do …. Durante o exercício de 2009, a empresa … [deve ler-se …] não efectuou qualquer pagamento.

 

       Como podemos verificar estes empréstimos foram efectuados através de transferências bancárias para os clientes durante o mês de Janeiro, Setembro e Novembro e estão titulados através de contrato de mútuo gratuito.

       Apesar da empresa ter diversos empréstimos bancários, a conta utilizada para emprestar aos clientes é a do banco …, que durante o ano de 2009, cobrou juros devedores e outras despesas. Da actividade da A… não consta a de instituição de crédito, pelo que suportou custos de financiamento relativos aos montantes emprestados, que não teria de suportar, pelo que estes não são de aceitar uma vez que não são custos essenciais à formação dos proveitos já que a mesma não tem como actividade a "concessão de empréstimos”.

       (…)

       Os empréstimos acima referidos estão formalizados por contrato de mútuo gratuitos entre a A... e o seu cliente. Os empréstimos são concedidos por parcelas e pagos também em parcelas ao longo do ano.

 

        No âmbito do imposto de selo, este incide objectivamente sobre os factos previstos na Tabela Geral (nº1 do artº 1º do Código do Imposto de Selo-CIS), é sujeito passivo a entidade concedente do crédito (alínea b) do nº1 do artº 2º do CIS), constitui encargo do utilizador do crédito (alínea f) do nº3 do artº 3º do CIS), a obrigação tributária nasce nos actos e contratos, no momento da assinatura do documento (alínea g) do artº 5º do CIS), a liquidação do imposto de selo compete aos sujeitos passivos (nº1 do artº 23º do CIS) e deve ser pago até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que a obrigação tributária se tenha constituído (nº1 do artº 44º do CIS).

       Então, uma vez que a A... não liquidou imposto de selo, o mesmo será calculado segundo as regras da Verba 17.1.4 da tabela Geral do Imposto de Selo, que no ano de 2009 perfaz a quantia de 3.063,93€.

       Os valores apurados de imposto de selo, constam dos quadros por cliente e quadro resumo de 2009 que ficam a fazer parte integrante deste relatório como Anexo 13-fls 01 a fls 26.

 

       O facto de não ter sido liquidado imposto de selo e consequentemente pago, contrariou, o sujeito passivo, os artº 23º e 44º do CIS, facto punível pelo artº 114º do RGIT.

       (…)

       No exercício de 2010, a empresa, em continuidade dos exercícios anteriores, tem várias contas de clientes empréstimos gratuitos, que se traduzem em empréstimos a clientes sem a cobrança de qualquer juro.

 

Cliente

Valor dívida a 31/12/2010

0,00

0,00

0,00

3.796,72

0,00

0,00

0,00

0,00

0,00

0,00

0,00

0,00

0,00

0,00

0,00

0,00

0,00

 

       Em relação à empresa …, o empréstimo totalizou o montante de 28.627,10€ em Janeiro de 2010 através de transferência bancária. Durante o exercício de 2010, a empresa pagou a totalidade do empréstimo.

 

       Em relação à empresa …, o empréstimo totalizou o montante de 7.930,77€ em Janeiro de 2010 através de transferência bancária. Durante o exercício de 2010, a empresa pagou a totalidade do empréstimo.

 

       Em relação à empresa …, o empréstimo totalizou o montante e 24.656,11€ em Fevereiro de 2010 através de transferência bancária. Durante o exercício de 2010, a empresa pagou a totalidade do empréstimo.

 

       Em relação à empresa …, o empréstimo totalizou o montante de 11.496,72€ em Janeiro de 2010 através de transferência bancária. Durante o exercício de 2010, a empresa pagou 7.700€.

 

       Em relação à empresa …, o empréstimo totalizou o montante de 13.057,58€ em Janeiro de 2010 através de transferência bancária. Durante o exercício de 2010, a empresa pagou a totalidade do empréstimo.

 

       Em relação à empresa …, o empréstimo totalizou o montante de 21.877.39€ em Fevereiro de 2010 através de transferência bancária. Durante o exercício de 2010, a empresa pagou a totalidade do empréstimo.

