Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 55/2017-T
Data da decisão: 2017-07-06  IUC  
Valor do pedido: € 5.787,23
Tema: IUC – Incidência Subjetiva – Presunções Legais.
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DECISÃO ARBITRAL-TRIBUTÁRIA

 

 

1           RELATÓRIO

 

1.1     – A…, S.A.,NIPC:…, Reclamante no procedimento tributário, acima e, à margem referenciado, doravante, denominada “Requerente”, veio, invocando o disposto nos números 1 e 2 do artigo 10º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante RJAT), do artigo 99º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) e do números 1 do artigo 95º da Lei Geral Tributária (LGT), requerer a constituição do Tribunal Arbitral Singular, que consubstancia um pedido de impugnação aos atos  tributários de liquidação de Imposto Único de Circulação, descritos na tabela  constante do Anexo A, que faz parte integrante do presente Pedido , nos seguintes termos:

 

-   A anulação de 77 atos adicionais de liquidações do Imposto Único de Circulação (doravante designado por IUC), efetuados pela Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT), relativo a 59 veículos, referente aos anos de: 2013 e 2014, conforme tabela do Anexo A, que faz parte integrante do Pedido de Pronuncia Arbitral Tributária;

 

-   O pedido de reembolso do valor global de € 5.787,23, que incluem os correspondentes juros compensatórios, indevidamente pagos pela Requerente (descriminados, também, na tabela do supra referido Anexo A);

 

-   Considera a Requerente que tem, também, o direito aos juros indemnizatórios previstos nos artigos 43º da LGT e no artigo 61º do CPPT, ambos, ex vi, artigo 29º do RJAT.

 

1.2     Nos termos do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 6º e da alínea b) do nº 1 do artigo 11º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, na redação introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro singular, Maria de Fátima Alves, que comunicou a aceitação do cargo, no prazo aplicável:

-   O  Tribunal Arbitral foi constituído em 2017-04-18, conforme o preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do Decreto-Lei nº10/2011,de 20 de Janeiro, na redação introduzida pelo artigo 228º da Lei 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

 

1.3     A Requerente, na fundamentação do seu pedido de pronúncia arbitral, afirma, em resumo, o seguinte:

 

-   As autoliquidações impugnadas nos autos foram efectuadas pela Requerente e integralmente pagas, apesar delas discordar (cfr., docºs nos 1 a 59, tabela do Anexo A, junto aos autos);

 

-   Pelo que a Requerente, apresentou Reclamação Graciosa, que foi indeferida;

 

-   Em consequência desse indeferimento, apresentou, a Requerente, Recurso Hierárquico, também indeferido, conforme Anexo B, junto aos autos;

 

-   Ora, a Requerente é uma Instituição Financeira, que se dedica, também, no âmbito da sua atividade ao financiamento ao sector automóvel;

 

- Celebrando, entre outros, contratos de locação financeira ou leasing;

 

-   Contratos, esses, que, in casu, foram celebrados com os respectivos clientes, tendo estes já escolhido o tipo de veículo automóvel que pretendiam adquirir, incluindo tipo, marca e preço;

-   Procedendo-se, à posteriori, a entrega dos referidos veículos aos respetivos clientes que assumem, nesse momento, a qualidade de locatários com a concretização do contrato de locação mediante prestações mensais pecuniárias (cfr., documentos nºs 60 a 118º, constante da já citada tabela do Anexo A);

-    No termo do contrato, cada locatário exerceu o direito ao bem locado, pelo valor residual, acrescido de despesas e IVA, conforme resulta das faturas de venda juntas como documentos nºs: 119 a 177 e, identificadas, na tabela do Anexo A;

 

-   Pelo que nas datas a que se reportam os factos tributários das liquidações controvertidas, a Requerente já não era proprietária dos referidos veículos;

 

-   Não podendo, por isso, a Requerente assumir a qualidade de sujeito passivo, do IUC liquidado;

 

-   Reforça o facto de não ser, sujeito passivo à data da exigibilidade do imposto, conforme se pode observar pelos documentos dos contratos e das faturas de venda que titulam a venda dos respectivos veículos, constantes dos supra citados documentos referidos no Anexo A, relativo a cada uma das viaturas controvertidas e, que fazem parte integrante dos autos.

