Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 323/2016-T
Data da decisão: 2017-02-17  IVA  
Valor do pedido: € 37.354,68
Tema: IVA – Requisitos das faturas, artigo 36.º n.º 5 do Código do IVA
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Decisão Arbitral

 

A Árbitro Dra. Filipa Barros (árbitro singular), designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 31 de Agosto de 2016, acorda no seguinte:

 

       I.     RELATÓRIO

 

                 A sociedade A… S.A. pessoa colectiva n.º…, com sede social na Avenida … n.º …-…, … , …-…, …, adiante “Requerente”, vem, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), e artigo 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, doravante referido por “RJAT”[1], requerer a constituição de Tribunal Arbitral para pronúncia sobre a ilegalidade e consequente anulação das liquidações de IVA, referentes aos períodos de 1507M, 1508M e 1509M, emitidas sobre os n.ºs…, … e …, no valor total de € 37.354,68, respeitantes a IVA indevidamente deduzido.

 

                 Para fundamentar o seu pedido, considera a Requerente, em síntese, que as faturas emitidas pelos seus fornecedores B… Lda. (doravante B…) e C… cumprem os requisitos formais previstos no artigo 36.º do Código do IVA e na correspondente norma de direito comunitário que a precedeu e ditou, concretamente o artigo 226.º da Diretiva 2006/112/CE (doravante DIVA). [2]

                 Defende a Requerente que no caso das faturas emitidas pela sociedade B… (num total de 6 faturas) as denominações usadas não se afiguram vagas ou imprecisas, antes refletem a natureza dos serviços prestados – a saber, cedência de trabalho altamente especializado que assegura um conjunto de procedimentos de portabilidade de utilizadores entre redes – e permitem aferir os elementos formais necessários à determinação da taxa aplicável.

                 No que diz respeito à alegada ausência de referência na fatura à quantidade de serviços prestados, a Requerente entende que a indicação do número “1” no campo relativo à quantidade traduz uma medida que tratando-se de serviços, e não de fornecimento de bens, permite a aferição precisa da extensão temporal utilizada, que para o efeito é de “um mês”. Acresce que as faturas em crise, conjugadas com os respetivos ficheiros de suporte que são preparados entre as partes por forma a determinar o valor a ser faturado mensalmente permitem identificar a respetiva mensuração por referência à extensão do período em que os serviços foram prestados.

                 Adicionalmente a Requerente entende não ter sentido a exigência imposta pela Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT) a coberto da alínea c), do n.º 5 do artigo 36.º do Código do IVA relativa à obrigatoriedade de aposição, no texto da fatura emitida, do preço unitário dos serviços. Para o efeito, apela à letra da lei, donde resulta que as facturas devem conter a referência ao “preço, líquido de imposto, e aos outros elementos incluídos no valor tributável” encontrando-se estes requisitos integralmente preenchidos no caso das faturas questionadas nos autos.

                 Na base dos mesmos argumentos, apoiando-se na jurisprudência dos tribunais superiores e nos acórdãos do TJUE, defende a suficiência das menções apostas na fatura emitida pelo fornecedor C… (apenas uma fatura), relativamente à quantidade dos serviços prestados e à denominação usual dos mesmos, notando que, em particular, quanto à não indicação da data da prestação de serviços na fatura, tal formalismo seria exigível apenas nos casos em que a data da prestação de serviços não coincide com a data emissão da fatura, não havendo na situação vertente motivo para questionar a observância do disposto na alínea f) do n.º 5 do artigo 36.º, posto que fatura encontra-se datada.

                 A Requerente conclui afirmando que o objetivo destas normas é assegurar que a AT fiscalize com eficácia as obrigações tributárias, permitindo identificar a operação de modo bastante para que possam extrair-se as devidas consequências quanto ao imposto a liquidar, não tendo no caso concreto, suporte legal o entendimento preconizado pela AT, impondo ao contribuinte o cumprimento de exigências formais adicionais que colocariam em causa o exercício do direito à dedução, pilar essencial do funcionamento do IVA.

 

 

                 No dia 01 de Julho de 2016, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e, de imediato, notificado à Requerida nos termos legais.

                 A Requerente não procedeu à nomeação de Árbitro.

                 Assim, nos termos e para os efeitos do disposto do nº 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, por decisão do Exmo. Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente previstos, foi designado árbitro do Tribunal Arbitral Singular a signatária, que comunicou, ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo estipulado no artigo 4.º do Código Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa.

                 Em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 31 de Agosto de 2016, seguindo-se os pertinentes trâmites legais.

                 A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta na qual defende a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

                 Para tanto, invoca que os sete documentos identificados no Relatório de Inspeção Tributária (doravante RIT) não reúnem os requisitos legais impostos pelo artigo 36.º n.º 5 alíneas b), c) e f), conjugado com o disposto no n.º 2 alínea a) e n.º 6 do artigo 19.º do Código do IVA e, por conseguinte, os montantes de IVA inerentes aos mesmos documentos consideram-se indevidamente deduzidos. O direito à dedução, justamente porque configura uma trave mestra do sistema comum do IVA não pode ser exercido sem que se verifiquem os respetivos pressupostos, sendo decorrente do próprio mecanismo do imposto e dos fins visados que o documento – a fatura – respeite os requisitos legalmente previstos, constituindo a exigência de tal formalismo um verdadeiro requisito substancial do direito à dedução do IVA, insusceptível de substituição por um qualquer meio de prova.       

                 A Requerida baseia o seu entendimento no disposto no artigo 226.º da DIVA, salientando adicionalmente as orientações emitidas pela vasta jurisprudência do TJUE, do STA e dos tribunais arbitrais a funcionar junto do CAAD que reforçam a interpretação feita em sede de procedimento inspetivo. Por conseguinte, e ao contrário do que refere a Requerente, não se trata de impor condições suplementares que possam ter por efeito tornar inútil do exercício do direito à dedução, mas de assegurar que, no caso vertente, as faturas cumprem as menções obrigatórias, tendo em conta que a exigência de acatamento integral do formalismo legalmente imposto no que toca à emissão de faturas, constitui uma opção legislativa que tem em vista, nomeadamente, evitar a evasão fiscal, assumindo tais formalidades uma natureza ad substanciam e não meramente ad probationem.

                 A Requerida conclui pela improcedência de todos os vícios assacados à atuação administrativa.

 

                 No dia 5 de Janeiro de 2017 realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, na qual teve lugar, além do mais, a inquirição da testemunha arrolada pela Requerente, o Senhor D… (cf. Ata da Reunião do Tribunal Arbitral Singular).

                 Foram apresentadas alegações escritas pela Requerente, seguidas das alegações da Requerida.

                 Nas alegações apresentadas as partes reiteraram no essencial as posições defendidas nos respetivos articulados, nos termos seguidamente sintetizados.

 

A)    Alegações da Requerente

A Requerente sublinha os factos que considera provados, especificando os esclarecimentos prestados pela prova testemunhal. Reafirma ainda a existência das prestações de serviços tal como mencionadas nas faturas emitidas pelo seu fornecedor B…, bem como a ausência de risco de perda de receita fiscal face  à liquidação do correspondente imposto à taxa máxima.

Trazendo à colação os factos, reitera que as faturas do referido fornecedor contém a identificação dos serviços, o âmbito e a extensão dos mesmos [de x a y de 2015] a natureza mensal, a indicação do preço líquido de imposto, por conseguinte, cumprindo todas as exigências previstas no n.º 5 do artigo 36.º do Código do IVA, bem o disposto no artigo 226.º da DIVA.  