 

       Em relação à empresa …, o empréstimo totalizou o montante de 17.920,87€ em Fevereiro de 2010 através de transferência bancária. Durante o exercício de 2010, a empresa pagou a totalidade do empréstimo.

 

       Em relação à empresa …, o empréstimo totalizou o montante de 38.255,07€ em Janeiro de 2010 através de transferência bancária. Durante o exercício de 2010, a empresa pagou a totalidade do empréstimo.

 

       Em relação à empresa …, o empréstimo totalizou o montante de 12.603,48€ em Fevereiro de 2010 através de transferência bancária. Durante o exercício de 2010, a empresa pagou a totalidade do empréstimo.

 

       Em relação à empresa …, o empréstimo totalizou o montante de 36.371,00€ em Janeiro de 2010 através de transferência bancária. Durante o exercício de 2010, a empresa pagou a totalidade do empréstimo.

 

       Em relação à empresa …, o empréstimo totalizou o montante de 16.065,81€ em Janeiro de 2010 através de transferência bancária. Durante o exercício de 2010, a empresa pagou a totalidade do empréstimo.

 

       Em relação à empresa …, o empréstimo totalizou o montante de 24.223,59€ em Fevereiro de 2010 através de transferência bancária. Durante o exercício de 2010, a empresa pagou a totalidade do empréstimo.

 

       Em relação à empresa …, o empréstimo totalizou o montante de 15.692,71€ em Fevereiro de 2010 através de transferência bancária. Durante o exercício de 2010, a empresa pagou a totalidade do empréstimo.

 

       Em relação à empresa … o empréstimo totalizou o montante de 31.606,48€ em Maio de 2010 através de transferência bancária. Durante o exercício de 2010, a empresa pagou a totalidade do empréstimo.

 

       Em relação à empresa …, o empréstimo totalizou o montante de 14.369,71€ em Abril de 2010 através de transferência bancária. Durante o exercício de 2010, a empresa pagou a totalidade do empréstimo.

 

       Em relação à empresa …, o empréstimo totalizou o montante de 16.666.60€ em Maio de 2010 através de transferência bancária. Durante o exercício de 2010, a empresa pagou a totalidade do empréstimo.

 

       Em relação à empresa …, o empréstimo totalizou o montante de 15.861,79€ em Abril de 2010 através de transferência bancária. Durante o exercício de 2010, a empresa pagou a totalidade do empréstimo.

 

       Como podemos verificar, a empresa efectuou várias transferências bancárias, e teve necessidade de efectuar abertura de crédito junto das instituições bancárias, que durante o ano de 2010 cobraram juros devedores e outras despesas. Da actividade da A... não consta a de instituição de crédito, pelo que suportou gastos de financiamento relativos aos montantes emprestados, que não teria de suportar, pelo que estes não são de aceitar uma vez que não são gastos essenciais à formação dos proveitos.

       (…)

       Os empréstimos acima referidos estão formalizados por contratos de mútuo gratuitos entre a A... e o seu cliente. Os empréstimos são concedidos por parcelas e pagos também em parcelas ao longo do ano.

 

       No âmbito do imposto de selo, este incide objectivamente sobre os factos previstos na Tabela Geral (nº1 do artº 1º do Código do Imposto de Selo- CIS), é sujeito passivo a entidade concedente do crédito (alínea b) do nº1 do artº 2º do CIS), constitui encargo do utilizador do crédito (alínea f) do nº3 do artº 3º do CIS), a obrigação tributária nasce nos actos contratos, no momento da assinatura do documento (alínea g) do artº 5º do CIS), a liquidação do imposto de selo compete aos sujeitos passivos (nº 1 do artº 23º do CIS) e deve ser pago até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que a obrigação tributária se tenha constituído (nº 1 do artº 44ºdo CIS).

                 Então, uma vez que a A... não liquidou imposto de selo, o mesmo será calculado segundo as regras da Verba 17.1.4 da tabela Geral do Imposto de Selo, que no ano de 2010 perfaz a quantia de 10.466,96€.

                 Os valores apurados de imposto de selo, constam do quadro resumo de 2010 que fica a fazer parte integrante deste relat6rio como Anexo 18-fls 01 a fls 04.

