Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 209/2013-T
Data da decisão: 2014-02-24  IRC  
Valor do pedido: € 108.729,50
Tema: Dedutibilidade de tributação autónoma
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Decisão Arbitral

 

 

REQUERENTES:

1.              A…

2.              B…

3.              C… e

4.              D…

Todas com sede na Av…, todas doravante abreviada e conjuntamente designadas por Requerentes.

 

REQUERIDA: Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante abreviadamente designada por ATA ou Requerida

 

A)             RELATÓRIO

 

1.              No dia 2 de Setembro de 2013, foi aceite o pedido de constituição de tribunal arbitral, nos termos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), que as Requerentes submeteram ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), solicitando a revisão das autoliquidações de IRC que haviam apresentado para os exercícios de 2008 a 2011.

 

2.              A revisão solicitada consistia na consideração tributações autónomas pagas pelas Requerentes nos referidos exercícios como encargo dedutível para efeitos de apuramento do lucro tributável em IRC, com a consequente devolução dos montantes pagos, acrescidos dos respectivos juros indemnizatórios.

 

3.              Tais liquidações autónomas ascendiam a:

 

3.1            Quanto à 1ª Requerente A…: € 10.653,75 em 2008, €7.065,71 em 2009, € 7.304,46 em 2010 e € 5.136,23 em 2011, num total de € 30.160,15;

3.2            Quanto à 2ª Requerente B…, € 28.886,50 em 2008, € 32.307,10 em 2009, € 27.846,74 em 2010, € 36.824,38 em 2011, num total de € 123.864,72;

3.3            Quanto à 3ª Requerente C…, € 72.328,74 em 2008, € 74.348,17  em 2009, € 60.577,73 em 2010 e € 68.408,69 em 2011, num total de € 275.663,33; e

3.4            Quanto à 4ª Requerente D…, € 1.292,41 em 2008, € 1.376,45 e, 2009, € 1.582,87 em 2010 e € 1.889,24 em 2011, num total de € 6.140,97

 

4.              Nos termos do artigo 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT e por decisão do Conselho Deontológico foram designados árbitros do tribunal arbitral colectivo os Senhores Dr. José Pedro Carvalho, Dr. Luciano dos Santos Carvalho e Dr. João Maricoto Monteiro, que aceitaram a nomeação no prazo legal para o efeito.

 

5.              O tribunal arbitral foi constituído no dia 30 de Outubro de 2013 (cfr. Acta de constituição do tribunal arbitral), tendo a AT sido notificada para apresentar resposta, no prazo e termos legais. Foi designado o dia 8 de Janeiro de 2014 para realização da primeira reunião do tribunal arbitral, a que alude o art.º 18.º do RJAT.

 

6.              A Requerida apresentou a sua resposta em 28 de Novembro de 2013, pugnando, aí, pela manutenção do acto sindicado e invocando determinadas excepções.

 

7.              Na reunião do tribunal arbitral, realizada na data designada e nos termos e com os propósitos do artigo 18º do RJAT, as Requerentes pronunciaram-se sobre as excepções invocadas pela Requerida, após o que foram apresentadas alegações orais.

 

8.              O Tribunal informou que a decisão seria proferida no prazo de 45 dias.

 

 

A.1) Fundamentação do Pedido das Requerentes

 

 

9.              A fundamentar o pedido de decisão arbitral, as Requerente alegaram que a tributação autónoma configura um imposto indirecto distinto do IRC e que, como tal devia ser considerada como encargo dedutível para efeito de apuramento do lucro tributável. Assim, e em síntese:

 

9.1            Quanto à natureza jurídica da tributação autónoma

 

-               A tributação autónoma incide sobre actos isoladamente considerados que se traduzem na realização de despesas, sendo que cada uma destas (despesas) configura um facto tributável;

-               Trata-se de uma tributação autónoma precisamente porque não depende do resultado fiscal do sujeito passivo ou do respectivo quantitativo: tenha o sujeito passivo prejuízo ou lucro – e sendo este marginal ou elevado – a tributação autónoma é devida desde que tenha realizado a despesa;

-               Consequentemente, a tributação autónoma não assenta na capacidade contributiva;

-               A tributação autónoma é também despojada de quaisquer elementos de pessoalização do imposto sobre o rendimento e não se confundindo com o mesmo. Tal conclusão não é prejudicada pelo facto de a tributação autónoma partilhar com o imposto sobre o rendimento (IRC) a liquidação e o pagamento;

 

Em conclusão, a tributação autónoma configura um imposto indirecto de natureza especial, porquanto incide sobre determinadas despesas.

 

9.2.           A tributação autónoma como encargo dedutível:

Tratando-se de um imposto indirecto, a tributação autónoma não pode deixar de ser considerada dedutível para efeitos de IRC pois consubstancia um encargo efectivamente suportado pelo sujeito passivo (tal como, aliás, os encargos sobre que incide).

Acresce que a tributação autónoma não está incluída no elenco de encargos não dedutíveis para efeitos de apuramento do lucro tributável de IRC previsto na alínea a) do n.º 1 art.º 45.º do mesmo código, porquanto este apenas impede a dedução do “IRC e quaisquer outros impostos que directa ou indirectamente incidam sobre os lucros”.

A tributação autónoma não é “IRC”, não se trata de imposto sobre o rendimento, mas sim sobre a despesa.

Ora, incidindo a tributação autónoma sobre a despesa (e não sobre os lucros) - tal como, aliás, tem vindo a ser qualificado pela generalidade da doutrina e da jurisprudência do Tribunal Constitucional e do Supremo Tribunal Administrativo - a mesma é dedutível.

Deste modo, a tributação autónoma configura, à semelhança de qualquer imposto indirecto, um gasto aceite para efeitos fiscais nos termos dos artigos 17.º, n.º 1, 23.º e 45.º, n.º 1, al. a), todos do IRC.

                 Aliás, antes da alteração introduzida pelo Orçamento de 2012 – isto é, nos exercícios causa no presente caso – uma das condições de sujeição a tributação autónoma era a dedutibilidade fiscal do encargo subjacente.

Há uma eventual excepção a esta regra: o caso das despesas confidenciais e não documentadas. Mas estas sempre tiveram um regime próprio que as afasta das demais.

 

Em face do exposto, concluem as Requerentes que, à semelhança dos impostos indirectos com o imposto do selo, os impostos especiais sobre o consumo ou o IVA (quando não for dedutível), a tributação autónoma é dedutível para efeitos de apuramento do lucro tributável de IRC, pelo que devem ser devolvidas as quantias pagas por referência aos exercícios de 2008, 2009, 2010 e 2011, acrescidas dos respectivos juros indemnizatórios.

 

A.2) Resposta da Autoridade Tributária

 

10.              A Autoridade Tributária responde ao pedido das Requerentes por excepção e por impugnação, com a argumentação que, de forma sintética, seguidamente se apresenta:

 

A.2.1) Por excepção

 

A.2.1.1.) Intempestividade dos pedidos de revisão das autoliquidações de 2008 e 2009

 

10.1                A ATA considera que os pedidos de revisão oficiosa relativos às autoliquidações de 2008 e 2009 foram apresentados intempestivamente, por terem sido apresentados mais de dois anos após a apresentação das declarações de rendimentos subjacentes, o que inquinaria, desde logo, a apreciação em sede arbitral das correcções relativas aos referidos exercícios.