Alega que as normas aplicáveis ao caso em apreço consagradas na DIVA (artigos 168.º, 220.º e 226.º) e no Código do IVA (n.º 2 e 6 do artigo 19º e n.º 5 do artigo 36.º) se encontram orientadas para uma função de controlo formal da fatura pelo operador que a recebe, devendo, no entanto, a norma nacional, ser interpretada à luz do preceito comunitário, não podendo em caso algum colidir com os fins previstos na Diretiva, nem impor ao operador económico exigências desrazoáveis ou impraticáveis.

A Requerente suporta a sua tese na jurisprudência do TJUE, a qual, segundo interpreta, coloca o problema dos vícios formais das faturas no contexto da importância do direito à dedução, citando vários Acórdãos nos quais o TJUE aceita a faculdade de os Estados-membros imporem medidas que assegurem a cobrança exata do imposto e a sua fiscalização pela AT, mas limitadas ao estritamente necessário para atingir tais objetivos, sem colocar em causa o princípio da neutralidade do IVA.

Conclui referindo que os mesmos argumentos deverão ser aplicáveis mutatis mutantis à fatura emitida pelo fornecedor de trabalhos de construção civil, C…, pois também neste caso as alegadas omissões relativas à quantidade dos serviços prestados/bens fornecidos, data da prestação de serviços e referência ao preço unitário, são invocadas pela AT de forma abusiva e desproporcional aos fins de controlo da fraude e evasão fiscal que a ratio da lei dita.

 

B)       Alegações da Requerida

 

       Nas alegações finais a Requerida reforça os argumentos invocados na Resposta e, complementarmente, considera que a inquirição de testemunhas padece de falta de utilidade para a boa decisão da causa, em virtude da inexistência de controvérsia sobre os factos relevantes para a decisão. No seu entender, está em causa matéria de direito, traduzida na falta de idoneidade dos documentos contabilísticos para o exercício do direito à dedução.

       Relativamente às formalidades legalmente exigidas na emissão das faturas, reforça que estas revestem, natureza ad substantiam, portanto, não são passíveis de substituição por prova testemunhal, ou por outros meios de caráter documental a menos que estes elementos sejam objeto discriminação na própria fatura.

       Neste contexto, a Requerida reitera os argumentos de direito aduzidos na sua resposta, sublinhando que o artigo 226.º da DIVA preceitua, sem prejuízo das disposições específicas previstas na Diretiva, que são menções obrigatórias, entre outras, a extensão e natureza dos serviços prestados bem como o preço unitário, elementos que não se encontram devidamente evidenciados nas faturas em causa no processo.

        Por seu turno, invoca a decisão do TJUE, no âmbito do Processo C-368/09, de 15 de Julho de 2010, segundo a qual “os Estados Membros podem impor obrigações que considerem necessárias para assegurar a exacta percepção do IVA e para evitar a fraude, mas que esta faculdade não pode ser utilizada para impor obrigações de faturação suplementares às fixadas, designadamente, no artigo 226.º da referida directiva”, concluindo que a AT pode – e deve - exigir que os requisitos das faturas respeitem o disposto no número 5 do artigo 36.º do Código do IVA e o preceituado no artigo 226.° da DIVA.

       Assim, apoiando-se na jurisprudência nacional, bem como na jurisprudência do TJUE, a Requerida defende que o exercício do direito à dedução depende em absoluto da verificação de todos os pressupostos materiais mas também formais, de modo a garantir a própria neutralidade do imposto, nos termos previstos na DIVA.

       Finalmente, afirma que as faturas em causa não contém as menções obrigatórias previstas no n.º 5 do artigo 36.º do Código do IVA, porquanto, sendo esta uma  formalidade “ad substantiam”, para a prova dos correspondentes factos, não podem ser dispensadas tais menções, nem as faturas substituídas por outros meios de prova, pedindo, por conseguinte, a improcedência total do pedido de pronúncia arbitral.  

 

II. SANEAMENTO DO PROCESSO

                

       O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º n.º 1, alínea a), 5.º e 6º, n.º 1, do RJAT.

       As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas, (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de Março).

      

       O processo não enferma de nulidades.

 

 

III. FUNDAMENTAÇÃO

 

1. Factos dados como provados

 

          Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos no âmbito do processo administrativo, o pedido de pronúncia arbitral, na prova testemunhal e na resposta apresentada pela AT, nos termos seguidamente indicados.

 

1)      A Requerente é uma sociedade comercial de direito português, cujo objeto consiste na prestação de serviços de telecomunicações no território insular dos …;

2)      A atividade da Requerente compreende, no que concerne à prestação de serviços de telecomunicações, áreas de grande complexidade técnica, o que necessariamente supõe uma envergadura técnica que muitas vezes é assegurada por recurso a meios externos;

3)      No exercício da sua atividade, a Requerente conta com 31 trabalhadores próprios e aproximadamente 120 trabalhadores externos contratados através de empresas de “outsourcing” de recursos humanos (depoimento da testemunha);

4)      O recurso a meios de auxílio e prestadores externos tem vindo a revelar-se a forma mais eficiente de garantir a assistência e manutenção dos elevados níveis de exigência tecnológica impostos pela atividade prosseguida;

5)      Um dos prestadores preferenciais de serviço externo da Requerente corresponde à sociedade B…, cujo objeto consiste na cedência de trabalho especializado;

6)      No período a que respeitam as liquidações adicionais de IVA o trabalho externo foi essencialmente prestado e faturado pela sociedade B… (depoimento da testemunha);

7)      A faturação dos serviços de “outsourcing” ocorre por períodos mensais;

8)      Todas as faturas emitidas pelo fornecedor B… à Requerente têm como descritivo comum o seguinte: “serviços prestados na v/empresa no período de x a y pelos n/ colaboradores”;

9)      Ao descritivo comum, acrescenta-se, consoante o caso, designadamente por razões contabilísticas, um dos seguintes descritivos: “portabilidades” / “comissões” / “outsourcing”;

10)  A expressão “portabilidades” é uma denominação corrente no léxico dos operadores de telecomunicações para definir os serviços relacionados com a portabilidade de operador, traduzindo-se estes na gestão do procedimento de transferência de utilizadores entre redes, no tratamento de dados e na garantia da eficiência dos serviços independentemente da situação geográfica dos usuários (depoimento da testemunha);

11)   A expressão “outsourcing” é uma expressão amplamente utilizada por prestadores de tempo e de recursos humanos (depoimento da testemunha);

12)  A expressão “comissões” é comummente utilizada para designar a atribuição de um benefício variável ao fornecedor, consoante o nível de cumprimento dos objetivos definidos no contrato de prestação de serviços (depoimento da testemunha);

13)  Os termos concretos do apuramento do montante de cada uma das faturas emitidas relativas às designações “Portabilidades”, “Outsourcing” e “Comissões” resulta do contrato de prestação de serviços e dos ficheiros informáticos de suporte financeiro preparados pelas partes, tendo em vista determinar o valor mensal a faturar;

14)  Todas as faturas do fornecedor B… apresentam como quantidade do serviço prestado “1”;

15)  O trabalho prestado à Requerente pela B… é faturado por períodos mensais;

16)  Todas as faturas do fornecedor B… apresentam como valor unitário o montante do serviço prestado.

