Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 503/2016-T
Data da decisão: 2017-02-01  IRC  
Valor do pedido: € 9.486,00
Tema: IRC - Tributações autónomas. Grupos de sociedades. CFEI.
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Decisão Arbitral

 

Os árbitros Dr. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Nuno Pinto Fernandes e Dr. Ricardo Jorge Rodrigues Pereira, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 10-11-2016, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

A… SGPS, S.A., doravante designada apenas como “A… SGPS” ou “Requerente”, com sede na Rua do …, n.º…, …-… Porto, titular do Número de Identificação de Pessoa Colectiva (NIPC) n.º…, na qualidade de sociedade dominante do perímetro fiscal tributado ao abrigo do Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades (“RETGS”) do Grupo B…, apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral colectivo, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, do n.º 3 do artigo 5.º, do n.º 2 do artigo 6.º e do artigo 10.º, todos do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro (doravante RJAT).

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

A Requerente pretende que seja declarada a ilegalidade da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa e a ilegalidade da autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (adiante “IRC”), referente ao período de tributação de 2014, decorrente da submissão da Declaração de Rendimentos (Modelo 22) de IRC do RETGS (“Modelo 22 do RETGS”), com a identificação…-… -…, apresentada em 30-05-2015.

A Requerente pede a anulação do Despacho de Indeferimento da Reclamação Graciosa e, em consequência, o reembolso à ora Requerente, na qualidade de sociedade dominante do RETGS do Grupo B…, da quantia de Euro 633.297,04, correspondente à diferença entre o montante efectivamente já reembolsado e aquele que deveria ter sido reembolsado, discriminado conforme segue:

a) montante de Euro 621.334,61 relativo a tributação autónoma liquidada em excesso, com fundamento no n.º 14 do artigo 88.º do Código do IRC, o qual determina o agravamento das taxas de tributação autónoma, em 10 pontos percentuais, quanto aos sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal no período, por entender que, no caso de se aplicar RETGS, e na ausência de norma especial que regule de forma diferente, se afere o agravamento em função do resultado apurado individualmente por cada uma das sociedades que integram o perímetro do RETGS;

b) montante de Euro 11.962,43 relativo a tributação autónoma liquidada em excesso, com fundamento no n.º 5 artigo 3.º da Lei n.º 49/2013, de 16 de Julho, o qual, no entender da Requerente, determina que o CFEI é dedutível ao montante apurado nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC, inclusivamente à colecta resultante de tributações autónomas.

           

A Requerente pede ainda o reembolso daquelas quantias acrescido de juros indemnizatórios.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 09-09-2016.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 25-10-2016 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 10-11-2016.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 15-12-2016, decidiu-se dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e que o processo prosseguisse com alegações escritas.

As partes apresentaram alegações.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O tribunal é competente, o processo não enferma de nulidades e não se suscita qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

a)      A Requerente é a sociedade dominante do grupo fiscal B…, o qual é tributado, em sede de IRC, de acordo com o Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades (RETGS);

b)       A Requerente, na qualidade de sociedade dominante do grupo, submeteu, no dia 30-05-2015, a declaração Modelo 22 que originou a autoliquidação n.º 2015…, ora impugnada, da qual consta o montante de € 1.785.705,94 respeitante a tributação autónoma no âmbito do RETGS;

c)      Da referida Modelo 22, resultou um total de imposto a recuperar de € 13.530.094,21;

d)      Em 15-03-2016, a Requerente procedeu à submissão da Modelo 22 de substituição do RETGS referente ao período de tributação de 2014 (cuja cópia consta do documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido), na qual foi apurado um resultado fiscal consolidado negativo no montante de € 12.873.551,97 e um montante total de tributações autónomas de € 1.164.371,33;

e)      Da Modelo 22 do RETGS de substituição, resulta um total de imposto a recuperar no montante de € 14.193.039,00;

f)       A declaração Modelo 22 de substituição do RETGS não foi dada como validada pelo sistema informático da AT, tendo sido despoletado o erro D8M - “Incoerência no valor das tributações autónomas” (Documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

g)      O resultado apurado individualmente, por cada uma das sociedades que integravam o grupo fiscal da Requerente em 2014, consta das declarações que estão reunidas no documento n.º 8 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos, sendo, em síntese, os seguintes:

 

h)      Como resulta das declarações Modelos 22 individuais e do RETGS o Grupo liderado pela Requerente possuía um saldo de benefícios fiscais, que operam por dedução à colecta, passíveis de dedução no período de tributação de 2014 no valor de Euro 88.690,37, os quais correspondem a crédito fiscal apurado a título de Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento (“CFEI") pelas seguintes sociedades dominadas, entre as quais a sociedade Mercado Urbano integrou o consolidado fiscal a partir de 01-01-2014:

i)       No período de tributação de 2014, a Requerente não deduziu qualquer montante relativo a benefícios fiscais no campo 355 do quadro 10 da Declaração de Rendimentos Modelo 22 do RETGS;

j)       No dia 30-03-2016, a Requerente apresentou reclamação graciosa, a qual foi indeferida por despacho datado de 18-05-2016, proferido pela Senhora Chefe de Divisão da Unidade dos Grandes Contribuintes;

k)      A decisão de indeferimento da reclamação graciosa manifesta concordância com a Informação n.º …-… /2016, cuja cópia consta do documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

2. Após apreciação dos argumentos invocados pela Contribuinte, aqui Reclamante, na sua petição inicial, foi, por parte desta UGC, elaborado o competente "Projeto de Decisão" junto aos autos, consubstanciado na nossa anterior Informação n.º …-… /2016.

3. Através de ofício emanado da UGC, a Contribuinte, ora Reclamante, foi devidamente notificada para, querendo, exercer o seu direito de participação, na modalidade de audição prévia, sob a forma escrita, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 60.º da LGT, por sua vez conjugado com o preceituado no art.º 122.º do Código do Procedimento Administrativo ("CPA").

4. Decorrido o prazo então concedido para o exercício do seu direito de participação, na modalidade de audição prévia, sob a forma escrita, nem a Contribuinte, aqui Reclamante, por um lado, veio aos autos acrescentar outros elementos que não tivessem já sido dirimidos aquando do nosso anterior "Projeto de Decisão", nem esta UGC, por outro, descortinou também quaisquer outros elementos suscetíveis de colocar em causa as conclusões anteriormente propostas.

Nestes termos,

5. Considerando-se a permanência da validade dos pressupostos que, de facto e de direito, alicerçaram o nosso anterior "Projeto de Decisão", somos então a entender pela definitividade do mesmo, com todas as consequências legais.

 

l)        No Projecto de Decisão que foi notificado à Requerente, cuja cópia consta do documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, refere-se além do mais, o seguinte:

§ IV.I. Do cálculo de imposto

§ IV.U. Do agravamento da taxa de tributação autónoma

§ IV.I.I.I. Dos argumentos da Reclamante

13. Em maio de 2015, a Contribuinte, ora Reclamante, enquanto sociedade dominante no âmbito de RETGS, procedeu à entrega da declaração de rendimentos de consolidação do grupo fiscal relativo; ao período de tributação correspondente ao ano civil de 2014, nos termos do disposto no art.º 70.º e do art.º 117.º, ambos do CIRC.

14. Essa declaração de rendimentos, por seu turno, conduziu à liquidação n.º 2015…, de 19 de agosto de 2015, aqui sob contestação.

15. Da referida declaração (e liquidação), a título de tributação autónoma, no âmbito do RETGS, consta o montante de € 1.785.705,94 (um milhão, setecentos e oitenta e cinco mil, setecentos e cinco euros e noventa e quatro cêntimos), o qual, segundo diz a própria Contribuinte, aqui Reclamante, foi erradamente considerado em excesso, não obstante o determinado por força do agravamento de taxa previsto no n.º 14 do art.º 88.º do CIRC.

16. A Contribuinte, ora Reclamante, refere que a norma que impõe o agravamento da taxa de tributação autónoma, ainda que nas situações sob a alçada do RETGS, tem como pressuposto de aplicação é existência de prejuízo fiscal sim na sociedade que incorre na despesa e encargo sujeita a tributação autónoma e não ao nível do próprio Grupo fiscal em que aquela se insere.

17. A Contribuinte, aqui Reclamante, apresenta detalhadamente a quantia paga a título de tributação autónoma, conforme o disposto no art.º 88.º, do CIRC, para cada um das sociedades integrantes de Grupo, demonstrando que, peio erro descrito anteriormente, existe uma distorção no imposto a pagar.

18. De seguida, a Contribuinte, ora Reclamante, afirmando que sempre seguiu as instruções dadas pela Administração Tributária relativamente ao modo de apuramento da tributação autónoma no âmbito do RETGS, designadamente, o disposto na Informação Vinculativa n.º 2011…, de 30 de março de 2012, este tipo de informações não têm força obrigatória sobre os sujeitos passivos, isto é, vincula unicamente a própria Administração.

19. Além disso, acrescenta que este entendimento não encontra reflexo no ordenamento jurídico-fiscal e, se no âmbito do RETGS se consagra um regime diferenciado da regra geral, também no que respeita à tributação autónoma o procedimento deveria ser o mesmo.

20. Refere, em resumo, que, para efeitos da aplicação ou não de um agravamento de taxa em sede de tributação autónoma, o que releva é o resultado fiscal da própria entidade onde recaem as despesas e encargos objeto de tributação autónoma e não o do grupo fiscal onde aquela se insere.

21. Posto isto, a Contribuinte, aqui Reclamante, entende que, não obstante existir uma situação de prejuízo fiscal ao nível do RETGS, não lhe deve ser aplicado o agravamento da taxa de tributação autónoma nos termos do n.º 14 do art.º 88.º, do CIRC, visto que as sociedades que incorreram nas despesas e encargos autonomamente tributados não apresentavam, para o período, qualquer prejuízo fiscal.

22. No sentido de reforçar esta visão, a Reclamante junta em anexo a decisão arbitrai proferida no âmbito do processo n.º 239/2014-T, de 01 de setembro de 2014, na qual se declara que o regime de agravamento das taxas encontra-se previsto apenas relativamente à determinação do lucro tributável; aos pagamentos por conta e pagamentos especiais por conta; à dedução de prejuízos fiscais; e aos gastos de financiamento líquidos.

23. Deste modo, conforme diz, porque não lhe sendo aplicado o agravamento em 10 pontos percentuais, a tributação autónoma deverá então efetuar-se por via das taxas normais e, assim, em vez da importância de € 1-785.705,94 (um milhão, setecentos e oitenta e cinco mil, setecentos e cinco euros e noventa e quatro cêntimos), inicialmente declarada {e liquidada), deveria esta quedar-se sim apenas pelo valor global de € 1.164.371,33 {um milhão, cento e sessenta e quatro mil, trezentos e setenta e um euros e trinta e três cêntimos).

24. Requer assim a anulação e, consequente, restituição, do valor de € 621.334,61 {seiscentos e vinte e um mil, trezentos e trinta e quatro euros e sessenta e um cêntimos), correspondente à diferença apurada entre o montante inicialmente inicialmente liquidado (€ 1.785.705,94) e aquele que deveria resultar (€1.164.371,33).

§ IV.I.I.II. Da apreciação

25. Em nosso entender, a questão a descortinar neste ponto respeita a conhecer se o pressuposto do "prejuízo fiscal" a que alude o n.º 14 do art.º 88-.º do CIRC, no caso do RETGS, se deve repercutir a este ou se à situação concreta da sociedade que incorre no respetivo gasto/despesas, individualmente considerada.

26. Começamos desde já por dizer, dirimindo por completo a questão, que, a este título, e com natureza interpretativa, veio o art.º 133.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, alterara redação do art.º88.º do CIRC,17 esclarecendo que, "(...) quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades estabelecido no artigo 69.º, é considerado o prejuízo fiscal apurado nos termos do artigo 70."'.

