Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 282/2016-T
Data da decisão: 2019-02-19  IVA  
Valor do pedido: € 1.964.154,82
Tema: IVA – Prestações de serviços tributáveis – Compensação pela cessação de contrato – Reenvio Prejudicial.
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

Os árbitros Dr. José Pedro de Carvalho (árbitro-presidente, designado pelos outros árbitros), Professora Doutora Clotilde Celorico Palma e Dr. Emanuel Augusto Vidal Lima, designados pela Requerente e pela Requerida, respetivamente, para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 19-08-2016, acordam no seguinte:

 

I – RELATÓRIO

 

  1. No dia 20 de Maio de 2016, A..., S.A., titular do cartão de pessoa colectiva e do número de identificação fiscal n.º..., com sede na ..., n.º..., ...-..., Lisboa, à data dos factos designada por B..., S.A., apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando, a título principal, a anulação do ato de indeferimento tácito do recurso hierárquico, apresentado com referência ao IVA do exercício de 2012, bem como das liquidações de IVA N.ºs  2015  ...,  2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., e dos atos de liquidação de juros compensatórios N.ºs 2015... a 2015..., no montante total de € 1.964.154,82, com as necessárias consequências legais, designadamente o reconhecimento do direito a indemnização por garantia indevidamente prestada.
  2. A título subsidiário, a Requerente pede a anulação parcial dos referidos atos de liquidação, tendo por base o valor das indemnizações efetivamente pagas pelos clientes, devendo o IVA considerado ser incluído no valor já debitado e efetivamente cobrado.
  3. Para fundamentar o seu pedido, para além da verificação dos vícios formais de falta de fundamentação das liquidações e de preterição de formalidade legal essencial (audição prévia à liquidação) alega a Requerente, em suma, que não é devido IVA pelas operações subjacentes às liquidações que impugna, porquanto, no seu entender, não têm as mesmas subjacente a prestação de qualquer serviço.
  4. É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).
  5. No dia 23-05-2016, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.
  6. A Requerente procedeu à nomeação de árbitro, tendo indicado a Exma. Sr.ª Prof.ª Doutora Clotilde Celorico Palma, nos termos do artigo 11.º/2 do RJAT. Nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, a Requerida indicou como árbitro o Exmo. Sr. Dr. Emanuel Vidal Lima.
  7. Os árbitros indicados pelas partes foram nomeados e aceitaram os respetivos encargos.
  8. Nos termos do n.º 6.º, do artigo 11.º do RJAT, foi indicado pelos árbitros indicados pelas partes, para presidir ao Tribunal Arbitral, o Exmo. Sr. Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, que, no prazo aplicável, também aceitou o encargo.
  9. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 19-08-2016.
  10. Por despacho do Exmo. Sr. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD de 21-09-2016, foi deferido pedido de escusa do Árbitro-Presidente, o Exmo. Sr. Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, e determinada a notificação dos Exmos. Árbitros-Adjuntos para indicarem novo Árbitro-Presidente.
  11. Os Exmos. Árbitros–Adjuntos indicaram para presidente o Exmo. Sr. Dr. José Pedro Carvalho, que, no prazo aplicável aceitou o encargo, tendo sido nomeado a 12-10-2016.
  12. Por despacho de 17-10-2016, a pedido da mesma, foi prorrogado o prazo para a Requerida apresentar a sua resposta, até ao dia 31-10-2016.
  13. No dia 31-10-2016, a Requerida apresentou a sua Resposta defendendo-se por impugnação.
  14. No dia 09-02-2017, realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, onde foram inquiridas as testemunhas, no ato, apresentadas pela Requerente e se decidiu que o processo prosseguisse com alegações escritas sucessivas.
  15. As Partes apresentaram alegações, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respetivas posições jurídicas.
  16. Considerando este Tribunal ser, no caso, necessária a realização de reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), foram as partes ouvidas sobre a questão a formular, tendo a respectiva pronúncia sido ponderada no texto das questões apresentadas.
  17. O Tribunal arbitral, em cumprimento do disposto no artigo 267.º do Tratado Sobre o Funcionamento da União Europeia que estabelece: «sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal», determinou o reenvio do processo a título prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE).
  18. Foram as partes ouvidas sobre a questão a formular, tendo a respetiva pronúncia sido ponderada no texto das questões apresentadas.
  19. Por acórdão de 08-01-2017, foi decidido suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) as seguintes questões prejudiciais:

