Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 549/2016-T
Data da decisão: 2017-02-06  IVA  
Valor do pedido: € 90.839,15
Tema: IVA - Despesas em recursos comuns - Exercício do direito à dedução
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Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Cristina Coisinha e António Nunes dos Reis, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral na seguinte:

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

  1. No dia 05 de Setembro de 2016, o Município A…, pessoa colectiva de direito público local, contribuinte fiscal número…, sede no…, …, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT),  visando a declaração de ilegalidade do acto de liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) n.º … com referência ao período de imposto de Novembro de 2010 (1011), no montante de € 82.314,52, e do acto de liquidação de juros compensatórios n.º …, no montante de € 8.524,63, bem como dos actos de indeferimento da reclamação graciosa e recurso hierárquico, que recaíram sobre os mesmos.

  

  1. Para fundamentar o seu pedido alega o Requerente, em síntese, que os actos tributários de liquidação de IVA e juros compensatórios assentam em pressupostos de facto e de direito erróneos no que concerne ao exercício do direito à dedução do IVA incorrido pelo Requerente para os fins da sua actividade, durante os anos 2006 e 2007, coarctando o exercício de tal direito e comprometendo a neutralidade que constitui a trave-mestra da disciplina daquele imposto.

 

  1. No dia 07-09-2016, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

  1. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  1. Em 10-11-2016, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 25-11-2016.

 

  1. No dia 11-01-2017, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.

 

  1. Atendendo a que, no caso, não se verificava qualquer das finalidades que legalmente lhe estão cometidas, ao abrigo do disposto nos art.ºs 16.º/c) e 29.º/2 do RJAT, bem como dos princípios da economia processual e da proibição da prática de actos inúteis, em 16-01-2017 foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações pelas partes e foi fixado o prazo de 30 para a prolação da decisão final.

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-      O Requerente é uma pessoa colectiva de direito público que, no âmbito da sua actividade, promove a realização de serviços municipais cuja moldura legal se encontra prevista no Decreto-Lei n.º 305/2009, de 23 de Outubro.

2-      A actividade por si desenvolvida compreende operações que não conferem o direito à dedução do IVA incorrido, por serem realizadas no âmbito dos seus poderes de autoridade ou por se enquadrarem no escopo do artigo 9.º do Código deste imposto, bem como operações que são tributadas em IVA.

3-      Neste âmbito, o Requerente deduziu a totalidade do IVA incorrido com referência ao serviço de abastecimento público de água tendo por base o apuramento de um critério de afectação real.

4-      Relativamente ao IVA incorrido na aquisição dos restantes recursos de utilização “mista”, e à utilização do método de dedução pro rata, o Requerente não deduziu qualquer imposto.

5-      Tal circunstância resultou da interpretação que o Requerente da posição assumida pela AT no Ofício-Circulado n.º 61137, de 9 de Julho de 1987, relativo à metodologia de dedução do IVA pelas autarquias, tendo o Requerente entendido que dali resultava que o sujeito passivo teria, obrigatoriamente, de optar por um dos métodos de dedução do IVA com referência aos seus inputs – método do pro rata ou método da afectação real, pelo que as autarquias locais deveriam, por um lado, aplicar os métodos de dedução do IVA relativo a bens de utilização mista (mesmo tratando-se de bens de utilização exclusiva) e, por outro lado, encontravam-se obrigadas a optar por um único método de dedução, sendo que a opção pelo pro rata excluía a possibilidade de aplicação (conjugada) da afectação real e vice-versa.

6-      Na sequência de uma revisão de procedimentos levada a efeito por uma entidade externa, foi relatada, com referência aos anos 2006 e 2007, uma incorrecção no exercício do direito à dedução, em virtude de o Requerente apenas deduzir, até à data, o IVA incorrido com referência ao serviço de abastecimento público de água tendo por base o apuramento de um critério de afectação real, não deduzindo qualquer imposto na aquisição dos restantes recursos de utilização mista.

