Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 5/2020-T
Data da decisão: 2021-07-16  IRC  
Valor do pedido: € 145.332,86
Tema: IRC – Taxa; Período de tributação distinto do ano civil.
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 SUMÁRIO:

Nos termos do disposto no n.º 9 do artigo 8.º do Código do IRC, que determina que a formação do facto tributário só se conclui no termo do período anual de tributação, e em face do disposto no n.º 1 do art. 12.º da LGT, é aplicável ao facto tributário formado em 30 de Junho de 2015 a taxa de 21 %, tal como decorre da Lei n.º 82-B/2014, de 13 de Dezembro, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2015.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

1.            No dia 03 de Janeiro de 2020, A..., S.A., NIPC..., com sede na..., n.º..., ..., ..., ...-... ..., apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de autoliquidação de IRC n.º 2015..., referente ao ano de 2014, no valor de €145.332,86, assim como da decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa que teve o referido acto de liquidação como objecto.

 

2.            Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que tendo-se concretizado o facto tributário, referente ao exercício de 2014, em 30-06-2015, deveria ter sido aplicada a taxa de IRC de 21%, em vigor desde 01-01-2015, e não a taxa de 23% que vigorou até 31-12-2014.

 

3.            No dia 06-01-2020, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

4.            A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

5.            Em 26-02-2020, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

6.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 06-07-2020.

 

7.            No dia 29-09-2020, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.

 

8.            Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.

 

9.            Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida, reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.

 

10.          Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º/1 do RJAT, com as prorrogações determinadas nos termos do n.º 2 do mesmo artigo.

 

11.          O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir:

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-            A Requerente é uma sociedade comercial que exerce a sua actividade no ramo da produção e comercialização de bens de consumo em geral, incluindo produtos de beleza, farmacêuticos e alimentares.

2-            A Requerente adopta um período de tributação diferente do ano civil, o qual se inicia a 1 de julho de cada ano e termina no dia 30 de junho do ano seguinte.

3-            No que respeita ao exercício de 2014, o mesmo decorreu entre 01-07-2014 e 30-06-2015.

4-            Em 20-11-2015, a Requerente procedeu à entrega da declaração de rendimentos modelo 22 de IRC, referente ao exercício de 2014.

5-            A Requerente apurou, no campo 3465 do quadro 09, matéria colectável não isenta no montante de €7.266.643,12.

6-            No apuramento da coleta foi aplicada a taxa geral de 23%, tendo-se apurado coleta no valor de €1.671.327,92.

7-            A Requerente apurou um total de imposto a pagar de €898.276,20.

8-            A Requerente procedeu ao pagamento do imposto.

9-            Em 29-05-2019, a Requerente requereu ao abrigo do disposto no artigo 78.º, n.º 1 e 2 da LGT, a revisão oficiosa do acto de autoliquidação de IRC referente ao exercício de 2014.

10-         Em 29-09-2019, formou-se a presunção de indeferimento tácito do referido pedido de revisão oficiosa.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13 , “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

Nos presentes autos de processo arbitral, como sintetiza e bem a Requerida, está a questão atinente à taxa de IRC aplicável ao período de tributação com início a 01-07-2014 e termo a 30-06-2015, considerando que a taxa introduzida pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, é de 23% e a introduzida pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro é de 21%.

Efectivamente, a Requerente entende que, relativamente ao período especial de tributação de 2014, atendendo à legislação em vigor à data dos factos (isto é, em 30 de Junho de 2015), tendo o facto gerador de IRC, ocorrido no último dia do período especial de tributação de 2014 – ou seja, no dia 30 de Junho de 2015 -, deverá ser aplicada a taxa de IRC de 21%, enquanto data posterior à entrada em vigor da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro de 2014 (Lei do Orçamento do Estado para 2015), e do disposto no n.º 1 do artigo 97.º do Código do IRC, na redacção vigente após 1 de Janeiro de 2015, que prevê a taxa de IRC de 21%.

Nota, ainda, a Requerente, que contrariamente ao que tem sido prática comum nas leis do Orçamento do Estado de anos anteriores, na Lei do Orçamento do Estado para 2015, o legislador não estabeleceu qualquer disposição transitória quanto à alteração da taxa de IRC e à sua aplicação temporal, sendo, portanto, de concluir pela sua clara intenção de diminuir a taxa de imposto para os períodos de tributação que terminaram a partir da data da respectiva entrada em vigor.

