Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 94/2017-T
Data da decisão: 2017-07-10  Selo  
Valor do pedido: € 10.566,10
Tema: IS - Inutilidade superveniente da lide
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

I. RELATÓRIO

1. No dia 31 de janeiro de 2017, a sociedade A…, S. A., NIPC …, com sede na Rua…, n.º…, Porto (doravante, Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade e a anulação do ato de liquidação de Imposto do Selo, realizado ao abrigo da Verba 28.1 da TGIS, no montante de € 10.566,10, relativo ao ano de 2013 e incidente sobre o prédio urbano, consubstanciado em terreno para construção, sito na freguesia de …, concelho de Gondomar, inscrito na matriz predial urbana da dita freguesia sob o artigo … .

A Requerente juntou 3 (três) documentos, não tendo requerido a produção de quaisquer outras provas. 

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida ou AT).

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT em 6 de fevereiro de 2017.

            3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do tribunal arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

4. No dia 10 de março de 2017, a AT veio, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 13.º, n.º 1, do RJAT, apresentar um requerimento, comunicando a revogação do ato tributário controvertido, nos seguintes termos que importa aqui respigar:

«…o Chefe do Serviço de Finanças de Gondomar … revogou, por Despacho com data de 07.03.2017, o acto de liquidação impugnado [«acto de liquidação da Verba 28.1 da TGIS, do ano de 2013, no montante de € 10.566,10, referente ao artigo … inscrito na matriz predial urbana da freguesia de … (…), concelho de Gondomar, como terreno para construção»], determinando o consequente reembolso do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios.»

5. No dia 10 de março de 2017, a Requerente foi devidamente notificada quer desse requerimento da AT quer do despacho do Senhor Presidente do CAAD, com o seguinte teor:

«Com referência ao Processo n.º 94/2017-T e na sequência da comunicação da Autoridade Tributária e Aduaneira prevista no artigo 13.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT), solicita-se a V. Exa. que, face ao circunstancialismo previsto no artigo 13.º, n.º 2 do RJAT, se digne informar o CAAD, querendo, sobre o prosseguimento do procedimento.»

6. No dia 21 de março de 2017, as Partes foram devidamente notificadas da designação do signatário como árbitro do tribunal arbitral singular, não tendo manifestado vontade de recusar essa designação, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas b) e c), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

7. Nada tendo a Requerente vindo dizer/requerer aos autos, na sequência da predita notificação, mencionada no ponto 5 (cinco), em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 5 de abril de 2017.

8. No dia 6 de junho de 2017, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta que rematou da seguinte forma:

            «Nos termos supra expostos e nos demais de Direito que V. Exa. doutamente suprirá, devem ser julgadas procedentes as excepções invocadas:

            Deve ser ordenada a extinção da Instância, com fundamento na impossibilidade da lide, nos termos da alínea e) do artigo 277.º do CPC ex vi 29.º do RJAT,

            Ou, caso assim não se entenda,

Deve ser julgada procedente a exceção peremptória invocada e a AT absolvida na totalidade do pedido, nos termos do n.º 3 do 576.º do CPC ex vi 29.º do RJAT,

Ou, ainda,

Seja julgada procedente a exceção da incompetência material do Tribunal Arbitral, para apreciar o pedido de juros indemnizatórios;

Devendo a Entidade Requerida ser dispensada do pagamento de custas por ter revogado em tempo os actos impugnados,

Tudo com as demais consequências legais.»

9. A Requerente foi devidamente notificada para, querendo, se pronunciar sobre as questões e exceções invocadas pela AT, nada tendo vindo dizer/requerer aos autos.

10. O Tribunal dispensou quer a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT quer a apresentação de alegações finais, tendo fixado o dia 14 de julho de 2017 como data limite para a prolação da decisão arbitral.

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II. SANEAMENTO

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.

O processo não enferma de nulidades.

            As partes gozam de personalidade e de capacidade judiciárias, encontram-se devidamente representadas e são legítimas.