Argumenta a ATA, em primeiro lugar, que não será aplicável, in casu, o prazo previsto no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, de 4 anos, porquanto inexistirá erro imputável aos serviços.

                

                        Subsidiariamente, e ainda que fosse aplicável o referido prazo de quatro anos, acresce ainda que, quanto ao exercício de 2008, poderá existir um segundo fundamento para a intempestividade dos pedidos, atendo o entendimento das Requerentes de que a tributação autónoma não tributa o rendimento mais sim a despesa.

É que tratando-se de uma tributação sobre a despesa, cada despesa consubstancia um facto tributário autónomo e instantâneo, pelo que haveria que analisar cada uma das despesas em causa para aferir se, quando foram apresentaram os pedidos de revisão em 21.12.2012 não tinha já decorrido o prazo de quatro anos supra referido em relação a todos os encargos em causa, sendo provável, atendendo à data que a maior parte dos encargos relativos a 2008 tivessem sido incorridos antes de 21 de Dezembro, o que acarretaria a intempestividade do pedido.

 

A.2.1.2.) Insusceptibilidade de apreciação dos pedidos de revisão por parte da ATA sob pena de violação de Lei e da Constituição

 

10.2                Alega, por fim, a ATA que as questões de constitucionalidade colocadas no pedido de revisão formulado pelas Requerentes, não deverão ser consideradas susceptíveis de ser conhecidas em tal sede.

Referindo que “à entidade Requerida está vedada a possibilidade de afastar a aplicação de disposições legais – ao contrário do que ocorre com os tribunais, cujo acesso à constituição constitui uma competência vinculada ...  - com fundamento em inconstitucionalidade.”, para concluir que “Logo, a apreciação da (in)constitucionalidade pela entidade Requerida nos pedidos de revisão oficiosa, encontrar-se-ia sempre balizada em função da sua subordinação à lei, não podendo desaplicar uma norma em função da sua inconstitucionalidade.”

 

 A.2.2) Por impugnação

 

A.2.2.1) Quanto à inconstitucionalidade

 

11.                  Para além da impossibilidade legal da ATA recusar a aplicação ou deixar de cumprir uma lei invocando ou questionando a sua constitucionalidade, existe uma segunda questão que inquina o pedido das Requerentes.

É que, entendendo as mesmas que a tributação autónoma incide sobre a despesa, e sustentando tal entendimento na jurisprudência do STA e do Tribunal Constitucional, ter apresentado em devido tempo os elementos contabilísticos e de suporte que permitissem descortinar em que termos as autoliquidações de IRC, na parte respeitante às tributações autónomas, se mostravam desconformes com a jurisprudência invocada.

Não tendo as Requerentes  feito prova do direito que invocam não pode proceder o seu pedido.

 

A.2.2.2) Quanto à dedutibilidade das tributações autónomas como custo fiscal

 

11.1          A razão de ser das tributações autónomas contende, por um lado com um incentivo aos contribuintes de reduzirem ao máximo as suas despesas e, por outro, com o propósito de desincentivar o recurso a certo tipo de despesas que são propiciadoras de pagamentos camuflados e, em última análise, reaver algum imposto que, de outra forma, não seria arrecadado.

Ora, sendo este o objectivo da tributação autónoma – de reduzir a vantagem fiscal alcançada com a dedução dos custos sobre os quais incide, para além do combate à evasão fiscal -, não poderá ser a mesma, através da dedução ao lucro tributável a título de custo do exercício, constituir factor de redução dessa diminuição de vantagem pretendida e determinada pelo legislador.

 

B)             SANEAMENTO DO PROCESSO

 

12.                  O Tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído nos termos do RJAT.

 

13.                  As partes têm personalidade jurídica e capacidade judiciária, são legítimas e estão legalmente representadas.

 

14.                  É admissível a cumulação de pedidos e coligação de autores.

 

15.                  O processo não padece de vícios que o invalidem

 

 

 

C)             THEMA DECIDENDUM

 

 

16.                   Foi submetida a este tribunal a questão de saber se as quantias pagas no quadro das tributações autónomas por um sujeito passivo de IRC devem ser consideradas um encargo dedutível para efeitos do apuramento do lucro tributável submetido àquele imposto.

 

 

D)             MATÉRIA DE FACTO ASSENTE

 

17.                  Com interesse para a decisão da causa e com base nos documentos juntos, foi dada como assente a seguinte factualidade:

 

17.1          Nas declarações modelo 22 dos exercícios de 2008, 2009, 2010 e 2100, das Requerentes foram apurados os montantes de tributações autónomas evidenciados no ponto 3 do RELATÓRIO (supra).

 

17.2          Naquelas mesmas declarações, os montantes apurados e suportados pelas Requerentes correspondentes às tributações autónomas não foram deduzidos ao lucro tributável para efeitos do cálculo do montante de IRC devido sobre aquele.

 

17.3          No dia 21 de Dezembro de 2012, as Requerentes apresentaram, individualmente, ao abrigo do disposto no artigo 78.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT), pedidos de revisão oficiosa dos actos de autoliquidação de IRC dos exercícios de 2008, 2009, 2010 e 2011.

 

17.4          A ATA não apreciou os referidos pedidos de revisão oficiosa no prazo de 4 meses previsto no n.º 1 do art.º 57.º da LGT.

 

17.5          No dia 30 de Agosto de 2013, as Requerentes apresentaram, em cumulação de pedidos e coligação de autores, o presente pedido de pronúncia arbitral.

 

 

 

E)             MATÉRIA DE DIREITO

 

E.1) Quanto às excepções invocadas pela ATA

 

18.                  Como vimos e como questão prévia ao conhecimento do mérito da causa, a ATA, na sua resposta, põe em causa a tempestividade dos pedidos de revisão oficiosa deduzidos pelas Requerentes, relativamente às autoliquidações dos exercícios de 2008 e 2009.

Argumenta a ATA, em primeiro lugar, que não será aplicável, in casu, o prazo previsto no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, porquanto inexistirá erro imputável aos serviços.

                        Por outro lado, e subsidiariamente, entende a ATA que, mesmo que aquele prazo se aplicasse, já estaria o mesmo esgotado, relativamente ao ano de 2008, uma vez que, no entendimento daquela Autoridade, face à jurisprudência atual do TC e do STA relativa às tributações autónomas, o prazo de revisão se deverá contar a partir da data da realização de cada uma das despesas objeto daquele tipo de tributação.

                 Vejamos, então.

*

                 Dispõe o artº 78.º da LGT:

“1 - A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.

2 - Sem prejuízo dos ónus legais de reclamação ou impugnação pelo contribuinte, considera-se imputável aos serviços, para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação.”.

 

                        Entende, como se disse, a ATA que decorrerá da ratio legis do n.º 2 transcrito, “vedar a possibilidade de apresentar pedido de revisão oficiosa para além dos dois anos previstos no art.º 131.º do CPPT.”.

                        Ressalvado o respeito devido, entende-se, precisamente o contrário, ou seja que decorre (para além do mais) da ratio legis do preceito em causa, a admissibilidade da apresentação de pedido de revisão oficiosa, nos casos de autoliquidação, para além dos dois anos previstos no art.º 131.º do CPPT.