17)  Os trabalhos realizados pelo fornecedor B…, identificados nas respetivas faturas, foram sujeitos a IVA à taxa normal vigente na Região Autónoma dos … de 18%;

18)  Os trabalhos realizados pelo fornecedor C… encontram-se identificados num documento “factura/recibo”, emitido como “Trabalhos Diversos” tendo como descritivo “retirar pavimento e colocar novo, - estrutura metálica entre paredes de pladur, pintura de porta de armário, prateleira, rodapé, inox, fechadura de porta de vidro, montagem armários”;

19)  Os trabalhos realizados pelo fornecedor C… identificados nas respetivas faturas, foram prestados nas instalações da Requerente na Região Autónoma do…, concretamente na Ilha … (depoimento da testemunha);

20)  Os trabalhos realizados pelo fornecedor C… identificados nas respetivas faturas foram sujeitos a IVA, à taxa normal de 18%, vigente na referida Região;

21)  C… é um pequeno empreiteiro que trabalha na região a quem a Requerente adjudicou uma obra (depoimento da testemunha);

22)  O valor faturado pelo empreiteiro C… corresponde essencialmente a trabalhos de mão-de-obra, tendo sido incorporada uma fechadura (depoimento da testemunha);

23)  A fatura emitida pelo fornecedor C… apresenta como valor unitário o montante do serviço prestado;

24)  No campo relativo à data, a fatura emitida pelo fornecedor C… contém a indicação de “28/7/2015”; 

25)  A Requerente encontra-se enquadrada em sede de IVA no regime normal de periodicidade mensal;

26)  Na sequência de um pedido de reembolso formulado na Declaração Periódica n.º … do período 1510M, a Requerente foi objeto de um procedimento de inspeção levado a cabo pela Inspeção de Finanças de…;

27)  O procedimento inspetivo encontra-se credenciado pela Ordem de Serviço n.º OI2016…, com o Código de Atividade … – Controlo de Pedidos de Reembolso de IVA, tendo sido desenvolvidas diligências promovidas a coberto da DI2016…, emitida para validação do reembolso requerido na Declaração Periódica 2015/10;

28)  Com base nas conclusões apuradas no RIT, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, AT efetuou um conjunto de correções meramente aritméticas no total do IVA deduzido pela Requerente relativamente aos períodos de 1507M, 1508M e 1509M; 

29)  Nos termos do RIT as faturas que titulam o direito à dedução do imposto suportado a montante, relativas ao fornecedor B…, num total de seis faturas, e ao fornecedor C…, apenas uma fatura, (vide pág. 10 do Relatório de Inspeção) não são validas por não conterem “ora a quantidade dos serviços prestados, ora a denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, ora a referência ao preço unitário, líquido de imposto, dos elementos incluídos no valor tributável”;

30)  No caso do documento emitido pelo fornecedor C…, refere o relatório que “a nomenclatura utilizada não permite aferir se estamos na presença de serviços prestados (mera montagem) ou também de uma transmissão de bens (incorporação do bem/matéria prima na prestação de serviço) nomeadamente nas nomenclaturas “colocar novo” e “fechadura porta de vidro (...)” acrescendo que o documento “não apresenta a data em que os bens foram colocados à disposição do adquirente ou em que os serviços foram realizados”;

31)   Concluindo-se que “os sete documentos supra identificados não reúnem os requisitos legais impostos pelo artigo 36.º n.º 5 alíneas b), c) e f), conjugado com o disposto no n.º 2, alínea a) e n.º 6 do artigo 19.º, todos do CIVA, logo os montantes de IVA inerentes aos referidos documentos consideram-se indevidamente deduzidos. Em face do exposto propõe-se a correção técnica do imposto em falta – IVA – no montante total de € 37.354,68 ”          

32)  A Requerente foi notificada do projeto de relatório para exercer o seu direito de audição ao abrigo do disposto no artigo 60.º da LGT e no artigo 60.º do RCPITA, no prazo de 15, através do Ofício n.º…, datado de 01 de Fevereiro de 2016;

33)  A Requerente exerceu os seu direito de audição, tempestivamente, por escrito, em 19 de Fevereiro de 2016;   

34)  A Requerente foi notificada da decisão do direito de audição, no sentido do respetivo indeferimento;

35)  Em 14 de Março de 2016 a Requerente foi notificada das liquidações de IVA n.ºs…, … e …, no valor global de €37.354,68;

36)  Em 13 de Junho de 2016, a Requerente deduziu o pedido de constituição do Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo (cfr. requerimento electrónico ao CAAD).

 

2.    Factos não provados

 

       Não se constataram factos com relevo para a apreciação da matéria que não se tenham provado.

 

3.    Motivação

           

       Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

       Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

       Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º n.º 7 do CPPT, a prova documental e testemunhal e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

4.    Matéria de Direito

 

       A questão a decidir nos presentes autos passa por aferir se o IVA das faturas emitidas à Requerente pelos fornecedores B…, e C… deverá ou não ser passível de dedução, tendo em consideração as regras que regem este imposto de acordo com o Direito da União Europeia, com a respetiva transposição a nível interno e com a interpretação administrativa e judicial que sobre as mesmas tem vindo a ser levada a cabo, especialmente pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE). A este respeito importará analisar a questão do preenchimento ou não, dos requisitos necessários à respetiva dedutibilidade, tendo em conta a interpretação do disposto nos artigos 226.º da DIVA e os artigos 19.º n.º 2 alínea a) e 36.º n.º 5 do Código do IVA.  

 

       Nestes termos importa tecer algumas considerações prévias relativas à natureza e amplitude do direito à dedução.

 

4.1 Do direito à dedução

 

       Como é sabido, o IVA é um imposto indireto de matriz comunitária, plurifásico, que atinge tendencialmente todo o ato de consumo.

       O direito à dedução é um elemento essencial do funcionamento do imposto, devendo garantir a sua principal característica – a neutralidade.

       O mecanismo do direito à dedução permite ao sujeito passivo expurgar do seu encargo o IVA suportado a montante retirando o efeito cumulativo e a tributação em cascata que caracterizavam sistemas anteriores de tributação do consumo. Assim, o direito à dedução assenta no designado método da dedução do imposto, método do crédito de imposto, método subtrativo indireto ou ainda método das faturas.

De acordo com este método, e em conformidade com o disposto no artigo 19.º do Código do IVA, através de uma operação aritmética de subtração, ao imposto apurado nas vendas e prestações de serviços (outputs) e identificável nas respetivas faturas, deduz-se o imposto suportado nas compras e outros gastos (inputs). Como determina o 2.º parágrafo, do n.º 2 do artigo 1.º da DIVA “Em cada operação, o IVA, calculado sobre o preço do bem ou serviço à taxa aplicável ao referido bem ou serviço, é exigível, com prévia dedução do montante do imposto que tenha incidido diretamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço”.

       Tal como previsto na DIVA, o Código do IVA determina, como regra geral, a dedutibilidade do imposto devido ou pago pelo sujeito passivo nas aquisições de bens e serviços feitas a outros sujeitos passivos.

       As situações expressas de exclusão do direito à dedução são excecionais e reportam-se a casos específicos enunciados pelo legislador nacional em termos taxativos, de acordo com o estatuído na DIVA, em função do tipo de despesas em causa.