 

-   Faturas, essas, que são enviadas, automaticamente, após a sua emissão, aos respectivos clientes, transmitindo, assim, a propriedade dos veículos aos seus devidos proprietários.

 

-   Situação que se verifica, também, no âmbito dos contratos de locação, pelo que fica afastada, assim, a responsabilidade da Requerente pelo pagamento do respectivo IUC, nos termos do nº 2, do artigo 3º do CIUC, pois são estes os proprietários dos veículos por força do contrato de locação;

 

-    A Requerente põe em relevância o facto de ser uma locadora financeira dos respetivos veículos automóveis e, perante a tipologia dos referidos contratos nunca os conduziu por conta própria ou em seu interesse, qualquer dos veículos locados  constantes da tabela do referido Anexo A, junto aos autos;

 

 

-    Considera, a Requerente, que perante os factos, contextualmente descritos, que a imputação do IUC só deve ser aplicada aos que causem danos à rede viária e ao ambiente, conforme o disposto no principio da equivalência, artigo 1º do CIUC, que consagra o princípio do pagador /poluidor, cfr., Sérgio Vasques, in “O princípio da equivalência como critério de igualdade tributária”, Almedina, 2008, p. 312 sgs.

 

-   Do qual resulta que: o prejuízo que advém para o ambiente, decorrente da utilização dos veículos automóveis, sejam assumidos pelos reais poluidores, pois são estes os agentes utilizadores dos mesmos, que os conduzem no seu próprio interesse (cfr., Sérgio Vasques, ”Reforma da Tributação Automóvel: problemas e perspectivas, Fiscalidade, nº 10, 2002, p. 60, 79 sgs”.

 

-   O que reforça a posição da Requerente, face às liquidações, em apreço, pois esta nunca foi a real poluidora e causadora dos danos ambientais, pois só se limitou a dar à locação os automóveis controvertidos e, a vendê-los, aos respectivos locatários ou a terceiros, quando os referidos contratos já tinham terminado, cfr., docºs nºs 60 a 118, 119 e 177, Anexo A, junto aos autos;

 

-   Atento o contextualmente descrito, à data, dos factos tributários, a Requerente, não podia, ser considerada, sujeito passivo do imposto, facto que lhe veda qualquer responsabilidade subjetiva pelo seu pagamento.

 

 

1.4     A Requerida, Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT), apresentou Resposta, da qual se retira que os atos tributários, controvertidos, não enfermam de qualquer vício de violação de Lei, pronunciando-se pela improcedência da requerida e pela manutenção dos atos de liquidação questionados, defendendo, sumariamente o seguinte:

 

-   Considera que a Requerente faz uma errada interpretação e aplicação das normas legais, subsumíveis ao caso sub judice;

-   Porque a Requerente não atende ao elemento sistemático, violando, assim a unidade do regime consagrado em todo o CIUC e, “mais amplamente, em todo o sistema jurídico fiscal, ignorando a ratio do regime do artigo 3º do CIUC”;

-   Assenta a sua posição no facto de não considerar qualquer presunção legal no artigo 3º do CIUC;

-   Pois considera que se trata “de uma opção clara de politica legislativa acolhida pelo legislador”, entendendo que o “legislador, considera como proprietários, aqueles, que como tal, constem do registo automóvel”;

 

-   Porque, pese, embora, o facto da Requerente “alegar ter celebrado contratos de locação financeira, é responsável pelo IUC”, não considerando, portanto, o nº 2 do artigo 3º do CIUC, afastando, assim, o plasmado no artigo 73º da LGT, que descreve que “as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário”;

 

-   De todas as suas alegações, consubstanciadas no articulado da Resposta, retira-se, que nos autos, em análise, o IUC só é devido pelas pessoas que figurem no registo automóvel;

 