                        Com efeito, fosse aceite o entendimento propugnado pela ATA, e careceria por completo de qualquer efeito útil o disposto na norma em causa, o que seria, desde logo e isso sim, totalmente contrário ao princípio hermenêutico do legislador razoável.

                        De facto, o espírito do n.º 2 do artigo 78.º da LGT, será, precisamente, o de permitir que a revisão a que alude o número que o precede seja possível, mesmo no caso de autoliquidações. Não fora esse número 2, que justamente e como é apontado na citação feita pela ATA na sua resposta (artigo 29.º) cria “uma ficção que está em manifesta dissonância com a realidade”, e não seria, aí sim, possível a revisão regulada no n.º 1, no caso das autoliquidações, por, precisamente, “sendo o contribuinte quem faz a autoliquidação, o que é normal é que os erros lhe sejam imputáveis a ele próprio, que a fez e não à administração tributária, que não a fez”.

                        Ora, terá sido por isso mesmo que, consciente de tal circunstância, o legislador introduziu a prescrição normativa do n.º 2 em causa, porquanto não viu – como não se vê – motivo para que, no caso das autoliquidações, sejam concedidos menos meios de tutela dos direitos e interesses dos contribuintes. Por outro lado, não deixará de ter sido em conta o facto de, em tais casos, os contribuintes atuarem em substituição da Administração Tributária, assumindo um encargo que, originariamente, caberia a esta.

                        Por fim, notar-se-á ainda que a finalidade prosseguida pela norma do n.º 2 do artigo 78.º poderia ter sido igualmente prosseguida por outra forma que não a adoptada, que passa pela tal  “ficção que está em manifesta dissonância com a realidade”. Para tal, bastaria que, por exemplo, se dispusesse que, no caso de autoliquidação seria admissível a revisão nos termos do n.º 1, mesmo que o erro não fosse imputável à Administração Tributária.

                        Deste modo, e sintonizando-nos com a citação acima referida, entende-se que “Por este n.º 2, conclui-se que a revisão do acto tributário é possível em relação a todos os actos de autoliquidação, uma vez que se ficciona, para efeitos do n.º 1 daquele art.º 78.º, que o erro é sempre imputável aos serviços e, com este fundamento, a revisão é admitida dentro do prazo legal de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo não estiver pago.”.

                        Pode-se ou não concordar com tal opção, mas, pensa-se, não se poderá razoavelmente duvidar que foi essa a do legislador.

                        Neste sentido poderá ser visto, por exemplo, o Ac. do STA de 14-12-2011, proferido no processo 0366/11, em cujo sumário se pode ler que:

“Apesar de não ter sido deduzida reclamação contra o acto de autoliquidação no prazo previsto no artigo 131.º do CPPT, o interessado podia ainda solicitar à administração tributária a revisão oficiosa do acto ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 78.º da LGT, vez que a lei ficciona que os erros da autoliquidação são imputáveis à administração e esta não pode demitir-se de tomar a iniciativa de revisão quando demandada para o efeito pelo interessado, estando mesmo obrigada a proceder à convolação nesse meio procedimental quando conclui que a reclamação apresentada é intempestiva – artigo 52.º do CPPT.”

                        No mesmo sentido, da admissibilidade do pedido de revisão oficiosa do ato tributário em caso de autoliquidação, para lá do prazo do artigo 131.º do CPPT, pode ver-se o Ac. do STA de 29-05-2013, proferido no processo 0140/13, em cujo sumário se lê, para além do mais, que:

“De acordo com o disposto no artº 78º, nº 2 da LGT considera-se imputável aos serviços, para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação, pelo que, não obstante o disposto no artº 131º do CPPT, o contribuinte pode suscitar a apreciação oficiosa de ilegalidade cometida em auto liquidação.”

                        Assim, deverá improceder a primeira questão prévia ao conhecimento do mérito, suscitada pela ATA, desde que restringido, como muito bem esta aponta e tendo em conta a jurisprudência na matéria, aos “erros sobre os pressupostos de facto e de direito que levam a Requerente a uma ilegal definição da relação jurídica tributária, não considerando vícios formais ou procedimentais.”.

*

                 19. Seguidamente, argumenta ATA que mesmo que se entenda, como, na sequência do que se viu, se entende, que no caso de autoliquidações é possível a revisão do ato tributário nos termos do n.º 1 do artigo 78.º, sempre se haverá que considerar expirado o prazo fixado em tal normativo.

                        Ressalvado, uma vez mais, o respeito devido, entende-se que, também aqui, não assiste razão à ATA, laborando o entendimento exposto por esta num erro de princípio.

                        É que, embora a questão em causa nos autos se relacione intimamente com a problemática das tributações autónomas em IRC, não é feito qualquer pedido específico relativamente às mesmas.

                        Efetivamente, in casu, é aceite e consolidado a liquidação e pagamento dos montantes devidos no quadro das tributações autónomas. O que está em causa, é a repercussão desses montantes, na liquidação de IRC do ano correspondente, ou seja, na computação do rendimento anual global relevante para a liquidação daquele imposto.

                        Não está, em suma e de forma simplista, nos autos, em causa saber se as tributações autónomas (liquidadas e pagas) são ou não devidas, ou se o respetivo montante deveria ser outro.

                        Antes, a questão que se apresenta a ser dirimida, é a de saber se, dados aqueles montantes, os mesmos devem ou não concorrer negativamente para o cálculo do lucro tributável do período a que respeitam.

                        Vistas as coisas desta forma, como o devem ser, dúvidas não restarão, pensa-se, que o facto tributário em causa é o lucro tributável de cada período de tributação em causa e que, como tal, se consuma no dia 31 de dezembro do ano respectivo.

                        Assim, e tendo o pedido de revisão oficiosa em questão sido apresentado a 21-12-2012, antes de decorridos 4 anos sobre o dia 31-12-2008, haverá que considerar o mesmo tempestivo.

*

                 20. Alega, por fim, a ATA que as questões de constitucionalidade colocadas no pedido de revisão formulado pelas Requerentes, não deverão ser consideradas susceptíveis de ser conhecidas em tal sede, porquanto:                 

“à entidade Requerida está vedada a possibilidade de afastar a aplicação de disposições legais – ao contrário do que ocorre com os tribunais, cujo acesso à constituição constitui uma competência vinculada ...  - com fundamento em inconstitucionalidade.”, para concluir que “Logo, a apreciação da (in)constitucionalidade pela entidade Requerida nos pedidos de revisão oficiosa, encontrar-se-ia sempre balizada em função da sua subordinação à lei, não podendo desaplicar uma norma em função da sua inconstitucionalidade.”.

                        Relativamente a este assunto, diga-se, liminarmente, que a circunstância pertinentemente apontada de à administração estar vedada a desaplicação da lei com fundamento em inconstitucionalidade, não veda, genericamente, que, perante esta sejam colocadas questões daquela índole e que, subsequentemente, independentemente da prévia confrontação daquela com tais questões, as mesmas sejam suscitadas tais questões em sede judicial. Será o caso, por exemplo, das situações ordinárias de reclamação graciosa, e subsequente impugnação judicial.