       As regras do exercício do direito à dedução do imposto contemplam requisitos objetivos, mais ligados ao tipo de despesas, subjetivos, relativos ao sujeito passivo, e temporais, atinentes ao período em que é possível exercer o direito à dedução do IVA, os quais se devem verificar em simultâneo para se exercer o direito à dedução.

       Como requisitos objetivos do exercício do direito à dedução do IVA temos, nomeadamente, o facto de o imposto suportado dever constar de fatura passada na forma legal (ou seja, deverá obedecer, nos seus requisitos, aos termos gerais previstos no atual artigo 36.º, n.º 5, e artigo 40.º do Código do IVA), de se tratar de IVA português, e de a despesa, por si, conferir o direito à dedução do imposto (isto é, não se deve tratar de uma despesa excluída do direito à dedução, nos termos do disposto no artigo 21.º do Código do IVA).

       Como requisitos subjetivos do exercício do direito à dedução do imposto determina-se, nomeadamente, que os bens e serviços deverão estar diretamente relacionados com o desenvolvimento de uma atividade económica. Com efeito, de acordo com a DIVA, no artigo 168.º (transposto, em parte, pelo artigo 20.º, n.º 1, alínea a), do Código do IVA), o sujeito passivo pode deduzir o IVA suportado no Estado membro em que se encontra estabelecido, nas transmissões de bens e prestações de serviços, assim como operações assimiladas nas aquisições intracomunitárias de bens e nas importações ali localizadas, desde que “os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas (…)” (sublinhado nosso).

       Note-se que o TJUE admite a possibilidade de dedução do IVA mesmo que não se assista à efetiva realização de operações tributáveis, no caso dessas operações, por factos que ultrapassem a vontade da entidade, não se venham efetivamente a concretizar, ocorrendo a liquidação da sociedade. Acresce que este normativo, em conformidade com as regras do Direito da União Europeia, vem exigir que exista um nexo de causalidade entre o bem ou serviço adquirido (input) e o output tributado, para que o IVA seja susceptível de ser dedutível. Isto é, o IVA suportado a montante numa determinada operação só é dedutível na medida em que possa estar relacionada a jusante com uma operação efetivamente tributada, devendo a relação ser aferida em função do reporte e inclusão do custo suportado, no preço da operação tributada.

       No que diz respeito aos regimes de dedução de IVA, o TJUE tem vindo a considerar que o direito à dedução faz parte integrante do mecanismo do próprio imposto, que não pode em princípio ser limitado, e que se exerce em relação à totalidade dos impostos que incidiram sobre as operações efetuadas a montante, sublinhando ainda que “toda e qualquer limitação do direito à dedução tem incidência ao nível da carga fiscal e deve aplicar-se de modo semelhante em todos os Estados-Membros. Em consequência, só são permitidas derrogações nos casos expressamente previstos pela Directiva[3].

       Acresce referir que qualquer limitação do direito à dedução deve observar os princípios da proporcionalidade e da igualdade o que pressupõe uma ponderação equilibrada dos benefícios derivados da medida e do sacrifício que esta implica[4].   

 

 4.2 Dos requisitos formais para o exercício do direito à dedução

 

       Nos termos do artigo 178º, alínea a) da DIVA o sujeito passivo "... deve possuir uma factura em conformidade com os artigos 220.º a 236.º, 238.º, 239.º e 240.º". Deve, por isso, interpretar-se o conceito de "fatura" por referência às disposições conjugadas dos artigos 226.º e 231.º da DIVA.

       Note-se que a importância formal do documento de suporte no IVA, supera a que vigora nos impostos sobre o rendimento. No entanto, tal importância será necessariamente mais reduzida num contexto de inversão do sujeito passivo uma vez que não estamos em presença de um imposto repercutido por terceiros, mas antes do imposto devido pelo próprio destinatário, pelo que o risco inerente à evasão fiscal se encontra igualmente reduzido. 

       No que concerne aos elementos que devem constar das faturas, o artigo 226.° da DIVA tem a seguinte redação:

 

Sem prejuízo das disposições específicas previstas na presente directiva, as únicas menções que devem obrigatoriamente figurar, para efeitos do IVA, nas facturas emitidas em aplicação do disposto nos artigos 220.° e 221.° são as seguintes:

 

1) A data de emissão da factura;

2) O número sequencial, baseado numa ou mais séries, que identifique a factura de forma unívoca;

3) O número de identificação para efeitos do IVA, [...], ao abrigo do qual o sujeito passivo efetuou a entrega de bens ou a prestação de serviços;

4) O número de identificação para efeitos do IVA do adquirente ou destinatário [...];

5) O nome e o endereço completo do sujeito passivo e do adquirente ou destinatário;

6) A quantidade e natureza dos bens entregues ou a extensão e natureza dos serviços prestados;

7) A data em que foi efectuada, ou concluída, a entrega de bens ou a prestação de serviços [...];

8) O valor tributável para cada taxa ou isenção, o preço unitário líquido de IVA, bem como os abatimentos e outros bónus eventuais, se não estiverem incluídos no preço unitário;

9) A taxa do IVA aplicável;

10) O montante do IVA a pagar, salvo em caso de aplicação de um regime especial para o qual a presente diretiva exclua esse tipo de menção.”

 

       Transpondo estas regras para o Código do IVA, determina o n.º 5 do artigo 36.º deste diploma legal, que as faturas devem conter os seguintes elementos:

 

a) Os nomes, firmas ou denominações sociais e a sede ou domicílio do fornecedor de bens ou prestador de serviços e do destinatário ou adquirente, bem como os correspondentes números de identificação fiscal dos sujeitos passivos de imposto;

b) A quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável;(...)

c) O preço, líquido de imposto, e os outros elementos incluídos no valor tributável;

d) As taxas aplicáveis e o montante de imposto devido;

e) O motivo justificativo da não aplicação do imposto, se for caso disso;

f) A data em que os bens foram colocados à disposição do adquirente, em que os serviços foram realizados ou em que foram efectuados pagamentos anteriores à realização das operações, se essa data não coincidir com a da emissão da factura.”

 

       Decorre, portanto, desta disposição, aliás, conforme sufragado no âmbito do Processo C-368/09, de 15 de Julho de 2010, do TJUE, que “não é legítimo aos Estados Membros associar o exercício do direito à dedução do IVA ao preenchimento de pressupostos relativos ao conteúdo das facturas que não estão expressamente previstos nas disposições da DIVA. Esta interpretação é igualmente corroborada pelo artigo 273º desta diretiva, que prevê que os Estados Membros podem impor obrigações que considerem necessárias para assegurar a exata percepção da IVA e para evitar a fraude, mas que esta faculdade não pode ser utilizada para impor obrigações de faturação suplementares às fixadas, designadamente, no artigo 226º da referida diretiva”. Isto significa que, conforme jurisprudência do TJUE, embora esta disposição permita aos Estados membros adoptar determinadas medidas, estas não deverão, todavia, ir para além do que é necessário para atingir esse fim e não poderão, por isso, ser utilizadas de tal forma que ponham sistematicamente em causa o direito à dedução do IVA, que é um princípio fundamental do sistema comum do IVA[5].