-   Contudo, há que considerar que no caso sub judice, se está perante uma tipologia específica da circulação de veículos no espaço público, que consubstancia os danos viários e ambientais causados, pelos respectivos  utilizadores/poluidores, que devem ser responsáveis, segundo o princípio da equivalência previsto no artigo 1º do CIUC( que será desenvolvido, no capítulo próprio);

 

-   Factos que poem em causa a exigibilidade do imposto único de circulação de veículos;

-   A Requerida põe, também, em causa a veracidade dos meios probatórios, contratos de locação e faturas de venda, correspondentes aos respectivos veículos;

-   Pois não os considera” aptos a comprovar a celebração de um contrato sinalagmático”;

-   Ora, talvez, por lapso, a Requerida não considera, que neste caso específico, a compra e venda de veículo, tem liberdade de forma, nos termos do art.219º do CC., potenciando que o contrato de compra e venda possa ser  por contrato verbal, embora,  no caso concreto não se verifique;

-   Pois como se sabe, a alteração da titularidade do direito de propriedade, adquirida por forma verbal, de compra e venda de veículos” releva para efeitos do IUC, desde a data da transmissão dos respectivos veículos, conforme o disposto no artigo 17º-A do CIUC;

-   Fundamenta, a Requerida de que “o legislador tributário, nos artigos 3º e 6º do CIUC, estabeleceu claramente as premissas quanto ao facto gerador do imposto, bem como da sua exigibilidade, consignando inequivocamente que tal facto é constituído pela propriedade do veículo, tal como atestada pela matrícula ou registo em território nacional”;

-   Sendo, portanto, irrelevante que a Requerente tenha transmitido, com o contrato de “Leasing” e da venda, a propriedade dos veículos automóveis, a “terceiros”;

-   A Requerida, face os factos, sumariamente expostos:

 

-   Não leva em linha de conta, o princípio da “equivalência”, previsto no nº 1º do CIUC, corolário do princípio do poluidor/pagador, com assento no, nº2 do artigo 66º da CRP e na Doutrina, supra referida no ponto 1.3 e que será melhor esclarecida (mais à frente) na presente Decisão Arbitral ;

-   Não relevando os meios probatórios, consignados nos contratos e nas faturas de compra e venda, quando oficiosamente os tem ao seu alcance, principalmente, no âmbito de IRC, pois a Requerente tem, necessariamente, uma escrita organizada, que permite aferir os rendimentos e perdas da sua actividade financeira.

 

1.5     A reunião prevista no artigo 18º do RJAT foi dispensada, por se tratar de questões já suficientemente debatida, quer nos autos quer na Jurisprudência, entendendo, este Tribunal Arbitral Tributário, desnecessário as alegações finais, prescindindo da inquirição de testemunhas.

1.6     Tendo este Tribunal designado o dia 2017-07-06, para a Decisão Final.

 

 

 

 

2           QUESTÕES DECIDENDAS

 

2.1     Face ao exposto nos números anteriores, relativamente à exposição das partes e aos argumentos apresentados, as principais questões a decidir são as seguintes:

 

-   A alegação feita pela Requerente relativa à ilegalidade material dos atos de liquidação e à ilegalidade dos atos de juros acessórios, face aos anos de 2013 e 2014, referente ao IUC sobre os veículos supra referenciados na PI;

 

-   A errada interpretação e aplicação das normas de incidência subjetiva do imposto único de circulação liquidado e cobrado, o que constitui, a questão central a decidir no presente processo.

 

-   O valor jurídico do registo dos veículos automóveis.

 

3           FUNDAMENTOS DE FACTO

 

3.1     Em matéria de facto, relevante para a decisão a proferir, dá o presente Tribunal por assente, face aos elementos existentes nos autos, os seguintes factos:

 

-   A Requerente apresentou elementos probatórios constantes dos documentos nºs; 1 a 59, 60 a 118, 119 a 177, constantes da tabela do Anexo A, junto aos autos, que se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais;

-   Considerando-se, também a doutrina e Jurisprudência, apresentada pela mesma, excluindo-se o Requerimento da Requerente, apresentado a este Tribunal, em 2017-07-04, por não se considerar necessário, para a apreciação do mérito da presente causa. 

