Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 50/2017-T
Data da decisão: 2017-06-26  IMT Selo  
Valor do pedido: € 10.513,16
Tema: IMT e IS – FIAH; artigo 236º da Lei nº 83-C/2013, de 31/12.
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

I – RELATÓRIO

 

1. A…, SA, com sede na … …, nº …-… …-… Lisboa, contribuinte fiscal nº…, doravante designado por “Requerente”, sociedade gestora do fundo de investimento imobiliário “B…– FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO PARA ARRENDAMENTO HABITACIONAL, registado junto da Comissão de Valores Mobiliários, com o número de identificação fiscal … (doravante Requerente) apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, a alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, doravante designado por “RJAT” e da Portaria n.º 112 – A/2011, de 22 de março, para impugnação e declaração de ilegalidade de duas liquidações de Imposto, a saber:

- Liquidação de IMT com o nº…, no valor de €8.598,21;

- Liquidação de IS com o nº…, no valor de €1.915.58.

 

2. Os atos tributários impugnados são referentes ao prédio descrito na matriz predial urbana sob o artigo urbano…, fração “U”, na União de Freguesias de …, …, … e …, no concelho de Oeiras.

 

3. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral, apresentado pela Requerente em 16-01-2017, na mesma data foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira, nos termos e para os efeitos legalmente previstos. A Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1, do artigo 6.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, em 06-03-2017, designou a ora signatária como árbitro. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º, do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 21-03-2017. Em 23-03-2017 foi proferido despacho arbitral para a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) apresentar resposta no prazo legal, nos termos e para os efeitos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 17.º do RJAT.

 

A Requerida veio juntar aos autos a sua resposta, no prazo legal, que se dá por integralmente reproduzida. Em 01-05-2017 foi proferido despacho arbitral para as partes se pronunciarem sobre a possibilidade de dispensa de realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, porquanto a matéria em discussão nos autos é exclusivamente de direito, não havendo diligências de prova a produzir, podendo o processo prosseguir para alegações e decisão final.

Em 16-05-2017 a Requerente pronunciou-se favoravelmente manifestando a vontade de apresentar alegações por escrito. A Requerida AT manifestou, igualmente, a sua concordância, pelo que, em conformidade foi proferido despacho arbitral dispensando a realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, fixado prazo para as partes alegarem por escrito e indicada data provável de prolação da decisão arbitral até 26 de junho de 2017. devendo a requerente efetuar o pagamento da taxa arbitral subsequente no prazo fixado para a decisão.

As partes juntaram as suas alegações, respetivamente, em 16-05-2017 e 18-05-2017.

 

 

B) DO PEDIDO FORMULADO PELA REQUERENTE:

 

 

4. A Requerente formula o presente pedido de pronúncia arbitral, como refere no pedido arbitral  formulado, para “aferir se o artigo 236.º (Norma Transitória no âmbito do Regime Especial Aplicável aos FIIAH e SIIAH) previsto pela Lei n.º 83 – C/2013, de 31 de Dezembro - na medida em que determina a aplicação do actual Regime Tributário dos FIIAH «aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de Janeiro de 2014, contando-se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n.º 14 a partir de 1 de Janeiro de 2014» - consubstancia um novo regime de caducidade das isenções previstas no n.º 7, alínea a) e n.º 8 do artigo 8.º (Regime Tributário) do Regime Tributário dos FIIAH, revelando uma violação flagrante e inequívoca do princípio da não retroactividade da lei fiscal, plasmado no artigo 103.º (Sistema fiscal), número 3, da Constituição da República Portuguesa.”

 Pretende a Requerente o Tribunal Arbitral anule as liquidações supra descritas, por entender que as mesmas padecem de inconstitucionalidade, uma vez que assentam no artigo 236º (Norma Transitória no âmbito do Regime Especial Aplicável aos FIIAH e SIIAH) previsto pela Lei n.º 83 – C/2013, de 31 de Dezembro (LOE para 2014) na medida em que determina a aplicação do atual Regime Tributário dos FIIAH «aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de Janeiro de 2014, contando-se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n.º 14 a partir de 1 de Janeiro de 2014» - consubstancia um novo regime de caducidade das isenções previstas no n.º 7, alínea a) e n.º 8 do artigo 8.º (Regime Tributário) do Regime Tributário dos FIIAH, revelando uma violação do princípio da não retroatividade da lei fiscal, plasmado no artigo 103º, número 3, da Constituição da República Portuguesa.

Entende, ainda, a Requerente que a violação deste princípio constitucional, consubstancia uma garantia fundamental dos contribuintes (direito fundamental), cuja violação é geradora de nulidade dos atos tributários praticados.

Em síntese alega a Requerente que no momento em que o prédio em questão ingressou no património do Fundo, as isenções de IMT e de Imposto de Selo (IS), impostos de obrigação única, ficaram definitivamente cristalizadas na ordem jurídica, sendo que à data de ingresso dos imóveis no respetivo fundo imobiliário, as isenções não eram condicionadas à verificação de qualquer facto ou circunstância, nem estavam sujeitas a qualquer regime de caducidade. Sendo assim, a imposição superveniente desses factos ou circunstâncias a isenções cristalizadas na esfera jurídica do Requerente enferma de inconstitucionalidade por violação do princípio da não retroatividade da lei fiscal (retroatividade autêntica, na medida em que os factos tributários que a lei nova pretende regular já produziram todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga).