27. Se dúvidas haviam, ficam então estas perentoriamente esclarecidas no sentido em que o que releva é, afinal, o "prejuízo fiscal" apurado ao nível sim do RETGS e não da esfera individual da entidade que incorre nas despesas e encargos conduzidos ao regime da tributação autónoma previsto no art.º 68.º do CIRC.

28. Não tem, portanto, qualquer razão a Contribuinte, aqui Reclamante.

Prosseguindo:

29. Como se não bastasse o atrás referido, igualmente se diga que, relativamente a esta matéria, ainda existe urna Informação Vinculativa, conforme é, aliás, mencionado pela própria Contribuinte, aqui Reclamante.

30. Trata-se da ficha doutrinária decorrente do processo n.º 2011…, o qual correu seus termos junto da Direção de Serviços do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas ("DSIRC"), tendo obtido Despacho concordante por parte do Sub-Diretor Gerai, de 30 de março de 2012.

31. Neste capítulo não resta outra alternativa a estes Serviços senão manter o entendimento ali vertido pois, como é sabido, a Administração Tributária possui uma estrutura hierarquizada nos termos da al. a) do art.º 6.º do Decreto-Lei n.º 118/2011, de 31/12, entendendo-se que as normas emitidas superiormente são aplicadas por toda a estrutura, não havendo margem para qualquer discricionariedade.

Com efeito,

32. Com efeito, a letra do n.º 14 do art.º 68.º, da LGT, dispõe ainda que: "A administração tributária, em relação ao objecto do pedido, não pode posteriormente proceder em sentido diverso da informação prestada, salvo em cumprimento de decisão judicial".

33. Embora se possa entender que esta norma diz respeito unicamente ao caso concreto objeto da informação prestada, não faria qualquer sentido que a Administração Tributária adotasse posições distintas para factos de natureza idêntica e que versam sobre a mesma matéria sob pena de total incoerência perante a lei e os contribuintes, o que seguramente colocariam em causa qualquer relação de confiança.

34. Não obstante, o RETGS representar um regime, opcional, de caráter especial em virtude da estrutura empresarial de determinados sujeitos passivos, servindo unicamente para determinar um método de apuramento do lucro tributável e, no caso de se verificarem prejuízos fiscais, estes influenciarão a taxa aplicável em sede de tributação autónoma.

35. Este entendimento revela coerência por parte do legislador: a criação da figura da tributação autónoma tem como objetivo evitar que os sujeitos passivos recorram frequentemente a um determinado tipo de despesas, situadas num "zona cinzenta" entre o fim empresarial e o fim privado, com o intuito de fazer diminuir a receita fiscal.

36. Deste modo, não se vislumbra como poderia ser de outra forma, pois articulando o disposto naquele n.º 14 do art.º 88.º com o n.º 1 do art.º 70.º, ambos do CIRC, claramente que os prejuízos fiscais são apurados pela sociedade dominante através da apresentação da "autoliquidação".

37. Consabido, "autoliquidação" não quer dizer mais do que o mero ato de apuramento de imposto e de outras obrigações a entregar ou a receber por parte do sujeito passivo, procurando-se, através daquele, obter o quantum, sendo que este, no caso do RETGS, é promovido por recurso ao regime que se encontra estabelecido no art.º 70.º e corresponde à "soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações individuais".

Ora,

38. Considerar que o valor de referência para determinar a taxa aplicável na tributação autónoma seja a de cada empresa do Grupo, equivale a criar um "sistema especial" dentro do próprio RETGS, já por si uma situação especial, o que, evidentemente, não é sustentável e vai contra o disposto no próprio CIRC.

Destarte,

39. Concluindo, neste ponto, é por demais evidente que o pedido ora formulado pela Contribuinte, ora Reclamante, não pode ser declarado procedente, atentos todos os fundamentos por nós até aqui expostos.

§ IV.I.II. Da dedução de benefício fiscal à coleta de tributação autónoma

§ IV.I.II.I. Dos argumentos da Reclamante

40. No que concerne ao período de tributação em apreço, a Contribuinte, aqui Reclamante, apurou um valor de € 1.774.415,53 (um milhão, setecentos e setenta e quatro mil, quatrocentos e quinze euros e cinquenta e três cêntimos) no âmbito do benefício fiscal respeitante ao "Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento" (CFEI).

41. Por insuficiência da coleta de imposto sobre o rendimento de pessoas coletivas, a Contribuinte, aqui Reclamante, viu-se impossibilitada de proceder à dedução deste benefício e, nesses termos, portanto, pretende fazê-lo agora ao montante apurado em sede de tributação autónoma.

42. Segundo diz a Contribuinte, ora Reclamante, esta operação torna-se possível na medida em que considera que o imposto apurado em sede de tributação autónoma integra a coleta apurada no âmbito do IRC, sendo passível de dedução tal como sucede no art0 90.º, do CIRC.

43. À semelhança do ponto anterior, a Contribuinte, aqui Reclamante, anexa jurisprudência com o intuito de demonstrar a prevalência deste entendimento.

Pelo que,

44. Também nesta parte requer a anulação dos montantes que em seu entender se consideram indevidamente liquidados.

§ IV.I.II.II. Da apreciação

45. Nesta parte o thema decidendum gira em torno de conhecer se à coleta de tributação autónoma podem ser deduzidas quantias respeitantes a benefícios fiscais, maxime o CFEI.

46. Começamos desde já por dizer, dirimindo por completo a questão, que, a este título, e com natureza interpretativa,19 veio o art.º 133.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, alterar a redação do art.º 88.º do CIRC,2D esclarecendo que à coleta de tributação autónoma não são efetuadas quaisquer deduções.

47. Se dúvidas haviam, ficam então estas perentoriamente esclarecidas no sentido em que não pode ser promovida qualquer dedução nos termos a que alude a Contribuinte, ora Reclamante.

48. Não tem, portanto, qualquer razão a Contribuinte, aqui Reclamante.

Sem prescindir,

49. Começamos por determinar qual a natureza da tributação autónoma uma vez que a Contribuinte, ora Reclamante, argumenta que esta é parte integrante da coleta de imposto sobre o rendimento de pessoas coletivas (IRC), sendo, portanto, passível de dedução dos benefícios fiscais nos termos do art.º 90.º do CIRC.

50. Os tributos públicos são tradicionalmente divididos em três categorias: os impostos, as taxas e as contribuições, sendo que os primeiros são desde logo caraterizados pela sua natureza unilateral, servindo o propósito de angariação de receita.

51. Admite-se que possam igualmente servir propósitos de ordenação social e orientação de comportamentos, ainda que de forma indireta, como é o caso da tributação autónoma uma vez que é exigida sem qualquer contrapartida.

52. Ao incidir sobre factos que assumem a natureza de "despesa" e não de "rendimento", revela uma certa independência material em relação ao imposto sobre o rendimento (em sentido estrito), sendo, aliás, apurada de forma autónoma, pouco importando se apresenta ou não rendimento tributável no fim do período, salvo no que respeita ao agravamento de taxa nas situações em que as despesas são incorridas.

53. A sua inserção no CIRC deveu-se sobretudo a questões de simplificação, já que ao seu apuramento estão subjacentes despesas que contribuem para determinação do imposto a pagar no final do período.

54. Com esta tipologia, sublinhadamente antiabuso e intencional de combate à fraude e evasão fiscais ancorado no princípio da capacidade contributiva (por conexão com o principio da tributação do rendimento real das empresas),21 o legislador fiscal procurou promover, tanto quanto possível, a redução do uso dessas despesas que afetam de maneira negativa a coleta e, consequentemente, a receita fiscal em sede de impostos sobre o rendimento.

55. Ao invés do que sucede ao nível da intrínseca cédula de IRC, a tributação autónoma de despesas e encargos, por seu turno, mais não é do que uma realidade instrumental e acessória à obtenção do resultado daquele imposto sobre o rendimento, na justa medida em que foi em função (e proteção) do mesmo que se deu azo à conceção da tributação autónoma e em que, contas feitas, se radica a sua própria raison d'être.

Continuando,

56. A tributação autónoma busca a sua incidência objetiva em despesas e encargos e não em rendimentos (da entidade onerada), distanciando-se por isso, IRC em sentido estrito, embora, esteja instrumental e universalmente ligada a este para efeitos de caráter operacional e funcional.

57. Como traço revelador dessa nuance sublinhamos a mudança legislativa concretizada na atual alínea a) do n.º 1 do atual art.º 23.º-A do CIRC, onde, reforçando a posição aqui defendida, se acrescentou a expressão "incluindo as tributações autónomas", o que equivale a dizer por outras palavras que, por um lado, a tributação autónoma integra o imposto principal em sentido lato, mas, por outro, é distinta daquele em sentido estrito,

58. Outro exemplo: no art.º 12.º, do mesmo código, desde logo é aí realçada a relação de "operacionalidade" e de "funcionalidade" entre a tributação do rendimento e a tributação autónoma de certas despesas ou encargos, sem prejuízo de reiterar a distância entre essas mesmas figuras.

Nestes termos,

59. Conforme resulta dos termos expressos na sua própria petição inicial, a Contribuinte, ora Reclamante, contesta parcialmente o ato tributário de "liquidação" e, em consequência, requer então que as importâncias que lhe cabem como "crédito" de imposto por força do aproveitamento do benefício fiscal respeitante ao CFEI sejam por sua vez deduzidas à coleta que é então determinada e apurada por via da tributação autónoma de algumas determinadas despesas e encargos.

Ora,

60. Justamente porque ê nosso entendimento que a coleta apurada em sede de tributação autónoma não pode - nem deve - ser confundida com a coleta que resulta no estrito âmbito do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, o argumento da Contribuinte, ora Reclamante, não pode ser procedente.

61. No que concerne à tributação autónoma prevista no art.º 88.º, do CIRC, facilmente se vê que esta é apurada de forma distinta e autónoma, face ao processamento do IRC em sentido estrito, à luz do preceituado no art.º 90.º do mesmo código, sendo este inerente ao núcleo da estrita tributação do rendimento e não ao da tributação de determinadas das despesas como sucede no plano da tributação autónoma.

62. Embora ambos se encontrem inseridos no apuramento ao nível do âmbito mais lato da tributação das empresas, constituem, contudo, procedimentos manifestamente distintos e individualizados, pois um diz respeito à estrita coleta de IRC, e o outro à coleta apurada em sede de tributação autónoma.

63. Não se pode olvidar o espírito que presidiu à estatuição da tributação autónoma e dos benefícios fiscais, realidades distintas e com interesses imediatos e mediatos igualmente díspares a ponto de impedirem a sua respetiva convergência, sobretudo no que tange à dedução à primeira da importância respeitante a estes últimos.

Por isso,

64. Medindo os interesses em contenda não merece proceder a pretensão formulada pela Reclamante, visto que o exercício do direito ao beneficio CFEI não é absoluto, pois ele próprio é acolhido de [imites, incluindo materiais, conforme adiante melhoro demonstraremos.

65. O denominado benefício fiscal CFEI permite às empresas a obtenção de um benefício fiscal, em sede imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, e é promovido, em relação às despesas de investimento em ativos afetos à exploração.

66. Este benefício é consubstanciado num crédito fiscal suscetível de ser aproveitado para os termos e efeitos de dedução desse valor na própria coleta (estrita) de IRC (ou de outras realidades cuja tributação igualmente parte a partir do lucro tributável), sem prejuízo dessa quantia, em caso de insuficiência de coleta, ser "transportado" para exercícios posteriores.

Ora,

67. À luz do regime do CFEI, facilmente se descortina que as quantias decorrentes daquele benefício fiscal são passíveis de dedução aos montantes apurados nos termos daquele art.º 90.º do CIRC, e até à sua concorrência, sempre na "liquidação" respeitante ao período de tributação onde se insere o reconhecimento contabilístico dos gastos a coberto do benefício.