 

-   A Requerida na sua Resposta, assentou a sua defesa em: descrições, legais, doutrinas e jurisprudências, que foram devidamente analisadas.

Ressalvando-se, no entanto, o Requerimento apresentado a este Tribunal, em 22-06-2017, como prova documental, que não foi junto aos autos, por este Tribunal, nos termos, do nº 1 do art. 6º do CPC, ex vi artigo 29 do RJAT, entender, após análise, que o mesmo não trazia factos novos para a boa decisão da presente causa.

 

 

3.1.1 FUNDAMENTAÇÃO DOS ATOS PROVADOS

-   Os factos dados como provados estão baseados nos documentos anexos ao pedido de pronúncia arbitral da supra referida PI e, da Resposta da Requerida e PA, todos, anexos aos autos que se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais.

 

      3.1.2 FACTOS NÃO PROVADOS

-   Não existem factos dados como não provados, dado que todos os factos tidos como relevantes para a apreciação do mérito da causa foram provados.

 

4           FUNDAMENTOS DE DIREITO

 

4.1     O Tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2º nº 1, alínea a), 5º nº 2, alínea a), 6º nº 1, 10º nº1, alínea a) e nº 2 do RJAT:

 

-   As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas, ex vi, artigos 4º e 10º, nº 2, do RJAT e artigo nº 1 da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março;

 

-   O processo não enferme de nulidades.

 

 

 

4.2     O pedido, objeto do presente processo consiste na declaração de anulação dos atos de liquidação do IUC, correspondente aos veículos automóveis melhor identificados nos autos;

 

4.2.1        Condenação da AT ao reembolso do montante do imposto relativo a tais liquidações no valor global de € 5.787,23;

4.2.2        Condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios sobre o mesmo montante.

 

4.3     Segundo o entendimento da AT, basta que no registo, o veículo conste como propriedade de uma determinada pessoa, para que essa pessoa seja o sujeito passivo da obrigação tributária.

 

4.4     A matéria de facto está fixada, tal como consta do nº 3.1 supra, importando, agora, determinar o Direito aplicável aos factos subjacentes, de acordo com as questões decidendas, identificadas no nº 2.1 supra, sendo certo, que a questão central, em causa, nos presentes autos, relativamente à qual existem entendimentos absolutamente opostos entre a Requerente e a AT, consiste em saber se o nº 1  e 2 do artigo 3º do CIUC relativo à incidência subjetiva do imposto único de circulação consagra ou não uma presunção ilidível.

 

4.5     Tudo analisado e, tendo em conta, por um lado, as posições das partes em confronto, mencionadas nos pontos 1.3 e 1.4 supra e, considerando, por outro lado que a questão central a decidir é a de saber se o nº 1 e 2 do artigo 3º do CIUC consagra ou não uma presunção legal de incidência tributária, cumpre, neste contexto, apreciar e proferir decisão.

 

5           QUESTÃO DA ERRADA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DA NORMA DE INCIDÊNCIA SUBJETIVA DO IUC

 

5.1     Considerando ser pacífico o entendimento, na doutrina, de que na interpretação das leis fiscais valem plenamente os princípios gerais de interpretação os quais serão, apenas e naturalmente, limitados pelas exceções e particularidades ditadas pela própria lei objeto de interpretação. Trata-se de um entendimento que tem vindo a merecer acolhimento nas Leis Gerais Tributárias de outros países e que veio também a ter assento no artigo 11º da nossa Lei Geral Tributária, o que vem, aliás, sendo frequentemente sublinhado pela jurisprudência.