Mas, mesmo que assim não se entenda, alega o Requerente que as liquidações sempre teriam de ser anuladas por vício de ilegalidade, gerador de anulabilidade.

Estes são, sumariamente, os argumentos que o Requerente invoca no seu pedido e que reforça nas alegações juntas aos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidas. A Requerente juntou aos autos cópia do Parecer jurídico emitido pelos Senhores Professores C… e D…, sobre a questão da (in)constitucionalidade da norma contida no artigo 236º da Lei nº 83- C/2013 de 31 de dezembro

O Requerente conclui o seu pedido arguindo a nulidade das liquidações com base na sua inconstitucionalidade, e, subsidiariamente, caso assim não se entenda, a anulação das liquidações por ilegalidade. Requer ainda o reembolso da totalidade de imposto liquidado e pago e dos juros indemnizatórios que sejam devidos até à data desse reembolso.

 

C – A RESPOSTA DA REQUERIDA

 

5. A Requerida AT, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua resposta na qual, por impugnação, alegou, em síntese, o seguinte:

a) Exceção de incompetência material do tribunal arbitral, porquanto, o pedido formulado pelo Requerente assenta na invocação de inconstitucionalidade abstrata da norma à luz da qual suscitou as liquidações de imposto impugnadas, matéria reservada exclusivamente ao Tribunal Constitucional.

b) A impossibilidade da AT desaplicar a norma legal em causa, com fundamento na sua inconstitucionalidade, pois está sujeita ao princípio da legalidade, conforme resulta do disposto nos artigos 266º, nº2 da CRP, 3º nº1 do CPA e 55º da LGT. Esta questão está devidamente equacionada e tratada pela doutrina e pela Jurisprudência dos Tribunais superiores. Do seu ponto de vista, os atos tributários em causa, não violaram qualquer preceito legal ou constitucional e as liquidações são uma consequência do destino dado ao imóvel ter sido outro que não o arrendamento, o qual já resultava objetivamente da versão da lei de 2008 que introduziu no sistema o regime jurídico aplicável a estes Fundos. O regime tributário aplicável aos FIIAH, desde o seu início, que cumprir o pressuposto de serem destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente. Sempre estiveram condicionadas a este pressuposto, pelo que a Lei 83-C/2013, de 31 de dezembro, veio apenas densificar o critério já exigido. Desenvolve abundante argumentação em torno do regime aplicável aos benefícios fiscais e à verificação ou fiscalização das condições que o determinaram e invoca abundante jurisprudência arbitral que tem confirmado este entendimento.

Conclui pela incompetência do Tribunal arbitral em matéria de fiscalização abstrata da inconstitucionalidade e, caso assim não se entenda, pela improcedência do pedido arbitral e confirmação da legalidade das liquidações.

 

 

II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

 

 

6. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído.

 

Quanto à questão da (in)competência do Tribunal:

 

7. A Requerida veio alegar a incompetência do Tribunal Arbitral, uma vez que no seu pedido a Requerente afirma expressamente que o objeto deste pedido é o de aferir se o artigo 236.º (norma transitória no âmbito do Regime Especial Aplicável aos FIIAH e SIIAH) previsto pela Lei n.º 83 – C/2013, de 31 de Dezembro - na medida em que determina a aplicação do atual Regime Tributário dos FIIAH aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de Janeiro de 2014, contando-se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n.º 14 a partir de 1 de Janeiro de 2014 - consubstancia um novo regime de caducidade das isenções previstas no n.º 7, alínea a) e n.º 8 do artigo 8.º (Regime Tributário) do Regime Tributário dos FIIAH, revelando uma violação flagrante e inequívoca do princípio da não retroatividade da lei fiscal, plasmado no artigo 103.º (Sistema fiscal), número 3, da Constituição da República Portuguesa.

 

Face à pretensão da Requerente, que expressamente refere que apresenta o pedido arbitral para aferir da inconstitucionalidade da norma transitória, contida no art. 236º da LOE para 2014, poderia concluir-se, tal como faz a AT, que a pretensão em causa assenta numa apreciação de inconstitucionalidade abstrata que extravasa a competência do tribunal arbitral. Porém, apreciado o pedido arbitral no seu todo, não podemos acompanhar esta conclusão da AT. Face a tudo o que vem alegado no pedido arbitral e, em particular ao pedido concreto que o Requerente formula, conclui-se que este invoca a inconstitucionalidade da já citada norma transitória para daí concluir pela ilegalidade concreta das liquidações (com fundamento em violação da Constituição e da Lei) e, em consequência, peticionar a sua anulação.

Assim, a alegação de inconstitucionalidade em que assenta o seu pedido, reporta-se em concreto à sua aplicação ao caso do prédio urbano identificado nos autos, atendendo à factualidade ocorrida. Assim sendo, está em causa a alegada inconstitucionalidade concreta, ou seja, a aplicação da norma transitória ao prédio descrito nos autos, enquanto fundamento para a invocada ilegalidade das liquidações aqui impugnadas.

Nesta conformidade, atendendo à configuração do pedido e da causa de pedir este tribunal arbitral é competente para conhecer da matéria, como resulta do disposto no artigo 2º, nº1, alínea a) do RJAT.