«1) Os artigos 2.º, n.º 1, alínea c), 64.º, n.º 1, 66.º/1/a), e 73.º, todos da Diretiva 2006/112/CE, devem ser interpretados no sentido de que o Imposto sobre o Valor Acrescentado é devido por um operador de telecomunicações (televisão, internet, rede móvel e rede fixa) pela cobrança aos seus clientes, no caso de termo de contrato com obrigação de permanência por uma duração determinada (período de fidelização), por causa imputável ao cliente, antes de completada tal duração, de um valor predeterminado, equivalente ao valor da mensalidade base devida pelo cliente nos termos do contrato, multiplicado pelo número de mensalidades em falta até ao termo do período de fidelização, sendo que quando é faturado o referido valor, e independentemente da sua efetiva cobrança, cessou já a prestação de serviços pelo operador, e caso:

  1. o valor faturado tenha como finalidades contratuais dissuadir o cliente de incumprir o período de fidelização a que se obrigou e ressarcir prejuízos que o operador sofreu, com o incumprimento do período de fidelização, designadamente pela privação do lucro que auferiria se o contrato vigorasse até ao final do referido período, bem como pela contratação de tarifas mais baixas, pelo fornecimento de equipamentos ou outras ofertas, gratuitamente ou a preço reduzido, bem como com despesas de publicidade e angariação do cliente;
  2. os contratos com período de fidelização que foram angariados tenham uma remuneração, para os angariadores, superior à dos contratos sem fidelização por eles angariados, sendo que o valor da remuneração dos angariadores, num e noutro caso (ou seja, nos contratos com e sem fidelização) era calculada com base no valor das mensalidades fixado nos contratos angariados;
  3. o valor faturado seja qualificável, face ao direito nacional, como uma cláusula penal [?]
  4. A eventual não verificação de alguma, ou algumas, das alíneas da primeira questão, é suscetível de alterar a resposta à mesma?»
  1. O TJUE emitiu o Acórdão de 22 de novembro de 2018, no Proc. C-295/17, que determina:

«Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:

1) O artigo 2.º, n.º 1, alínea c), da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretado no sentido de que se deve considerar que o montante predeterminado, recebido por um operador económico em caso de resolução antecipada do contrato pelo seu cliente, ou por causa que lhe é imputável, de um contrato de prestação de serviços que prevê um período mínimo de vinculação ao contrato, montante esse que corresponde ao montante que esse operador teria recebido no resto do referido período se essa resolução do contrato não se tivesse verificado, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, é a remuneração de uma prestação de serviços efetuada a título oneroso e, como tal, sujeita a esse imposto.

2) Não são determinantes para a qualificação do montante predeterminado no contrato de prestação de serviços, de que o cliente é devedor em caso de resolução antecipada desse contrato, o facto de o montante fixo ter como finalidade dissuadir os clientes de incumprirem o período mínimo de vinculação ao contrato e ressarcir o prejuízo que o operador sofre com o incumprimento desse período, o facto de a remuneração recebida por um agente comercial pela celebração de contratos que estipulem um período mínimo de vinculação aos mesmos ser superior à prevista no âmbito dos contratos que não estipulam esse período e o facto de o referido montante ser qualificável, no direito nacional, como cláusula penal.»

