Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 36/2020-T
Data da decisão: 2021-07-19  IRS  
Valor do pedido: € 1.002,49
Tema: IRS; Patrocínio por advogado em processos de arbitragem tributária.
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 SUMÁRIO:

É obrigatório o patrocínio por advogado nos processos de arbitragem tributária.

 

DECISÃO ARBITRAL

Nuno Maldonado Sousa, árbitro das listas do CAAD designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o tribunal arbitral singular, constituído em 06-07-2020, elabora nos seguintes termos a decisão arbitral no processo identificado.

 

I.             Relatório

 

1. A..., contribuinte n.º..., com domicílio em ..., ..., Países Baixos, requereu a constituição de tribunal arbitral ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 2 do regime jurídico da arbitragem em matéria tributária constante do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (“RJAT”), para apreciar a legalidade do ato tributário de liquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2019..., referente ao ano de 2018, do qual resulta um valor total a pagar de € 2.004,98.

É Requerida nestes autos a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (“AT”).

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD em 20-01-2020 e foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira na mesma data.

Nos termos do artigo 6.º, n.º 1 e do artigo 11.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral com árbitro singular o signatário, que manifestou a aceitação do encargo no prazo legal. Em 10-03-2020 as partes foram notificadas desta designação e não manifestaram intenção de recusar a designação do árbitro, nos termos previstos nas normas do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e nas normas dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico. Em conformidade com a disciplina constante do artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o tribunal arbitral foi constituído em 06-07-2020. Por despacho de 06-01-2020 o prazo desta arbitragem foi prorrogado por 2 meses e em 20-05-2021 foi também prorrogado por 2 meses. Note-se que, nos termos do artigo 6.º-B, n.º 1 da Lei n.º 1-A/2020 de 19-03, na versão introduzida pela Lei n.º 4-B/2021 de 1 de fevereiro e do artigo 6.º da Lei n.º 13-B/2021 de 5 de abril, os prazos para a prática de atos nos processos arbitrais estiveram suspensos entre 22-01-2021 e 06-04-2021, no âmbito das medidas de mitigação dos efeitos da pandemia Covid-19.

3. A Requerente peticiona nestes autos a anulação da liquidação de IRS relativa ao ano de 2018, pelo valor de 1.002,49 €. Baseou o seu pedido no seu estatuto de cidadão português não residente em Portugal, com residência nos Países Baixos, país membro da União Europeia; entende que as mais-valias que realizou com a alienação onerosa de imóveis, no valor de 7.160,67 €, devem ser tributadas pelo regime geral, isto é, por 50 % do seu valor, como manifestou no anexo G da declaração que apresentou. Reclama da tributação à taxa de 28%, sobre o valor total das mais-valias, sem a redução que é aplicada aos residentes em Portugal. Sustenta a sua tese em jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia e do Supremo Tribunal Administrativo e em decisões proferidas neste Centro de Arbitragem, que têm considerado que a interpretação subjacente à não aplicação da citada redução, não é conforme com o artigo 63.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia, por fazer incidir sobre um contribuinte residente noutro Estado membro uma carga fiscal superior àquela que incide, em idêntica situação, sobre um contribuinte residente. A anulação que peticiona corresponde, no cálculo do Requerente, ao imposto que acresce na liquidação efetuada pela AT, relativamente àquele que resultaria da aplicação das normas de incidência, seguindo a tese que sustenta.

4. A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou a sua Resposta e sustenta a liquidação que fez, invocando que as decisões trazidas pelo Requerente não têm eficácia para além dos processos em que foram proferidas e que existem, também, decisões em sentido diverso daquele que adotou a jurisprudência citada pelo Requerente. Defende-se também por exceção, arguindo a falta de constituição de advogado, a incompetência material do CAAD para apreciação de pedido de indemnização que a AT entende que o Requerente cumula e a falta de indicação do valor da causa.

 

II.            Saneamento

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, em subordinação com as normas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do RJAT e é competente. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10º, n.º 1, alínea a), do já referido regime.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo regime e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades.