7-      A dedução de imposto inferior àquele a que o Requerente tinha direito implicou a declaração e pagamento de um valor superior na importância global de € 82.314,52, para os anos 2006 e 2007.

8-      Aquele montante, relativo aos períodos em apreço (2006 e 2007) foram objecto de regularização no campo 40 da declaração periódica do Requerente, relativas ao período de Novembro de 2010.

9-      O Requerente procedeu, na mesma declaração, à regularização a favor do Estado de montantes de imposto devido e não liquidado, com referência aos anos 2006 e 2007, no valor de € 2.891,95.

10-  Na sequência de uma Inspecção Tributária interna levada a efeito junto do Requerente, a AT veio propor as seguintes correcções de IVA, por força de situações de dedução indevida de imposto que considerou verificadas:

                                                              i.            € 14.905,21, respeitantes a IVA dos recursos de utilização mista deduzido pelo pro rata de dedução;

                                                            ii.            € 67.409,31, respeitante à aplicação do método da afectação real na dedução do IVA incorrido nas áreas da cultura (cine-teatro) e do desporto (espaços desportivos).

11-  Notificado das referidas decisões, o ora Requerente exerceu, por escrito, o seu Direito de Audição Prévia.

12-  A AT não atendeu aos argumentos aduzidos nessa sede, tendo emitido o correspondente Relatório de Inspecção Tributária e procedido à respectiva notificação através do Ofício n.º … de 12 de Agosto de 2013, assente na inaplicabilidade do prazo do n.º 2 do artigo 98.º do Código do IVA, bem como do mecanismo de regularização do artigo 78.º do Código do IVA.

13-  Do Relatório de Inspecção consta, para além do mais, o seguinte:

                                                              i.            “Nos termos do n.º l do artigo 22º do Código do IVA, o direito à dedução nasce no momento em que o imposto dedutível se tornou exigível de acordo com as regras dos artigos 7º e 8º do Código do IVA. Isto é, o sujeito passivo adquire o direito à dedução do imposto suportado a partir do momento em que lhe é facturado o preço dos bens adquiridos ou dos serviços prestados.

Determina o n.º 2 do artigo 22º do Código do IVA, que a dedução de imposto deverá ser efetuada na declaração do período ou de período posterior àquele em que se tiver verificado a receção das faturas, documentos equivalentes ou recibo de pagamento do IVA que fizer parte das declarações de importação ou de recibo de pagamento do IVA, sem prejuízo da possibilidade de correções legalmente previstas no artigo 78.º Código do IVA.

Nos n.ºs 3 e 4 do mesmo Código, são descritos ainda outras situações em que a dedução é admitida.”

                                                            ii.            “Ora, de acordo com o exposto, no capítulo III-4 e III-4.,1 verifica-se que o momento da dedução se encontra perfeitamente definido nos termos do Código do IVA, não sendo permitido que o sujeito passivo tenho liberdade absoluta na sua determinação”

                                                          iii.            “Não tendo o sujeito passivo respeitado, em tempo, os prazos paro o direito à dedução estabelecidos nos artigos 22º e 23º do Código do IVA e verificando-se que os documentos de suporte do imposto, que agora pretende deduzir, estão, e foram atempadamente registados na contabilidade, de acordo com o acimo exposto, apenas pode recorrer ao mecanismo previsto no artigo 78º do Código do IVA.”;

                                                          iv.            “Face ao exposto, o montante de imposto incluído no campo 40 –regularizações a favor do sujeito passivo nas declarações periódicas de 2011 e 201109T, no total de € 188.859,98, são indevidas por falta de cumprimento dos artigos 22º e 23º do Código do IVA, pelo que se propõe que sejam objeto de correção, no âmbito do presente procedimento inspetivo.”

14-  O Requerente foi notificado do acto tributário de liquidação adicional de IVA n.º…, no montante de € 82.314,52, e de correlativos juros compensatórios n.º…, no montante de € 8.524,63.

15-  O Requerente deduziu, no dia 20 de Fevereiro de 2014, Reclamação Graciosa contra os referidos actos tributários de liquidação adicional de IVA e correlativos juros compensatórios.