 Conclui-se, pois, que o tribunal arbitral é materialmente competente, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e, sendo a entidade requerida (AT) a autora formal das liquidações de imposto impugnadas, esta é parte legitima no presente processo arbitral.

 

8. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. artigos 4.º e 10.º n.º2 do RJAT e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de março).

O processo não padece de vícios que o invalidem, pelo que se verificam todos os pressupostos processuais para o tribunal arbitral conhecer do pedido.

 

9. Tendo em conta a prova documental junta aos autos, e o alegado pelas partes nos autos, cumpre fixar a matéria de facto relevante para a compreensão da decisão, que se fixa como segue.

 

 

III – Matéria de facto

 

 

A)    Factos Provados

 

 

10. Como matéria de facto relevante, dá o presente tribunal por assente os seguintes factos:

 

a) A sociedade Requerente, designada por A…– Sociedade Gestora de Fundos de Investimento, SA é uma sociedade gestora do fundo imobiliário B… - FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO PARA ARRENDAMENTO HABITACIONAL, registado junto da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, com o número fiscal …;

 

b) No âmbito da sua atividade, a Requerente efetuou adquiriu em 18-12-2013 o prédio urbano descrito na matriz predial urbana, sob o artigo U-…, da união de Freguesias de…, …, … e …, no concelho de Oeiras;

 

c) Este imóvel foi adquirido pelo Requerente em 2013, com destino a arrendamento habitacional;

 

d) Em 29-01-2014 o Requerente liquidou IMT, com referência a esta aquisição, com benefício de isenção de IMT e de IS, ao abrigo do regime jurídico fiscal dos FIAH, Lei 64- A/2008, de 31 de dezembro;

 

e) Em 08-11-2016, o Requerente solicitou a liquidação de IMT e IS, com referência ao imóvel descrito, com o valor declarado de €239.447,50 e indicou como motivo para a liquidação: “…porque vai ser alienada a fração supra indicada”

 

f) Em consequência foram emitidas as seguintes liquidações:

- Liquidação de IMT nº…, no valor de € 8.598,21;

- Liquidação de IS nº…, no valor de € 1.915,58.

 

g) As liquidações foram pagas em 09 de novembro de 2016.

 

h) O pedido arbitral foi apresentado em 16-01-2017.

 

 

B)    FACTOS NÃO PROVADOS

 

11. Não existem factos relevantes para a decisão que devam considerar-se como não provados.

 

C)    FUNDAMENTAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS

 

 

12. Os factos descritos foram dados como provados com base na prova documental que a Requerente juntou aos autos, confirmada pela AT. Pelo que, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos elencados, consensualmente reconhecidos e aceites pelas partes.

 

 

IV – DO DIREITO: fundamentação da decisão de mérito

 

 

13. Fixada, nos termos sobreditos, a matéria de facto, importa conhecer da questão de direito suscitada pela Requerente, a qual consiste em determinar se as liquidações de IMT e de IS objeto do pedido de pronúncia arbitral enfermam das ilegalidades alegadas.

 

Cumpre decidir.

 

14. Como vimos supra, a Requerente fundamenta o seu pedido de anulação das liquidações na sua ilegalidade decorrente da aplicação da norma do artigo 236º da Lei nº 83-C/2013 de 31 de dezembro, que entende ser inconstitucional, razão pela qual a AT não deveria aplicar tal dispositivo legal.

Alega a Requerente que as liquidações de imposto impugnadas decorrem, exclusivamente, do disposto no artigo 236º da Lei 83-C/2013, a qual se afigura inconstitucional por violação do princípio da proibição da retroatividade fiscal.

Assim, a questão que o Requerente quer ver apreciada é a da inconstitucionalidade concreta da aplicação da referida norma ao caso dos autos. Para tanto, alega que as liquidações de IMT e de IS aqui impugnadas decorrem da aplicação retroativa da referida norma, mas, na verdade, a razão que levou o Requerente a liquidar os referidos montantes de IMT e de IS foi a alienação do imóvel em 2016. Ou seja, o facto que despoletou as liquidações foi a decisão de alienação do imóvel, adquirido ao abrigo do regime dos FIIAH com benefício fiscal concedido no pressuposto de lhe ser dado um certo fim específico: o arrendamento habitacional. Ao decidir em 2016 pela sua alienação o Requerente viu-se na obrigação de proceder à liquidação dos respetivos montantes de imposto. Assim, afigura-se evidente que o motivo que levou às liquidações não foi a aplicação da norma transitória, mas sim a atribuição de um fim diverso do que a lei previa como pressuposto para os benefícios fiscais da isenção que se verificou no momento da sua aquisição anterior a 31 de dezembro de 2013.

Posto isto, a questão da inconstitucionalidade da norma transitória, nos termos em que vem suscitada pelo Requerente não se afigura adequada nem sequer relevante para a decisão da causa, por não ser esta a verdadeira razão que determinou a emissão das liquidações em causa.

O que releva para a boa decisão da causa é, outrossim, saber se os benefícios fiscais reconhecidos ao abrigo dos regimes jurídicos designados por FIIAH e SIIAH eram incondicionais e independentes do destino futuro que viesse a ser dado aos imóveis. Ora, não há dúvida que a resposta a esta questão é negativa, como se demonstrará.