Por seu lado, entende a Requerida que para o período de tributação de 2014, nos termos do n.º 1 do art.º 87.º do CIRC, na redacção dada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, a taxa de IRC era de 23%, não sendo a data de encerramento do exercício de 2014 que determina a taxa aplicável, mas sim a taxa aplicável ao exercício de 2014, que é de 23% e não de 21%. Em abono da sua tese, invoca a Requerida as decisões arbitrais proferidas no âmbito dos processos 411/2019-T e 893/2019-T .

Vejamos, então.

Ressalvada melhor opinião, o ponto de partida da determinação do critério decisório a aplicar deveria situar-se, não na alteração da taxa de IRC pela Lei do Orçamento de Estado para 2015, no momento da sua entrada em vigor, e na determinação do momento da verificação do facto tributário sujeito a imposto pela liquidação sub iudice, mas no teor normativo do art.º 14.º da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, ao dispor que “Sem prejuízo do disposto no artigo 8.º, a presente lei aplica-se aos períodos de tributação que se iniciem, ou aos factos tributários que ocorram, em ou após 1 de janeiro de 2014”, norma esta em que a Requerida estriba, essencialmente, o entendimento pelo qual pugna.

Efectivamente, não estará, em primeira linha, em questão apurar se a taxa de IRC genericamente em vigor a 30 de Junho de 2015 era ou não 21%, nem apurar se o facto tributário sujeito a imposto pela liquidação ora em crise se deu naquela data mas, antes, apurar se, e em que medida, a norma do supra-referido art.º 14.º estava, ou não em vigor, no dia 30 de Junho de 2015.

É que, se se considerar que aquela norma vigorava a 30 de Junho de 2015, por força da mesma, ter-se-á de considerar que a taxa de imposto aplicável era, ainda, a instituída na Lei que a consagra.

Deste modo, dever-se-ia começar por definir o sentido e alcance do art.º 14.º em questão. Antes de mais, e a este respeito, convirá notar que a redacção do mesmo não é a mais feliz.

Com efeito, situando-nos apenas na letra da norma em causa, verifica-se, desde logo, que a mesma comportaria a interpretação de que, por exemplo, no caso de entidades como a Requerente, que tivessem um período de tributação em IRC não coincidente com o ano civil, se aplicariam as normas da Lei 2/2014, relativamente aos factos tributários ocorridos a partir de 1 de Janeiro de 2014, mesmo que relativos ao exercício de 2013.

Por outro lado, e situando-nos ainda no plano da letra da lei, também se poderia concluir que da mesma resultaria que as normas da Lei 2/2014, por força do seu art.º 14.º, se aplicariam aos exercícios e factos tributários, ocorridos nos exercícios e anos de 2015 e seguintes, e portanto, abrangendo o facto tributário em causa no presente processo arbitral, a menos que se concluísse que aquele artigo 14.º tivesse sido revogado, o que, sem prejuízo do quanto adiante se dirá, não terá ocorrido, pelo menos expressamente.

Do exposto resulta que, em ordem a apreender devidamente o sentido do enunciado normativo do art.º 14.º da Lei 2/2014, o intérprete tem de recorrer a outros elementos que não a letra da lei.

Assim, a referência, no art.º 14.º em análise, “aos períodos de tributação que se iniciem, ou aos factos tributários que ocorram”, não deverá, sob o ponto de vista lógico, ser visto como um, passe a expressão “pleonasmo” jurídico, devendo antes ser indagada a intencionalidade e o sentido (ou seja a teleologia) de tal expressão.

Sob este ponto de vista, deverá atender-se a que a Lei 2/2014 procede a alterações profundas em sede de IRC e, também, em sede de IRS, imposto estes cuja tributação assenta, por norma, em períodos de tributação, mas que, incidentalmente, podem impor tributação de factos tributários isolados (como seja no caso das tributações autónomas). Daí que a referência a “períodos de tributação que se iniciem, ou aos factos tributários que ocorram” se não deva ter por alternativa, mas como tendo uma relação de subsidiariedade entre si.

Ou seja, interpretado desta forma, o que o art.º 14.º da Lei 2/2014 pretende dizer é que o disposto nesta lei se aplica aos períodos de tributação, quando aquela assente nestes, e aos factos tributários, quando a tributação não tenha por base estes.

Já no contexto sistemático, aquela norma deve ser compreendida como uma norma especial em relação ao art.º 12.º da LGT, que dispõe, no que para o caso interessa, que:

“1 - As normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer impostos retroativos.

2 - Se o facto tributário for de formação sucessiva, a lei nova só se aplica ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor.”.

Efectivamente, aquele art.º 14.º, veio dispor sobre o âmbito da vigência temporal das disposições da Lei que integra, e apenas se pode explicar como tendo subjacente o propósito de dispor na matéria de modo distinto do que resultaria da aplicação da referida norma da LGT.