       Com efeito, o princípio da efetividade exige que as legislações nacionais, bem como os procedimentos administrativos adoptados pelos Estados membros não tornem, na prática, impossível ou excessivamente difícil o exercício de direitos conferidos pela ordem jurídica comunitária. Neste sentido se pronunciou o TJUE, no Acórdão proferido no processo C-25/03[6], que “(…) é jurisprudência assente que a exigência, para o exercício do direito à dedução, de outros elementos na factura para além dos enunciados no artigo 22º, nº 3, alínea b), da Sexta Directiva deve ser limitada ao necessário para assegurar a cobrança do imposto sobre o valor acrescentado e a sua fiscalização pela Administração Fiscal. Além disso, esses elementos não devem, pelo seu número ou tecnicidade, tornar impossível na prática ou excessivamente difícil o exercício do direito à dedução (Acórdão de 14 de Julho de 1988, Jeunehomme e EGI, 123/87 e 330/87, Colect. P. 4517, n.º 17). Outrossim, as medidas que os Estados membros têm a possibilidade de tomar, nos termos do n.º 8 do artigo 22.º da mesma Directiva, para garantir o exacto recebimento do imposto e evitar a fraude não devem exceder o necessário para atingir aqueles objectivos. Não poderão por isso ser utilizadas de forma que ponham em causa a neutralidade do IVA, que constitui um princípio fundamental do sistema comum do IVA instituído pela legislação comunitária na matéria (acórdãos de 21 de Março de 2000, Gabalfrisa e o., C110/98 a C147/98, Colect., p.I1577, n.º 52, e de 19 de Setembro de 2000, Schmeink & Cofreth e Strobel, C454/98, Colect., p. I6973, n.º 59).”

      

       Assim, no âmbito da jurisprudência enunciada, colocou-se sempre o problema de saber em que circunstâncias os vícios formais na fatura deverão por em risco o direito à dedução do imposto existente no plano da relação material subjacente, considerando especialmente a importância do princípio da neutralidade na aplicação do IVA.

       Ora, nos processos supra enunciados, que aliás não esgotam a análise da questão relativa ao conteúdo das faturas no domínio da aplicação do IVA, resulta um entendimento uniforme que associa os requisitos formais das faturas às finalidades de cobrança do imposto e da sua efetiva fiscalização pela administração pela Administração Fiscal dos Estados membros, admitindo-se a tese de que a existência de vícios formais não determina por si só e automaticamente a negação do exercício do direito à dedução. Com efeito, a este respeito cita-se a afirmação proferida pelo Advogado-Geral Sir Gordon Slynn segundo o qual “uma factura que preencha as condições constitui o título de acesso ao direito à dedução, sob reserva da administração fiscal vir a demonstrar posteriormente que é falsa; se a factura não preenche as condições, pode acontecer que o sujeito passivo esteja em condições de provar a existência da transação e que o seu fornecedor tenha declarado o imposto pago a montante, mas se a factura está incompleta num aspecto essencial, cabe ao sujeito passivo fazer prova do seu direito à dedução.[7]      

       Por conseguinte, seguindo a referida jurisprudência, para que os vícios formais ponham em causa o exercício do direito à dedução é necessário que se encontre afastada a capacidade de correta cobrança do imposto e de fiscalização, de tal modo que a administração fiscal não está em condições de conhecer a realidade material subjacente em face dos elementos de prova carreados para o processo pelo sujeito passivo.                 

 

5.    Aplicação do caso concreto

 

       A questão central que se coloca no processo em apreço gira em torno de saber se as faturas emitidas à Requerente pela empresa B… (num total de seis faturas) e pelo fornecedor C… (apenas uma fatura) seriam ou não formalmente válidas, para efeitos do exercício do direito à dedução, à luz dos pressupostos legais previstos na alínea a) do n.º 2 do artigo 19.º do Código do IVA, conjugado com o n.º 5 do artigo 36.º do mesmo Código, considerando, ainda, o disposto no artigo 226.º da DIVA. 

       Importa por conseguinte analisar, à luz dos referidos preceitos legais, a questão do preenchimento dos requisitos legais necessários à dedutibilidade do IVA.    

       A este respeito, alega a AT, para além do mais que, quanto às faturas emitidas pelo fornecedor B…“falta identificar de forma concreta e precisa a quantidade dos serviços prestados” pois “a quantidade 1,00 mostra-se imprecisa e errónea reforçada pelo facto de não especificar qual a unidade praticada na referida quantidade” (...) acresce que “as denominações utilizadas para identificar os serviços prestados (Portabilidade; Comissões; Outsourcing) mostram-se muito imprecisas e vagas não permitindo identificar, de forma rigorosa os serviços em concreto que foram prestados, o que conjugado com a inexata apresentação da quantidade e do preço unitário impede a efetiva validação dos serviços prestados ”.

       Reportando-se ao documento emitido pelo fornecedor C… considerou a AT que “falta identificar de forma clara a natureza dos serviços prestados e a eventual incorporação de material nos serviços prestados (horas, dias semanas, metros lineares, metros quadrados, etc.).” “(....) também a nomenclatura utilizada não permite aferir se estamos na presença de serviços prestados (mera montagem) ou de uma transmissão de bens (incorporação do bem/ matéria prima na prestação do serviço)” (...) “não é apresentado qualquer preço unitário sendo apenas apresentada a importância ilíquida total” (...) “e o documento não apresenta a data em que os bens foram colocados à disposição do adquirente ou em que os serviços foram realizados.”

       No âmbito das suas conclusões a AT acrescenta que “nunca foi colocada em causa a validade/legalidade da liquidação de IVA promovida nas referidas faturas pelos correspondentes fornecedores mas sim, foi colocado em causa o exercício do direito à dedução do IVA suportado pelo sujeito passivo inspeccionado” por falta de acatamento integral do formalismo legalmente imposto no que toca à emissão de faturas, não sendo, por conseguinte, de aceitar declarações escritas, ou alegada prova testemunhal ou a discriminação dos trabalhos que venham a ser juntos aos autos, pois “a lei é muito clara ao obrigar que essa discriminação seja feita na própria fatura e não em documentos particulares anexos”.         

 

       Assim, o que está em causa nos autos é o cumprimento das alíneas b), c) e f) do número 5 do artigo 36.º do Código do IVA.

       Relativamente à alegada falta de cumprimento do disposto na alínea b) do n.º5 do artigo 36.º do Código do IVA não se poderá falar de uma pura e simples omissão da referência legal imposta, mas antes da suficiência ou não de tal referência.

       Com efeito, conforme reconhece expressamente a AT e resulta da matéria de facto fixada, todas as faturas contém menções, ainda que genéricas, ao tipo de serviços a que se reportam e indicam uma quantidade no caso das faturas relativas ao fornecedor B… através do n.º “1” por referência à duração mensal dos serviços.

       No caso da fatura emitida pelo fornecedor C…, a referência à quantidade surge de modo insipiente na designação usada para “fechadura porta de vidro”, remetendo o texto da fatura para a possibilidade de se tratar de um fornecimento singular “uma fechadura” facto que foi corroborado pela audição da testemunha.