16-  O Requerente foi notificado da decisão de indeferimento que recaiu sobre a Reclamação Graciosa, através do Ofício n.º 2015…, de 6 de Janeiro de 2015.

17-  O ora Requerente exerceu, no dia 26 de Janeiro de 2015, o seu direito a recorrer hierarquicamente da referida decisão de indeferimento e foi notificado, no dia 6 de Junho de 2016, por via do Ofício no 2016 …, de 3 de Junho de 2016, da decisão de indeferimento subscrita pelo Subdirector-Geral da AT, que recaiu sobre o recurso hierárquico supra referido.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, de resto não contestados pelas partes.

 

 

B. DO DIREITO

 

            A questão em causa nos presentes autos de processo arbitral tributário, prende-se com verificar se ao Requerente era legítimo, na declaração periódica Novembro de 2010, deduzir valores referentes a 2006 e 2007, relativos a aquisições de bens e serviços que entendeu afectos a actividades sujeitas a IVA e que, por lapso, não teria deduzido nas declarações dos períodos correspondentes.

            Questão semelhante foi já abordada no âmbito do processo 185/2014T do CAAD[1], cuja fundamentação aqui se seguirá de muito perto.

            A este propósito, dispõe o artigo 22.º do CIVA que:

“1 - O direito à dedução nasce no momento em que o imposto dedutível se torna exigível, de acordo com o estabelecido pelos artigos 7.º e 8.º, efetuando-se mediante subtracção ao montante global do imposto devido pelas operações tributáveis do sujeito passivo, durante um período de declaração, do montante do imposto dedutível, exigível durante o mesmo período.

2 - Sem prejuízo do disposto no artigo 78.º, a dedução deve ser efectuada na declaração do período ou de período posterior àquele em que se tiver verificado a recepção das facturas ou de recibo de pagamento do IVA que fizer parte das declarações de importação.

3 — Se a recepção dos documentos referidos no número anterior tiver lugar em período de declaração diferente do da respectiva emissão, pode a dedução efectuar-se, se ainda for possível, no período de declaração em que aquela emissão teve lugar.

Sempre que a dedução de imposto a que haja lugar supere o montante devido pelas operações tributáveis, no período correspondente, o excesso é deduzido nos períodos de imposto seguintes.

5 — Se, passados 12 meses relativos ao período em que se iniciou o excesso, persistir crédito a favor do sujeito passivo superior a € 250, este pode solicitar o seu reembolso.”.

            Como se refere no Ac. do STA 18-05-2011, proferido no processo 0966/10[2]:

“I – Em regra, estabelecida no art. 22.º, n.º 1, do CIVA, a dedução de imposto deverá ser efectuada na declaração do período em que se tiver verificado a recepção das facturas, documentos equivalentes ou recibo de pagamento de IVA que fizer parte das declarações de importação, admitindo-se, no entanto, a possibilidade de correcções previstas no art. 71.º.

II – Assim, a dedução do imposto não pode ser efectuada em qualquer momento, à escolha do sujeito passivo, sendo o alcance útil das normas referidas que indicam os momentos adequados para a dedução precisamente o de excluir que esta se possa fazer em momentos diferentes, quando tal não esteja especialmente previsto.

III – O n.º 2 do art. 92.º do CIVA, ao estabelecer que o direito à dedução só poderá ser exercido até ao limite de quatro anos após o nascimento do direito à dedução, não tem o alcance de atribuir ao sujeito passivo a liberdade de escolher qualquer momento dentro desse período para efectuar a dedução, mas sim de fixar um limite máximo que não pode ser excedido, mesmo nos casos em que a dedução pode efectuar-se em momentos diferentes dos indicados naquele art. 22.º.

IV – Para além do art. 71.º, n.º 6, do CIVA, não existe qualquer disposição legal que se possa interpretar como permitindo ao sujeito passivo o exercício do direito à dedução em momento posterior aos que resultam deste art. 22.º indicados, nos casos em que, por lapso efectuado na sua contabilidade, só detecte que tinha direito à dedução em momento posterior àquele em que o devia efectuar.”