  1. Tendo em conta a emissão do Acórdão pelo TJUE, foi declarada terminada a suspensão da instância determinada pela decisão notificada a 10-05-2017 e foram notificadas as Partes para, querendo, face à mesma decisão exercerem o seu contraditório.
  2. A requerente apresentou Requerimento a 07-12-2018 com junção de documentos e a Requerida a 13-12-2018.
  3. Tendo  em conta que as normas de direito processual não são de aplicação automática ao processo arbitral, devendo antes ser mediadas pelos princípios próprios da jurisdição arbitral, nomeadamente, e no caso, os princípios da informalidade, da verdade material e da obtenção de uma decisão de mérito em prazo razoável admitiu-se a junção da documentação apresentada pela Requerente no seu requerimento apresentado a 10 de dezembro, e facultou-se à Requerida a possibilidade de, querendo, exercer o seu contraditório relativamente aos mesmos.
  4. A Requerida pronunciou-se em Requerimentos apresentados a 12-12-2018 e 07-01-2019.
  5. A 16-01-2019 a Requerida apresentou Requerimento solicitando a junção aos autos do Acórdão arbitral proferido no processo 596/2017-T, no qual a Requerente peticionou a declaração de ilegalidade das liquidações adicionais de IVA do ano de 2013, verificando-se, pois, absoluta identidade, quer da situação fática relevante quer da questão fundamental de direito a decidir com o presente caso.
  6. A Requerente apresentou Requerimentos a 17-01-2019 e a 28-01-2019.
  7. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 2/b), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março

O processo não enferma de nulidades.

II. MATÉRIA DE FACTO

II.1. Dão-se como provados os seguintes factos

  1. Em sede de IVA, a Requerente está, e estava à data dos factos tributários aqui em causa, enquadrada no regime normal de periodicidade mensal, e é, como era àquela data, sujeito passivo que realiza operações sujeitas a IVA.
  2. A Requerente foi objeto de Procedimento Inspetivo levado a cabo pela Unidade dos Grandes Contribuintes, credenciado pela ordem de serviço n.º OI2014..., de âmbito geral.
  3. A ação foi iniciada em 1 de abril de 2014 e terminou a 20 de novembro de 2014.
  4. Em 2 de setembro de 2014, por despacho do Chefe de Divisão de Inspeção a Empresas não Financeiras II (DIEF II), por delegação de competências publicada em Diário da República – II Série, n.º 246, de 2013-12-19, foi autorizada a ampliação do prazo para conclusão do procedimento de inspeção por mais três meses, tendo o sujeito passivo sido notificado através do Ofício n.º ... de 02-09-2014, nos termos do n.º 4 do artigo 36.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária.
  5. Da ação inspetiva resultaram correções à matéria tributável em sede de IRC que não são contestadas pela Requerente nos presentes autos, e foram objeto de regularização voluntária.
  6. A Requerente foi notificada do projeto de relatório, para exercer o seu direito de audição, através do ofício n.º..., de 26 de novembro de 2014.
  7. Do Relatório de Inspeção Tributária (RIT), apresentado em 03-11-2016, cujo teor se dá como reproduzido (cf. pp. 106 a 143 do Processo Administrativo (PA), consta, para além do mais, o seguinte:
    1. «A B..., com sede no ..., ... em Lisboa, foi constituída em 22 de março de 1991 e tem como principal atividade a prestação de serviços de telecomunicações móveis.

Adicionalmente a empresa poderá prestar outros serviços de telecomunicações: telecomunicações de uso público; prestação de serviço fixo de telefone, estabelecimento e fornecimento de uma rede pública de telecomunicações e prestação do serviço de redes privativas virtuais, encontrando-se licenciada pelo Instituto das Comunicações de Portugal (“ICP”), atual ICP – Autoridade Nacional das Comunicações (“ANACOM”).

A 27 de janeiro de 2014 alterou a denominação da firma para A..., SA.»

  1. «III.2. IVA

III.2.1. Correções ao IVA Liquidado

III.2.1.1. Indemnizações por incumprimento do período de fidelização contratual - € 1.812.195,35

A B..., no âmbito da contratação com os seus clientes, firmou contratos de prestações de serviços, mais precisamente, contrato de prestação do serviço de voz móvel, contrato de prestação do serviço de dados – internet no telemóvel, banda larga móvel e internet wi-fi e contrato de prestação de serviços de voz fixa, no âmbito dos quais foram estabelecidos períodos mínimos de vigência contratual bem como as indemnizações a pagar pelo cliente no caso de desativação de produtos e serviços, por sua iniciativa, antes de decorrido o período acordado, conforme se detalha de seguida.

Prestação de serviço de voz móvel da B...

O serviço de voz móvel permite fazer e receber, comunicações nacionais, internacionais e em roaming, e enviar e receber mensagens escritas (“SMS” – short message service) e mensagens multimédia (“MMS” – multimedia message service) e aceder aos números de emergência através de um número ou de números incluídos num plano de numeração telefónica nacional ou internacional.