                        Deste modo, tendo em conta o argumentário oferecido pela ATA, não se descortinaria justificação para excluir, do objecto dos presentes autos, a apreciação de questões de constitucionalidade.

                        Contudo, na apreciação da questão em causa, não poderá deixar de se ter em conta a especificidade do meio gracioso que abriu a via contenciosa às Requerentes.

                        Com efeito, aquelas apresentam-se a Tribunal, na sequência de um pedido de revisão oficiosa de ato tributário, dirigido à Administração Tributária, nos termos do artigo 78.º/1 da LGT.

                        Este meio, conforme é pacificamente reconhecido, é um meio de autocontrole da Administração Tributária que permite que, dentro dos prazos ali referidos, aquela corrija um erro seu, de facto ou de direito.

                        Por meio de um trabalho hermenêutico paulatinamente desenvolvido, tendo em conta o dever de objectividade e legalidade que obriga a Administração em geral, e a Tributária em especial, e com apoio em alguns segmentos normativos do nosso ordenamento jurídico-tributário, chegou-se ao entendimento, hoje incontestado, de que o exercício do poder-dever da Administração Tributária rever atos ilegais pode ser desencadeado pelo contribuinte, e que a subsequente decisão (ou violação do dever de decidir) da Administração Tributária, são contenciosamente sindicáveis.

                        Contudo, entendeu-se igualmente que a abertura da via contenciosa desta forma operada, não é total nem incondicional, mas está limitada aos próprios condicionalismos legalmente impostos ao poder de revisão de atos tributários pela Administração. Assim, e por exemplo, tendo em conta a utilização da expressão “erro imputável aos serviços”, tem-se entendido que a Administração Tributária pode proceder à revisão oficiosa, nos termos do artigo 78.º/1 da LGT, nos casos de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, mas já não vícios formais ou procedimentais.

                        Consequentemente, na fase contenciosa subsequente a um pedido de revisão oficiosa, apenas se poderá conhecer dos erros sobre os pressupostos de facto e de direito do ato tributário sob revisão, mas já não vícios formais ou procedimentais. Ou seja, não sendo admissível o conhecimento pela Administração Tributária, na sequência de um pedido de revisão oficiosa ao abrigo do artigo 78.º/1 da LGT, de vícios formais ou procedimentais, não é, igualmente, legítimo ao Tribunal conhecer de tais vícios.

                        Assim sendo, como é, deve entender-se que em tal sede, o Tribunal estará a sindicar não a legalidade tout court do ato tributário sob revisão, mas unicamente a legalidade que à Administração Tributária incumbia apreciar.

                        Em síntese, e   conforme se escreveu no Acórdão proferido no processo 188/2013T do CAAD :

“quando, esgotado o prazo de impugnação de um acto tributário, o sujeito passivo lance mão de um meio de acção gracioso, a decisão que recai sobre esse meio de acção é directamente impugnável. Mas o acto tributário primário não volta a ser directamente impugnável por força do simples facto de ser ter utilizado um meio de acção gracioso.”.

                        Ou seja, a ilegalidade que se venha a reconhecer no acto primário (objecto mediato da impugnação) terá forçosamente de ser uma ilegalidade refletível no acto secundário (objecto imediato da impugnação). Em sede contenciosa, o Tribunal estará a verificar se, face ao pedido de revisão oficiosa do contribuinte, a Administração Tributária tinha, ou não o dever de rever o ato.

                        Ora, no caso das questões de constitucionalidade esse dever não existirá. Com efeito, estando vedado o acesso direto da Administração à Constituição, estará, obviamente, vedado a esta a revisão de atos tributários com base em inconstitucionalidade. Daí que, ao recusar a revisão de tais atos com esse fundamento, não estará a Administração Tributária a violar qualquer dever que lhe assista, mas, antes, a cumprir o seu dever de obediência à legalidade.

                        Não se pode perder de vista, aqui, que o pedido de revisão oficiosa de um ato tributário, nos termos do artigo 78.º/1 da LGT, não corresponde a um direito do contribuinte, mas antes constitui um mero impulso para que se desencadeie um procedimento que a Administração pode/deve desencadear oficiosamente.

                        Deste modo, e se não pode a Administração Tributária rever oficiosamente um ato tributário com fundamento em inconstitucionalidade, obviamente que, pelo menos na ausência de norma legal que inequivocamente o licencie, não poderá igualmente fazê-lo a pedido do contribuinte. De facto, não se compreenderia que os poderes de revisão oficiosa, pela Administração Tributária, dos seus próprios atos, variasse conforme existisse, ou não, pedido do contribuinte nesse sentido.

                        Conclui-se assim, que para além dos supra-referidos vícios procedimentais e de forma, também as questões de constitucionalidade se devem considerar excluídas do âmbito da revisão oficiosa dos atos tributários, e, consequentemente, da fase contenciosa que, eventualmente, lhes suceda.

                        Não contende o que se vem de dizer com o dever de desaplicar normas inconstitucionais, imposto aos Tribunais pelo artigo 204.º da CRP. Com efeito, trata-se aqui da apreciação de um pressuposto processual, sem cuja verificação não se pode conhecer do mérito. De facto, não sendo, como se entende, o acto tributável revisível oficiosamente com fundamento em inconstitucionalidade, por tal não integrar um “erro imputável aos serviços”, o respectivo pedido de revisão com tal fundamento deveria ser rejeitado, tal como se fosse, por exemplo, apresentado fora de prazo, ou com fundamento em vício de forma.

                        Assim, não se estando a conhecer do mérito da questão, não se está a aplicar qualquer norma inconstitucional.

                

                        Desta forma, e pelos fundamentos indicados, dever-se-ão ter por excluídas do objecto do presente processo, as questões de constitucionalidade suscitadas pelas Requerentes.

***

                 E.2) Quanto ao  Thema Decidendum

 

21.                  Aqui chegados, torna-se possível, então, abordar a questão de fundo colocada a este Tribunal Arbitral, que é de formulação muito simples:

 

-               Devem as quantias pagas no quadro das tributações autónomas por um sujeito passivo de IRC ser consideradas um encargo dedutível para efeitos do apuramento do lucro tributável submetido àquele imposto?

A este respeito, alegam, em suma, as Requerentes que “as tributações autónomas tributam despesa e não o rendimento, são impostos indiretos e não diretos, representam uma penalização relativamente a determinados encargos incorridos pela empresa sobre os quais recai a suspeita de que seriam usados ou teriam alguma componente remuneratória.”.

Constatam, ainda, as Requerentes que “A tributação autónoma apura-se de forma totalmente independente do IRC e da Derrama devidos em cada exercício, não estando sequer relacionada com a obtenção de um resultado positivo.”, para concluírem que “A tributação autónoma de determinadas despesas, tal como está inscrita no Código do IRC, poderia estar inscrita no Código do IVA ou no Código do Imposto do Selo ou em diploma autónomo do mesmo modo que poderia ser liquidada conjuntamente com outro imposto diferente do IRC ou autonomamente.”.

Apontam e desenvolvem, por fim, as Requerentes a ideia, recentemente consagrada a nível jurisprudencial, segundo a qual “o momento de verificação dos factos tributários sujeitos a IRC stricto sensu não coincide com o momento de verificação dos factos tributários sujeitos a tributação autónoma pois se o lucro tributável das pessoas coletivas é de formação sucessiva, no período a que respeita, já as despesas sujeitas a tributação autónoma não podem deixar de se considerar verificadas, por completo, no momento em que nelas se incorre, pelo que a tributação que sobre as mesmas impende configura um imposto de formação instantânea e de obrigação única.”