            Isto é, em regra a dedução do imposto deve ser efectuada, em conformidade com o previsto no artigo 22.º do CIVA, na “declaração do período em que se tiver verificado a recepção das facturas. Contudo, poderá ser exercido o direito à dedução em momentos posteriores”, estabelecendo o artigo 98.º/2, do CIVA, um limite máximo de quatro anos quanto ao exercício do direito à dedução, prazo este que se configura como um prazo geral, só aplicável quando não esteja previsto um prazo especial como é o caso do previsto no respectivo artigo 78.º/6.

Neste contexto importa aferir, nos casos em que, nos termos de disposições que especialmente o prevejam, a dedução não é efectuada na declaração do período em que se tiver verificado a recepção das facturas, se se verificam ou não os pressupostos de aplicação dos referidos prazos, podendo, nesse caso, aceitar-se como legítimo o exercício do direito à dedução.

Alega o Requerente que a doutrina do Acórdão transcrito não se aplicará ao caso sub iudice, porquanto o referido aresto versa sobre caso anterior à entrada em vigor da alteração introduzida no artigo 22.º/2 do CIVA, pela Lei 107-B/2003, de 31-12, que lhe conferiu a actual redacção, acima exposta.

            Ressalvado o respeito devido, não se considera possível subscrever tal tese, que assentaria no entendimento de que, com aquela alteração, o legislador terá pretendido atribuir ao sujeito passivo uma discricionariedade quanto ao momento da dedução do IVA por si suportado.

            Efectivamente, e como se escreveu no Acórdão em referência:

“O direito comunitário, que tem primazia sobre o direito interno desde que não sejam violados os princípios fundamentais do Estado de direito democrático (Como está, desde a revisão constitucional de 2004, expressamente estabelecido no n.º 4 art. 8.º da CRP e já anteriormente se entendia.), aponta no sentido de ser correcta esta interpretação.

(...)

Desta regulamentação, conclui-se que a dedução de imposto apenas pode efectuar-se fora dos momentos considerados adequados em condições que forem fixadas, o que afasta a viabilidade de uma tese que se reconduza à atribuição ao sujeito passivo do direito de fazer a dedução quando entender, dentro do prazo máximo legalmente admissível.”.

            Para além disto, a análise do teor normativo do artigo 22.º do CIVA, na sua globalidade, reforça a ideia de que o legislador orçamental para 2004 não pretendeu afastar-se do que era imposto pela normação comunitária.

            De facto, a própria norma do n.º 2 do artigo 22.º em causa, ainda na sua presente redacção, apenas faz sentido existir, como, justamente, proscrevendo a existência de uma discricionariedade do sujeito passivo na escolha do período para proceder à dedução. A não ser assim, como ocorre na interpretação sustentada pelo Requerente, a norma em questão perderia qualquer efeito útil, já que se limitaria a afastar a dedutibilidade do imposto suportado em período anterior à respectiva incidência, o que não faria qualquer sentido.

            Assim, e deste modo, tendo presente o critério hermenêutico do legislador razoável, a interpretação a fazer da norma do artigo 22.º/2 do CIVA deverá ser no sentido de continuar – como anteriormente – a impor a dedução do imposto suportado na declaração do período em que se tiver verificado a recepção das facturas ou de recibo de pagamento, licenciando apenas a dedução em período posterior, nas circunstâncias em que o próprio artigo o prevê especificadamente, designadamente nos números 4 e 5, ou seja, no caso de o montante de imposto a deduzir ser superior ao montante de imposto a pagar.

            Ou seja, e em suma, a utilização da expressão “de período posterior àquele” utilizada no n.º 2 do artigo 22.º do CIVA, não tem por sentido permitir ao contribuinte a escolha do período em que quer deduzir o imposto suportado, mas, antes, de se referir às situações em que a própria lei permite/impõe que tal aconteça, como os casos dos n.ºs 4 e 5 do mesmo artigo.