 

15. Do regime jurídico fiscal aplicável aos FIAH, resulta que o benefício fiscal de isenção de IMT e de IS estava, desde 2008, sujeito a uma única e exclusiva condição: a dos imóveis terem como destino o arrendamento para habitação permanente. Daqui resulta, que, independentemente do regime introduzido pela referida norma transitória, aqueles sempre estariam obrigados ao pagamento dos impostos em causa, se e quando dessem outro destino ao prédio que não fosse o previsto na lei. Foi isso mesmo que sucedeu no presente caso.

Ainda assim, o Requerente alega que a AT não devia ter liquidado os impostos em causa, sob pena de violação do princípio da não retroatividade, o que consubstancia violação de um direito fundamental, geradora de nulidade do ato de liquidação. Ora, não tem razão. Desde logo porque as liquidações não assentam na referida norma transitória, mas sim numa consequência que decorre do regime jurídico originário, aplicável aos fundos imobiliários, e que sempre condicionou os benefícios fiscais concedidos ao destino a dar aos bens imóveis em causa.

Assim, tem razão a AT quando alega que não existe qualquer violação do princípio da não retroatividade, já que as liquidações têm origem num facto concreto que nada tem a ver com a norma transitória, mas sim a decisão de alienar o imóvel, dando a este um destino diferente daquele que a lei impõe (o arrendamento para habitação), pressuposto em que assentava o benefício fiscal concedido.

 

16. Ainda com referência à suscitada questão da inconstitucionalidade cabe reconhecer que a AT tem razão quando, assente na jurisprudência dos nossos tribunais superiores, invoca a sua submissão à lei e, por força disso, a impossibilidade de desaplicar uma norma em função da interpretação que faça quanto à sua inconstitucionalidade. Porém, esta questão é secundária no que releva para a decisão dos presentes autos, já que, como se disse anteriormente, o que está em causa é aferir se a emissão das liquidações impugnadas resulta da aplicação do disposto no artigo 236º da LOE para 2014, ou se resulta do facto do Requerente ter decidido dar ao imóvel outro fim distinto daquele que lhe permitiu beneficiar da isenção de imposto.

            Como resulta do que vem exposto, é entendimento deste tribunal que a questão determinante não é a da eventual inconstitucionalidade da aplicação da norma transitória, mas sim a de saber se as liquidações impugnadas são ou não ilegais face ao regime jurídico específico a que estão sujeitas (FIIAH e SIIAH).

           

17. Passemos a analisar o regime jurídico aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIIAH) e às sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (SIIAH) e os pressupostos dos benefícios fiscais concedidos. Este regime foi estabelecido pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro (Orçamento do Estado para 2009), a qual no seu artigo 8.º, estabeleceu o regime tributário aplicável aos FIIAH.

No que se refere ao Imposto Municipal Sobre Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), o Regime Tributário dos FIIAH definiu, no seu artigo 8º, nº 7, o seguinte:

           Artigo 8º

(Regime tributário)

(…)

«7 — Ficam isentos do IMT:

a) As aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos fundos de investimento referidos no n.º 1;

b) As aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados a habitação própria e permanente, em resultado do exercício da opção de compra a que se refere o n.º 3 do artigo 5.º pelos arrendatários dos imóveis que integram o património dos fundos de investimento referidos no n.º 1

 

 

A Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro (Orçamento do Estado para 2014) aditou a este artigo 8.º os números 14 a 16, os quais dispõem o seguinte:

«14 - Para efeitos do disposto nos n.ºs 6 a 8, considera-se que os prédios urbanos são destinados ao arrendamento para habitação permanente sempre que sejam objeto de contrato de arrendamento para habitação permanente no prazo de três anos contados do momento em que passaram a integrar o património do fundo, devendo o sujeito passivo comunicar e fazer prova junto da AT do respetivo arrendamento efetivo, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo.

15 - Quando os prédios não tenham sido objeto de contrato de arrendamento no prazo de três anos previsto no número anterior, as isenções previstas nos n.ºs 6 a 8 ficam sem efeito, devendo nesse caso o sujeito passivo solicitar à AT, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo, a liquidação do respetivo imposto.

16 - Caso os prédios sejam alienados, com exceção dos casos previstos no artigo 5.º, ou caso o FIIAH seja objeto de liquidação, antes de decorrido o prazo previsto no n.º 14, deve o sujeito passivo solicitar igualmente à AT, antes da alienação do prédio ou da liquidação do FIIAH, a liquidação do imposto devido nos termos do número anterior

 

 

 A Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro veio, ainda, consagrar no seu artigo 236.º um regime transitório no âmbito do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH o seguinte regime transitório:

«1 - O disposto nos n.ºs 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, é aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH a partir de 1 de janeiro de 2014.

2 - Sem prejuízo do previsto no número anterior, o disposto nos n.ºs 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, é igualmente aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de janeiro de 2014, contando-se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n.º 14 a partir de 1 de janeiro de 2014.»

 

Ora, nos presentes autos, não está em causa a aplicação destes normativos aditados pela LOE para 2014, pelo que a discussão da questão da eventual inconstitucionalidade da sua aplicação retroativa é totalmente alheia à questão decidenda. O mesmo se diga do douto Parecer junto aos autos, que se reporta especificamente à questão da eventual inconstitucionalidade da aplicação retroativa destes normativos aditados pela LOE 2014.