68. Ou seja, para os termos e efeitos do CFEI, a dedução é efetuada ao montante apurado naqueles precisos termos, isto é, à estrita coleta de IRC, conexa com o lucro tributável e apurada nos termos do art.º 90.º e não à coleta que resulta das realidades autonomamente tributadas nos termos do art.º 88.º, cujos procedimentos de apuramento são, repita-se, distintos.

69. O legislador fiscal considerou-os como autónomos e distintos, quando, no CFEI, restringido ao perímetro do rendimento, apenas se reportou ao disposto no art.º 90.º, isto é, ao apuramento em concreto no âmbito do IRC stricto sensu e a outras figuras cujo ponto de partida seja o lucro tributável e que revelem a mesma identidade ao nível do sujeito ativo da relaçãojurídico-tributária.25

70. De acordo com a jurisprudência já firmada, a autonomia desta realidade prende-se essencialmente com os factos sobre os quais incide e às especificidades do seu apuramento, mas já não, juridicamente, em relação às restantes parcelas do IRC, uma vez que nesta ótica a tributação autónoma não deixa de ser, ainda assim, IRC na sua conceção mais ampla.

71. Por sua vez, o n.º 2 do art.º 90.º do CIRC, dita a forma de proceder à liquidação do imposto, enumerando, exaustivamente e por ordem, todas as deduções permitidas à coleta apurada nos termos do n.º 1 do mesmo normativo, e esta liquidação é a que tem por base a matéria coletável definida nos termos do regime do CFEI.

72. A coleta a que se refere esta norma quando a liquidação deva ser feita peio contribuinte, é apurada com base na matéria coletável que conste nessa liquidação, sendo o crédito em que se traduz o CFEI deduzido apenas à coleta com base na matéria coletável.

73. Efetivamente, a coleta de IRC está - e ao contrário da de tributação autónoma - dependente da obtenção de um resultado positivo por parte da empresa, e resulta da aplicação ao mesmo da taxa devida, pelo que não está previsto, em momento algum, entrar em linha de conta com as tributações autónomas que, como o próprio nome indica, são autónomas, ou seja independentes do resultado obtido pela empresa, e sempre devidas na sua totalidade, já que o Código não prevê quaisquer deduções às mesmas.

74. Portanto, por aqui entendemos que o valor que decorre do CFEI não pode de maneira alguma servir de dedução à coleta que resulta do espetro da tributação autónoma do elenco previsto no art.º 88-.º, visto que, para estes efeitos, a coleta apurada no âmbito do art.º 90.º não é equivalente à coleta que por sua vez resulta do agregado das realidades sob o jugo da tributação autónoma.

75. Permitir que o valor apurado na coleta em sede de tributação autónoma fosse passível de aproveitar do efeito "da dedução" das quantias relativas ao crédito fiscal que decorre do CFEI, conduziria ao confronto direto com a sua finalidade imediata, designadamente o desincentivo à aquisição e utilização de certos bens e serviços de consumo ou uso misto.

76. Mais, por não se inscrever na estrita cédula da concreta tributação do rendimento, mas no da ótica inversa (a da despesa), a tributação autónoma e a respetiva coleta não aproveitam de benefícios fiscais cuja enfatização se verifica ao nível do rendimento32 e não no da despesa, como sucede nos conhecidos casos respeitantes aos benefícios fiscais tais como o aqui em apreço.

77. Carece de absoluta razoabilidade admitir, nesses termos, qualquer dedução à coleta que resulta da tributação autónoma, quando a lei desde logo igualmente não permite que o valor da mesma possa ser deduzido ao lucro tributável do período.

78. Por conseguinte, seria um paradoxo promover o esvaziamento da coleta de tributação autónoma por força da sua redução por aproveitamento de quantias concedidas por razões e interesses que ab initio brigam com os propósitos da estatuição da primeira, beneficiando fiscalmente precisamente aqueles a que o legislador quis "penalizar" por intermédio de um mecanismo (acessório) que tributa despesa, eliminando ou reduzindo por via indireta qualquer vantagem fiscal que seja no estrito perímetro da tributação do rendimento e, em consequência, na respetiva coleta e receita final sob pena de "fraude à lei".

79. Mais grave, seria aceitar fiscalmente essa dedução quando, nos termos da lei, o próprio legislador fez questão de sublinhar cautelas quanto à convivência entre os benefícios fiscais e a verificação de determinadas despesas e encargos, tal como sucedeu, por exemplo, no n.º 2 do referido art.º 88.º do CIRC.

Aliás,

80. Na esteira da mais recente jurisprudência arbitral, considerou-se que "(...) não seria razoável, antes até contrário ao motivo que levou o legislador a tributar autonomamente aquelas despesas que, através da sua dedução ao lucro tributável a título de gastos, fosse eliminado o fundamento da existência das tributações autónomas" tendo-se "(...) assim como certo que as tributações autónomas não constituem IRC em sentido estrito mas encontram-se a este (IRC) imbricadas, devendo conter-se nos "outros impostos" de que nos dá conta a parte final da alínea a) do n.º 1 do artigo 45º do CIRC”.

81. Igualmente é entendido que "(...) visando as tributações autónomas reduzir a vantagem fiscal alcançada com a dedução ao lucro tributável dos custos sobre os quais incide e ainda combater a evasão fiscal que este tipo de despesas, pela sua natureza, potência, não poderá ser ela mesma através da sua dedução ao lucro tributável a titulo de custo do exercício constituir fator de redução dessa diminuição de vantagem pretendida e determinada pelo legislador."

82. Mais: "(...) as tributações autónomas, que incidem sobre encargos dedutíveis para os termos e efeitos do apuramento da base tributável de IRC, integram o regime e são devidas a título deste imposto, não constituindo as despesas com o pagamento daquelas tributações encargos dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável.

83. Tanto mais que, recorde-se, sendo a tributação autónoma um regime excecional no enquadramento jurídico-constitucional da tributação do rendimento acréscimo e do rendimento real, o regime deve ser então objeto de uma interpretação restritiva, pois seria contrário ao espírito do sistema permitir que, por força das deduções a que se refere o n.º 2 do citado art.º 90.º, fosse retirado à tributação autónoma esse caráter antiabusivo que presidiu à sua implementação no âmbito do próprio sistema do IRC.

84. Cumpre ainda sublinhar, à cautela, que tão pouco é legítimo dizer que a matriz antiabuso tributação autónoma não obsta ao impedimento da dedução do valor do benefício à coleta daquela, tal como sucede com outras disposições específicas antiabuso disseminadas pelos diversos códigos tributários.

Com efeito,

85. Ao invés do que acontece ao nível da tributação autónoma, de natureza antiabuso, de ação "indireta", nas disposições antiabuso, "diretas" (quer na cláusula geral antiabuso, quer nas sniper approach) o correlativo trato fiscal pela ocorrência dos factos legalmente previstos encontra-se circunscrito ao chamamento à base tributável; o legislador fiscal entendeu que a atuação destas seria preconizada no âmbito do patamar da determinação da matéria coletável e não, a jusante, na fase de apuramento da coleta.

86. Nas normas antiabuso "diretas", tanto a censura fiscal como o seu sancionamento são diretamente prescritos no capítulo da matéria coletável, sendo aí que o legislador fiscal cristalizou, por um lado, a sua censura e, por outro, o respetivo sancionamento.

87. É o que sucede, por exemplo, ao nível das normas legalmente previstas em sede de "preços de transferência",38 de "subcapitalização", etc.

88. Não temos dúvidas: a admitir-se a dedução do benefício fiscal do CFEI à coleta de tributação autónoma da mesma forma que sucede com a estrita coleta de IRC ou de outras figuras tributárias imediatamente conexas com o rendimento, mais não se estaria do que a afastar a diretriz sancionatória que presidiu à consagração do regime daquela.

89. Seria uma contradição que esta tributação autónoma (apuradas num contexto de comportamentos eventualmente abusivos) se esgotasse pela dedução decorrente de uma despesa (benefícios fiscais) que o Estado suporta com vista a induzir ao investimento e consequente desenvolvimento dos próprios Estados e das empresas.

90. Recorde-se o que já foi dito, a dedução no âmbito do benefício fiscal CFEI não é de exercício absoluto, pois o seu regime é norteado por limites de natureza formal, temporal e material, sendo que este último impede a eliminação ou mitigação da coleta apurada sob a alçada do mecanismo antiabuso que postula a autonomia da tributação de determinadas realidades (de despesa e não de rendimento), a ponto de, em consequência, igualmente impedir a menor oneração fiscal pelo custeio de realidades que o legislador fiscal considerou como potencialmente litigantes.

Destarte,

91. Nesta parte, atento o exposto, considerando o impedimento da dedução requerida, deve improceder o pedido ora formulado pela Contribuinte, ora Reclamante, com todas as consequências legais que ao caso caibam.

§ V. DA CONCLUSÃO

Em conformidade com tudo o anteriormente exposto, somos de propor que o pedido formulado nos autos seja indeferido de acordo com o teor do "quadro-síntese" desde logo melhor identificado no intróito desta nossa informação, com todas as consequências legais.

Mais se propõe que, igualmente em caso de Concordância Superior, se promova a notificação da Contribuinte, aqui Reclamante, de acordo com as normas insertas nos art.º 35.º a 41.º, todos do CPPT, através de ofício a remeter sob registo, para, querendo, no prazo de 15 (quinze) dias, exercer o seu direito de participação, na modalidade de audição prévia, sob a forma escrita, nos termos do disposto no art.º 60.º da LGT, por sua vez conjugado com a regra contida no art.º 121.º, este do CPA, ex vi da al. c) do art.º 2.º também da LGT.

 

m)   A Requerente actuou em conformidade com as indicações publicadas pela Autoridade Tributária na Ficha Doutrinária n.º 2011 … de 30-03-2012, relativa a uma informação vinculativa (reproduzida no documento n.º 11 junto com o pedido de pronúncia arbitral), em que, além do mais se refere o seguinte:

Agravamento da taxa de tributação autónoma nas situações de apuramento de prejuízo fiscal (no RETGS)

6. Para efeitos de aplicação do disposto no n.º 14 do art.º 88.º do CIRC, nos casos em que os sujeitos passivos integram um grupo abrangido pelo regime especial de tributação das sociedades (RETGS), deve ser considerado o resultado (lucro tributável ou prejuízo fiscal) apurado na declaração do grupo referente ao período de tributação a que respeitem quaisquer dos factos tributários passíveis de tributação autónoma e não o lucro tributável ou o prejuízo fiscal apurado por cada uma das sociedades que integram o perímetro de consolidação abrangido pelo regime.

 

n)      A Requerente indicou na sua declaração modelo 22, como despesas sujeitas a tributação autónoma as indicadas no documento n.º 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;

o)      O grupo de sociedades tinha, no exercício de 2014, um crédito de € 11.962,43 do CFEI, que não deduziu ao montante das tributações autónomas;

p)      As sociedades que incorreram nas despesas e encargos autonomamente tributados na declaração modelo 22 não apresentavam prejuízo fiscal, no exercício de 2014;

q)      Em 16-08-2016, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

2.2. Factos não provados

 

Não há factos relevantes para a decisão que não se tenham provado.

 

 2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e no processo administrativo, não havendo controvérsia sobre eles.