Sob este ponto de vista, a abrangência, que o elemento literal da interpretação acolhe, pelo art.º 14.º em questão, de períodos de tributação subsequentes a 2014, não assumirá qualquer relevância, na medida em que se sobrepõe ao que já resultaria do art.º 12.º da LGT.

Daí que, ponderado o quanto previamente se expôs, o art.º 14.º da Lei 2/2014 deveria ser interpretado como dispondo no sentido de que as normas daquela Lei se apliquem ao período de tributação de 2014, relativamente à tributação, em IRS ou IRC, que assente naquele, e aos factos tributários ocorridos em 2014, relativamente à tributação, também em IRS ou IRC, que não assente no período de tributação.

Delimitado assim o sentido normativo do art.º 14.º da Lei 2/2014, cumpriria, então, apurar se, a 30 de Junho de 2015, o mesmo se encontrava em vigor.

Ora, como se adiantou atrás, não existe qualquer norma que tenha revogado expressamente aquele art.º 14.º, sendo que, seguramente, a Lei n.º 82-B/2014 não o faz. Daí que a conclusão a retirar deva ser a de que aquele art.º 14.º se encontrava em vigor a 30 de Junho de 2015, e, como tal, deve aplicar-se ao período de tributação de 2014 da Requerente, que findou nesse ano.

Não obstará, naturalmente, à conclusão retirada o disposto no art.º 12.º da LGT, na medida em que, como se expôs, o art.º 14.º em questão deverá ser entendido como uma norma especial, e, como tal, prevalecente na matéria que regula, relativamente àquele.

Sem prejuízo do que vem de se dizer, sempre se chegaria à mesma conclusão por uma

outra via.

Efectivamente, e como se indicou já, a questão verdadeiramente fulcral para o sentido da decisão a proferir no caso sub iudice será a de saber se a o art.º 14.º da Lei 2/2014 estava, ou não vigente a 30 de Junho de 2015.

E, como também se apontou antes, a Lei do Orçamento para 2015, não contém nenhuma norma que revogue, expressamente, o disposto naquele art.º 14.º, sendo que, ausência de norma transitória, invocada pela Requerente, não deverá, de per se, ter-se como evidenciadora de uma intenção revogatória.

Acresce que o art.º 14.º em questão, não se reporta exclusivamente, à alteração da taxa de IRC operada pelo art.º 2.º da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, abrangendo todas as alterações em matéria tributária, consagradas pela mesma Lei, a maioria das quais continua em vigor, pelo que qualquer revogação que se possa equacionar daquela norma seria, meramente parcial.

Daí que, o único entendimento possível que se concebe neste domínio, seria o de que o art.º 14.º em causa foi parcialmente revogado, na parte em que impunha a aplicação da alteração ao art.º 87.º/1 do CIRC, operada pelo art.º 2.º da Lei n.º 2/2014, e que tal revogação não se poderá retirar senão da entrada em vigor do art.º 192.º da Lei n.º 82-B/2014, que alterou, novamente, aquele mesmo art.º 87.º/1 do CIRC.

Estaríamos, portanto, perante um caso de revogação tácita parcial da supra referida norma do art.º 14.º da Lei n.º 2/2014, na parte em impunha a aplicação da alteração ao art.º 87.º/1 do CIRC, operada pelo art.º 2.º daquela mesma Lei.

Assim, como ensinava o insigne Mestre João Baptista Machado , “A revogação pode ser expressa ou tácita, total (ab-rogação) ou parcial (derrogação). É (...) tácita quando resulta de incompatibilidade entre as disposições novas e as antigas”.

Como se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29-05-2007, proferido no processo 4117/2007-7:

“A revogação, que ora nos ocupa, pressupõe a entrada em vigor de uma nova lei, e pode ser expressa ou tácita, total ou parcial.

Da revogação que ora tratamos, a tácita, é resultante da incompatibilidade entre as disposições novas e as anteriores, ou ainda, quando a nova lei regula toda a matéria (substituição global).

Todavia, este juízo de incompatibilização decorrente da abrogação tácita entre a lei antiga e a nova lei não surge sempre em segurança para o intérprete. Se a nova lei geral sucede a uma especial, a regra é da coexistência, mas o inverso é duvidoso.

No nosso sistema jurídico vigora a presunção da subsistência do regime especial perante

alteração de norma geral - artº 7, nº 3 do CCivil – só cederá perante uma interpretação segura,

inequívoca da intenção revogatória do legislador.