      

       O facto de não ter sido liquidado imposto de selo e consequentemente pago, contrariou, o sujeito passivo, os artº 23º e 44ºdo CIS, facto punível pelo artº 114º do RGIT.”.

 

  1.  

       Foram emitidas e notificadas à Requerente as liquidações adicionais de Imposto do Selo sob os números ..., no valor de € 3.063,93, e ..., no valor de € 10.466,96, referentes aos anos 2009 e 2010, respectivamente – cf. fls. 4 a 12 do Processo Administrativo de Reclamação Graciosa.

 

  1.  

       Não concordando com as liquidações efectuadas a Requerente apresentou Reclamação Graciosa, a qual veio a ser indeferida por despacho de 14 de Janeiro de 2013, do Director de Finanças Adjunto da Direcção de Finanças do Distrito de …, em regime de substituição – cf. fls. 21 a 31 do Processo Administrativo de Reclamação Graciosa.

 

  1.  

       A decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa foi comunicada à Requerente pelo ofício n.º …, datado de 31 de Janeiro de 2013, por esta recebido em 4 de Fevereiro de 2013 – cf. fls. 32 a 34 do Processo Administrativo de Reclamação Graciosa.

 

  1.  

       O Imposto do Selo liquidado encontra-se por pagar, tendo dado origem à instauração do correspondente processo executivo – cf. informação de fls. 12 do Processo Administrativo de Reclamação Graciosa.

 

  1.  

       Em 2 de Maio de 2013 a Requerente apresentou pedido de constituição do Tribunal Arbitral Singular – cf. requerimento electrónico no sistema do CAAD.

 

* * *

 

       No que se refere aos factos provados, a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se na análise crítica dos documentos indicados relativamente a cada um dos pontos da matéria de facto, sobre os quais em geral não existe divergência das partes.

 

4.2. Factos não provados

 

       Não se provou que ambas as Repartições de Finanças de … tenham informado a Requerente que sobre os contratos de mútuo por si celebrados não incidia qualquer obrigação de pagamento de Imposto do Selo.

 


4.3. Do Direito

 

       Preconiza a Requerente que os contratos de mútuo gratuitos celebrados entre particulares não estão contidos na previsão da Tabela Geral do Imposto do Selo, pelo que, atento o disposto no artigo 1.º, n.º 1 do respectivo Código, segundo o qual o “imposto do selo incide sobre todos os actos, contratos, documentos, títulos, livros papéis, e outros factos previstos na Tabela Geral”, tais contratos não são sujeitos a este imposto.

 

       No entender da Requerente, antes da entrada em vigor da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, os contratos de mútuos eram tributados pela verba 8, que se referia a “escritos de quaisquer contratos não especialmente previstos nesta Tabela, incluindo os efectuados perante entidades públicas”, à razão de € 5 por cada um. Com a revogação desta verba deixou de existir norma de incidência e, por conseguinte, os contratos de mútuo deixaram de estar previstos na Tabela Geral e de serem sujeitos a Imposto do Selo.

 

       Não se pode acompanhar a perspectiva da Requerente, pois não está aqui em causa a tributação, em Imposto do Selo, dos contratos de mútuo, propriamente ditos, nem em tal se fundou a Autoridade Tributária e Aduaneira, conforme se constata da leitura motivação expressa no Relatório de Inspecção Tributária.

 

        A incidência de Imposto do Selo que subjaz às liquidações adicionais contestadas enquadra-se na aplicação da verba 17.1.4 da mencionada Tabela Geral que, sob a epígrafe “operações financeiras” tributa:

      

       “17.1 – Pela utilização de crédito, sob a forma de fundos, mercadorias e outros valores, em virtude da concessão de crédito a qualquer título excepto nos casos referidos na verba 17.2, incluindo a cessão de créditos, o factoring e as operações de tesouraria quando envolvam qualquer tipo de financiamento ao cessionário, aderente ou devedor, considerando-se, sempre, como nova concessão de crédito a prorrogação do prazo do contrato - sobre o respectivo valor, em função do prazo:

       (…)

       17.1.4. Crédito utilizado sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou qualquer outra forma em que o prazo de utilização não seja determinado ou determinável, sobre a média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês, divididos por 30 - 0,04%”.