       Ora, no domínio da suficiência quanto à quantidade e denominação dos bens transmitidos / serviços prestados acompanhamos o defendido pelo Tribunal Arbitral no processo n.º 411/2014-T de 27 de Março de 2015 segundo o qual, apelando a uma perspectiva hermenêutica, as menções das faturas deverão ter carácter genérico considerando designadamente o seguinte:

1)      O elemento literal da norma, em especial a utilização de vocábulos “natureza” e “denominação usual”;

2)      A natureza transnacional do IVA e a vocação deste imposto para as transações económicas no espaço da União pouco compatível com formalismos excessivos;

3)      A possibilidade de utilização repetitiva de expressões de modo a diminuir o trabalho burocrático;

4)      A funcionalização das exigências formais às necessidades de fiscalização e controlo pela administração fiscal;

5)      O facto de a própria diretiva apresentar uma descrição abstrata dos serviços, sendo a norma nacional a expressão uma regulamentação comunitária que se posiciona a montante; e por fim acrescentamos,

6)      A posição que tem sido reiteradamente assumida pela jurisprudência do TJUE relativamente à redação do artigo 226.º n.º 6 da DIVA, segundo o qual deverá ser especificada a extensão e natureza dos serviços prestados, sem, contudo, precisar que é necessário descrever os serviços específicos prestados de forma exaustiva.[8]      

 

       Note-se, que ao nível da jurisprudência nacional também que no Ac. do TCA- S de 07-01-2004, proferido no processo 0479/03 se escreveu que “A designação da quantidade e da denominação usual das mercadorias transmitidas ou dos serviços prestados deve ser indicada na factura de forma a que a Administração possa fiscalizar com eficácia as obrigações tributárias.”    

            Ou seja, a exigência de forma da faturação ao nível do IVA, relativa à “designação da quantidade e da denominação usual das mercadorias transmitidas ou dos serviços prestados”, terá em vista, como se apontou, assegurar “que a Administração possa fiscalizar com eficácia as obrigações tributárias” permitindo “identificar a operação de modo bastante para que possam extrair-se as devidas consequências quanto ao imposto (sua incidência, sujeitos, taxa, cobrança, reembolsos, etc.)”.

            Esta funcionalização das formalidades ora em causa, não poderá justificar a total omissão de requisitos mínimos que permitam identificar o concreto enquadramento jurídico-tributário da operação, no entanto, entende este Tribunal, na esteira aliás da jurisprudência do TJUE, que o grau de exigência no descritivo das faturas não deverá ser desproporcional, para efeitos do exercício do direito à dedução, face aos fins de identificação da operação e controlo da fraude e evasão fiscais.

       Por conseguinte, do ponto de vista da neutralidade, assente que na substância assista ao sujeito passivo o direito à dedução, importará saber se no caso concreto eventuais incompletudes da fatura poderão colocar em risco os fins de correta cobrança do imposto e o eficaz controlo das operações.[9]

       Assim, a ponderação do valor funcional atribuído aos requisitos de forma das faturas, levaria o TJUE a considerar que “(...) embora uma factura tenha efetivamente uma função documental importante pelo facto de poder conter dados controláveis, existem circunstâncias nas quais os dados podem ser validamente comprovados através de outros meios que não sejam uma factura e em que a exigência de dispor de uma factura em todos os pontos conforme com as disposições da Diretiva 2006/112 teria como consequência por em causa o direito à dedução de um sujeito passivo.[10]

       Apelando a uma abordagem mais flexível do que aquela que tem sido utilizada pela jurisprudência nacional, o TJUE admite que a substância das operações, uma vez comprovada, prevaleça sobre os vícios da factura, quando estejam em causa elementos previstos na lei interna dos estados-membros, e na limitada medida em que a Diretiva IVA permite a sua introdução. O Tribunal vai mais longe admitindo mesmo que a substância das operações prevaleça sobre vícios das faturas relativamente a elementos tipificados na Diretiva IVA, posto que não se crie risco de fraude.[11]

 

*

 

       Atendendo à realidade dos autos, se dúvidas existissem quanto à natureza dos serviços prestados titulados pelas faturas do fornecedor B…, tais dúvidas facilmente se ultrapassariam utilizando os documentos de suporte preparados pelas partes e as “Relações Contabilísticas Valorizadas” que fazem parte do PA.

       Com efeito, como a própria AT bem identificou no RIT, o que está em causa é uma prestação de serviços de cedência de pessoal especializado, na modalidade de “Outsourcing” (figura de gestão empresarial que surge em Portugal no início dos anos 80, sendo hoje largamente conhecida e utilizada) através da qual a Requerente externaliza tarefas do seu domínio de negócios a outros prestadores de serviços que as desenvolvem nas instalações da primeira, disponibilizando os quadros técnicos do prestador para os efeitos e funções acordadas entre as partes. Esta relação jurídica e a prestação de serviços em causa, encontra-se, no entender deste Tribunal, suficientemente espelhada na descrição utilizada pelo fornecedor “Serviços prestados na vossa empresa no período de 01 a 31 de ___de 2015, pelos nossos colaboradores”. Tais serviços prestados nas instalações da Requerente, surgem acompanhados das expressões “Portabilidades” ou “Comissões”, estas porventura contagiadas pela linguagem do setor das telecomunicações ou, alternativamente, de forma clara, singela e corrente “Outsourcing”.

       Acresce que, onde possam surgir dúvidas quanto à realidade concreta que as faturas pretendem demonstrar e quanto à denominação habitual dos serviços prestados, a testemunha da Requerente esclareceu o significado da expressão “portabilidade”- “denominação corrente no léxico dos operadores de telecomunicações para definir serviços relacionados com a portabilidade de operador, traduzindo-se estes na gestão do procedimento de transferência de utilizadores entre redes, no tratamento de dados e na garantia da eficiência dos serviços independentemente da situação geográfica dos usuários.”[12]  Da mesma forma, foi esclarecido o sentido da expressão “comissões” – “utilizada para designar a atribuição de um benefício variável ao fornecedor, consoante o nível de cumprimento dos objetivos definidos no contrato de prestação de serviços[13].

       No que respeita à menção da quantidade dos serviços prestados por referência à respectiva extensão no tempo – um mês – elemento comum a todas as faturas do fornecedor B…, assim como o preço unitário que corresponde ao valor ilíquido dos serviços prestados, influenciado segundo a AT, pela errónea apresentação da quantidade “1”, considera-se que estes elementos cumprem suficientemente os requisitos impostos pela alínea b) do n.º 5 do artigo 36.º do Código do IVA. 

       Com efeito, partindo da análise da letra da alínea b), do n.º 5 do artigo 36.º do Código do IVA, que encontra correspondência direta no ponto 6 do artigo 226.º da Diretiva IVA “as únicas menções que devem obrigatoriamente figurar, para efeitos do IVA, nas faturas emitidas em aplicação do disposto nos artigos 220.º e 221.º são as seguintes (...) 6) A quantidade e natureza dos bens entregues ou a extensão e natureza dos serviços prestados”.

       A este respeito tem sido apontado pela jurisprudência que a norma nacional opera uma transposição imperfeita da norma comunitária, já que ao contrário desta, não distingue, quanto ao tipo de menção a apor  na fatura ou documento equivalente, entre bens e serviços.[14] Assim, enquanto que a norma comunitária refere que os bens envolvidos numa transação faturada deverão ser mencionados, para além da sua natureza, pela sua quantidade, e que os serviços deverão ser mencionados pela sua extensão, a norma nacional dispõe que quer uns quer outros deverão ser mencionados pela sua denominação usual e quantidade. Por conseguinte, deve entender-se que o conceito de quantidade empregue pela alínea b) do n.º 5 do artigo 36.º do Código do IVA não poderá assumir o mesmo sentido quando estejam em causa bens e quando estejam em causa serviços.

       Neste sentido, a referida jurisprudência admite utilizar outras variantes de mensuração, ou mesmo prescindir da referência à quantidade, atendendo às especificidades das operações, até porque enquanto os bens pela sua natureza material serão sempre, por definição, diretamente mensuráveis, os serviços nem sempre o serão.