É consensualmente aceite que tendo em vista a apreensão do sentido da lei, a interpretação socorre-se, a priori, em reconstruir o pensamento legislativo através das palavras da lei, o que significa, procurar o seu sentido literal, valorando-o e aferindo-o à luz de outros critérios, intervindo, os designados elementos de natureza lógica, racional ou teleológicos e de ordem sistemática:

 

-   A propósito da interpretação da lei fiscal, há a considerar a jurisprudência, nomeadamente, os Acórdãos do STA de 05-09-2012, processo nº 0314/12, de 06-02-2013, processo 01000/12, disponíveis em www.dgsi.pt, a importância do disposto no artigo 9º do Código Civil (CC), enquanto elemento fundamental da hermenêutica jurídica;

 

-   Dispõe o nº 1 do artigo 3º do CIUC que “São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados”;

 

 

-   A formulação usada no referido, artigo, socorre-se da expressão “considerando-se” o que suscita a questão de saber se, a tal expressão, pode ser atribuído um sentido presuntivo, equiparando-se à expressão “presumindo-se”, tratando-se de expressões frequentemente utilizadas, com sentidos equivalentes;

 

-   Como ensina Jorge Lopes de Sousa, in Código do Procedimento e do Processo Tributário, Anotado e Comentado, volume I , 6ª Edição, Área Editora, SA, Lisboa 2011, p. 589, que em matéria de incidência tributária, as presunções podem ser reveladas pela  expressão “presume-se” ou por expressão semelhante, aí se mencionando diversos exemplos  dessas presunções, referindo-se a constante no artigo 40º, nº 1 do CIRS, em que se usa a expressão “ presume-se” e a constante no artigo 46º nº 2, do mesmo Código, em que se faz uso da  expressão “considera-se”, enquanto expressão com um efeito semelhante àquela e, consubstanciando, igualmente, uma presunção;

-   Na formulação legal exarada no nº 1 do artigo 3º do CIUC, em que se consagrou uma presunção, revelada pela expressão “considerando-se”, de significado semelhante e de valor equivalente à expressão “presumindo-se”, em uso desde a criação do imposto em questão;

 

-   O uso da expressão “considerando-se” mais não visou do que o estabelecimento de uma aproximação mais vincada e nítida entre o sujeito passivo do IUC e o efetivo proprietário do veículo, o que está em sintonia com o reforço conferido `a propriedade do veículo, que passou a constituir o facto gerador do imposto, nos termos do artigo 6º do CIUC;

 

 

-   A relevância e o interesse da presunção, em causa, que historicamente foi revelado por intermédio da expressão “presumindo-se” e que agora, se serve da expressão “considerando-se”, reside na verdade e na justiça que, por essa via, se confere às relações fiscais e, que corporizam valores fiscais fundamentais, permitindo tributar o real e efetivo proprietário e não aquele que, por circunstâncias de diversa natureza, não passa, por vezes, de um aparente e falso proprietário. Se o caso, assim não fosse considerado, não se admitindo e relevando a apresentação de elementos probatórios destinados à demonstração de que o efetivo proprietário é, afinal, pessoa diferente da que consta do registo e, que inicialmente, e em princípio, se supunha ser o verdadeiro proprietário, aqueles valores seriam objetivamente postergados.

 

5.2     Há a considerar, também, o princípio da equivalência, inscrito no artigo 1º do CIUC, que tem subjacente o princípio do poluidor-pagador e, concretiza a ideia nele inscrita de que quem polui deve, por isso, pagar (v. Fernanda Alves e Nuno Vitorino, “O Balanço da Reforma da Fiscalidade Automóvel”p. 42 e sgs; Sérgio Vasques, in “ O princípio da equivalência como critério de igualdade Tributária”, Almedina, 2008, p. 312 sgs, e, também, o do mesmo autor “Reforma da Tributação Automóvel: problemas e perspectivas”, Fiscalidade, nº 10, 2002, p. 79 e sgs).O referido principio tem assento constitucional, na medida em que representa um corolário do disposto na alínea h) do nº 2 do artigo 66º da constituição, tendo, também, assento no direito comunitário, seja ao nível do direito originário, artigo 130º-R, do Tratado de Maastrich (Tratado da União Europeia, de 07-02-1992), onde o aludido principio passou a constar como suporte da Politica Comunitária, no domínio ambiental e que visa responsabilizar quem contribui com os prejuízos que advêm para a comunidade, decorrentes da utilização dos veículos automóveis, sejam assumidos pelos seus proprietários-utilizadores, como custos que só eles devem suportar.