 

18. Retornando à questão a decidir nos autos, importa revisitar o regime especial aplicável aos FIIAH e às SIIAH, contido na Lei nº 64-A/2008, de 31 de dezembro (LOE para 2009), que aprovou o regime especial aplicável a estes fundos e sociedades de investimento imobiliário. Este o regime dispõe que: “é aplicável a FIIAH ou SIIAH constituídos durante os cinco anos subsequentes à entrada em vigor da presente lei e aos imóveis por estes adquiridos no mesmo período”, ou seja, entre 1 de janeiro e 31 de dezembro de 2013. A constituição e o funcionamento dos FIIAH regem-se pelo disposto no Regime Jurídico dos Fundos de Investimento Imobiliário, aprovado pelo Decreto-lei nº 60/2002 de 20 de março.

 

Assim, resulta deste regime especial que os mutuários de contratos de crédito à habitação que procedam à alienação do imóvel objeto do contrato a um FIIAH, podem celebrar com a entidade gestora do fundo um contrato de arrendamento, devendo previamente à celebração do contrato de transmissão do imóvel para o FIIAH ser facultada a informação sobre os elementos essenciais do negócio. Resulta, ainda, deste regime jurídico que o arrendamento constitui o arrendatário num direito de opção de compra do imóvel ao fundo, suscetível de ser exercido até 31-12- 2020, o qual só é transmissível por morte do titular.

 

É percetível que o objetivo do legislador com este regime foi proporcionar soluções alternativas para os credores hipotecários, em tempos de crise económica acentuada, incentivando à alienação dos imóveis e celebração de contrato de arrendamento com opção de compra no final do contrato.

Mas, o legislador não concedeu esta isenção incondicionalmente. A isenção pressupunha, na versão originária da Lei (2008) um destino específico do prédio: o arrendamento para habitação, nas condições legalmente previstas. Logo, qualquer outro destino posterior, diferente do previsto na lei, havia de ter como consequência a produção das respetivas liquidações de imposto. Aliás, se assim não fosse, o legislador teria concedido um benefício fiscal incondicional, suscetível de utilização, quiçá, de forma abusiva e injusta pelas desigualdades que geraria comparativamente com todas as situações em que os mesmos atos negociais estão sujeitos a imposto.

 

 

19. Posto isto, o legislador concedeu algumas isenções fiscais a este tipo de fundos imobiliários, como medida de incentivar o arrendamento para habitação permanente, podendo o contrato de arrendamento ter uma cláusula de opção de compra a favor do arrendatário. As isenções concedidas são as seguintes:

a) isenção de IRC, quanto aos rendimentos dos FIIAH (de qualquer natureza) constituídos entre 1 de janeiro de 2009 e 31 de dezembro de 2013;

b) isenção de IRS e IRC quanto aos rendimentos respeitantes a unidades de participação;

c) isenção de IRS sobre as mais-valias resultantes da transmissão dos imóveis destinados a habitação própria a favor dos fundos de investimento que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num contrato de arrendamento;

d) isenção de IMI sobre os imóveis destinados a arrendamento para habitação permanente, enquanto estes se mantiverem na titularidade do FIIAH;

e) isenção de IMT quanto as aquisições de prédios urbanos ou de frações autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelo fundo de investimento, bem como das aquisições por força do exercício da opção de compra pelos arrendatários de imóveis que integram o património dos fundos de investimento;

f) Isenção de Imposto de Selo quanto a todos os atos praticados, desde que conexos com a transmissão dos prédios urbanos destinados a habitação permanente que ocorra por força da conversão do direito de propriedade em direito de arrendamento sobre os mesmos imóveis, bem como o exercício da opção de compra previsto no contrato.

 

Este aplica-se, com as necessárias adaptações às sociedades de investimento imobiliário que venham a constituir-se ao abrigo da lei especial e que observem o disposto no regime especial aplicável aos FIIAH. As isenções mencionadas configuram e enquadram-se no conceito de benefícios fiscais, nos termos previstos no EBF, porquanto assumem a natureza de medidas de carácter excecional, instituídas para a tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes e que sejam superiores aos da tributação que impedem. Os benefícios fiscais traduzem-se em factos que estando sujeitos a tributação, são impeditivos do nascimento da obrigação tributária. Este regime especial, criado em 2008 para vigorar a partir de 2009, teve um propósito claro de dar resposta a uma situação de crise, acautelar os interesses das famílias com dificuldades em pagar a prestação do crédito à habitação, incentivando o recurso ao arrendamento, com opção de compra por parte do arrendatário, libertando os negócios inerentes da carga fiscal a que estariam sujeitos em circunstâncias normais. Por isso, estes regimes especiais podem ser, e normalmente são, concedidos para um determinado período de tempo.

 

20. Do que vem exposto resulta claro que a operacionalidade dos benefícios fiscais previstos neste regime especial, ficam condicionados a um pressuposto, que é o de os imóveis serem objeto de um “contrato de arrendamento para habitação própria permanente.”