Concluem, para além do mais, as Requerentes, que:

o               A tributação é autónoma justamente porque se abstém de considerações sobre o resultado fiscal do sujeito passivo (lucro tributável ou prejuízo fiscal) e do respetivo quantitativo;

o               Ao contrário do que sucede com os impostos sobre o rendimento, a tributação autónoma não assenta na capacidade contributiva;

o               A tributação autónoma é despojada de quaisquer elementos de pessoalização do imposto sobre o rendimento;

o               A tributação autónoma não se confunde com o IRC, sendo indiferente que com este partilhe a sua liquidação e pagamento;

o               A tributação autónoma configura um imposto indireto de natureza especial, porquanto incide sobre determinadas despesas.

Culminando o seu raciocínio, sustentam as Requerentes que “Configurando a tributação autónoma um imposto indireto, porquanto, como se viu, é um tributo que incide sobre a despesa e não sobre o rendimento (...), os encargos incorridos pelos sujeitos passivos com a tributação autónoma não poderão deixar de ser considerados dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável.”.

*

22.            O nó górdio da matéria em questão nos autos, reside no artigo 45.º/1/a) do CIRC, que diz que:

“Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação:

a) O IRC e quaisquer outros impostos que direta ou indiretamente incidam sobre os lucros;”.

Essencialmente, trata-se de apurar in casu se as quantias suportadas pelas Requerentes com as tributações autónomas, liquidadas e pagas nos termos do CIRC, são excluídas da determinação do lucro tributável, taxado nos termos do mesmo Código.

                        Quando se fala em tributações autónomas, como é o caso, é conveniente desde logo ter presente que está em causa um conjunto de situações díspares, que, conceitualmente, se podem reconduzir a um de três tipos, a saber:

o               Tributação autónoma de determinados rendimentos (ex.: n.ºs 3, 5 e 6 do CIRS);

o               Tributação autónoma de determinados encargos dedutíveis (ex. n.ºs 3 e 4 do artigo 88.º do CIRC);

o               Tributação autónoma de despesas não dedutíveis (ex.: artigos 1 e 2 do artigo 88.º do CIRC).

Em causa nos autos está o segundo dos elencados tipos de tributação autónoma, mas para a compreensão da matéria e correspondente decisão será conveniente ter sempre presente uma visão abrangente da matéria.

Antes de prosseguir, convém ainda pôr de lado um par de assunções tomadas como certas pelas Requerentes, mas que se entende carecerem da devida sustentação na realidade.

                        Assim, afirmam as Requerentes que as tributações autónomas (de encargos dedutíveis em IRC) são um imposto indireto.

                        Ressalvado o respeito devido, e desde logo face à própria definição de imposto indireto apresentada pelas Requerentes , a tributação autónoma não se apresentará como um imposto indireto, no sentido de incidir sobre o consumo.

                        Efetivamente, na situação em análise estarão sempre em causa despesas dedutíveis, em que, como tal, se terá de assumir como verificado o critério geral do artigo 23.º/1 do CIRC, ou seja, da indispensabilidade das mesmas “para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora”. Deste modo, apoditicamente, as despesas em causa não serão “consumo”, mas “produção”, razão pela qual, de resto, o IVA que sobre a correspondente operação incida será deduzido ou reembolsado ao seu autor, e não suportado por este.

                        Desenvolvem também as Requerentes a ideia de que as tributações autónomas terão uma natureza sancionatória relativamente aos autores das despesas que as desencadeiam, referindo-se-lhes como um “imposto com fim sancionatório”.

                        Ressalvado, também aqui, o respeito devido, entende-se que a conclusão retirada pelas Requerentes extrapola os pressupostos dos quais parte. É que, se as tributações autónomas penalizam, efectivamente, os respectivos sujeitos passivos, fazem-no, grosso modo, no mesmo sentido que qualquer tributo, enquanto encargo patrimonial, penaliza quem o suporta, e, especificamente, no mesmo sentido em que os impostos com componente parafiscal penalizam quem por eles é tributado.

                        Posto isto, cumprirá, então, apreciar a questão da natureza das tributações autónomas que nos ocupam.

*

                 23. Entendem as Requerentes, em suma e como se disse já, que as tributações autónomas relativas a despesas com encargos dedutíveis em sede de IRC incidem sobre despesa, e não sobre rendimento, e que “A tributação autónoma de determinadas despesas, tal como está inscrita no Código do IRC, poderia estar inscrita no Código do IVA ou no Código do Imposto do Selo ou em diploma autónomo do mesmo modo que poderia ser liquidada conjuntamente com outro imposto diferente do IRC ou autonomamente.”.

                        Reconhecendo-se a matéria em causa como inequivocamente complexa, resultado de uma sucessão de alterações legislativas num contexto de degradação económica, entende-se que não só as coisas não serão, necessariamente, como pugnam as Requerentes, como, até, aquele não será o enquadramento mais adequado aos dados legais.

                        O entendimento sustentado pelas Requerentes assenta, essencialmente, na jurisprudência formada ao longo dos últimos anos, relativamente à constitucionalidade da norma do artigo 5.º, n.º 1, da Lei n.º 64/2008, de 5 de dezembro, na parte em que fez retroagir a 1 de janeiro de 2008 a alteração do artigo 81.º, n.º 3, alínea a), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, consagrada no artigo 1.º-A do aludido diploma legal, e que culminou com a respetiva declaração de inconstitucionalidade, operada no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 617/2012, de 19-12-2012.

                        Esta jurisprudência, contudo, não se debruçou diretamente sobre a natureza jurídico-tributária das tributações autónomas em questão, mas incidiu especificamente sobre a questão da determinação da natureza do respectivo facto impositivo-tributário, ou seja, visou apurar qual o concreto facto do qual resultava o nascimento da obrigação jurídico-tributária de suportar o imposto, tendo concluído que tal facto era a realização de determinadas despesas relativas a encargos identificados na lei – facto de natureza instantânea – e que, como tal, a aplicação impositiva a factos anteriores à entrada em vigor da lei seria contrária à Constituição.

                        Deste modo, a jurisprudência invocada, não abrange a questão da "natureza" das tributações autónomas em IRC, mas unicamente da determinação da natureza do facto tributário (instantâneo ou continuado), que lhes subjaz.

                        Não quer, naturalmente, o que vem de se dizer significar que da jurisprudência em questão não se possam retirar subsídios sobre o entendimento que esteve de alguma forma subjacente à corrente jurisprudencial em causa, na matéria que ora nos ocupa. Não se deve é deixar de ter em vista que, como se disse, não foi essa a questão que constituiu, diretamente, alvo de ponderação dos tribunais, e que qualquer pretensão que se tenha no referido campo deverá obter sustentação no próprio texto argumentativo das decisões, tendo em conta o respectivo contexto, e não no imediato segmento decisório-conclusivo.

                        Ora, vistas as coisas desta forma, concluir-se-á, senão no sentido contrário ao veiculado pelas Requerentes, pelo menos no sentido de que não se deverá considerar como, necessariamente, subjacente à jurisprudência em questão, o entendimento sustentado por aquelas.