 

       De notar que a expressão “excepto nos casos referidos na verba 17.2” foi introduzida pela Lei n.º 12-A/2010, de 30 de Junho, pelo que não será aplicável às situações que ocorreram antes da sua entrada em vigor. No entanto esta ressalva não tem qualquer implicação no objecto de análise, pois refere-se à concessão de crédito no âmbito de contratos de crédito a consumidores abrangidos pelo Decreto-Lei n.º 133/2009, de 2 de Junho, inaplicável, portanto, ao caso vertente. Assim, quer antes, quer após o início de vigência da Lei n.º 12-A/2010 a redacção da verba, na parte relevante, é exactamente a mesma, pelo que não se justifica qualquer distinção neste domínio.

 

       Importa pois apreciar a verificação no caso concreto dos pressupostos tipificados na verba 17.1.4.

 

       Em primeiro lugar tem de constatar-se estarmos perante uma efectiva utilização de crédito, sendo a própria Requerente que assume ter celebrado contratos de mútuo gratuitos com os seus clientes e ter-lhes cedido efectivamente fundos face às suas [dos clientes] carências financeiras.

 

       De facto, independentemente da finalidade visada para os fundos cedidos, ocorreu uma utilização de crédito por parte dos clientes da Requerente (quando da mobilização efectiva dos fundos, materializada por transferência bancária ou por cheque) com base num negócio jurídico típico de concessão de crédito (contrato de mútuo, nos termos previstos nos artigos 1142.º e seguintes do Código Civil[2]) que não é equiparável a outro tipo de situações que caem fora do âmbito da norma e que consistem no mero diferimento temporal do pagamento de bens ou serviços concedido pelo respectivo fornecedor ou prestador.

 

       Com efeito, no caso em apreciação ocorreu uma efectiva transferência de fundos, não se tratando da mera concessão de um prazo alargado de pagamento por parte da Requerente na sua qualidade de prestadora de serviços. Bem além disso, verificou-se um dispêndio financeiro da Requerente que teve de recorrer aos seus fundos próprios e alheios (do banco) para fazer face às obrigações por si assumidas nos contratos de mútuo celebrados com os clientes. 

 

       Acresce assinalar que a verba 17.1 abrange a concessão de crédito, qualquer que seja a natureza da entidade concedente e a do utilizador.

 

       Somente no que se refere a juros e comissões financeiras é que a Tabela Geral erige em pressuposto de incidência a realização por, ou com intermediação de, instituições de crédito, sociedades financeiras e quaisquer outras instituições financeiras. No entanto, estamos nesse caso no domínio de aplicação da verba 17.3 (juros e comissões) e não no âmbito da hipótese em apreciação, que se prende com a verba 17.1 (utilização de crédito). Nesta, tal restrição não tem cabimento nem a mínima correspondência na letra da lei (que não procede a qualquer distinção ou restrição) e encontram-se abrangidas, como acima salientado, quaisquer entidades.

 

       Em reforço desta interpretação o Código do Imposto do Selo considera sujeitos passivos do imposto, de forma genérica, as “entidades concedentes do crédito” (cf. art. 2.º, n.º 1, alínea g) do referido Código) sem, novamente, introduzir qualquer distinção ou restrição que possa alicerçar a tese da Requerente.

 

       Esta posição tem acolhimento na Circular n.º 15, de 5 de Julho de 2000, da Direcção de Serviços dos Impostos do Selo e das Transmissões do Património (cf. pontos 14 e 23 da Circular) e é, de igual modo, é sufragada pela doutrina.

 

       Compulsa-se, a este respeito, um excerto ilustrativo da obra de J. SILVÉRIO MATEUS e L. CORVELO DE FREITAS:

 

       “2. Sob a epígrafe “operações financeiras”, incluem-se no âmbito da incidência do imposto do selo a concessão do crédito, qualquer que seja a natureza da entidade concedente e do utilizador, a par de um conjunto de operações financeiras, de que resultem juros e comissões, que apenas ficam sujeitas a tributação em imposto do selo se forem realizadas por instituições de crédito, sociedades financeiras, outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras.