 

3. Matéria de direito

 

O n.º 14 do artigo 88.º do CIRC estabelece o seguinte:

 

14. As taxas de tributação autónoma previstas no presente artigo são elevadas em 10 pontos percentuais quanto aos sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal no período a que respeitem quaisquer dos factos tributários referidos nos números anteriores relacionados com o exercício de uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola não isenta de IRC,

 

A Lei n.º 49/2013, de 16 de Julho, aprovou o crédito fiscal extraordinário ao investimento (CFEI), consubstanciado num benefício fiscal indicado no n.º 1 do seu artigo 3.º nestes termos:

 

1.      O benefício fiscal a conceder aos sujeitos passivos referidos no artigo anterior corresponde a uma dedução à colecta de IRC no montante de 20 % das despesas de investimento em activos afectos à exploração, que sejam efetuadas entre 1 de Junho de 2013 e 31 de Dezembro de 2013.

 

A Requerente apresentou a declaração modelo 22 relativa ao exercício de 2014 do grupo de que é sociedade dominante, em que declarou prejuízos fiscais do grupo.

Nessa declaração, a Requerente determinou as tributações autónomas que autoliquidou com o agravamento em 10 pontos percentuais previsto no n.º 14 do artigo 88.º do CIRC, apesar de nenhuma das sociedades que incorreram nas despesas e encargos autonomamente tributados não apresentarem prejuízos fiscais, no exercício de 2014.

Nessa declaração modelo 22, a Requerente não deduziu qualquer montante relativo a benefícios fiscais, embora as sociedades que integravam o grupo e a sociedade Mercado Urbano que integrou o consolidado fiscal a partir de 01-01-2014, tivessem efectuado despesas de investimento passíveis de dedução ao abrigo do CFEI no período de tributação de 2014 no valor de Euro 88.690,37.

A Requerente apresentou reclamação graciosa das autoliquidações efectuadas com base naquelas declarações modelo 22, defendendo, em suma:

– que, nos casos de grupos de sociedades, para efeitos do agravamento previsto no n.º 14 do artigo 88.º do CIRC não é relevante o prejuízo fiscal do grupo, mas sim o de cada uma das sociedades que efectuaram as despesas sujeitas a tributação autónoma, pelo que, não tendo prejuízos fiscais nenhuma das sociedades que efectuaram as despesas autonomamente tributadas, não se deve aplicar o referido agravamento;

– pode ser deduzido à colecta produzida pelas tributações autónomas o montante de 20 % das despesas de investimento em activos afectos à exploração, que sejam efetuadas entre 1 de Junho de 2013 e 31 de Dezembro de 2013, que possam beneficiar do CFEI.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira indeferiu a reclamação graciosa.

As questões que são objecto do presente processo são as que foram objecto da reclamação graciosa.

 

3.1. Questão da relevância dos prejuízos do grupo de sociedades para como fundamento da aplicação do agravamento das tributações autónomas previsto no n.º 14 do artigo 88.º do CIRC

 

Esta questão consiste em saber se, quando é aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, os prejuízos fiscais relevantes para determinar este agravamento de taxas de tributação autónoma são os dos grupos ou os de cada uma das entidades individuais que os integram.

A Requerente entende que são os prejuízos fiscais de cada uma das sociedades do grupo que relevam para este efeito, enquanto a Autoridade Tributária e Aduaneira entende que é o prejuízo fiscal do grupo que determina o agravamento das taxas.

A questão está hoje legislativamente resolvida, no sentido propugnado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, através do aditamento, operado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, do n.º 20 ao artigo 88.º do CIRC, que estabelece o seguinte:

 

 20 - Para efeitos do disposto no n.º 14, quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades estabelecido no artigo 69.º, é considerado o prejuízo fiscal apurado nos termos do artigo 70.º

 

O artigo 135.º desta Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, atribuiu natureza interpretativa a esta nova redacção do n.º 20 do artigo 88.º do CIRC.

De harmonia com o artigo 13.º, n.º 1, do Código Civil, «a lei interpretativa integra-se na lei interpretada», pelo que a interpretação efectuada se aplica como se constasse da norma interpretada.

Porém, a Requerente questiona a admissibilidade constitucional desta interpretação autêntica, em face da proibição de retroactividade que consta do artigo 103.º, n.º 3, da CRP.

Defende a Requerente, em suma, que

– a regra do n.° 20 do artigo 88.° do Código do IRC não era certa e inequívoca na redacção anterior do artigo 88.° do Código do IRC, não vindo a nova norma apenas confirmar de modo expresso o entendimento que se pretendia atribuir ao referido artigo, mas acrescentando, efectivamente, uma regra nova;

–  esta nova regra não decorria da letra da lei, nem do pensamento legislativo, nem do fim da norma, nem da sistemática do Código do IRC, nem de qualquer outra forma de interpretação admissível nos termos do n.° 1 do artigo 9.° do Código Civil, não se consubstanciando, portanto, esta nova Lei numa mera lei interpretativa, mas antes numa verdadeira lei fiscal com efeitos retroactivos, o que não se aceita nem se admite.

 

Assim, a primeira questão que se coloca, é a de saber se o n.º 20 do artigo 88.º do CIRC tem verdadeiramente natureza interpretativa ou, apesar de essa qualificação que lhe ser dada pelo artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, aquela norma deve ser considerada inovadora.

 

3.1.1. Natureza interpretativa ou inovadora do n.º 20 do artigo 88.º do CIRC

 

O artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, ao atribuir natureza «interpretativa» àquele novo n.º 21.º do artigo 88.º, conjugado com o artigo 13.º do Código Civil (que é a única norma que define o conceito de lei interpretativa), tem ínsita uma intenção legislativa de aplicar o novo regime às situações anteriores em que não haja «efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por sentença passada em julgado, por transacção, ainda que não homologada, ou por actos de análoga natureza».

BAPTISTA MACHADO ensina sobre as leis interpretativas:

Ora a razão pela qual a lei interpretativa se aplica a factos e situações anteriores reside fundamentalmente em que ela, vindo consagrar e fixar uma das interpretações possíveis da lei antiga com que os interessados podiam e deviam contar, não é susceptível de violar expectativas seguras e legitimamente fundadas. Poderemos consequentemente dizer que são de sua natureza interpretativas aquelas leis que, sobre pontos ou questões em que as regras jurídicas aplicáveis são incertas ou o seu sentido controvertido, vem consagrar uma solução que os tribunais poderiam ter adoptado. Não é preciso que a lei venha consagrar uma das correntes jurisprudenciais anteriores ou uma forte corrente jurisprudencial anterior. Tanto mais que a lei interpretativa surge muitas vezes antes que tais correntes jurisprudenciais se cheguem a formar. Mas, se é este o caso, e se entretanto se formou uma corrente jurisprudencial uniforme que tornou praticamente certo o sentido da norma antiga, então a lei nova que venha consagrar uma interpretação diferente da mesma norma já não pode ser considerada realmente interpretativa (embora o seja porventura por determinação do legislador), mas inovadora.

Para que uma lei nova possa ser realmente interpretativa são necessários, portanto, dois requisitos: que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta; e que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei. Se o julgador ou o intérprete, em face de textos antigos, não podiam sentir-se autorizados a adoptar a solução que a lei nova vem consagrar, então esta é decididamente inovadora.

 

Assim, a primeira questão a apreciar, que pode ser decisiva, é a de saber se a norma do n.º 20 do artigo 88.º do CIRC, tem verdadeiramente natureza interpretativa.

A expressão «sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal» que consta do n.º 14 do artigo 88.º do CIRC pode, pelo seu próprio teor literal, ser interpretada como reportando-se aos prejuízos do grupo ou aos de cada uma das empresas que os integram.

Na verdade, mesmo quando a tributação é feita com base no lucro tributável do grupo, não deixam de ser determinados os prejuízos fiscais de cada uma das sociedades que o integram, como resulta do artigo 70.º, n.º 1, do CIRC.

Por outro lado, o facto de o artigo 88.º, n.º 14, do CIRC fazer referência ao «sujeitos passivos» e o CIRC não indicar os grupos de sociedades entre os sujeitos passivos indicados no seu artigo 2.º não exclui a possibilidade de a interpretação daquela expressão os abranger, pois o artigo 18.º, n.º 3, da LGT atribui tal designação à «pessoa singular ou colectiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte directo, substituto ou responsável». Ora, no caso de tributação dos grupos de sociedades «o pagamento do IRC incumbe à sociedade dominante», em primeira linha, como decorre do artigo 115.º do CIRC, pelo que esta é, também nessa qualidade, sujeito passivo de IRC.

Ainda por outro lado, o Relatório do Orçamento do Estado para 2011, que introduziu o referido n.º 14 no artigo 88.º do CIRC, não é esclarecedor sobre o alcance da referência a «sujeito passivo», pois apenas se refere que «alarga-se uma regra que em termos mais estreitos já figurava no artigo 88.º do Código do IRC e determina-se, com carácter de generalidade, que as taxas de tributação autónoma sofram uma elevação de 10 pontos percentuais sempre que os sujeitos passivos apresentem prejuízos fiscais, com o que se pretende dar um sinal claro de moralização na gestão das empresas no tocante a gastos como ajudas de custo ou despesas de representação».

Para além disso, se é certo que a posição mais coerente e lógica é a de que, sendo a tributação unitária do rendimento a justificação da existência de um regime especial de tributação de grupos de sociedades e não havendo nenhuma alusão às tributações autónomas na Subsecção do CIRC que estabelece este regime, estas não seriam por ele abrangidas, também não deixa de ser certo que as tributações autónomas revelam uma evidente, persistente e crescente despreocupação legislativa com a coerência de sistema de tributação das empresas que deveria ter por base fundamentalmente o rendimento real, por força do disposto no artigo 104.º, n.º 2, da CRP.

E, de facto, tem de se admitir a falta de clareza da solução, como fica demonstrado com a jurisprudência arbitral divergente sobre esta matéria, designadamente os acórdãos de 01-09-2014, proferido no processo n.º 239/2014-T e de 24-04-2015, proferido no processo n.º 659/2014-T.

Neste último, adopta-se explicitamente o entendimento de que, nos casos de aplicação do RETGS, os prejuízos fiscais relevantes para efeito do agravamento que se refere o n.º 14 do artigo 88.º do CIRC são os do grupo que a sociedade dominante é o «único sujeito passivo para efeitos de IRC», como se evidencia no excerto que segue, realçando os pontos relevantes:

 

«Ou seja: a questão pode reconduzir-se a saber, em termos simples, se é justo ou não penalizar quem, em situação de prejuízo fiscal, opta, usando o exemplo anterior, por aquisição de viaturas ligeiras de passageiros para uso dos seus administradores, de custo acima de um limite razoável.

E relativamente a esta material não há especificidades ou exceções a assinalar para o caso, como o dos autos, de empresas tributadas, por opção própria, no âmbito do RETGS (artigos 69º e ss., do CIRC).

Na verdade, pese embora ocorra neste caso uma aferição de prejuízos fiscais por declaração do Grupo fiscal, a verdade é que tal ocorre por opção própria do contribuinte que aceitou que o cálculo respetivo se processasse não de forma individual mas através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de modo a que, no final, apenas houvesse um único sujeito passivo para efeitos de IRC.

Se desse regime de tributação resultar, num caso ou noutro, em tributação final mais gravosa do que aquela que poderia resultar da tributação final individual, tal consequência só ao contribuinte pode ser imputada». ( [1] ) ( [2] )

 

 

Por outro lado, afigura-se ser decisivo para apurar se os contribuintes podiam contar com a interpretação adoptada na Lei n.º 7-A/2016, o facto de existir a Informação Vinculativa, proferida pela Autoridade Tributária e Aduaneira no processo n.º 2011…, datada de 30-03-2012, no sentido de que «para efeitos de aplicação do disposto no n.º 14 do art.º 88.º do CIRC, nos  casos  em  que  os  sujeitos  passivos  integram  um  grupo  abrangido  pelo regime  especial  de  tributação  das  sociedades  (RETGS),  deve  ser considerado  o  resultado  (lucro  tributável  ou  prejuízo  fiscal)  apurado na declaração  do  grupo  referente  ao  período  de  tributação  a  que  respeitem  quaisquer dos factos tributários passíveis de tributação autónoma e não o lucro tributável ou o prejuízo fiscal apurado por cada uma das sociedades que integram o perímetro de consolidação abrangido pelo regime.