Com efeito, e desde logo, o referido Ac. 617/12 do TC, parece aderir à posição do Prof. Saldanha Sanches na matéria, ali citada, segundo a qual:

"Com esta previsão, o sistema mostra a sua natureza dual, com uma taxa agravada de tributação autónoma para certas situações especiais que se procura desencorajar, como a aquisição de viaturas para fins empresariais ou viaturas em princípio demasiado dispendiosas quando existem prejuízos. Cria-se, aqui, uma espécie de presunção de que estes custos não têm uma causa empresarial e, por isso, são sujeitos a uma tributação autónoma. Em resumo, o custo é dedutível, mas a tributação autónoma reduz a sua vantagem fiscal, uma vez que, aqui, a base de incidência não é um rendimento líquido, mas, sim, um custo transformado – excecionalmente – em objeto de tributação.";

Ainda no mesmo Acórdão pode ler-se também que "Já no que respeita à tributação autónoma em IRC, o facto gerador do imposto é a própria realização da despesa" (sublinhado nosso), demonstrando assim ter subjacente a ideia de que não obstante o facto gerador do imposto ser a realização da despesa, a tributação ainda ocorre no âmbito do IRC!

Continuando, refere o Acórdão em questão que:

“Por esta razão, Sérgio Vasques (cfr. Manual de Direito Fiscal, Almedina, 2011, pág. 293, nota 470) chama a atenção para a circunstância de os impostos sobre o rendimento contemplarem elementos de obrigação única, como as taxas liberatórias do IRS ou as taxas de tributação autónoma do IRC.”

Também no segundo voto de vencido do mesmo Acórdão se escreveu que:

"Não estamos aqui, em rigor, perante um imposto de obrigação única mas perante factos tributários que incidindo sobre as despesas dedutíveis estão indissociavelmente ligados ao apuramento e liquidação do IRC" (sublinhado nosso).

De resto, já no Ac. 18-2011 do TC, se podia ler, no voto de vencido percursor da inversão jurisprudencial subsequentemente operada, que:

"Embora formalmente inserida no CIRC e o montante que permita arrecadar seja liquidado no seu âmbito e a título de IRC, a norma em causa respeita a uma imposição fiscal que é materialmente distinta da tributação nesta cédula" (sublinhado nosso).

                        Ou seja, e independentemente do que se considere ser o entendimento subjacente relativamente à natureza das tributações autónomas de despesas dedutíveis em IRC, conclui-se que na própria linha jurisprudencial em que as Requerentes sustentam a sua pretensão, nunca esteve em causa que a quantia arrecadada por via daquelas tributações autónomas o era a título de IRC, de onde se conclui que daquela jurisprudência não decorre, então, como pretendem as Requerentes, que os encargos suportados por aquelas devam ser considerados custos dedutíveis para efeitos do referido imposto.

*

24.            É certo que, ainda no Acórdão 617/2012 do TC, se refere que:

“Na verdade, embora a tributação de determinados encargos esteja formalmente inserida no Código do IRC e o respetivo montante seja liquidado no âmbito daquele imposto, tal tributação é uma imposição fiscal materialmente distinta da tributação em IRC.”

Contudo, e salvo melhor opinião, não estará aqui o TC a tomar posição quanto à natureza jurídica das tributações autónomas ora em causa, entendendo-as como um imposto distinto do IRC.

É que, desde logo, o TC, pensa-se que deliberadamente, não utiliza a expressão imposto, ao exprimir a distinção que opera, falando antes em “imposição fiscal” e “tributação”.

Por outro lado, contextualmente entendida, tendo em conta não só as passagens já atrás evidenciadas, em especial a citação de Sérgio Vasques, como o quadro e a finalidade com que é feita a distinção em causa, dever-se-á entender que a afirmação ora comentada se reporta à forma de imposição da obrigação fiscal de pagar as quantias tributadas em sede de tributação autónoma, como sendo materialmente distintas.

Isto não obstará, assim, a que se entenda que, embora aceitando-se como materialmente distinta, no sentido estatuído pelo TC, quanto à forma de imposição fiscal (sendo uma através de um facto instantâneo e outra através de um facto continuado), a tributação quer em sede das tributações autónomas que ora nos ocupam, quer em sede de IRC tout court, ocorram no âmbito e a título de IRC, do mesmo modo que, por exemplo, as tributações autónomas em sede de IRS (e as próprias taxas liberatórias que, salvo melhor opinião, integrarão elas próprias uma espécie de tributação autónoma), apesar de poderem ter por base factos instantâneos, são liquidadas e pagas a título de IRS.

Entende-se, assim, em suma, que uma coisa é o tipo de facto tributário que está na base de determinada imposição. Outra coisa é o título a que tal imposição é devida, no fundo, a causa  da obrigação de imposto. E no caso das tributações autónomas em sede de IRC, essa causa, o título a que o imposto é exigido, será, ainda, o IRC.

Neste sentido, dever-se-á atentar, desde logo, que o regime legal das tributações autónomas em questão apenas faz sentido no contexto da tributação em sede de IRC. Ou seja, desligado do regime legal deste imposto, carecerão aquelas, por completo, de sentido. A sua existência, o seu propósito, a sua explicação, no fundo, a sua juridicidade, apenas é compreensível e aceitável no quadro do regime legal do IRC.

De fato, e ao contrário do que afirmam as Requerentes, as tributações autónomas ora em análise, pertencem, sistematicamente ao IRC, e não ao IVA (como se viu), ao IS, ou a um qualquer novo imposto.

É que, embora se possa aceitar que o facto tributário impositivo é cada uma das singulares despesas legalmente tipificadas, o certo é que não são estas, qua tale, o objecto final da tributação, a realidade que se pretende gravar com o imposto. Se assim fosse, seriam, obviamente taxadas, todas as despesas realizadas por todos os sujeitos, e não apenas por alguns deles.

Ou seja, as tributações autónomas do género que ora nos ocupam estão fortemente ligadas aos sujeitos do imposto sobre o rendimento respectivo, e, mais especificamente, à actividade económica por eles levada a cabo.

Este aspecto torna-se ainda mais evidente, se se atentar num outro dado fundamental: a circunstância de as tributações autónomas que ora nos ocupam apenas incidirem sobre despesas dedutíveis!

Esta circunstância, crê-se, é elucidativa da imbricação existente entre aquelas e o IRC (no caso), e justificativa não só da sua inclusão no CIRC, mas, igualmente, da sua integração, de pleno direito, como parte do regime jurídico do IRC .

De fato, não só apenas as despesas realizadas por sujeitos passivos de IRC é que estão sujeitas à imposição de tributação autónoma em tal quadro, como tais despesas apenas o estarão se aqueles sujeitos as elegerem como despesas dedutíveis no apuramento da matéria tributável de tal imposto.

O quadro deste modo traçado é, considera-se, substancialmente distinto do que seria um imposto que incidisse sobre determinadas despesas, objectivamente consideradas, afigurando-se que a qualidade e a opção do sujeito passivo têm aqui uma relevância, senão maior, pelo menos idêntica à despesa que despoleta a imposição tributária.