Como proceder então perante esta aparente coexistência de normas reguladoras da mesma

situação? A solução dependerá caso por caso de identificar qual a ligação entre as normas em

questão e sobretudo no fundamento, da razão de ser da nova lei.”.

Efectivamente, julga-se ser este o critério a seguir na delimitação do âmbito de uma revogação tácita, ou seja, dever-se-á identificar qual a ligação entre as normas em questão e sobretudo no fundamento, da razão de ser da nova lei.

Ora, vistas as coisas assim, e à luz da interpretação da norma do art.º 14.º da Lei n.º 2/2014, atrás exposto, incluindo a configuração daquele como uma norma especial em relação ao art.º 12.º da LGT, não será possível concluir que o art.º 192.º da Lei n.º 82-B/2014, tenha tido por propósito a revogação daquele art.º 14.º, pelo menos na parte em que se referia à aplicação das normas da Lei que o mesmo integra ao período de tributação de 2014, no caso da tributação em IRS e IRC que tenha por base, e aos factos tributários ocorridos em 2014, relativamente à tributação naqueles impostos que não assente no período de tributação.

Não obstante todo o exposto, os tribunais em geral, e também os tribunais arbitrais, julga-se, estão vinculados ao dever de ter “em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.” (art.º 8.º/3 do Código Civil).

Por outro lado, e nos termos do art.º 25.º/2 do RJAT, “A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é ainda suscetível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.”

Daí que uma decisão, na matéria sub iudice, que vá contra a jurisprudência firmada pelo STA na matéria, verificando-se, como se verifica, identidade fundamental dos factos e do direito a aplicar a este, entre o presente caso, e os já julgados quer pelo STA, quer pelos Tribunais Centrais Administrativos, seria, não só susceptível de recurso nos termos do referido art.º 25.º/2 do RJAT, como, com um elevado grau de probabilidade, passível de ser revogada por aquele Alto Tribunal.

Assim, e em suma, não se crê que tivesse qualquer utilidade, pelo contrário (daria azo a tramitação processual adicional inútil e desnecessária), este Tribunal concluir de outra forma, que não a reafirmada recentemente pelo Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STA de 21-04-2021, proferido no processo n.º 57/20.8BALSB .

Escreve o STA no referido aresto que “por força do prescrito no n.º 9 do artigo 8.º do CIRC, a relação jurídica tributária, constitui-se no último do período de tributação” e que “o apuramento da base tributável e da taxa aplicável são as definidas no âmbito da legislação em vigor no momento em que ocorre o facto gerador”. Mais se sustenta ali que “ao prescrever-se no já referido artigo 8.º, n.º 9 do Código do IRC, que «O facto gerador do imposto considera-se verificado no último dia do período de tributação» procurou o legislador impedir a aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 12.º da LGT”, concluindo-se “que a norma do CIRC consagra, uma solução específica prevendo que o facto gerador da obrigação de imposto se tem por verificado no último dia de tributação o que vale por dizer que a lei nova, dada a inexistência de disposição legal em sentido diverso, será aplicável aos factos geradores que ocorram a partir do momento em que a mesma entra em vigor”.

Deste modo, concluindo-se, nos termos da jurisprudência, que nos termos do disposto no n.º 9 do artigo 8.º do Código do IRC, que determina que a formação do facto tributário só se conclui no termo do período anual de tributação, e em face do disposto no n.º 1 do art. 12.º da LGT, é aplicável ao facto tributário formado em 30 de Junho de 2015 a taxa de 21 %, tal como decorre da Lei n.º 82-B/2014, de 13 de Dezembro, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2015, haverá que concluir pela ilegalidade da actuação da AT, e pela consequente procedência do pedido arbitral.

 

***

A Requerente formula, ainda, o pedido acessório de restituição do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

A este respeito, o artigo 43.º, n.º 2, da LGT estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.

Tem, pois, direito a Requerente a ser reembolsada da quantia que pagou indevidamente (nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, do RJAT) por força dos actos tributários anulados e, ainda, a ser ressarcida do pagamento indevido através de juros indemnizatórios, desde o dia 29-05-2020, até ao seu reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

*

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

a)            Declarar a ilegalidade do acto de autoliquidação de IRC n.º 2015..., referente ao ano de 2014, no valor de €145.332,86, anulando-o;

b)           Condenar a AT na restituição do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos acima indicados;

c)            Condenar a Requerida nas custas do processo, abaixo fixadas.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em €145.332,86, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 3.060,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 16 de Julho de 2021

 

O Árbitro Presidente

(José Pedro Carvalho)

 

O Árbitro Vogal

(Sérgio Santos Pereira)

 

O Árbitro Vogal

(Rui M. Marrana)