Na verdade, esta informação vinculativa está publicada desde 21-06-2012 ( [3] ) e a própria Requerente afirma que sempre seguiu as instruções da Autoridade Tributária e Aduaneira (artigo 38.º do pedido de pronúncia arbitral).

Para além disso, havia já algumas posições doutrinais no sentido que veio a ser perfilhado no n.º 20 do artigo 88.º, designadamente que «estando em causa um grupo societário integrado no regime especial de tributação tem-se entendido que, para efeitos do agravamento do cálculo de TA, deverá ter-se em conta a circunstância de o grupo apresentar lucro ou prejuízo, e não apenas o resultado de cada uma das sociedades. Ou seja, se houver empresas do grupo com prejuízo fiscal, mas, no cômputo global, o grupo apurar lucro tributável consolidado, não deverá ser considerado o agravamento de 10%.». ( [4] )

E, revelando inequivocamente que os contribuintes podiam contar com esta interpretação adoptada na Lei n.º 7-A/2016, constata-se que o sistema informático nem sequer permitia que fossem considerados os prejuízos individuais para efeito de aplicar o agravamento previsto no n.º 14 do artigo 88.º do CIRC, pois o sistema recusava a aceitação da declaração, exibindo uma mensagem de erro, como a Requerente refere no artigo 20.º do pedido de pronúncia arbitral.

Sendo assim, não poderia constituir surpresa para os contribuintes, que, antes da Lei n.º 7-A/2016, se entendesse que o grupo de sociedades devia ser considerado sujeito passivo para efeitos de IRC, para efeitos do n.º 14 do artigo 88.º, pois era a única entidade que tem a obrigação legal de pagar o IRC, inclusivamente o resultante de tributações autónomas: já o dizia a jurisprudência arbitral, já o dizia a Autoridade Tributária e Aduaneira e não era conhecida qualquer voz dissonante a nível jurisprudencial ou doutrinal. Na verdade, o acórdão arbitral proferido no processo n.º 239/2014-T, que era a única decisão jurisprudencial conhecida no sentido de que não eram relevantes os prejuízos fiscais do grupo para efeitos do artigo 88.º, n.º 14, do CIRC, nem sequer revela qualquer dúvida sobre a qualidade de sujeito passivo que o grupo tem em IRC, antes implicitamente aceitava que o era, pois a única razão pela qual nele se entendeu que não eram relevantes os prejuízos fiscais do grupo foi o entendimento de que «a aplicabilidade do regime especial de tributação de grupos de sociedades restringe-se à determinação do lucro tributável e dos prejuízos fiscais» e as tributações autónomas em IRC não terem como base incidência o lucro tributável.

Em face das referidas posições, não é de afastar a natureza interpretativa atribuída ao n.º 20 do artigo 88.º do CIRC que se faz no artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, à luz dos ensinamentos de BAPTISTA MACHADO, pois a solução que dele resulta sobre a aplicação do agravamento da tributação autónoma prevista no n.º 14 do artigo 88.º do CIRC nos casos de tributação no âmbito do RETGS passa o teste enunciado por este Autor:

– a solução que resultava do teor literal do artigo 88.º, n.º 14, do CIRC era controvertida e a solução definida pela nova lei situa-se dentro dos quadros da controvérsia;

– o julgador ou o intérprete poderiam chegar a essa solução sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei, como chegaram a jurisprudência e doutrina referidas.

 

Sendo assim, não pode ser recusada natureza interpretativa à norma do n.º 20 do artigo 88.º do CIRC, pelo que a sua não aplicação só pode resultar da eventual inconstitucionalidade.

 

3.1.2. Questão da inconstitucionalidade da interpretação autêntica efectuada pelo n.º 20 do artigo 88.º da Lei n.º 7-A/2016

 

A inconstitucionalidade suscitada pela Requerente assenta na alegada incompatibilidade das leis interpretativas em matéria fiscal com a proibição da retroactividade na criação de impostos, que consta do artigo 103.º, n.º 3, da CRP.

O artigo 103.º, n.º 3, da CRP estabelece que ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que tenham natureza retroactiva.

A lei interpretativa, integrando-se na lei interpretando, nos termos do artigo 13.º do Código Civil, tem forçosamente efeitos anteriores à sua vigência, pelo menos o de eliminar uma ou mais das interpretações possíveis da lei interpretada. ( [5] )

A proibição constitucional de retroactividade das normas criadoras de obrigações fiscais que se retira do n.º 3 do artigo 103.º da CRP visa obstar a violações legislativas do princípio da segurança jurídica, nas suas vertentes de certeza na orientação das condutas dos contribuintes e de segurança dos efeitos criados por situações já ocorridas.

Na esteira da lição de BAPTISTA MACHADO, deverá entender-se que nas situações em que a interpretação que é dada na lei nova vem fixar uma das interpretações possíveis da lei antiga com que os interessados podiam e deviam contar não é susceptível de violar expectativas seguras e legitimamente fundadas, pelo que não se verificam as razões que justificam a proibição da retroactividade.

Como interpretações possíveis da lei antiga com que os interessados podiam e deviam contar não se poderão considerar aquelas que extravasam, restritiva ou extensivamente, o seu teor literal, pelo menos enquanto não houver posições doutrinais ou prática jurisprudencial que as adoptem, mas incluem-se, seguramente, aquelas que são viáveis à face do texto legal anterior numa mera interpretação declarativa.

Como se referiu já, o teor literal do n.º 14 do artigo 88.º do CIRC permite, por mera interpretação declarativa, que tenha em mente o conceito de sujeito passivo alargado que resulta dos artigos 18.º, n.º 3, da LGT e 115.º do CIRC, corroborados pelo artigo 31.º, n.º 1 daquela Lei, atribuir a qualificação de sujeito passivo às sociedades dominantes dos grupos abrangidos pelo RETGS, pelo que a consideração dos prejuízos do grupo como facto determinante do agravamento da tributação autónoma tem de considerar-se como uma interpretação com que os contribuintes poderiam e deveriam contar anteriormente.

Para além disso, como a própria Requerente alegou e se deu como provado, o sistema informático da Autoridade Tributária e Aduaneira através do qual se processa a entrega da declaração periódica de rendimentos de IRC encontra-se programado no sentido de considerar que o agravamento das taxas de tributação autónoma deve ter por referência o resultado fiscal apurado pelo grupo de sociedades sujeito ao RETGS, assinalando um erro quando é considerado o resultado fiscal apurado individualmente por cada uma das sociedades que o integram.

Por isso, sendo as declarações periódicas de rendimentos de IRC apresentadas obrigatoriamente por via electrónica (artigo 120.º, n.º 1, do CIRC), é forçoso concluir que a generalidade dos contribuintes de IRC poderiam contar com esta interpretação que veio a ser explicitada pela Lei n.º 7-A/2016.

Mesmo apreciando a situação à luz do princípio da segurança jurídica, ínsito no princípio do Estado de Direito democrático, que tem maior amplitude que a proibição constitucional de criação retroactiva de impostos, é claro que não existe incompatibilidade com uma interpretação autêntica que tem como efeito a manutenção e não a alteração de uma situação existente. Na verdade, a interpretação autêntica em causa, aplicada a situações como a dos autos em que o contribuinte criou ele próprio a situação jurídica em que se encontra, efectuando as autoliquidações em sintonia com essa interpretação e efectuando os respectivos pagamentos, não afecta a segurança jurídica, antes a reforça, pois tem como efeito prático consolidar juridicamente a situação existente.

Pelo exposto, a interpretação autêntica efectuada pelo n.º 20 do artigo 88.º do CIRC, na redacção da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, não ofende a proibição constitucional de normas fiscais retroactivas, nem o princípio da segurança jurídica.

 

3.1.3. Aplicação da interpretação autêntica

 

Não sendo inconstitucional a norma interpretativa do n.º 20 do artigo 88.º do CIRC, a interpretação nela efectuada do n.º 14 do mesmo artigo tem de considerar-se ínsita nesta norma (artigo 13.º, n.º 1, do Código Civil).

Por isso, não é ilegal a autoliquidação em que foi aplicada esta interpretação e, consequentemente, não enferma de ilegalidade da decisão da reclamação graciosa, na parte respectiva.

 

3.2. Questão da dedução do benefício fiscal do CFEI à colecta de tributações autónomas

 

Os artigos 89.º e 90.º do CIRC estabelecem o seguinte, na redacção dada pela Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril:

 

 

Artigo 89.º

 

Competência para a liquidação

 

A liquidação do IRC é efectuada:

a) Pelo próprio sujeito passivo, nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º;

b) Pela Direcção-Geral dos Impostos, nos restantes casos.

 

Artigo 90.º

 

Procedimento e forma de liquidação

 

1 - A liquidação do IRC processa-se nos seguintes termos:

a) Quando a liquidação deva ser feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º, tem por base a matéria colectável que delas conste;

b) Na falta de apresentação da declaração a que se refere o artigo 120.º, a liquidação é efectuada até 30 de Novembro do ano seguinte àquele a que respeita ou, no caso previsto no n.º 2 do referido artigo, até ao fim do 6.º mês seguinte ao do termo do prazo para apresentação da declaração aí mencionada e tem por base o valor anual da retribuição mínima mensal ou, quando superior, a totalidade da matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada;

c) Na falta de liquidação nos termos das alíneas anteriores, a mesma tem por base os elementos de que a administração fiscal disponha.

2 – Ao montante apurado nos termos do número anterior são efectuadas as seguintes deduções, pela ordem indicada:

a) A correspondente à dupla tributação internacional;

b) A relativa a benefícios fiscais;

c) A relativa ao pagamento especial por conta a que se refere o artigo 106.º;

d) A relativa a retenções na fonte não susceptíveis de compensação ou reembolso nos termos da legislação aplicável.

 

3 – (Revogado pela da Lei n.º 3-B/10)

4 – Ao montante apurado nos termos do n.º 1, relativamente às entidades mencionadas no n.º 4 do artigo 120.º, apenas é de efectuar a dedução relativa às retenções na fonte quando estas tenham a natureza de imposto por conta do IRC.

5 – As deduções referidas no n.º 2 respeitantes a entidades a que seja aplicável o regime de transparência fiscal estabelecido no artigo 6.º são imputadas aos respectivos sócios ou membros nos termos estabelecidos no n.º 3 desse artigo e deduzidas ao montante apurado com base na matéria colectável que tenha tido em consideração a imputação prevista no mesmo artigo.

6 – Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as deduções referidas no n.º 2 relativas a cada uma das sociedades são efectuadas no montante apurado relativamente ao grupo, nos termos do n.º 1.

7 – Das deduções efectuadas nos termos das alíneas a), b) e c) do n.º 2 não pode resultar valor negativo.

8 – Ao montante apurado nos termos das alíneas b) e c) do n.º 1 apenas são feitas as deduções de que a administração fiscal tenha conhecimento e que possam ser efectuadas nos termos dos n.ºs 2 a 4.

9 – Nos casos em que seja aplicável o disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 79.º, são efectuadas anualmente liquidações com base na matéria colectável determinada com carácter provisório, devendo, face à liquidação correspondente à matéria colectável respeitante a todo o período de liquidação, cobrar-se ou anular-se a diferença apurada.

10 – A liquidação prevista no n.º 1 pode ser corrigida, se for caso disso, dentro do prazo a que se refere o artigo 101.º, cobrando-se ou anulando-se então as diferenças apuradas.