 De resto, sempre se poderá dizer que se o sujeito passivo de IRC optar por não deduzir ao lucro tributável para efeitos daquele imposto os encargos correspondentes às despesas sujeitas a tributação autónoma, não terá de suportar esta, o que será demonstrativo do que acima se apontou, ou seja, de que a causa das tributações autónomas radica, ainda e em última análise, no regime do IRC.

*

 

25.            Não obsta, ao que vem de se dizer, o disposto no artigo 1.º do CIRC, que refere que o imposto em causa “incide sobre os rendimentos obtidos (...)no período de tributação”.

Com efeito, e desde logo, a norma em causa é uma norma programática ou ordenatória, proclamando um sentido ou intencionalidade geral (normal), do tributo em causa, mas não tendo subjacente qualquer intenção estritamente tipificadora ou delimitadora.

Por outro lado, tal norma preexiste à emergência do atual regime das tributações autónomas em IRC, não se devendo, portanto, retirar qualquer conclusão decisiva da manutenção do seu teor face àquele fenómeno, a não ser, eventualmente, a falta de ponderação pelo legislador da globalidade do sistema, quando procede a alterações pontuais daquele.

Em todo caso, afigura-se que não será sequer caso de, em concreto, ratificar tal conclusão, na medida em que, na perspetiva do legislador, as tributações autónomas integrarão, efetiva e inequivocamente o regime do IRC, sendo devidas a título deste imposto, como resulta do artigo 12º do CIRC, já vigente à data dos factos, que refere que:

“As sociedades e outras entidades a que, nos termos do artigo 6.º, seja aplicável o regime de transparência fiscal não são tributadas em IRC, salvo quanto às tributações autónomas.” (sublinhado nosso).

Ou seja, na perspectiva do sistema, as tributações autónomas integram o regime do, e são devidas a título de, IRC, razão pela qual na norma que se vem de transcrever o legislador ressalvou expressamente a sua aplicação. Daí que, paralelamente, se fosse intenção do legislador excluir as tributações autónomas do âmbito da alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC, o teria dito expressamente.

Por outro lado, e reforçando o que se vem de expor, o artigo 3.º da recente Lei 2/2014 de 16 de janeiro, veio aditar o artigo 23.º-A do CIRC, que sucede ao anterior artigo 45.º e ao qual, pelo que vem de se dizer, deve ser conferido, na matéria que nos ocupa, caráter interpretativo, veio dispor que:

“1 — Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação:

a) O IRC, incluindo as tributações autónomas, e quaisquer outros impostos que direta ou indiretamente incidam sobre os lucros;” (sublinhado nosso).

Ou seja, e em suma, o legislador entendia, e continua a entender, que as tributações autónomas integram o IRC, senão enquanto imposto stricto sensu, pelo menos em termos de fazerem parte do mesmo regime fiscal unitário.

Deve-se, para além de tudo o mais, ter em conta, que a norma do artigo 45.º do CIRC situa-se num contexto de ampla discricionariedade legislativa. Ou seja, na definição do que sejam encargos dedutíveis ou não dedutíveis para efeitos fiscais, o legislador fiscal goza de uma ampla liberdade concretizadora. Daí que, não se possa dizer que esteja vedado ao legislador, pela “natureza” das tributações autónomas, excluí-la dos encargos dedutíveis para efeitos fiscais.

Entende-se, deste modo, que será legítimo ao legislador incluir ou excluir as tributações autónomas que nos ocupam daquela categoria dos encargos dedutíveis para efeitos fiscais, independentemente da “natureza” que a doutrina ou a jurisprudência lhes surpreenda. A questão, devidamente situada, será então a de determinar qual a intenção do legislador, expressa no texto legislativo, compreendido no seu todo. E sob este prisma, a conjugação do teor do artigo 12.º do CIRC com o artigo 45.º/1/a) do mesmo, não deixará grandes dúvidas, quanto ao entendimento legislativo de que as tributações autónomas, se não constituem IRC stricto sensu, integrarão seguramente o regime daquele imposto, e serão devidas a esse título.

Acresce ainda que nenhum óbice de princípio existe a que o legislador isole determinados tipo de rendimentos e os grave taxas específicas, ou diferenciadas, como ocorre, por exemplo, nos casos previstos no n.º 4 do atual CIRC.

De igual modo, nenhum óbice de princípio existe a que o imposto em questão seja devido, liquidado e pago, não em função de um período (mais ou menos longo) de tributação, mas por força da ocorrência de factos instantâneos, como ocorre já, por exemplo, nos casos de retenção na fonte com caráter definitivo (cfr. artigo 94.º/3 do CIRC).

De resto, nem o resultado, aparentemente tão contraintuitivo e impressionante, de poder ser devido o pagamento de imposto por via das tributações autónomas que ora nos ocupam, mesmo em caso de inexistência de um rendimento (positivo) no final do período de tributação, não é avis rara no regime do IRC.

Assim, e em alguns dos já apontados casos de retenção na fonte a título definitivo, pode ocorrer o caso de o titular dos rendimentos sujeitos àquela retenção tenha tido despesas que excedam os rendimentos.

Também no caso da operacionalidade de algumas das cláusulas anti-abuso específicas (artigos 63.º a 67.º do CIRC), por força da consideração de custos, pode ocorrer que os sujeitos passivos sejam tributados por um lucro tributável ficto, na medida em que possa estar em causa a desconsideração de custos, efectivamente suportados, mas desconsiderados por abusivos. Poder-se-á dar o caso, assim, de um sujeito passivo ter de pagar IRC, não obstante ter tido, na realidade, prejuízos.

*

26.            Tudo aquilo que se tem vindo a dizer, evidencia que a evolução do regime legal do IRC transmutou-o, transformando-o numa realidade complexa e multifacetada, aos mais diversos níveis, que se reflete, na matéria que nos ocupa nestes autos, na tal “natureza dual” de que falava a Prof. Saldanha Sanches na passagem citada no Acórdão 617/2012 do TC.

O reconhecimento desta dualidade de natureza, não prejudica contudo, como se entende estar subjacente quer à citação em causa quer à jurisprudência que a cita, que se considere que o sistema, apesar de dual, é o mesmo. Dito de outro modo, apenas faz sentido falar-se de um sistema dual, se o sistema em questão for, ainda, o mesmo. Caso contrário falar-se-ia não de um sistema de natureza dual, mas de dois sistemas distintos, o que, por tudo o que se vem dizendo, não será o que ocorre. E, in casu, o sistema será o regime do IRC, que operando ora pela receita, ora pela despesa, visa e prossegue as finalidades próprias daquele imposto, incluindo, evidentemente, a arrecadação de receita.

Não obstante, o referido modus operandi pela via da despesa, típico das tributações autónomas em análise, será ainda assim, materialmente conexionável com o rendimento que, em última análise legitima o IRC.

Efetivamente, e como atrás se evidenciou, as referidas tributações apenas intervêm porquanto o sujeito passivo opta por as deduzir ao seu lucro tributável em IRC. Esta circunstância explica-se materialmente pela existência de lucros actuais que o sujeito passivo pretende ver diminuídos, ou por uma expectativa de lucros futuros, que serão igualmente diminuídos por força da contabilização do encargo correspondente à despesa sujeita a tributação autónoma. Desta forma, num ou noutro caso, estar-se-á sempre em última análise a ter em vista um rendimento, presente ou futuro, que o legislador tolera tributar menos, em troca de uma tributação imediata, aquando da realização da despesa, visando então, nesta perspetiva, as tributações autónomas a que nos referimos, ainda que mediatamente, o rendimento do sujeito passivo. Será, pode dizer-se, uma forma de, indiretamente e através da despesa, tributar o rendimento.