       3. Nos termos do n.º 1, a concessão de crédito está sujeita a imposto do selo, qualquer que seja a natureza e forma, relevando, contudo, para o efeito a efectiva utilização do crédito concedido e não o contrato que lhe é subjacente. Pode, assim, ser celebrado um contrato de concessão de crédito sem que tal traduza facto tributário deste imposto, o que ocorrerá sempre que a utilização de crédito não seja imediata ou se não houver utilização efectiva desse contrato. (…)

Salienta-se, contudo, que o facto tributário tipificado nesta verba é a concessão de crédito ou seja, a utilização de crédito com base em negócio jurídico de concessão de crédito, cujos elementos essenciais se traduzem na prestação de um bem presente contra a promessa de restituição futura. Não é, pois, abrangido pela incidência do imposto todo e qualquer financiamento mas tão-somente o que, reunindo as referidas características, se possa qualificar de concessão de crédito. Está, assim, afastado da tributação, por exemplo, o chamado crédito ao consumo, sempre que o financiamento consista em mero diferimento no tempo do pagamento dos bens ou dos serviços adquiridos concedido pelo respectivo vendedor ou prestador” – cf. dos autores citados “Os Impostos sobre o Património Imobiliário, O Imposto do Selo, Anotados e Comentados”, 1ª Edição, 2005, Lisboa, Engifisco, pp. 732 e 733.

 

       Refere também JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES:

 

       “É no domínio das operações financeiras, particularmente no crédito, que se operaram as mais relevantes inovações do novo Código do Imposto do Selo na reforma operada no ano 2000.

       Como veremos adiante, quando tratarmos da tributação do crédito utilizado através de contrato de aberturas de crédito, o novo Código introduz duas inovações fundamentais relativamente ao anterior.

       Por um lado o imposto passa a incidir sobre as utilizações de crédito e não sobre a celebração dos contratos que lhes dão origem (…).

       Por outro lado, o tempo de duração da relação creditícia passa a ser determinante para a determinação do imposto a pagar (…).

              As operações de crédito são tributadas nos termos da verba nº 17.1 da Tabela Geral.

              A lei enuncia alguns tipos contratuais de concessão de crédito, como é o caso da cessão de créditos, o factoring, as operações de tesouraria, a abertura de crédito em conta corrente e o descoberto bancário.

              Porém, esta enunciação é meramente exemplificativa, dado que a lei tributa a concessão de crédito independentemente da forma contratual que lhe está subjacente (“a concessão de crédito a qualquer título”, como determina a referida verba da Tabela Geral). Como antes vimos, mais que a forma do contrato que está na base da relação de crédito, o que está sujeito a imposto é a efectiva utilização do crédito pelo beneficiário.” - cf. “Lições de Impostos sobre o Património e do Selo”, 2ª Edição, 2013, Lisboa, Almedina, pp. 443 e 444 (negrito nosso).

 

       O facto de os clientes para contratarem os serviços de formação da Requerente recorrerem a fundos comunitários e de, para receberem a última tranche desses fundos comunitários, terem de demonstrar que haviam pago aos seus prestadores (in casu a Requerente) não altera a ocorrência de uma efectiva concessão de crédito por parte da Requerente, que lhes transferia dinheiro ao abrigo de contratos de mútuo, para que aqueles fizessem face às suas carências financeiras.

 

       Reitera-se que a Requerente não se limitava a diferir o momento do pagamento dos serviços (de formação) prestados até que os seus clientes estivessem em condições de satisfazer esse pagamento, caso em que estaríamos fora do campo de incidência do Imposto do Selo, pois tratar-se-ia simplesmente de uma relação comercial com um regime de pagamento diferido.

 

       Na situação em análise a Requerente entregava efectivamente dinheiro, que transferia da sua conta bancária para que aqueles utilizassem tais importâncias.

 

       Este empréstimo de fundos, ainda que por curtos períodos de tempo, não deixa de configurar uma concessão de crédito autónoma da relação comercial com os clientes, susceptível de preencher os pressupostos do facto gerador da tributação em Imposto do Selo, o que não resulta prejudicado pelo facto de existir uma conexão com a actividade da Requerente e com a dos seus clientes. Acresce que esta concessão de crédito não é, como pretende a Requerente em sede de alegações, reconduzível a uma mera “operação contabilística”.