Logo, se os prédios urbanos ou frações vierem a ser destinados a outro fim que não o arrendamento, então os benefícios fiscais concedidos não poderão manter-se. Esta conclusão impõe-se por si só e não por recurso à norma transitória do artigo 236º da LOE para 2014. A única novidade que esta lei introduz quanto aos imóveis adquiridos anteriormente à sua entrada em vigor é a introdução de um prazo para além do qual, caso não seja dado ao imóvel o destino prescrito pela lei, então, independentemente de virem a ser alienados ou não, destinados a outro fim ou não, ficarão sujeitos à liquidação dos impostos de que tenham sido isentos no momento da sua aquisição. Esta aplicação, poderá eventualmente suscitar questões de inconstitucionalidade, sobre as quais este tribunal não se debruçará, dado que no caso concreto dos presentes autos, não foi essa a razão que despoletou as liquidações impugnadas.

A verdade é que, do regime jurídico em presença resulta que o prédio urbano que venha a ter um destino diferente do arrendamento para habitação própria, então, ficará sujeito ao IMT e ao IS que seriam devidos, por força de se verificar a falha de um dos pressupostos para a aplicação do benefício fiscal. O que significa que o que era objeto de isenção poderá deixar de o ser e ficar sujeito a tributação, sempre que não se verifiquem o(s) pressuposto(s) da isenção legalmente previstos e a sua condição de futura. Assim, se um destes prédios urbanos vier a ser alienado ou alvo de qualquer outro tipo de negócio jurídico diferente daquele que está previsto na lei como isento de tributação (arrendamento para habitação própria), cessa a isenção fiscal concedida. Nem podia ser de outro modo, sob pena de frustração total dos objetivos extrafiscais que o legislador pretendeu acautelar com o regime introduzido em 2008.

  Quanto à natureza dos impostos em presença, os quais se caracterizam como impostos de obrigação única, isso em nada impede que a isenção concedida esteja sujeita à condição futura imposta por lei, no caso, o destino do imóvel a arrendamento para habitação permanente.

 

 

21. Quanto aos normativos aditados pela LOE para 2014 (nºs 14, 15 e 16 do artigo 8º e a norma transitória do artigo 236º), o legislador veio clarificar alguns conceitos subjacentes ao regime especial, que a lei de 2008 não esclarecera de forma tão explícita, nomeadamente, o conceito de “prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente” (conceito que não era sequer inovador), bem assim como precisar algumas circunstâncias em que cessam os benefícios de isenção fiscal concedidas pelo regime especial. Mas, convém referir que, à luz do regime especial previsto no artigo 8º, na sua redação originária, já estava expressa e inequivocamente consagrada a condição essencial para que os prédios integrados nos FIIAH e nas SIIAH pudessem beneficiar das isenções, e que era, exatamente a mesma que atualmente se encontra prevista na versão introduzida pela LOE para 2014, ou seja, terem como destino “o arrendamento para habitação permanente.”

Qualquer outro destino dado aos prédios em causa, nomeadamente a sua alienação, implicava já a cessação dos benefícios fiscais resultantes do regime especial. Dito de outro modo, a introdução dos normativos supra descritos apenas vieram esclarecer alguns conceitos, introduzir um prazo limite para os FIIAH e as SIIAH celebrarem os contratos de arrendamento para habitação própria permanente, já anteriormente pressuposto como condição para fazer operar os benefícios fiscais legalmente previstos. Mas a solução do caso concreto em discussão nos presentes autos não decorre da sua aplicação retroativa, mas da aplicação do regime que já vigorava à data da concessão dos benefícios fiscais.

Não se vislumbra que da introdução destes normativos resulte algo, verdadeiramente, inovador, que altere ou ponha em causa as legítimas expetativas destes fundos de investimento e sociedades de investimento, os quais foram criados especificamente para resolver um problema particular, relacionado com a crise económica que afetou muitas famílias em risco de perda da sua habitação sem qualquer solução alternativa. Por isso, o legislador criou este regime especial de tributação, em 2008 (LOE para 2009) para evitar prejuízos sociais e económicos que prejudicariam as famílias e as instituições de crédito, as primeiras pela perda dramática do seu direito à habitação e os segundos pela impossibilidade de recuperar os seus créditos. Nos termos dos normativos introduzidos pela LOE para 2014 resulta também, que no caso dos prédios que integram os FIIAH e as SIIAH não serem objeto de contrato de arrendamento no prazo de 3 anos, a contar da data do seu ingresso no património do fundo, as isenções previstas, em sede de IMI, IMT e Imposto do Selo, caducam (ficam em efeito) e constituem o sujeito passivo na obrigação de solicitar à AT a liquidação do respetivo imposto, no prazo de 30 dias subsequentes ao termo daquele prazo. Donde resulta também que, se os prédios forem alienados antes dos três anos estão obrigatoriamente sujeitos aos impostos devidos.

A única circunstância em que tal não sucederá é, precisamente, a que está e sempre esteve (desde 2008) prevista na lei como condição para as isenções: os prédios serem objeto de contrato de arrendamento para habitação permanente, ou alienados como consequência do cumprimento deste contrato de arrendamento com opção de compra, exercida que seja esta opção pelo respetivo arrendatário.

 

22. No caso concreto dos autos o Requerente pretende a anulação das liquidações com fundamento na inconstitucionalidade decorrente da aplicação retroativa dos normativos introduzidos pela LOE de 2014 incorrendo num manifesto equivoco, porquanto a razão que determinou a necessária emissão das liquidações foi apenas e só o facto de ter dado outro fim ao prédio, diferente do que declarar e lhe permitira beneficiar das isenções de IMT e de IS.