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            II.I. DA INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE

            O artigo 277.º, alínea e), do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, dispõe o seguinte: “A instância extingue-se com a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide”.

A impossibilidade da lide ocorre em caso de morte ou extinção de uma das partes, por desaparecimento ou perecimento do objeto do processo ou por extinção de um dos interesses em conflito.

A inutilidade superveniente da lide tem lugar quando, em virtude de novos factos ocorridos na pendência do processo, a decisão a proferir já não tem qualquer efeito útil, ou porque não é possível dar satisfação à pretensão que o demandante quer fazer valer no processo ou porque o fim visado com a ação foi atingido por outro meio.

A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide traduz-se, assim, numa impossibilidade ou inutilidade jurídica, cuja determinação tem por referência o estatuído na lei.

Segundo José Lebre de Freitas, Rui Pinto e João Redinha (Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, pág. 555), “a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por já ter sido atingido por outro meio”.

Volvendo ao caso concreto, temos que a AT satisfez por inteiro e de modo voluntário as pretensões que a Requerente formulou nestes autos.

Nessa medida, os resultados que a Requerente visava com o presente processo arbitral foram já integralmente atingidos, pelo que a decisão arbitral que, normalmente, seria proferida, conhecendo do mérito das pretensões deduzidas, se afigura destituída de qualquer efeito útil, pelo que não se justifica a sua prolação.   

            Sem necessidade de maiores considerações, julga-se, pois, verificada a inutilidade superveniente da lide.

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            III. DA RESPONSABILIDADE PELAS CUSTAS

Nos termos do disposto no artigo 536.º, n.º 3, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, nos casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide (excetuados os previstos nos números anteriores), a responsabilidade pelas custas fica a cargo do autor ou requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável ao réu ou requerido, caso em que é este o responsável pela totalidade das custas; o n.º 4 do mesmo artigo estatui, no que aqui importa atentar, que se considera, designadamente, que é imputável ao réu ou requerido a inutilidade superveniente da lide quando esta decorra da satisfação voluntária, por parte deste, da pretensão do autor ou requerente.

No caso concreto, temos que a pretensão da Requerente foi satisfeita voluntariamente pela AT, por esta ter revogado o ato tributário impugnado.

No entanto, a AT procedeu à aludida revogação ainda antes da constituição deste Tribunal Arbitral singular, sendo que o prosseguimento do processo (rectius, do procedimento arbitral), apesar da satisfação integral e voluntária dos pedidos formulados, por parte da AT, só à Requerente pode ser imputável.

Porquanto, notificada para se pronunciar quanto ao requerimento apresentado pela AT, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 13.º, n.º 1, do RJAT, a Requerente nada veio dizer/requerer aos autos, pelo que, atenta essa postura silente da Requerente e apenas por causa dela, houve lugar à constituição deste Tribunal Arbitral singular; efetivamente, a constituição do Tribunal Arbitral não teria ocorrido se a Requerente tivesse, na referida ocasião, vindo aos autos pronunciar-se no sentido da inutilidade superveniente da lide e consequente extinção do processo, uma vez que é apodítico que essa inutilidade superveniente da lide verificou-se em momento anterior ao da constituição do Tribunal Arbitral. 

As custas deste processo devem, por isso, ser totalmente imputáveis à Requerente.

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IV. DECISÃO

            Nos termos expostos, este Tribunal Arbitral decide:

a)       Declarar extinta a presente instância arbitral, por inutilidade superveniente da lide;

b)      Condenar a Requerente no pagamento das custas do processo.

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VALOR DO PROCESSO

Em conformidade com o disposto nos arts. 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de € 10.566,10.

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CUSTAS

Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT e no artigo 4.º, n.º 4, e na Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o montante das custas é fixado em € 918,00 (novecentos e dezoito euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

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Notifique.

 

Lisboa, 10 de julho de 2017.

 

O Árbitro,

 

 

(Ricardo Rodrigues Pereira)