 

Estes artigos 89.º e 90.º do CIRC, bem como outras normas deste Código, como as relativas as declarações previstas nos artigos 120.º e 122.º, são aplicáveis às tributações autónomas.

Desde logo, é hoje pacífico, na sequência de inúmera jurisprudência arbitral e das posições assumidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, que o imposto cobrado com base em tributações autónomas previstas no CIRC tem a natureza de IRC. De resto, para além da unanimidade da jurisprudência, o artigo 23.º-A n.º 1, alínea a), do CIRC, na redacção da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, não deixa hoje margem para qualquer dúvida razoável, corroborando o que já anteriormente resultava do teor literal do artigo 12.º do mesmo Código.

Ora, o artigo 90.º do CIRC refere-se às formas de liquidação do IRC, pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária, aplicando-se ao apuramento do imposto devido em todas as situações previstas no Código, incluindo a liquidação adicional (n.º 10).

Por isso, aquele artigo 90.º aplica-se também à liquidação do montante das tributações autónomas, que é apurado pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária, na sequência da apresentação ou não de declarações, não havendo qualquer outra disposição que preveja termos diferentes para a sua liquidação.

Assim, as diferenças entre a determinação do montante resultante de tributações autónomas e o resultante do lucro tributável restringem-se à determinação da matéria tributável e às taxas aplicáveis, que são as previstas nos Capítulos III e IV do CIRC para o IRC que tem por base o lucro tributável e no artigo 88.º do CIRC para o IRC que tem por base a matéria tributável das tributações autónomas e as respectivas taxas.

Mas, as formas de liquidação que se prevêem no Capítulo V do mesmo Código são de aplicação comum às tributações autónomas e à restante matéria tributável de IRC.

No entanto, a circunstância de uma autoliquidação de IRC, efectuada nos termos do n.º 1 do artigo 90.º, poder conter vários cálculos parciais com base em várias taxas aplicáveis a determinadas matérias colectáveis, não implica que haja mais que uma liquidação, como resulta dos próprios termos daquela norma ao fazer referência a «liquidação», no singular, em todos os casos em que é «feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º», tendo «por base a matéria colectável que delas conste» (seja a determinada com base nas regras dos artigos 17.º e seguintes seja a determinada com base nas várias situações previstas no artigo 88.º).

De resto, não são apenas as liquidações previstas no artigo 88.º que podem englobar vários cálculos de aplicação de taxas a determinadas matérias colectáveis, pois o mesmo pode suceder nas situações previstas nos n.ºs 4 a 6 do artigo 87.º.( [6] )

De qualquer forma, sejam quais forem os cálculos a fazer, é unitária autoliquidação que o sujeito passivo ou a Autoridade Tributária e Aduaneira devem efectuar nos termos dos artigos 89.º, alínea a), 90.º, n.º 1, alíneas a), b) e c), e 120.º ou 122.º, e com base nela que é calculado o IRC global, sejam quais forem as matérias colectáveis relativas a cada um dos tipos de tributação que lhe esteja subjacente.

Aliás, se este artigo 90.º não fosse aplicável à liquidação das tributações autónomas previstas no CIRC, teríamos de concluir que não haveria qualquer norma que previsse a sua liquidação, o que se reconduziria a ilegalidade, por violação do artigo 103.º, n.º 3, da CRP, que exige que a liquidação de impostos se faça «nos termos da lei».

Refira-se ainda a nova norma do n.º 21 aditada ao artigo 88.º do CIRC pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, independente de ser ou não verdadeiramente interpretativa, em nada altera esta conclusão, pois aí se estabelece, no que concerne à forma de liquidação das tributações autónomas, que ela «é efectuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores».

Com efeito, se é certo que esta nova norma vem explicitar como é que se calculam os montantes das tributações autónomas (o que já decorria do próprio texto das várias disposições do artigo 88.º) e que a competência cabe ao sujeito passivo ou à Administração Tributária, nos termos do artigo 89.º, é também claro que não se afasta a necessidade de utilizar o procedimento previsto no n.º 1 do artigo 90.º, designadamente nos casos previstos na sua alínea c) em que a liquidação cabe à Administração Tributária e Aduaneira, com «base os elementos de que a administração fiscal disponha», que abrangerão a possibilidade de liquidar com base em tributações autónomas, se a Autoridade Tributária e Aduaneira dispuser de elementos que comprovem os seus pressupostos.

Por isso, quer antes quer depois da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, o artigo 90.º, n.º 1, do CIRC é aplicável à liquidação de tributações autónomas.

O CFEI de 2013 foi aprovado pela Lei n.º 49/2013, de 16 de Julho, que estabelece o seguinte, no que aqui interessa:

 

Artigo 2.º

 

Âmbito de aplicação subjectivo

 

Podem beneficiar do CFEI os sujeitos passivos de IRC que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e preencham, cumulativamente, as seguintes condições:

a) Disponham de contabilidade regularmente organizada, de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respectivo sector de actividade;

b) O seu lucro tributável não seja determinado por métodos indirectos;

c) Tenham a situação fiscal e contributiva regularizada.

 

Artigo 3.º

 

Incentivo fiscal

 

1 - O benefício fiscal a conceder aos sujeitos passivos referidos no artigo anterior corresponde a uma dedução à colecta de IRC no montante de 20 % das despesas de investimento em activos afectos à exploração, que sejam efetuadas entre 1 de Junho de 2013 e 31 de Dezembro de 2013.

2 - Para efeitos da dedução prevista no número anterior, o montante máximo das despesas de investimento elegíveis é de 5 000 000,00 EUR, por sujeito passivo.

3 - A dedução prevista nos números anteriores é efectuada na liquidação de IRC respeitante ao período de tributação que se inicie em 2013, até à concorrência de 70 % da colecta deste imposto.

4 - No caso de sujeitos passivos que adoptem um período de tributação não coincidente com o ano civil e com início após 1 de Junho de 2013, as despesas relevantes para efeitos da dedução prevista nos números anteriores são as efetuadas em activos elegíveis desde o início do referido período até ao final do sétimo mês seguinte.

5 - Aplicando-se o regime especial de tributação de grupos de sociedades, a dedução prevista no n.º 1:

a) Efectua-se ao montante apurado nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC, com base na matéria colectável do grupo;

b) É feita até 70 % do montante mencionado na alínea anterior e não pode ultrapassar, em relação a cada sociedade e por cada exercício, o limite de 70 % da colecta que seria apurada pela sociedade que realizou as despesas elegíveis, caso não se aplicasse o regime especial de tributação de grupos de sociedades.

6 - A importância que não possa ser deduzida nos termos dos números anteriores pode sê-lo, nas mesmas condições, nos cinco períodos de tributação subsequentes.

7 - Aos sujeitos passivos que se reorganizem, em resultado de quaisquer operações previstas no artigo 73.º do Código do IRC, aplica-se o disposto no n.º 3 do artigo 15.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.

 

Artigo 4.º

 

Despesas de investimento elegíveis

 

1 - Para efeitos do presente regime, consideram-se despesas de investimento em activos afectos à exploração as relativas a activos fixos tangíveis e activos biológicos que não sejam consumíveis, adquiridos em estado de novo e que entrem em funcionamento ou utilização até ao final do período de tributação que se inicie em ou após 1 de Janeiro de 2014.

2 - São ainda elegíveis as despesas de investimento em activos intangíveis sujeitos a deperecimento efetuadas nos períodos referidos nos n.ºs 1 e 4 do artigo 3.º, designadamente:

a) As despesas com projectos de desenvolvimento;

b) As despesas com elementos da propriedade industrial, tais como patentes, marcas, alvarás, processos de produção, modelos ou outros direitos assimilados, adquiridos a título oneroso e cuja utilização exclusiva seja reconhecida por um período limitado de tempo.

3 - Consideram-se despesas de investimento elegíveis as correspondentes às adições de activos verificadas nos períodos referidos nos n.ºs 1 e 4 do artigo 3.º e, bem assim, as que, não dizendo respeito a adiantamentos, se traduzam em adições aos investimentos em curso iniciados naqueles períodos.

4 - Para efeitos do número anterior, não se consideram as adições de activos que resultem de transferências de investimentos em curso.

5 - Para efeitos do n.º 1, são excluídas as despesas de investimento em activos susceptíveis de utilização na esfera pessoal, considerando-se como tais:

a) As viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, barcos de recreio e aeronaves de turismo, excepto quando tais bens estejam afectos à exploração do serviço público de transporte ou se destinem ao aluguer ou à cedência do respectivo uso ou fruição no exercício da actividade normal do sujeito passivo;

b) Mobiliário e artigos de conforto ou decoração, salvo quando afectos à actividade produtiva ou administrativa;

c) As incorridas com a construção, aquisição, reparação e ampliação de quaisquer edifícios, salvo quando afectos a actividades produtivas ou administrativas.

 

6 - São igualmente excluídas do presente regime as despesas efetuadas em activos afectos a actividades no âmbito de acordos de concessão ou de parceria público-privada celebrados com entidades do sector público.

7 - Considera-se que os terrenos não são activos adquiridos em estado de novo, para efeitos do n.º 1.

8 - Adicionalmente, não se consideram despesas elegíveis as relativas a activos intangíveis, sempre que sejam adquiridos em resultado de actos ou negócios jurídicos do sujeito passivo beneficiário com entidades com as quais se encontre numa situação de relações especiais, nos termos definidos no n.º 4 do artigo 63.º do Código do IRC.

9 - Os activos subjacentes às despesas elegíveis devem ser detidos e contabilizados de acordo com as regras que determinaram a sua elegibilidade por um período mínimo de cinco anos ou, quando inferior, durante o respectivo período mínimo de vida útil, determinado nos termos do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de Setembro, alterado pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, ou até ao período em que se verifique o respectivo abate físico, desmantelamento, abandono ou inutilização, observadas as regras previstas no artigo 38.º do Código do IRC.

 

 

No caso em apreço, a Autoridade Tributária e Aduaneira não questiona que a Requerente preencha os requisitos subjectivos e objectivos para poder beneficiar do CFEI em relação às despesas de investimento que refere, tendo indeferido a reclamação graciosa por entender que as despesas em causa não podem ser deduzidas às quantias que pagou a título de tributações autónomas, por a dedução só poder ser efectuada à «colecta de IRC», nos termos do n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 49/2013 e essa colecta, no entender da Autoridade Tributária e Aduaneira, não ser integrada pelas quantias devidas a título de tributações autónomas, mas apenas pela quantia resultante da aplicação da taxa de IRC ao lucro tributável.

Como se referiu, está assente no presente processo, inclusivamente por acordo das Partes, que o artigo 90.º do CIRC se reporta também à liquidação das tributações autónomas.

E, como se disse, não há suporte legal para afirmar que, na eventualidade de terem de ser efectuados numa declaração vários cálculos para determinar o IRC, seja efectuada mais que uma autoliquidação.

Por isso, a expressão «quando a liquidação deva ser feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º, tem por base a matéria colectável que delas conste», que consta da alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º do CIRC, abrange no seu teor literal, a liquidação das tributações autónomas, cuja matéria colectável tem de ser indicada nas referidas declarações, como resulta, inclusivamente, do próprio modelo 22 de declaração (parte 13).

A colecta obtém-se aplicando a taxa à respectiva matéria colectável, pelo que, no caso do IRC, havendo várias taxas aplicáveis a diversas matérias colectáveis, a colecta de IRC global será constituída pela soma de todos os resultados dessas aplicações.

            Assim, por mera interpretação declarativa, conclui-se que a referência que no artigo 3.º, n.º 1, da Lei n.º 49/2013 se faz à «dedução à colecta de IRC» como forma de materializar o benefício fiscal, abrange, literalmente também a colecta de IRC resultante das tributações autónomas, que integra a colecta única de IRC.