       Ora, no contexto dos serviços prestados, a indicação da extensão mensal dos mesmos, associada aos documentos juntos aos autos em complemento das faturas emitidas, permite à AT levar a cabo as suas funções de controlo da fuga e fraude fiscais através do cruzamento da informação relevante.

       Efetivamente, entende este Tribunal que para efeitos de garantir um controlo eficaz da receita fiscal resultante das prestações de serviços em causa, relevaria não tanto a mera inscrição na fatura de uma “unidade de medida” a título de cumprimento do requisito formal da extensão / quantidade e preço unitário praticado, mas a disponibilização de informação útil da qual resultem as variáveis que estão na base da construção do valor inscrito na fatura.

       No caso particular dos serviços importa considerar que as “unidades de medida” podem assumir múltiplas configurações, não raras vezes cruzando elementos diversos quer de natureza quantitativa quer qualitativa, como o número de horas, o número de tarefas realizadas, o nível de satisfação do cliente, a superação de objetivos fixados, sendo assaz redutor e potencial inimigo da possibilidade efetiva de controlo, não admitir meios auxiliares de prova quando a informação constante da fatura se revele insuficiente, ou inconclusiva. Não se trata, portanto, de substituir a fatura por outro meio de prova, contudo, se for caso disso, trata-se de precisar os contornos da operação material subjacente através de informação de suporte (no caso optou-se por informação de natureza financeira), que valide o seu descritivo e assegure a qualificação das operações no plano jurídico-tributário.[15]

       Em suma, e pelos motivos expostos, entende o Tribunal que as faturas emitidas pelo fornecedor B… e os demais elementos de prova juntos ao autos, permitem assegurar o cumprimentos dos requisitos necessários à dedutibilidade do IVA, contendo as indicações que dentro dos critérios jurisprudenciais explanados são suficientes, face uma interpretação conforme ao direito comunitário das alíneas b) e c) do n.º 5 do artigo 36.º do Código.

 

       Quanto à fatura emitida pelo fornecedor C…, uma única fatura, que respeita a trabalhos de construção levados a cabo nas instalações da Requerente, na Ilha…, entende a AT que este documento não se encontra em linha com o disposto nas alíneas b), c)  e f) no n.º 5 do artigo 36.º do Código do IVA, por não identificar a quantidade dos serviços prestados, ou eventual incorporação de material, por a nomenclatura utilizada não permitir descortinar se estamos em presença de uma prestação de serviços ou de uma transmissão de bens, e também por não haver menção específica sobre a data em que os serviços foram prestados.

      

       Conforme resulta do probatório, a fatura emitida pelo fornecedor C… contém as seguintes menções: “Trabalhos Diversos” - “retirar pavimento e colocar novo, - estrutura metálica entre paredes de pladur, pintura de porta de armário, prateleira, rodapé, inox, fechadura de porta de vidro, montagem armários”. Acresce que o preço unitário corresponde ao valor total ilíquido da operação, e a data mencionada é de “28/7/2015”.

       Ora, à luz das considerações anteriormente tecidas, e sem nos afastarmos do princípio que tem vindo a ser seguido pela jurisprudência do TJUE, segundo o qual as exigências formais não podem ser dissociadas das finalidades de controlo do pagamento do imposto devido e dos riscos de perda de receita fiscal, entendemos que a fatura em causa dá o mínimo de cumprimento ao disposto no artigo 36.º n.º 5 do Código do IVA, para efeitos da viabilização do exercício do direito à dedução. Sublinhe-se que é à luz das referidas finalidades que deve ser feita a análise desta fatura, no sentido de aferir se a AT pode recusar o direito à dedução ainda que o sujeito passivo possua uma fatura que não cumpra rigorosamente todos os requisitos do artigo 36.º n.º 5 do referido Código.

      

       Relativamente à qualificação dos serviços prestados, não deixa de ser verdade, tal como afirma a AT, que o descritivo da fatura contem indicações que poderiam ser interpretadas num duplo sentido, de prestação de serviços ou de prestação de serviços com incorporação de materiais, no caso de  “retirar pavimento e colocar novo”.

       Por outro lado, importa observar que as menções constantes da fatura, procuram dar concretização aos trabalhos efetivamente realizados senão vejamos por exemplo “pintura de porta de armário, prateleira, rodapé, inox”, “montagem de armários”. Assim, e no que diz respeito à natureza dos serviços em causa entende-se que o descritivo da fatura cumpre razoavelmente o objetivo de identificar as operações realizadas, sendo certo que conjugada com o depoimento da testemunha da Requerente, fica esclarecido que no conjunto de serviços prestados, houve lugar ao fornecimento de “uma fechadura”, em correspondência com o texto da fatura “fechadura de porta de vidro”.  

       Note-se também que a testemunha corroborou no seu depoimento que os trabalhos em causa foram de natureza pontual, de curta duração, informações que conjugadas com o texto da fatura – repita-se uma vez mais o tipo de tarefas em causa “pintura de porta, prateleira, montagem de armários, fechadura de porta de vidro (...)” , permitem extrair consequências relevantes quanto ao imposto, designadamente, quanto à curta duração da operação, quanto à incidência, à localização, aos sujeitos passivos e às taxas aplicáveis.

       Com efeito, apesar das menções relativas aos serviços prestados e ao material fornecido não corresponderem à mais perfeita e desejável das descrições, afigura-se-nos que as expressões utilizadas resultam de uma linguagem comum, possuindo um sentido apreensível maxime considerando a pequena dimensão do prestador, porquanto, ao contrário do alegado pela AT, não seria “tão genérica” que não permita pôr em evidência, em termos minimamente razoáveis, as especificações exigidas pelo n.º 5 do artigo 36.º do Código do IVA quanto “A quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável”.  

      

       Em segundo lugar, quanto à exigência de que a fatura não contém preço unitário, note-se que a alínea c) do n.º 5 do artigo 36.º do Código do IVA estabelece que as faturas devem conter a referência ao “preço, líquido de imposto e aos outros elementos incluídos no valor tributável” sendo certo que este requisito, no caso da fatura nos autos, se encontra preenchido. Acresce que as operações em causa não se encontram sujeitas a taxas distintas, quer se trate de prestações de serviços ou de fornecimentos de material, nem em qualquer circunstância seriam enquadráveis no âmbito das isenções previstas no código do IVA, não deixando de ser importante destacar que o fornecedor sujeitou o valor tributável total (preço ilíquido dos trabalhos desenvolvidos) à taxa única aplicável ao caso, concretamente à taxa máxima de 18%, tendo, por conseguinte, sido assegurada a arrecadação do imposto devido.

      

       Por fim, a AT considera que a fatura não específica a data concreta em que os serviços foram prestados, embora a fatura indique a data de 28/07/2015.