            Conclui-se, assim, que a referência a “período posterior” efectuada no n.º 2 do artigo 22.º do CIVA se reporta às situações em que, especialmente, se admite a possibilidade da dedução de imposto em período posterior, sendo esta a única interpretação conforme ao disposto no artigo 179.º da Directiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (Directiva IVA), que dispõe que: “O sujeito passivo efectua a dedução subtraindo do montante total do imposto devido relativamente ao período de tributação o montante do IVA em relação ao qual, durante o mesmo período, surgiu e é exercido o direito à dedução por força do disposto no artigo 178.º.” (sublinhado nosso).     

            Ou seja, em suma, a regra é a de que a dedução do IVA tem de ser feita na declaração periódica correspondente ao período em que o IVA a deduzir foi suportado, e não, livremente, em qualquer outra declaração periódica subsequente, já que tal é a forma adequada a assegurar que o IVA é deduzido no mesmo período em que é suportado.

            É insusceptível de sustentar a posição do Requerente nesta matéria, o decidido no processo arbitral 117/2013T do CAAD[3], já que aí as deduções que a Requerente pretendeu exercer, e lhe foram reconhecidas, foram relevadas nas declarações dos períodos correspondentes, conforme prescrito pelo artigo 22.º/2 do CIVA. De resto, tal aconteceu também em situações análogas às do Requerente, em que outros municípios procederam às rectificações das declarações de imposto dos períodos devidos, sendo-lhes reconhecido legitimidade para tal, em sede arbitral[4].

            O regime em questão não é incompatível com o entendimento de que o exercício do direito à dedução do IVA é um direito fundamental que assegura a neutralidade do IVA, só devendo ser restringido em situações excepcionais.

             Com efeito, tal como o Tribunal de Justiça da União Europeia tem vindo sucessivamente a salientar, e conforme resulta da redacção dos artigos 167.° e 179.°/1, da Directiva IVA, o direito à dedução é exercido, em princípio, durante o mesmo período em que se constituiu, ou seja, no momento em que o imposto se torna exigível. Contudo, nos termos do disposto nos respectivos artigos 180.° e 182.°, o sujeito passivo pode ser autorizado a proceder à dedução do IVA, mesmo que não tenha exercido o seu direito durante o período em que esse direito se constituiu, sem prejuízo da observância de determinadas condições e regras fixadas pelas regulamentações nacionais (v., neste sentido, Acórdão de  8 de Maio de 2008, Proc. C-95/07, Caso Ecotrade, Colect., p. I 03457, n.os 42 e 43).

            Isto é, os sujeitos passivos podem, em situações que o justifiquem, ser autorizados a proceder à dedução, mesmo que não tenham exercido o seu direito durante o período em que esse direito surgiu. Contudo, nesse caso, o seu direito à dedução fica dependente de determinadas condições e modalidades fixadas pelos Estados membros.       

Neste contexto, o TJUE tem vindo a notar que a possibilidade de exercer o direito à dedução sem limites temporais contraria o princípio da segurança jurídica, que exige que a situação fiscal do sujeito passivo, atentos os seus direitos e obrigações face à Administração Fiscal, não seja indefinidamente susceptível de ser posta em causa, pelo que não acolhe a tese segundo a qual o direito à dedução, tal como o direito à liquidação, não pode ser associado a um prazo de caducidade. A este propósito, o TJUE invoca os princípios da eficácia e da equivalência. No tocante ao primeiro, nota que o prazo de caducidade previsto não pode, por si só, tornar praticamente impossível ou excessivamente difícil o exercício do direito à dedução, quanto ao segundo, tem vindo a analisar se nas situações submetidas à sua apreciação há uma equivalência entre o prazo de caducidade concedido aos sujeitos passivos e o prazo concedido à Administração Fiscal para proceder a correcções, tendo concluído, inclusive que, este princípio não é contrariado pelo facto de, em conformidade com a regulamentação nacional, a Administração Fiscal dispor, para exigir a cobrança do IVA devido, de um prazo mais longo do que aquele que é concedido aos sujeitos passivos para solicitarem a sua dedução (cfr., Caso Ecotrade, já cit., n.ºs 43 a 49).