            Sendo esta a interpretação que resulta do teor literal, só por via de uma interpretação restritiva se poderá afastar a aplicação do benefício fiscal à colecta de IRC proporcionada pelas tributações autónomas.

            A viabilidade de uma interpretação restritiva encontra, desde logo, um obstáculo de ordem geral, que é o de que as normas que criam benefícios fiscais têm a natureza de normas excepcionais, como decorre do teor expresso do artigo 2.º, n.º 1, do EBF, pelo que, na falta de regra especial, devem ser interpretadas nos seus precisos termos, em termos estritos, como é jurisprudência pacífica. ( [7] ) No caso dos benefícios fiscais, prevê-se explicitamente a possibilidade de interpretação extensiva (artigo 10.º do EBF), mas não de interpretação restritiva, pelo que, em regra, o benefício fiscal não deve ser interpretado com menor amplitude do que a que, numa interpretação declarativa, resulta do teor da norma que o prevê.

De qualquer modo, uma interpretação restritiva apenas se justifica quando «o intérprete chega à conclusão de que o legislador adoptou um texto que atraiçoa o seu pensamento, na medida em que diz mais do que aquilo que pretendia dizer. Também aqui a ratio legis terá uma palavra decisiva. O intérprete não deve deixar-se arrastar pelo alcance aparente do texto, mas deve restringir este em termos de o tornar compatível com o pensamento legislativo, isto é, com aquela ratio. O argumento em que assenta este tipo de interpretação costuma ser assim expresso: cessante ratione legis cessat eius dispositio (lá onde termina a razão de ser da lei termina o seu alcance)» ( [8] ).

Por isso, há que apreciar se há razões que justifiquem uma conclusão sobre a incompatibilidade do sentido do texto do artigo 3.º, n.º 1, com a ratio legis daquele benefício fiscal.

A razão de ser da criação do referido benefício fiscal é evidente e foi expressamente referida na «Exposição de Motivos» da Proposta de Lei n.º 148/XII, que veio a dar origem à Lei n.º 49/2013:

 

Em conformidade, contribuindo para o sucesso do Programa de Ajustamento Económico e Financeiro para Portugal, e com o objectivo de promover a competitividade e o emprego, o Governo compromete-se com uma estratégia dirigida a estimular fortemente o investimento directo em Portugal, já em 2013.

Neste contexto, a presente proposta de lei introduz no ordenamento jurídico português um Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento (CFEI) com o objectivo de produzir um forte impacto no nível de investimento empresarial.

O CFEI corresponde a uma dedução à colecta de IRC no montante de 20% das despesas de investimento realizadas, até à concorrência de 70% daquela colecta. O investimento elegível para este crédito fiscal terá que ser realizado entre 1 de Junho de 2013 e 31 de Dezembro de 2013 e poderá ascender a 5 000 000,00 EUR, sendo dedutível à colecta de IRC do exercício, e por um período adicional de até cinco anos, sempre que aquela seja insuficiente.

São elegíveis para este benefício os sujeitos passivos que exerçam a título principal uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, disponham de contabilidade regularmente organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respectivo sector de actividade, o respectivo lucro tributável não seja determinado por métodos indirectos e tenham a sua situação fiscal e contributiva regularizada.

 

           

            Como é óbvio, a concretização deste objectivo legislativo «estimular fortemente o investimento directo em Portugal» e de «produzir um forte impacto no nível de investimento empresarial» aponta manifestamente no sentido de se ter pretendido maximizar e não limitar o alcance do benefício fiscal.

            A eventual limitação da aplicação do benefício fiscal a empresas que não apresentassem lucro tributável reconduzir-se-ia a uma fortíssima restrição do seu campo de aplicação, já que, como é facto público, grande parte das empresas, em 2014, apresentava prejuízos fiscais, embora pagasse IRC por outras vias.

Na verdade, segundo a estatística publicada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, no ano de 2012 (último ano cujos dados estariam disponíveis quando foi apresentada pelo Governo à Assembleia da República a Proposta de Lei n.º 148/XII e, por isso, é de supor que tenham sido considerado), mais de metade das declarações de IRC apresentavam valor líquido negativo e apenas 28% dos sujeitos passivos apresentaram «IRC liquidado», sendo que «cerca de 70% dos sujeitos passivos efectuaram pagamentos de IRC (Quadro 8), por via do Pagamento Especial por Conta, ou de outras componentes positivas do imposto (Tributações Autónomas, Derrama, Derrama Estadual, IRC de períodos de tributação anteriores». ( [9] ).

Por isso, é manifesto que a aplicabilidade do benefício fiscal a empresas que, embora apresentassem prejuízos fiscais, pagavam IRC, inclusivamente a título de tributações autónomas, ampliava fortemente o número de empresas potencialmente beneficiárias e, consequentemente, compagina-se melhor com a intenção legislativa subjacente à Lei n.º 49/2013, do que a defendida pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

A discussão da iniciativa legislativa na Assembleia da República confirma que não estava em causa aprovar um benefício fiscal de que apenas poderiam aproveitar a minoria de empresas que pagava IRC com base no lucro tributável do exercício de 2013.

Na verdade, os termos em que foi anunciada a medida pelo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais apontam para uma medida inédita, de enorme impacto e dimensão:

«(...) esta medida dirige-se prioritariamente, como tive aliás oportunidade de dizer, ao investimento das pequenas e médias empresas. Se não fosse assim, o limite do investimento não tinha sido fixado em 5 milhões de euros. O limite de 5 milhões de euros corresponde ao valor médio do investimento anual de cerca de 97% das empresas portuguesas. E é, exatamente, para essas empresas, para as pequenas e médias empresas, que esta medida de estímulo ao investimento se dirige;

«não é a primeira vez que é criado um crédito fiscal ao investimento em Portugal, existiram outros créditos fiscais, no passado, mas nenhum com o impacto e a dimensão deste». ( [10] )

 

            A pretendida maximização do incentivo fiscal, perspectivado como potencialmente incentivador de cerca de 97% das empresas, apontava claramente para a sua aplicação a qualquer colecta de IRC e não apenas à reduzida minoria que pagava IRC liquidado com base no lucro tributável de cada exercício, pelo que a solução de o aplicar aos créditos de IRC derivados de tributações autónomas, para além de ser a que resulta linearmente do teor literal da Lei n.º 49/2013, é a que se sintoniza com a razão de ser.

Por outro lado, não se pode olvidar que as tributações autónomas visam proteger ou aumentar as receitas fiscais e que os benefícios fiscais concedidos, por definição, são «medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem» (artigo 2.º, n.º 1, do EBF).

Isto é, no caso em apreço, ao estabelecer um benefício fiscal por dedução à colecta de IRC, o legislador optou por prescindir da receita fiscal que este imposto poderia proporcionar, na medida da concessão do benefício fiscal. Para esta ponderação relativa dos interesses em causa (receita fiscal versus estímulo forte ao investimento) é indiferente que essa receita provenha de cálculos efectuados com base no artigo 87.º ou no artigo 88.º do CIRC. Na verdade, seja qual for a forma de cálculo dessa receita fiscal, está-se perante dinheiro cuja arrecadação o legislador considerou ser menos importante do que a prossecução da finalidade económica referida.

E, no caso do benefício fiscal do CFEI, as razões de natureza extrafiscal que justificam a sua sobreposição às receitas fiscais são, na perspectiva legislativa, de primacial importância, como se afirma na referida Exposição de Motivos e se confirma na apresentação da proposta na Assembleia da República.

            Por isso, é seguro que se está perante benefício fiscal cuja justificação é legislativamente considerada mais relevante que a obtenção de receitas fiscais provenientes de IRC, inclusivamente as resultantes de tributação autónomas.

            Neste contexto, as questões colocadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira relativas à compatibilidade da solução adoptada pela Lei n.º 49/2013 com outras soluções legislativas (designadamente, as adoptadas em matéria de regime da transparência fiscal ou grupos de sociedades, que em nada têm aplicação no caso dos autos), não têm qualquer relevância para a apreciação desta questão, pois esta tem de ser apreciada à face dos específicos interesses que na sua ponderação se entrechocam.

Na verdade, o que está em causa é, exclusivamente, determinar o alcance da Lei n.º 49/2013, que é um diploma de natureza excepcional, à face do seu texto e dos interesses que visou prosseguir, que não teve em vista decidir qualquer questão conceitual sobre a natureza das tributações autónomas, matéria sobre a qual não se vislumbra quer no texto da Lei, quer nos respectivos trabalhos preparatórios, a menor preocupação legislativa.

Pela mesma razão de que o que está em causa é interpretar o alcance do diploma de natureza especial que é a Lei n.º 49/2013, não pode ser atribuída relevância, para este efeito, à norma do n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, aditado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, na parte em que se refere que não são «efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado», apesar da pretensa natureza interpretativa que lhe foi atribuída.

Na verdade, não há qualquer sinal, nem na Lei n.º 7-A/2016, nem no Relatório do Orçamento, nem na sua discussão, de que com o aditamento no artigo 88.º do CIRC de uma norma geral proibindo deduções ao montante global apurado de tributações autónomas, se pretendesse interpretar restritivamente a expressão «dedução à colecta de IRC» que consta de uma norma especial de um diploma avulso, designadamente o artigo 3.º, n.º 1, da Lei n.º 49/2013.

E, na falta de uma intenção inequívoca em sentido contrário, vale a regra de que a lei geral não altera lei especial (artigo 7.º, n.º 3, do Código Civil), que tem a justificação o facto de que «o regime geral não inclui a consideração das condições particulares que justificaram justamente a emissão da lei especial». ( [11] )

Para além disso, a referida regra do artigo 3.º, n.º 1, teve em vista incentivar os sujeitos passivos de IRC a efectuarem investimentos no período entre 01-06-2013 e 31-12-2013, pelo que, sendo o benefício fiscal uma contrapartida da adopção do comportamento legislativamente desejado e incentivado, seria incompaginável com o princípio constitucional da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da CRP), não reconhecer a esses comportamentos os efeitos fiscais favoráveis previstos na lei vigente no momento em que eles ocorreram. Por isso, se hipoteticamente a Lei n.º 7-A/2016 pretendesse eliminar, total ou parcialmente, os efeitos fiscais favoráveis que a Lei n.º 49/2013 estabelecia para os contribuintes que adoptaram o comportamento aí previsto, seria materialmente inconstitucional, por violação daquele princípio.

Pelo exposto, convergindo os elementos literal e racional da interpretação do artigo 3.º, n.º 1, da Lei n.º 49/2013 no sentido de que as despesas de investimento previstas no CFEI são dedutíveis à «colecta de IRC», é de concluir que elas são dedutíveis à globalidade dessa colecta, que engloba, para além, da derivada da tributação dos lucros em cada período fiscal, a que resulta do pagamento especial por conta e de outras componentes positivas do imposto, designadamente de tributações autónomas, derrama estadual e IRC de períodos de tributação anteriores.

            Procede, assim, o pedido de pronúncia arbitral quanto a esta questão, pelo a autoliquidação e a decisão da reclamação graciosa enfermam de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, na parte respectiva, o que justifica a sua anulação [artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 2.º, alínea c), da LGT].

 

 

4. Reembolso das quantias pagas e juros indemnizatórios         

 

A Requerente pede ao imposto que vier a ser restituído acresçam juros indemnizatórios.

Como resulta do exposto, apenas quanto à parte relativa ao CFEI ocorre uma ilegalidade da autoliquidação e da decisão da reclamação graciosa.

Não é questionado pela Autoridade Tributária e Aduaneira que seja de € 11.962,43 o valor do benefício fiscal do CFEI de que a Requerente podia beneficiar no exercício de 2014.