É agora o momento próprio para apreciar da exceção da falta de constituição de advogado, assinalada pela Requerida na sua Resposta. Para esse efeito importa referir os elementos com natureza factual relevantes para essa apreciação, que são:

a.            O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado e subscrito pelo próprio contribuinte, sem o concurso de advogado.

b.            Em despacho pré-saneador este Tribunal Arbitral notificou o Requerente para constituir advogado, no prazo de 15 dias, sob pena de a Requerida ser absolvida da instância e identificou as normas jurídicas aplicáveis, que estipulam que nos processos arbitrais é obrigatória a constituição de advogado.

c.            Por mensagem de correio eletrónico incorporada nos autos o Requerente informou o CAAD que não iria constituir advogado para este processo.

O RJAT não contém disciplina própria sobre a necessidade de constituição de mandatário – ou patrono judiciário como refere Código do Processo Civil (“CPC”) - e a norma do seu artigo 29.º, n.º 1, alínea a) considera que são aplicáveis nos processos de arbitragem tributária as normas de natureza processual dos códigos tributários. A este propósito a norma do artigo 6.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), na redação em vigor desde 16-11-2019, que resulta da redação da Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro (artigo 3.º), estipula que é obrigatória a constituição de mandatário nos tribunais tributários e que essa constituição é feita nos termos previstos na lei processual administrativa. Por seu turno, o Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”), no seu artigo 11.º, nº 1 dispõe que a constituição de mandatário é feita nos termos previstos no CPC e este diploma, no seu artigo 43.º, impõe que o mandato judicial seja conferido por instrumento público ou por documento particular, ou ainda por declaração verbal da parte no auto de qualquer diligência que se pratique no processo.

É inquestionável a necessidade de patrocínio nos processos tributários, quer tenham natureza judicial quer tenham natureza arbitral e a lei, designadamente a Lei n.º 49/2004, de 24 de agosto, reserva o exercício do mandato forense para os advogados e para os solicitadores (artigo 1.º, n.º 5, alínea a). Poder-se-ia colocar a questão de saber se o patrocínio, nos tribunais arbitrais em funcionamento no CAAD, poderia ser exercido por solicitador.

O CPPT não distingue o patrocínio por advogados ou por solicitadores, o que, à primeira vista, poderia ser interpretado no sentido de permitir o patrocínio por ambos. Não se crê que essa seja a interpretação correta. Nos regimes processuais próximos – o civil e o administrativo – o patrocínio por solicitadores só é possível em situações limitadas, pelo menor valor da causa ou pela insusceptibilidade de recurso ordinário. No regime do CPC as causas em que pode haver patrocínio por solicitador são afinal aquelas em que não é obrigatória a constituição de advogado (artigo 42.º do CPC); dito de outro modo, quando não tenha de haver patrocínio obrigatório por advogado, então a parte pode pleitear por si própria ou pode optar por conferir a sua representação a solicitador ou a advogado estagiário. Esta solução não foi querida pelo CPPT, que não admite processos sem patrocínio. Ao excluir a possibilidade de defesa pelo próprio sujeito processual nos processos tributários e reflexamente nos processos arbitrais tributários, exclui-se a possibilidade de haver patrocínio pelos profissionais forenses que podem exercê-lo nessas situações na jurisdição cível, designadamente os solicitadores e os advogados estagiários. Há assim que concluir pela obrigatoriedade do patrocínio por advogado nos processos de arbitragem tributária. E entende-se que assim seja, pela inexistência de recurso ordinário e por não existir alçada nestes processos. Se abstrairmos da composição do júri, veremos que a tramitação de todos os processos arbitrais é igual, i.e., todos os processos têm idêntica exigência ao nível do patrocínio.

A falta de constituição de advogado por parte do autor é uma exceção dilatória, que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância, nos termos das disposições dos artigos dos artigos 577.º, alínea h) e 576.º, n.º 2 do  CPC, aplicáveis por remissão da norma do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT pelo que, há que julgar procedente a exceção e absolver a AT da instância, nos termos da norma do artigo 278.º, n.º 1, alínea e) do mesmo código.

 

III.          Decisão

 

Nos termos e pelos fundamentos expostos este Tribunal Arbitral julga procedente a exceção dilatória da falta de constituição de advogado pelo Requerente, absolvendo-se a Requerida da instância.

 

IV.          Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no n.º 2 do art.º 306.º do CPC, na alínea a) do n.º1 do art.º 97.º-A do CPPT e ainda do n.º 2 do art.º 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 1.002,49 (mil e dois euros e quarenta e nove cêntimos).

 

V.           Custas

 

O valor da taxa de arbitragem é fixado em € 306,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 19 de julho de 2021

 

O Árbitro

(Nuno Maldonado Sousa)