 

5.3     Atentos os factos supra descritos, importa salientar que os já referidos elementos de interpretação, sejam os relacionados com a interpretação literal, apoiada nas palavras legalmente utilizadas, sejam as respeitantes aos elementos lógicos de interpretação, de natureza histórica ou de ordem racional, apontam, todos eles, no sentido de que a expressão “considerando-se” tem um sentido equivalente à expressão “presumindo-se”, devendo, assim entender-se que o disposto no nº 1 do artigo 3º do CIUC consagra uma presunção legal que, face ao artigo 73º da LGT, onde se estabelece que “As presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário”, será necessariamente ilidível, o que significa que os sujeitos passivos são, em princípio, as pessoas em nome de quem tais veículos estejam registados. Serão, pois, essas pessoas, identificadas nessas condições a quem a AT se deve, necessariamente, dirigir;

 

 

-   Mas será, em princípio, dado que no quadro de audição prévia, de carácter obrigatório, face ao disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 60º da LGT, a relação tributária poderá ser reconfigurada, validando-se o sujeito passivo inicialmente identificado ou redirecionando-se o procedimento no sentido daquele que for, afinal, o verdadeiro e efetivo, sujeito passivo do imposto em causa.

 

-   O contribuinte tem o direito de ser ouvido, mediante audição prévia (José Manuel Santos Botelho, Américo Pires Esteves e José Cândido de Pinho, in Código do Procedimento Administrativo, Anotado e Comentado, 4ª edição, Almedina, 2000, anotação 8 do artigo 100º).

 

 

-   A audição prévia que, naturalmente, se há-de concretizar em momento imediatamente anterior ao procedimento da liquidação, corresponde à sede e altura própria para, com certeza e segurança se identificar o sujeito passivo do IUC.

 

 

6           SOBRE O VALOR JURIDICO DO REGISTO

 

6.1     Relativamente ao valor jurídico do registo, importa notar o que estabelece o nº 1 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 54/75, de 12 de Fevereiro (diversas vezes alterado, sendo a última por via da Lei nº 39/2008, de 11 de Agosto), quando estatui que “o registo de veículos tem essencialmente por fim dar publicidade à situação jurídica dos veículos a motor e respetivos reboques, tendo em vista a segurança do comércio jurídico”:

 

-   O artigo 7º do Código do Registo Predial (CRP), aplicável, supletivamente, ao registo de automóveis, por força do artigo 29º do CRA, dispõe que” O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”;

 

-   O registo definitivo não constitui mais do que uma presunção ilidível, admitindo, por isso, contraprova, como decorre da lei e a jurisprudência vem assinalando, podendo ver-se, entre outros os Acórdãos do STJ nº 03B4369 de 19-02-2004 e nº 07B4528, de 2008-01-29, disponíveis em: www.dgsi.pt;

 

-   Portanto, a função legalmente reservada ao registo é por um lado a de publicitar a situação jurídica dos bens, no caso em apreço, dos veículos e, por outro lado, permite-nos presumir que existe o direito sobre esses veículos e que o mesmo pertence ao titular, como tal inscrito no registo, não tem uma natureza constitutiva do direito de propriedade, mas apenas declarativa, daí que o registo não constitua condição de validade da transmissão do veículo do vendedor para o comprador;

 

-   Os adquirentes dos veículos tornam-se proprietários desses mesmos veículos por via da celebração dos correspondentes contratos de compra e venda, com registo ou sem ele;

 

 

-   Neste contexto cabe lembrar que, face ao disposto no nº 1 do artigo 408º do CC, a transferência de direitos reais sobre as coisas, no caso sub judice, veículos automóveis, é determinado por mero efeito do contrato, sendo que nos termos do disposto na alínea a) do artigo 879º do CC, entre os efeitos essenciais do contrato de compra e venda, avulta a transmissão da coisa;

 