No que concerne a juros indemnizatórios, de harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

No caso em apreço, na sequência da ilegalidade da autoliquidação e da decisão da reclamação graciosa nas partes relativas à não dedução do CFEI, há lugar a reembolso do imposto pago que devia ter sido deduzido, por força dos referidos arts. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT.

O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

 

Artigo 43.º

 Pagamento indevido da prestação tributária

 

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

 

A ilegalidade da decisão da reclamação graciosa é imputável à Administração Tributária, que a indeferiu por sua iniciativa.

No entanto, o erro que afecta a autoliquidação na parte respeitante à não dedução do CFEI é imputável à Requerente, pois não declarou o montante do respectivo benefício fiscal no local adequado da declaração modelo 22. Na verdade, a Requerente reconhece que «tinha vindo a adotar - por prudência - o procedimento de efetuar a dedução de benefícios fiscais ã coleta de IRC, não considerando como tal a coleta de tributação autónoma, na medida em que, até ã introdução da Reforma do IRC, existia uma incerteza sobre se a tributação autónoma possuía caráter de IRC» (artigo 27.º do pedido de pronúncia arbitral).

Por outro lado, não se provou que existisse alguma orientação genérica da Autoridade Tributária e Aduaneira no sentido da indedutibilidade do CFEI à colecta de IRC resultante de tributações autónomas nem que o sistema informático gerasse algum obstáculo à declaração dos benefícios fiscais (a mensagem de erro emitida pelo sistema informático, reporta-se apenas ao montante das tributações autónomas).

Por isso, quanto aos actos de autoliquidação, não ocorreu erro imputável aos serviços, não havendo, consequentemente direito a juros indemnizatórios derivado da sua prática.

No entanto, o mesmo não sucede com a decisão da reclamação graciosa, pois deveria ter sido deferida a pretensão da Requerente, quanto à dedutibilidade do CFEI ao montante das tributações autónomas e este erro é imputável a Autoridade Tributária e Aduaneira.

Esta situação de a Autoridade Tributária e Aduaneira manter uma situação de ilegalidade, quando devia repô-la deverá ser enquadrada, por mera interpretação declarativa, no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, pois trata-se de uma situação em que há nexo de causalidade adequada entre um erro imputável aos serviços e a manutenção de um pagamento indevido e a omissão de reposição da legalidade quando se deveria praticar a acção que a reporia deve ser equiparada à acção. ( [12] )

No caso em apreço, a reclamação graciosa foi indeferida em 18-05-2016, dentro do prazo legal previsto no n.º 1 do artigo 57.º da LGT, pelo que a partir desta data, começam a contar-se juros indemnizatórios, relativamente às quantias correspondentes ao CFEI.

Os juros indemnizatórios são devidos, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º, n.º 5, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, à taxa legal supletiva, e contados desde a data em que o erro passou a ser imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira até à data do processamento da respectiva nota de crédito.

 

 

                       

            4. Decisão

 

            Termos em que acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

– julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à ilegalidade da autoliquidação e da decisão de indeferimento da reclamação graciosa na parte relativa à dedutibilidade do CFEI ao montante das tributações autónomas;

– anular a autoliquidação e a decisão de indeferimento da reclamação graciosa na na parte relativa à dedutibilidade do CFEI ao montante das tributações autónomas;

– julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à questão do agravamento das tributações autónomas e absolver a ATA do pedido, na parte respectiva;

– condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar a Requerente da quantia que pagou relativa ao CFEI que poderia ter sido deduzido aos montante das tributações autónomas e a pagar juros indemnizatórios à Requerente, calculados sobre aquela quantia, à taxa legal supletiva, desde a data do indeferimento da reclamação graciosa até à emissão da nota de crédito.

 

5. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no art. 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 633.297,04.

 

            6. Custas

 

 Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 9.486,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente e da Autoridade Tributária e Aduaneira nas percentagens de 98,11% e 1,89%, respectivamente, que correspondem aos valores do decaimento de cada uma das Partes [artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT], à face dos valores dos pedidos principais formulados.

 

Lisboa, 01-02-2017

 

Os Árbitros

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

(Nuno Pinto Fernandes)

 

(Ricardo Rodrigues Pereira)

 

 



[1]              Este acórdão naão teve esta questão como objecto de decisão.

                Mas, para efeitos de apuramento da previsibilidade de uma interpretação à face de uma determinada legislação, o que é relevante não é saber se foi proferida uma decisão, mas sim se a interpretação era ou não feita pela jurisprudência.

                No caso do acórdão proferido no processo n.º 659/2014-T, interpretou-se o artigo 88.º, n.º 14, do CIRC, por unanimidade, com o sentido de que nele se prevê «uma aferição de prejuízos fiscais por declaração do Grupo fiscal», o que basta para concluir se trata de uma interpretação a que a jurisprudência poderia chegar à face da legislação vigente antes que a nova norma legislativamente declarada interpretativa.

[2]              Foi proferido ainda o acórdão arbitral, de 12-02-2016, no processo n.º 447/2015-T, no sentido da interpretação que veio a ser efectuada no n.º 20 do artigo 88.º, mas ele não é significativo para apurar se a interpretação do n.º 14 do artigo 88.º do CIRC que veio a ser explicitada pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, era aceitável antes da atribuição de natureza interpretativa.

                Na verdade, a tomada de posição que é efectuada neste acórdão arbitral é feita com conhecimento de que constava da proposta de Orçamento para 2016 futura norma do n.º 14 do artigo 88.º e a atribuição da natureza interpretativa, o que revela que não se chegou à interpretação perfilhada apenas com base na legislação anterior, que é a relevante para apurar se a nova inter era algo com que se pudesse contar.

Aliás, essa relevância da proposta de Lei do Orçamento é explicitamente reconhecida nesse acórdão dizendo:

 

Finalmente, valendo o que vale o argumento, a verdade é que na Proposta de Lei de OE para 2016, entregue pelo Governo na AR, se vem propor uma clarificação legislativa do artigo 88.º do CIRC, no sentido que ora se preconiza, ou seja, de que, para efeitos do agravamento das tributações autónomas, os prejuízos fiscais serão apuradas ao nível do grupo e não de cada uma das sociedades de per si. E mais ainda: dadas as divergências interpretativas existentes a propósito da matéria sub judice, tal clarificação legislativa terá uma natureza de norma interpretativa, o que reforçará a interpretação que ora se dá aos normativos em apreço.

 

[3]              Segundo constada lista publicada pela Autoridade Tributária e Aduaneira na sua página informática em:

http://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/informacao_fiscal/informacoes_vinculativas/rendimento/circ/Por_data_circ.htm

[4]              Neste sentido, MARIA RITA DA GAMA LOBO RIBEIRO DE MESQUITA, em «A Tributação Autónoma no CIRC – A sua (in)coerência», Dissertação de mestrado em Direito Fiscal elaborada sob a orientação do Professor Doutor Rui Duarte Morais.

                Embora sem fundamentação explícita, a informação de que há conhecimento de ser essa a interpretação que tem vindo a ser efectuada não deixa de ser significativa, para efeitos da natureza inovadora ou não da solução explicitada no n.º 20 do artigo 88.º do CIRC.

                Eventualmente, o reconhecimento de que estava a ser seguida essa na interpretação do n.º 14 do artigo 88.º basear-se-á no facto de estar publicada a referida informação vinculativa.

[5]              No sentido de que a lei interpretativa é necessariamente retroactiva, pode ver-se OLIVEIRA ASCENSÃO. O Direito - Introdução e Teoria Geral, página 438:

1) A lei é uma determinação, e não uma declaração de ciência. O legislador não sabe melhor qual o verdadeiro sentido da lei que qualquer outra pessoa. Dentro de uma posição objectivista, a fixação de um sentido da lei anterior como o único admissível é uma nova injunção. Seria ficção pretender que o sentido que o legislador agora impõe foi sempre o verdadeiro sentido da fonte.

2) Há retroactividade quando uma fonte actua obre o passado. Ora a lei retroactiva, se bem que não suprima a fonte anterior, não se confunde com ela. O título é necessariamente composto, engloba também a lei nova. Se a lei nova está a regular o passado, então é necessariamente retroactiva.

[6]              O n.º 6 do artigo 87.º do CIRC foi revogado pela Lei n.º 55/2013, de 8 de Agosto, o que não tem relevância para este efeito de demonstrar que fora do âmbito das tributações autónomas havia e há cálculos parciais de IRC com base em taxas especiais aplicáveis a determinadas matérias colectáveis.

 [7]             Neste sentido, pode ver-se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 15-11-2000, processo n.º 025446, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 501, páginas 150-153, em que se cita abundante jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo e do Supremo Tribunal de Justiça.

                Este Boletim do Ministério da Justiça está disponível em:

http://www.gddc.pt/actividade-editorial/pdfs-publicacoes/BMJ501/501_Dir_Fiscal_a.pdf

[8]              BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso legitimador, página 186.

[9]              O texto está publicado em http://info.portaldasfinancas.gov.pt/NR/rdonlyres/4063B8B8-5ECC-413E-A9A5-DF205BD119A1/0/20140328_NOTAS_PREVIAS_DE_IRC_20102012.pdf.

Este texto foi publicado pela Autoridade Tributária e Aduaneira em Março de 2014, pelo que, apesar de reportar a 2012, poderia ser que não estivesse na disponibilidade da Assembleia da República, quando aprovou o diploma do CFEI.

Mas, em Março de 2013, já estava disponível o texto idêntico referente ao ano de 2011, em que a situação ainda era pior, a nível de percentagem de IRC liquidado:

«5. Apesar de no período de tributação de 2011 apenas 26% dos sujeitos passivos apresentarem IRC Liquidado (Quadro 7), verifica-se que cerca de 71% dos sujeitos passivos efectuaram pagamentos de IRC (Quadro 8), por via do Pagamento Especial por Conta, ou de outras componentes positivas do imposto (Tributações Autónomas, Derrama, Derrama Estadual, IRC de períodos de tributação anteriores, etc.)»

 

Este texto está disponível em http://info.portaldasfinancas.gov.pt/NR/rdonlyres/70E81137-189A-440E-AF11-88B4A6CC1C9A/0/Notas_Previas_IRC_20092011.pdf.

 

De resto, há já vários anos que apenas uma minoria de contribuintes pagava IRC com base no lucro tributável do respectivo exercício, como se pode ver nos documentos estatísticos publicados em http://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/dgci/divulgacao/estatisticas/estatisticas_ir/:

– 29% no período de tributação de 2010, em que cerca de 76% dos sujeitos passivos efectuaram pagamentos de IRC por via do Pagamento Especial por Conta, ou de outras componentes positivas do imposto (Tributações Autónomas, Derrama, Derrama Estadual, IRC de períodos de tributação anteriores, etc.).;

– 31% no período de tributação de 2009, em que de 77% dos sujeitos passivos efectuaram pagamentos de IRC por via do Pagamento Especial por Conta, das Tributações Autónomas e do IRC de exercícios anteriores;

– 34% no período de tributação de 2008, em que 79% dos sujeitos passivos efectuaram pagamentos de IRC por via do Pagamento Especial por Conta, das Tributações Autónomas e do IRC de exercícios anteriores;

– 36% no período de tributação de 2007, em que 80% dos sujeitos passivos efectuaram pagamentos de IRC por via do Pagamento Especial por Conta, das Tributações Autónomas e do IRC de exercícios anteriores.

 

 

 

[10]            Diário da Assembleia da República n.º 99, de 07-06-2013, páginas 52-53.

[11]            OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito – Introdução e Teoria Geral, página 260.

( [12] )       ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, 10.ª edição, página 528:

«A omissão, como pura atitude negativa, não pode gerar física ou materialmente o dano sofrido pelo lesado; mas entende-se que a omis­são é causa do dano, sempre que haja o dever jurídico especial de praticar um acto que, seguramente ou muito provavelmente, teria impedido a consumação desse dano».