Como nota, embora os Estados membros tenham a faculdade de adoptar, ao abrigo do disposto no artigo 273.° da Diretiva IVA, medidas para assegurar a cobrança exacta do imposto e evitar a fraude, estas não devem, contudo, ir além do que é necessário para atingir tais objectivos e não devem pôr em causa a neutralidade do IVA (veja-se, nomeadamente, Acórdão de 21 de Outubro de 2010, Caso Nidera, Proc. C‑385/09, Colet., p. I‑10385, n.° 49).

            É este o contexto em que, na legislação nacional, se permite que, nomeadamente, ocorrendo um erro material ou de cálculo, que tenha ocorrido em prejuízo do sujeito passivo, o mesmo possa ser corrigido no prazo fixado no artigo 78.º/6 do CIVA.

            Outro tipo de erros, poderão ser corrigidos mediante a apresentação de declaração de substituição[5], caso tal ainda seja, nos termos legais, possível, ou, não o sendo, mediante pedido de revisão oficiosa, nos termos do artigo 78.º da LGT, desde que verificados, igualmente, os correspondentes pressupostos[6], sendo esse o sentido do artigo 98.º/2 do CIVA, ao prescrever que “o direito à dedução ou ao reembolso do imposto entregue em excesso só pode ser exercido até ao decurso de quatro anos após o nascimento do direito à dedução ou pagamento em excesso do imposto, respectivamente”, conforme a respectiva epígrafe (“Revisão oficiosa e prazo do exercício do direito à dedução”) e enquadramento sistemático (Capítulo relativo às “Garantias dos sujeitos passivos”, após a norma relativa a “Recurso hierárquico, reclamação e impugnação” e a preceder a norma relativa à “Anulação da liquidação”) evidenciam.

            Para além destes casos, também são atendíveis factos supervenientes, nos termos regulados pelo n.º 2 do artigo 78.º do CIVA. Cumpre, contudo, ter bem presente que uma coisa será um erro (um desfasamento entre a realidade representada na declaração periódica e a realidade – erro de facto – ou o direito) e outra coisa é a ocorrência superveniente de um facto (uma alteração na realidade), que acarreta uma alteração no imposto a suportar ou deduzir.

            No presente caso, manifesta e confessadamente (cfr. ponto 101 do Requerimento Inicial), o que ocorreu foi, não a superveniência de qualquer facto, mas, antes, um erro – não material ou de cálculo – mas de direito, que se terá traduzido na qualificação como não dedutível de imposto que, a posteriori, o Requerente se terá vindo a aperceber que, afinal, o seria.

            Assim, e como é bom de ver, entre a apresentação das declarações periódicas correspondentes ao momento em que as despesas, entretanto entendidas como dedutíveis, foram suportadas, e a apresentação das declarações onde aquelas mesmas despesas foram deduzidas, não ocorreu qualquer alteração na realidade (muito menos alguma das descritas no n.º 2 do artigo 78.º do CIVA). O que ocorreu foi que o Requerente se consciencializou, entretanto, que o enquadramento jurídico que fez das despesas por si incorridas – no que à sua dedutibilidade diz respeito – não teria sido o correcto, ou seja, que havia incorrido em erro.

            Deste modo, não será o erro em causa corrigível nos termos do n.º 2 do artigo 78.º do CIVA, desde logo porquanto tal norma não se destina à correcção de erros, assim, como não será corrigível nos termos do n.º 6 do mesmo artigo, uma vez que não se trata de erro de cálculo (não se traduz na incorrecta articulação de parcelas integrantes de operações aritméticas), nem de um erro material (uma divergência entre o que foi escrito e o que, manifestamente, se queria ter escrito no momento em que se escreveu).