-   Face ao exposto, torna-se claro que o pensamento legislativo aponta no sentido de que o disposto no nº 1 do artigo 3º do CIUC, consagra uma presunção “juris tantum, consequentemente ilidível, permitindo, assim, que a pessoa, que, no registo, está inscrita como proprietária do veículo, possa apresentar elementos de prova destinados a demonstrar que tal propriedade está inserida na esfera jurídica de outra pessoa, para quem a propriedade foi transferida;

 

-   O que no referente aos factos controvertidos, existem, junto aos autos documentos, que foram provados pela Requerente, tanto em sede de audição prévia, como no pedido de pronúncia arbitral, configurando, por isso a certeza de que pertence aos respetivos proprietários/utilizadores, dos veículos, a responsabilidade subjetiva dos IUCs, nos termos do nº 1 e 2 do artigo 3º do CIUC.

 

 

7           A PRESUNÇÃO DO ARTIGO 3ºDO CIUC E A DATA EM QUE O IUC É EXIGIVEL

 

7.1     DATA EM QUE O IUC É EXIGÍVEL

 

-   O IUC é um imposto de tributação periódica, cuja periodicidade corresponde ao ano que se inicia no ato da matrícula ou em cada um dos seus aniversários, conforme o disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 4º do CIUC;

 

-   É exigível nos termos do nº 3 do artigo 6º do referido Código;

 

 

-   Sendo de referir que, quanto à liquidação do IUC tributado à Requerente sobre os veículos supra referenciados, nos anos de 2013 e 2014, há que considerar, que ao momento dos factos tributários, as viaturas em causa estavam na esfera jurídica dos proprietários/utilizadores dos referidos automóveis, porque estes detêm o uso e o gozo dos referidos veículos, pelo que nos termos do nº1 e 2 do art. 3º do CIUC, têm que ser responsabilizados, pelo pagamento da obrigação do referido imposto, cfr. docºs nºs 60 a 118, 119 e 177, constantes da tabela, in Anexo A, junto aos autos.

 

7.1.1        Em relevância sobre o ónus da prova, estipula o artigo 342º nº 1 do CC “àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”;

7.1.2        Também o artigo 346º do CC (contra prova) determina, que “à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contra prova a respeito dos mesmos factos, destinados a torná-los duvidosos; se o conseguir, é a questão decidida contra a parte onerada com a prova.” (Como afirma Anselmo de Castro, A., 1982, ED. Almedina Coimbra, “Direito Processual Civil Declaratório”, III, p. 163, “recaindo sobre uma das partes ónus probatório, à parte contrária basta opor contra prova, sendo esta uma prova destinada a tornar duvidosa os factos alegados pela primeira”.

Assim, no caso dos autos, o que a Requerente tem que provar, afim de ilidir a presunção que decorre quer do artigo 3º do CIUC quer do próprio Registo Automóvel, é que ela Requerente não era proprietária dos veículos em causa no período a que dizem respeito as liquidações impugnadas. Propõe provar, segundo resulta dos autos, é que a propriedade dos veículos, não lhe pertenciam nos períodos a que as liquidações dizem respeito. Apresentando, assim, as faturas de venda e os contratos de locação dos veículos constantes dos documentos, 60 a 118, 119 a 177, identificados na tabela, contante do Anexo A, junta aos autos, que se dão por integralmente reproduzidas, para todos os efeitos legais.

 

 

7.2     ILISÃO DA PRESUNÇÃO

 

-   A Requerente, como se refere em 3.1., relativamente aos factos provados, alegou, com o propósito de afastar a presunção, não ser sujeito passivo do imposto, aquando da ocorrência dos factos tributários, oferecendo para o efeito os seguintes documentos;

 

-   Faturas de venda aos respectivos locatários e a terceiros e, contratos de locação (cfr, documentos junto aos autos com os nºs,60 a 118, 119 a 177, identificados na tabela, constante do ANEXO A, junto aos autos);

 

-   Ora, esses documentos, gozam, da presunção da veracidade prevista no nº 1 do artigo 75º da LGT. Decorrendo daqui, que à data em que o IUC era exigível quem detinha a propriedade dos veículos automóvel eram os legítimos proprietários e utilizadores e não a Requerente, devido à tipologia do  contrato de locação financeira (leasing) e respectivas vendas.