Ora, sendo verdade que a LOE para 2014 veio introduzir os normativos supra enunciados com as inovações já referidas, não parece que a razão subjacente às liquidações impugnadas resulte da aplicação de algum dos normativos agora introduzidos, mas sim do facto de ter sido dado ao imóvel outro destino, diferente do previsto na lei desde a sua versão originária. A verdade é que as isenções consagradas neste regime especial exigiam, desde a sua introdução em 2008, que a aquisição dos imóveis tivesse como destino exclusivo o arrendamento para habitação permanente e que a transmissão tivesse por objeto prédios destinados a habitação permanente. Desde a sua versão originária, os sujeitos passivos que pretendam beneficiar destas isenções têm de cumprir o pressuposto legal: que os prédios sejam destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente.

Resulta provado pela prova documental junta, nomeadamente das notas de liquidação anexas ao pedido arbitral, as liquidações impugnadas tiveram por base o facto do imóvel ter sido alienado, logo, o seu destino a partir de então, terá deixado de ser o que a lei prevê como condição para as isenções concedidas. Pelo que, as liquidações em causa não resultam de qualquer exigência ou pressuposto inserido ex novo pela LOE para 2014, mas sim da não afetação do prédio ao destino especificamente previsto na lei como potenciador das isenções fiscais consagradas.

 O Requerente sempre soube que esta era a condição legal a cumprir para poder beneficiar das isenções. Desde a entrada em vigor do regime jurídico em causa, era claro que a decisão de alienar ou dar qualquer outro fim ao imóvel, em vez de o afetar ao fim específico de arrendamento para habitação permanente, teria como consequência a caducidade das isenções de IMT e de IS previstas no artigo 8º, nº 7, alínea b), nº 8 e artigo 5º, nº3 do regime especial dos FIIAH. A alienação, seja por permuta, compra e venda ou qualquer outro negócio jurídico diferente do que resulte no âmbito do exercício do direito de opção de compra decorrente do contrato de arrendamento para habitação própria e permanente (única situação suscetível de beneficiar das isenções previstas), estaria sempre sujeito à tributação em sede de IMT e de Imposto do selo.

 

23. Por último, diga-se que os benefícios fiscais que o legislador prevê, quando entende que razões ponderosas o justificam, obstam à tributação, mas sempre condicionados à verificação dos requisitos legais, sob pena de manifesta violação do princípio da igualdade fiscal, entre outros. O facto de estarmos perante tributos de obrigação única não impede que assim seja. São por natureza excecionais e por obstarem à tributação, que em circunstâncias normais incidiria sobre os factos tributários em causa, devem ser bem ponderados e regulamentados com pormenor e equilíbrio, sob pena de permitirem um aproveitamento abusivo e contrário ao fim extrafiscal que visam alcançar. Por isso, o legislador nunca concede benefícios fiscais sem imposição de condições ou pressupostos aos quais o sujeito passivo está obrigado, sob pena de se sujeitar á tributação normal prevista.

Por consubstanciarem derrogações às regras gerais de tributação previstas na lei, os benefícios fiscais colocam, naturalmente, questões de cumprimento dos imperativos decorrentes dos princípios da capacidade de pagar e da igualdade. O seu suporte fundamentador é, em todo o caso, o fim social, económico ou de outra natureza que visa alcançar. Por isso mesmo nunca é incondicional ou concedido sem definição de pressupostos de facto e de direito bem definidos na lei, a partir dos quais possa ser reconhecido o benefício fiscal.

Como refere a este propósito Benjamim da Silva Rodrigues, não obstante se tratar de “medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem”, os referidos benefícios fiscais paralisam, em alguma medida, a potencialidade jurídica do facto tributário. “ [1]

Neste sentido, segundo Alberto Xavier, “as isenções podem ainda distinguir-se em puras e condicionais, sendo estas últimas aquelas em que a eficácia do facto impeditivo se encontra subordinada à realização de um facto acessório que é uma «conditio iuris» (…) os benefícios condicionados traduzem-se em subordinar o direito ao benefício a contrapartidas de interesse público na forma de deveres ou ónus impostos aos beneficiários.” [2]

Por isso, o legislador não concede benefícios fiscais sem imposição de requisitos ou pressupostos e condições, aos quais o sujeito passivo está obrigado, sob pena de se sujeitar à tributação normal prevista.

No caso do regime jurídico em análise estamos perante um benefício fiscal condicionado, isto é, o benefício depende de se verificarem certos pressupostos previstos na lei.

Ao consubstanciarem derrogações às regras gerais de tributação previstas na lei, os benefícios fiscais colocam, naturalmente, questões de cumprimento dos imperativos decorrentes dos princípios da capacidade de pagar e da igualdade, pelo que devem ser ponderados em função dos fins a salvaguardar. O seu suporte fundamentador é o fim social, económico ou de outra natureza que visa alcançar. Por isso mesmo nunca é incondicional ou concedido sem definição de pressupostos de facto e de direito bem definidos na lei.