            A correcção da situação, face a todo o acima exposto, sempre teria de ocorrer por referência à declaração periódica em que o imposto a deduzir foi suportado, se, e nas condições em que legalmente a alteração desta – por iniciativa do contribuinte ou, oficiosamente, pela AT, ainda que a pedido daquele – se possa dar, isto é, mediante a entrega das correspondentes declarações de substituição ou a apresentação de pedido de revisão oficiosa.

            O regime legal em causa, assim interpretado, não comportará, portanto, qualquer ofensa aos princípio da neutralidade do IVA, como pretende o Requerente, antes pelo contrário (já que é do próprio princípio da neutralidade que decorre a imposição de que o IVA suportado se deduza, por regra, no período em que o foi), sendo que a possibilidade de, nos termos expostos (ou seja, no limite, mediante a apresentação de pedido de revisão do acto tributário de autoliquidação de IVA do período em que deveria ter sido feita a dedução, por erro de facto ou de direito omitida), o contribuinte fazer valer o seu direito à dedução durante o prazo de 4 anos (previsto no artigo 78.º/1 da LGT e no artigo 98.º/2 do CIVA), não torna praticamente impossível ou excessivamente difícil o exercício de tal direito, não se verificando assim, julga-se, qualquer violação dos princípios constitucionais da igualdade e/ou do primado do direito europeu, ao contrário do que alega o Requerente (cfr. ponto 113 do Requerimento Inicial).

Considerando-se, então, que o artigo 22.º/2 do CIVA não autoriza o Requerente a, na declaração periódica Novembro de 2010, deduzir valores referentes a 2006 e 2007 relativos a aquisições de bens e serviços que entendeu totalmente afectos a actividades sujeitas a IVA e que, por lapso, não teria deduzido nas declarações dos períodos correspondentes, e que o artigo 98.º/2 do CIVA se reporta, não a um prazo genérico de exercício do direito à dedução do IVA nas declarações periódicas de cada um dos períodos abrangidos no prazo de 4 anos ali previsto, mas ao exercício de tal direito por meio do pedido de revisão oficiosa do acto tributário, a que se reporta o artigo 78.º da LGT, deverá a presente acção arbitral ser julgada integralmente improcedente.

 

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C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

a)      Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, manter o acto tributário impugnado;

b)      Condenar o Requerente nas custas do processo, no montante de €2.754.00, tendo-se em conta o já pago.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 90.839,15, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €2.754.00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a suportar pelo Requerente, uma vez que o pedido foi integralmente improcedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa 06 de Fevereiro de 2017

 

O Árbitro Presidente

 

 

(José Pedro Carvalho - Relator)

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

(Cristina Coisinha)

 

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

(António Nunes dos Reis)

 



[1] Disponível em www.caad.org.pt.

[2] Disponível em www.dgsi.pt.

[3] Disponível em www.caad.org.pt.

[4] Cfr., neste sentido, p. ex., o decidido nos processos 277/2014T, 608/2014T e 56/2014T, todos do CAAD, disponíveis em www.caad.org.pt.

[5] Cfr. neste sentido o Ac. do STA de 02-10-2010, proferido no processo 0256/10, disponível em www.dgsi.pt.

[6] Não sendo esta a situação em causa no autos, sempre se dirá que não se aceita a tese, de que o pedido de revisão oficiosa, nos termos do artigo 78.º da LGT, no caso de erro de direito relacionado com o direito à dedução em autoliquidação de IVA, apenas se poderá efectuar no prazo fixado no n.º 6 do artigo 78.º do CIVA. Com efeito, na situação regulada por tal norma – correcção de erros materiais ou de cálculo – não será, de todo, necessário formular qualquer pedido de revisão oficiosa, já que aquela norma do artigo 78.º/6 do CIVA integra uma previsão própria de correcção do erro, inexistindo qualquer relação entre esta e o pedido de revisão oficiosa regulado no artigo 78.º da LGT. Neste sentido, cfr. o Ac. proferido no processo 117/2013T do CAAD, disponível em www.caad.org.pt, citado pela Requerente, bem como os já citados nos processos 277/2014T, 608/2014T e 56/2014T, todos do CAAD.