 

       De assinalar, também, que a finalidade da utilização de crédito não constitui pressuposto ou elemento constitutivo da norma de incidência tributária, que se satisfaz com tal utilização na esfera do beneficiário, independentemente da sua finalidade específica, pelo que não resulta afastada a aplicação da verba 17.1.4 da Tabela Geral, que, em conjugação com o artigo 1.º, n.º 1 do Código do Imposto do Selo, determinam a sujeição a este imposto das utilizações de crédito efectuadas por parte dos clientes da Requerente ao abrigo dos contratos de mútuo com esta celebrados.

 

       De igual modo, não se considera verificada a violação do princípio da boa-fé na vertente de protecção da confiança, porquanto a Requerente não demonstrou, nem sequer por indícios, que tenha existido uma informação por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira, através do(s) Serviço(s) de Finanças de …, de que não seria devido Imposto do Selo nos mútuos gratuitos entre “particulares”.

 

       Por fim, relativamente à realização das diligências necessárias à descoberta da verdade material afigura-se nada a haver a apontar à Autoridade Tributária e Aduaneira, a que acresce a divergência ser de direito e não sobre a matéria de facto.

 

Em síntese:

 

  1. A Requerente concedeu fundos aos seus clientes, que foram por estes utilizados, e celebrou, para este efeito, contratos de mútuo gratuitos;
  2. Tendo ocorrido a utilização efectiva dos fundos a operação é abrangida pela verba 17.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo enquadrando-se, em função do prazo, na verba 17.1.4 da mesma Tabela. Deste modo, suscita-se a tributação ao abrigo do disposto no artigo 1.º do Código do Imposto do Selo, nascendo a obrigação tributária no momento de realização da operação o que, neste caso, significa utilização do crédito (cf. artigo 5.º, alínea b) do mesmo diploma);
  3. As verbas referidas não discriminam o carácter gratuito ou oneroso da concessão de crédito e não restringem o seu âmbito subjectivo a entidades que revistam natureza financeira (restrição que apenas está prevista para os juros e comissões). Aliás, quando o Código ou a Tabela se querem referir a instituições de crédito ou financeiras fazem-no ex professo, como sucede no artigo n.º 3, g) do Código ou na verba 17.3 da Tabela;
  4. O Código do Imposto do Selo também define como sujeitos passivos do imposto as entidades concedentes do crédito, novamente com o emprego de uma formulação genérica que não estabelece a restrição pretendida pela Requerente (cf. artigo 2.º, n.º 1, alínea g) do Código);
  5. Não se constata a aplicação de uma isenção, nos termos previstos no artigo 7.º do Código do Imposto do Selo;
  6. A entidade obrigada à liquidação e pagamento do imposto é o sujeito passivo referido no artigo 2.º, n.º 1, ou seja, a entidade concedente do crédito (a Requerente), sem prejuízo de o imposto constituir encargo dos (dever ser economicamente suportado pelos) titulares do interesse económico, que são, na concessão do crédito, os utilizadores do crédito (artigo 3.º, n.º 1 e n.º 3, alínea f) e artigo 23.º do Código do Imposto do Selo).

 

       À face do exposto, conclui-se que as liquidações adicionais de Imposto do Selo objecto do pedido de pronúncia arbitral têm fundamento na lei, improcedendo, desta forma, as alegações da Requerente.

 

 

5.    DISPOSITIVO

 

       Em face do exposto, julga-se improcedente o pedido de anulação das liquidações adicionais de Imposto do Selo com a consequente absolvição da Autoridade Tributária e Aduaneira do pedido.

 

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       Fixa-se o valor do processo em € 13.530,89, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º do CPC.

 

       Custas no montante de € 918,00 a cargo da Requerente, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT, e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT e 4.º, n.º 4 do RCPAT.

 

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Notifique.

Lisboa, 28 de Janeiro de 2014

 

A árbitro

 

 

Alexandra Coelho Martins

 

Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, número 5 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, com versos em branco.

 

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.

 



[1] Acrónimo de Regime Jurídico da Arbitragem Tributária.

[2] Que dispõe: “Mútuo é o contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade”.