       Como bem salienta a Requerente, a alínea f) do n.º 5 do artigo 36.º do Código do IVA prescreve a obrigação de colocação da data das prestações quando esta não coincide com a data da emissão da fatura. Note-se que no caso em apreço, foi facto assente a natureza pontual dos trabalhos, a sua curta duração, nada levando a supor, face ao tipo de serviços prestados, nem a AT o alega, que o facto gerador do imposto tenha ocorrido em período diferente daquele a que se reporta a data da emissão da fatura. A este propósito, acompanhamos Miguel Agrellos ao referir que o crivo de exigência não pode ser indiferente às circunstâncias do caso concreto: “É verdade que determinadas situações podem suscitar maiores dificuldades tais como prestações acessórias ou transacções transfronteiriças. Mas são essas situações que pelas suas especificidades podem no caso concreto exigir um esforço adicional de concretização. O que não faz sentido é ajustar a bitola pelo critério desproporcionalmente exigente para a maioria das transacções às quais se aplicam as regras normais de aplicação do imposto.[16]     

                                                                      

       Finalmente, não podemos deixar de fazer uma última referência à recente jurisprudência do TJUE, no Acórdão Barlis, relativamente à importância de ponderar as consequências de uma violação do artigo 226.º da DIVA sobre o exercício do direito à dedução à luz das finalidades prosseguidas pela referida norma.[17] Reforçando a sua jurisprudência em matéria de vícios formais, o Tribunal refere que o princípio da neutralidade do IVA “exige que a devolução deste imposto pago a montante seja concedida se os requisitos materiais estiverem cumpridos mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais. Por conseguinte, quando a Administração Fiscal dispõe dos dados necessários para saber se os requisitos materiais foram cumpridos não pode impor condições suplementares ao direito do sujeito passivo de dedução do imposto que possam ter por efeito eliminar esse direito (v., neste sentido, acórdãos de 21 de outubro de 2010, Nidera Handelscompagnie, C385/09, EU:C:2010:627, n.° 42; de 1 de março de 2012, Kopalnia Odkrywkowa Polski Trawertyn P. Granatowicz, M. Wąsiewicz, C280/10, EU:C:2012:107, n.° 43; e de 9 de julho de 2015, Salomie e Oltean, C183/14, EU:C:2015:454, n.os 58, 59 e jurisprudência aí referida)”. E concretiza acrescentando “Daqui resulta que a Administração Fiscal não pode recusar o direito a dedução do IVA pelo simples facto de a fatura não preencher os requisitos exigidos pelo artigo 226.°, n.º 6 e 7, da Diretiva 2006/112, se dispuser de todos os dados para verificar se os requisitos substantivos relativos a este direito se encontram satisfeitos. (sublinhado nosso). E finalmente, aduz, em defesa do princípio da proporcionalidade, que os “os EstadosMembros são competentes para prever sanções em caso de violação dos requisitos formais relativos ao exercício do direito a dedução do IVA.” (...) “O direito da União não impede os EstadosMembros de aplicarem, sendo caso disso, uma multa ou uma sanção pecuniária proporcionada à gravidade da infração, a fim de punir a violação das exigências formais.

      

       Em suma, afigura-se-nos que as formalidades sobre as quais nos debruçámos se deverão ter por suficientemente cumpridas, porquanto no contexto dos serviços prestados (quer pela B…, quer por C…)  foram assegurados os fins evidenciados pela jurisprudência do TJUE de identificação das operações no plano jurídico-tributário, de aferição da respectiva incidência, determinação da taxa aplicável, não tendo sido posta em causa a exata cobrança e correta fiscalização do imposto.

       Reputando-se as faturas adequadas a titular o exercício do direito à dedução da Requerente, em cumprimento das alíneas b), c) e f) do n.º 5 do artigo 36.º do Código do IVA, deverão os atos tributários em questão no presente processo ser anulados, por vício de violação de lei.

 

       6. Juros indemnizatórios

 

       A Requerente  peticionou  ainda a condenação da Requerida em juros indemnizatórios, vencidos e vincendos até à data da devolução das quantias de imposto indevidamente liquidadas, por considerarem, no caso concreto, que ocorreu liquidação de IVA superior ao devido por erro imputável aos serviços.

       Nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária e artigo 61.º do CPPT “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

       Entende-se por erro imputável à administração, o erro que não for imputável ao contribuinte e assentar em errados pressupostos de facto e de direito que, não sejam da responsabilidade do contribuinte.  Assim, “o direito a juros indemnizatórios abrange apenas uma das causas de responsabilidade da Administração tributária, agindo como tal: a originada pelo pagamento indevido de tributos, que lhe for imputável (...) o direito a juros indemnizatórios a favor do contribuinte provem, em regra geral, de um dever de indemnização da Administração tributária resultante da forçada improdutividade das importâncias desembolsadas pelo contribuinte.”(cfr. António Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária Anotada, Editora Rei dos Livros, p. 204 e 205).                                                              

       Ora, no caso em apreço não está demonstrado que a Requerente tenha procedido ao pagamento de qualquer quantia por força das liquidações objeto do presente processo. 

       Conclui-se, assim, pela improcedência da pretensão da Requerente quanto ao pagamento de juros indemnizatórios.

    

IV. DECISÃO

      

     Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar procedente o pedido arbitral formulado pela Requerente e, em consequência:

 

a)         Anular os atos de liquidação objeto do presente processo, no valor global de €37.354,68;

b)        Em consequência, ordenar o reembolso desse montante de IVA cuja dedução foi negada;

c)         Condenar a Requerida nas custas do processo.

 

V. VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em € 37.354,68, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VI. CUSTAS

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €1.836,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

 

 

Lisboa, 17 de Fevereiro de 2017

 

A Árbitro

 

 

 

 

(Filipa Barros)



[1] Acrónimo de Regime Jurídico da Arbitragem Tributária.

[2] Diretiva 2006/112/CE, de 28 de Novembro, publicada no JO n.º L 347, de 11 de Dezembro de 2006.

[3]Vide, nomeadamente, acórdãos de 6 de Julho de 1995, BP Soupergaz, C-62/93, n.°18, e de 21 de Março de 2000, Gabalfrisa C -110/98 a C-47/9, n.° 43, bem como de 6 de Julho de 2006, Kittel e Recolta Recycling, C- 439/04 e C-440/04, n.°47.

[4] A propósito ver acórdão de 11 de julho de 1989, Schrader, C- 265/87, n.º 21 e acórdão de 19 de setembro de 2000, Ampafrance, C-177/99. 

[5] Vide acórdãos de 18 de Dezembro de 1997, Molenheide e o C-286/94, C-340/95, C-401/95 e C-47/96, nº 47

[6] Acórdão de 21 de Abril de 2005, Finanzamt Bergisch Gladbach, C-25/03, n.º 80.

[7] Acórdão de 14 de julho de 1988, Lea Jeunehomme e EGI, C-123 e 130/87.

[8] Acórdão de 15 de Setembro de 2016, Barlis 06, C-516/14, n.º 26

[9] Vide Sérgio Vasques (2015) O Imposto Sobre o Valor Acrescentado, p. 344.  

[10] Acórdão de 1 de Março de 2012, Polsky Trawertyn, C-280/10, n.º 47-49.

[11] Vide, Sergio Vasques, p. 345.

[12] Ponto 10 da matéria de facto.

[13] Ponto 12 da matéria de facto.

[14] Acórdão do CAAD, proc. n.º 411/2014-T, 27 de Março de 2015; Acórdão TCA-Sul, proc. n.º 7282/14 de 10 de Julho de 2014. 

[15] Vide neste sentido Acórdão do STA Proc.n.º 24857, de 24 de Maio de 2000. 

[16] Miguel Agrellos, Paulo Pichel e André Mena Husgen, “Ainda Sobre as Formalidades nas Facturas: análise da Jurisprudência dos Tribunais Portugueses, Cadernos IVA 2016, p. 297.  

[17] Acórdão citado, Barlis 06, n.º 37-48.