 

8           OUTRAS QUESTÕES RELATIVAS À LEGALIDADE DOS ATOS DE LIQUIDAÇÃO

 

-   Relativamente à existência de outras questões atinentes à legalidade dos atos de liquidação, tendo em conta que está ínsito no estabelecimento de uma ordem de conhecimentos dos vícios, tal como o previsto no artigo 124º do CPPT, que procedendo o pedido de pronúncia arbitral baseado em vícios que impedem a renovação das liquidações impugnadas, fica prejudicado, porque inútil, o conhecimento de outros vícios, pelo que não se afigura necessário conhecer das demais questões suscitadas.

 

 

 

9           REEMBOLSO DO MONTANTE TOTAL PAGO

 

-   Nos termos do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 24º do RJAT e, em conformidade com o aí estabelecido, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação, vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos de procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários ”Restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”

 

-   Trata-se de comandos legais que se encontram em total sintonia com o disposto no artigo 100º da LGT, aplicável ao caso, ex vi, do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 29º do RJAT, no qual se estabelece que “ A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, correspondendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei”;

 

 

-   O caso constante nos presentes autos, suscita a manifesta aplicação das mencionadas normas, posto que na sequência da ilegalidade dos atos de liquidação, referenciados, neste processo, terá, por força dessas normas, de haver lugar ao reembolso dos montantes pagos, seja a título do imposto pago(cfr., docºs nºs 1 a 59, constantes da tabela do Anexo A), seja dos correspondentes juros compensatórios, como forma de alcançar a reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade.

 

 

10       DO DIREITO A JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

-   A declaração da ilegalidade e consequente anulação de um ato administrativo confere ao destinatário do ato o direito à reintegração da situação em que o mesmo se encontraria antes da execução do ato anulado.

-   No âmbito da liquidação do imposto, a sua anulação confere ao sujeito passivo o direito à restituição do imposto pago, acrescidos dos correspondentes juros compensatórios e, em regra, o direito a juros indemnizatórios, nos termos do nº 1 do artigo 43º da LGT e, artigo 61º do CPPT.

-   Pelo que tem a Requerente direito a juros indemnizatórios sobre o montante de imposto pago referente às liquidações anuladas.

 

 

 

11       DECISÃO

Face ao exposto, este Tribunal Arbitral decide:

-   Julgar procedente o pedido de declaração da ilegalidade da liquidação do IUC, respeitante aos anos de: 2013 e 2014, relativamente aos veículos automóveis identificados no presente processo, anulando-se, consequentemente, os correspondentes atos tributários;

-   Julgar procedente o pedido de condenação da Administração Tributária no reembolso da quantia indevidamente paga, no montante de €5.787,23 ( cinco mil, setecentos e oitenta e sete euros e vinte e três cêntimos),  condenando a Autoridade Tributária e Aduaneira a efetuar estes pagamentos;

 

-   Deve, também, a AT efetuar o pagamento correspondente ao montante devido aos juros indemnizatórios, sobre o imposto pago referente às liquidações anuladas, nos termos do nº 1 do artigo 43º da LGT, ex vi, do nº 2 do artigo 61º, do CPPT (Redação da Lei nº 55-A/2010, de 31-12, entrada em vigor, em 2011-01-01.

 

VALOR DO PROCESSO: Em conformidade com o disposto nos artigos 306º nº 2 do CPC e 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 5.787,23.

CUSTAS: De harmonia com o nº 4 do artigo 22º do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 612,00, nos termos da Tabela I, anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Notifique-se, as partes.

Lisboa, 2017-07-06

 

O Árbitro

Maria de Fátima Alves

 

 

 

 

 

 (o texto da presente decisão foi elaborado em computador, nos termos do artigo 131, nº 5 do Código do Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29º, nº 1 alínea e) do Decreto-Lei 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), regendo-se a sua redação pela ortografia atual)