É por ser isto assim que é conferida ao sujeito passivo a opção de contabilizar como encargo dedutível o montante da despesa, suportando a respetiva tributação autónoma, ou não a deduzir, sendo tributado pelo rendimento daí decorrente, nos termos “normais”.

As tributações autónomas ora em questão, integrarão assim, e sobre este ponto de vista, o elenco de normas anti-abuso específicas, sendo patente a similitude, por exemplo, com a norma do atual artigo 65.º/1 do CIRC, que dispõe que:

“Não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável as importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, salvo se o sujeito passivo puder provar que tais encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado.”.

                        Ou seja, nos casos a que se reportam as tributações autónomas suportadas pelas Requerentes nos autos, o legislador podia ter optado por um regime semelhante ao estatuído na norma transcrita. Em vez disso, optou o legislador por não ir tão longe, ficando um patamar aquém, e permitindo a dedutibilidade das despesas com os encargos em causa, contra o pagamento imediato de uma (pequena) parte do lucro tributável que, presente ou futuramente, irá ser afetado pela pelo encargo deduzido.

                        No entanto, será inegável a similitude dos regimes, bem como das preocupações e finalidades que lhes estão subjacentes.

                        Reconhece-se aqui, evidentemente, aquelas caraterísticas que já há já alguns anos a doutrina vem apontando às tributações autónomas em causa, como sejam:

a)              a tributação autónoma só faz sentido porque os custos/gastos relevam como componentes negativas do lucro tributável do IRC. É isso que motiva os sujeitos passivos do IRC a relevar um valor tão elevado quanto possível desses gastos para diminuir a matéria tributável do IRC, a coleta e, consequentemente, o imposto a pagar;

b)             se trata de tratar desfavoravelmente esses gastos que, pela sua natureza, são facilmente desviados do consumo privado para o empresarial;

c)              pretende-se desincentivar esse tipo de gastos em sujeitos passivos que apresentam resultados negativos mas que, independentemente disso, continuam a evidenciar estruturas de consumo pouco ou nada compagináveis com a saúde financeira das suas empresas;

d)             trata-se, em tese mais geral, de modelar o sistema fiscal de modo que este revele um certo equilíbrio tendo em vista uma melhor repartição da carga tributária efetiva entre contribuintes e tipos de rendimento;

e)              se trata materializar o reconhecimento de que não é fácil determinar a medida exata da componente de alguns desses gastos que corresponde a consumo privado, e que, por isso, sendo conhecida a prática geral de abuso na sua relevação.

                        Melhor ou pior, as tributações autónomas ora em causa deverão ser assim entendidas como uma forma de obstar a determinadas atuações abusivas, que o “normal” funcionamento do sistema de tributação era incapaz de impedir, sendo que outras, incluindo formas mais gravosas para o contribuinte, eram possíveis.

Este caráter antiabuso das tributações autónomas, será não só coerente com a sua natureza “anti-sistémica” (como acontece com todas as normas do género), como com uma natureza presuntiva, apontada quer pelo Prof. Saldanha Sanches quer pela jurisprudência que o cita.

Neste prisma, as tributações autónomas em análise, terão então subjacente uma presunção de empresarialidade “parcial” das despesas sobre que incidem, em função da supra-apontada circunstância de tais despesas se situarem numa linha cinzenta que separa aquilo que é despesa empresarial, produtiva, daquilo que é despesa privada, de consumo, sendo que, notoriamente, em muitos casos, a despesa terá mesmo na realidade uma dupla natureza (parte empresarial, parte particular).

Confrontado com esta dificuldade, o legislador, em lugar de simplesmente afastar a sua dedutibilidade, ou inverter o ónus da prova empresarialidade das despesas em questão (impondo, por exemplo, a demonstração de que “não têm um carácter anormal ou um montante exagerado.”, como faz no artigo 65.º/1 do CIRC), optou por consagrar o regime actualmente vigente, que, não obstante, tem precisamente o mesmo fundamento, a mesma finalidade, e o mesmo tipo de resultado, que outras formas utilizadas noutras situações típicas do regime (no caso) do IRC.

                        Esta presunção de “empresarialidade parcial”, deverá, em coerência, considerar-se como abrangida pela possibilidade de elisão decorrente do art.º 73.º da LGT, quer pelo contribuinte, quer pela Administração Tributária.

O que se afigura, de resto, conforme a uma adequada distribuição do ónus probatório, na medida em que incidindo as tributações autónomas em causa sobre despesas de empresarialidade à partida não evidente, será o contribuinte quem estará melhor posicionado para demonstrar que tal requisito se verifica em concreto.

                        Por seu lado, a própria Administração Tributária, caso o entenda e considere que o caso justifica o inerente dispêndio de meios, poderá sempre demonstrar que, relativamente às despesas em questão, e ainda que sobre elas tenha incidido tributação autónoma, não se verifica o requisito geral do artigo 23.º/1 do CIRC, designadamente a sua indispensabilidade para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora .

                        Assim, e em suma, as tributações autónomas cujo encargo pretendem as Requerentes ver subtraídas ao seu lucro tributável, poderão ser encaradas como uma espécie de norma antiabuso consensual, em que o legislador propõe ao contribuinte uma de três alternativas, a saber:

a) não deduzir a despesa;

b) deduzir mas pagar a tributação autónoma, dispensando-se, quer a si quer à Administração Tributária de discutir a questão da empresarialidade da despesa;

c) provar a empresarialidade integral da despesa, e deduzi-la integralmente, não suportando a tributação autónoma.

                        De resto, o reconhecimento desta natureza presuntiva, será, para além de tudo o mais, uma salvaguarda da sua constitucionalidade, na medida em que estará garantida a possibilidade da respectiva dedução integral pelo contribuinte, ou a sua não dedução, consoante o lado para o qual a presunção que lhes está subjacente seja, em cada caso, infirmada.

*

27.            Face a tudo o que se vem de expor, considerando-se que as tributações autónomas que incidem sobre encargos dedutíveis em IRC integram o regime, e são devidas a título, deste imposto, e, como tal estão abrangidas pela disposição da alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC, não constituirão as despesas com o pagamento daquelas tributações encargos dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável, devendo, em consequência, improceder a presente acção arbitral.

 

F) DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

a)              Não tomar conhecimento das suscitadas questões de constitucionalidade;

b)             Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência manter os actos tributários impugnados;

c)              Condenar as Requerentes nas custas do processo, no montante de €3.060.00, tendo-se em conta o já pago.

 

G) Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em €108.729,50, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

H) Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €3.060.00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar integralmente pelas Requerentes, uma vez que o pedido foi integralmente improcedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se

24 de Fevereiro de 2014

O Árbitro Presidente

 

(José Pedro Carvalho - Relator)

 

O Árbitro  Vogal

 

(Luciano dos Santos Carvalho)

 

O Árbitro  Vogal

 

(João Maricoto Monteiro)