Pelo que, caso esses pressupostos não se verifiquem o benefício fiscal não pode operar, quer se trate de benefícios automáticos quer dependentes de reconhecimento. Como resulta do disposto nos artigos 12º do EBF “o direito aos benefícios fiscais deve reportar-se à data da verificação dos respetivos pressupostos, ainda que esteja dependente de reconhecimento”. Daqui se depreende que a regra é que o direito aos benefícios fiscais se constitui com a verificação dos respetivos pressupostos previstos na lei.

Aliás, em reforço deste entendimento, o artigo 5º do EBF dispõe que os benefícios fiscais podem ser “automáticos e dependentes de reconhecimento”, sendo os primeiros resultantes direta e imediatamente da lei, enquanto os segundos pressupõem um ou mais atos posteriores de reconhecimento. A tudo isto acresce que nos termos do artigo 65º do CPPT “o reconhecimento dos benefícios fiscais depende da iniciativa dos interessados, mediante requerimento dirigido especificamente a esse fim, o cálculo, quando obrigatório, do benefício requerido e a prova da verificação dos pressupostos do reconhecimento nos termos da lei”.

Para o caso em análise nos presentes autos releva, em particular, a última parte deste dispositivo legal, dado que o direito aos benefícios fiscais em causa depende exclusivamente da prova da verificação dos pressupostos previstos na lei.

Por último, nos termos do artigo 7º do EBF “todas as pessoas, singulares ou coletivas, de direito público ou de direito privado, a quem sejam concedidos benefícios fiscais, automáticos ou dependentes de reconhecimento ficam sujeitas a fiscalização da Autoridade Tributária e Aduaneira.”

 

 

24. Em suma, conclui-se que a LOE para 2014 veio, efetivamente, clarificar e estabelecer uma nova condição ao pressuposto legal já anteriormente previsto para o direito à isenção, a saber: caso a afetação a arrendamento para habitação permanente não ocorra no prazo de 3 anos após a entrada do imóvel no fundo, o fundo tem que requerer a liquidação do IMT que não foi liquidado ab initio. Porém, não foi a aplicação deste prazo, introduzido na versão da LOE para 2014, que originou as liquidações impugnadas. Estas foram uma consequência derivada do facto de ter sido dado um destino ao prédio urbano em causa distinto daquele que, desde a introdução na ordem jurídica deste regime especial de tributação (2008), era exigido como pressuposto para o direito à isenção de IMT e de IS.

Por isso, apesar da devida consideração pelas opiniões jurídicas expressas e desenvolvidas no parecer jurídico junto ao pedido arbitral, a verdade é que este se centra se centra na análise da inconstitucionalidade da norma do artigo 236º, quando aplicada aos casos constituídos antes da sua entrava em vigor.[3] Todo o louvor que possa reconhecer-se ao parecer junto, não nos permite chegar a conclusão diferente da que vem exposta, já que, mesmo admitindo que a aplicação do normativo do artigo 236º da LOE para 2014, implique um grau de retroatividade na sua aplicação eventualmente incompatível com o disposto no artigo 103º da CRP, ainda assim, essa tese em nada modificaria a correta decisão do presente caso. As liquidações impugnadas não foram geradas por consequência da aplicação desse normativo, nem o novo regime estabelecido tem relação causal com a razão de ser das liquidações em causa, sendo que os normativos introduzidos não alteram os requisitos da isenção estabelecidos pelo regime especial de tributação aplicável aos SIIAH e FIIAH, em vigor desde 01-01- 2009.

 Como resulta provado pelo teor das liquidações impugnadas o imóvel foi alienado e foi por isso que o benefício fiscal caducou, por incumprimento do pressuposto para o direito à isenção.

Nesta conformidade, entende este Tribunal que as liquidações de IMT e de Imposto do Selo, impugnadas nos presentes autos, se afiguram legais, por serem conformes ao disposto no artigo 8º, nº7, alínea a) do regime jurídico dos FIIAH.

A corroborar este entendimento refira-se a abundante jurisprudência arbitral sobre esta questão, entre outras, as proferidas nos processos nºs 689/2015-T; 705/2015-T, 717/2015-T, 63/2016-T, 93/2016-T.

 

Nestes termos, considera-se improcedente o presente pedido arbitral e todos os pedidos formulados, quer a nulidade quer a anulação, bem assim como o peticionado quanto a reembolso dos montantes pagos e juros indemnizatórios.

 

V - DECISÃO

 

Termos em que se decide:

 

a) julgar totalmente improcedente o pedido arbitral formulado e, em consequência, manter os atos tributários impugnados e absolver a Requerida de todos os pedidos formulados;

b) condenar o Requerente no pagamento das custas processuais, no valor de €918,00.

 

 

VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em €10.513,16 nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

 

CUSTAS

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €918,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

   

Notifique.

 

 

Lisboa, 26 de junho de 2017

 

O Tribunal Arbitral Singular,

 

 

 

     ___________________________________

     (Maria do Rosário Anjos)

 



[1] Cfr. Benjamim da Silva Rodrigues, in Garantias dos Contribuintes no Sistema Tributário, Homenagem a Diogo Leite de Campos, Editora Saraiva, 2013, S. Paulo, Brasil, págs. 55 e ss.

[2] Cfr: Alberto Xavier, in Manual de Direito Fiscal, Manuais da FDL, 1974, págs.290 e ss.

[3] Parecer Jurídico emitido pelos Srs. Professores C… e D…, junto pela Requerente aos autos, em anexo ao pedido arbitral.