Prevê-se no contrato, quanto a este serviço, o seguinte:

“8.1. As presentes Condições Específicas produzem efeitos na data da adesão ao serviço e vigoram pelo período de um mês automaticamente renovável por iguais períodos, salvo denúncia por qualquer uma das Partes, mediante comunicação válida, com a antecedência mínima de 15 (quinze) dias relativamente ao termo da vigência ou renovação.

8.2. Para efeitos de renovação, as presentes Condições Específicas consideram-se como tendo tido início no primeiro dia do mês  B...

e o CLIENTE poderão acordar na prestação do serviço por um período mínimo de vigência, indicado no Formulário. No termo do período mínimo de vigência acordado, as presentes Condições Específicas renovam- se por períodos sucessivos de 1 (um) mês, salvo denúncia por qualquer uma das Partes nos termos previstos na Condição 8.1.

8.4. Em caso de rescisão das presentes Condições Específicas pelo CLIENTE ou por motivo ao mesmo imputável, antes de decorrido o período de vigência mínimo acordado, inicial ou subsequente, a B... terá direito a receber uma indemnização calculada da seguinte forma: (período mínimo de vigência – n.º de meses em que os serviços estiveram ativos) x (valor da mensalidade acordada).

8.5. A existência de período mínimo de vigência poderá decorrer de oferta de condições promocionais, de custos de investimento na aquisição de equipamento, sempre que a adesão ao serviço implique cedência de equipamento indispensável à prestação do mesmo, bem como de custos de ativação do serviço e ainda de angariação, podendo o CLIENTE a todo o momento, através do serviço de apoio ao cliente 1696, consulta em www.B... .pt ou loja B..., obter informação sobre quando se conclui o período mínimo de vigência acordado e ainda o valor exato que terá de pagar a título de indemnização por rescisão antecipada das presentes Condições Específicas, que corresponderá ao valor da mensalidade acordada, multiplicada pelo número de meses que estiverem em falta para completar o mencionado período mínimo de vigência.”

Serviço de Dados – Internet no telemóvel, banda larga móvel e internet wi-fi da B...

Relativamente ao serviço de dados, o qual inclui, nomeadamente, i) serviço Internet no Telemóvel, o qual permite efetuar comunicação de dados, de acesso à Internet através de telemóvel (adiante “Internet no Telemóvel”); ii) serviço de acesso à Internet em Banda Larga Móvel, o qual permite efetuar comunicações de dados, de acesso à Internet e enviar/receber mensagens escritas (SMS) (adiante “BLM”); e iii) serviço de acesso à Internet sem fios (Wireless Lan Pública) em zonas de acesso público (Hot Spot) através da tecnologia WI-FI (Wireless Fidelity – Wireless Lan), (adiante Wi-Fi”).

No que concerne à Prestação do serviço de dados, determina-se o seguinte:

“9.1. As presentes Condições Específicas produzem efeitos na data da adesão ao serviço e vigoram pelo período de um mês automaticamente renovável por iguais períodos, salvo denúncia por qualquer uma das Partes, mediante comunicação válida, com a antecedência mínima de 15 (quinze) dias relativamente ao termo da vigência ou renovação.

9.2. Para efeitos de renovação, as presentes Condições Específicas consideram-se como tendo tido início no primeiro dia do mês respetivo.

9.3. A B... e o CLIENTE poderão acordar na prestação do serviço por um período mínimo de vigência, indicado no Formulário. No termo do período mínimo de vigência acordado, as presentes Condições Específicas renovam- se por períodos sucessivos de 1 (um) mês, salvo denúncia por qualquer uma das Partes nos termos previstos na Condição 9.1.

9.4. Em caso de rescisão das presentes Condições Específicas pelo CLIENTE ou por motivo ao mesmo imputável, antes de decorrido o período de vigência mínimo acordado, inicial ou subsequente, a B... terá direito a receber uma indemnização calculada da seguinte forma: (período mínimo de vigência – n.º de meses em que os serviços estiveram ativos) x (valor da mensalidade acordada).

9.5. A existência de período mínimo de vigência poderá decorrer de oferta de condições promocionais, de custos de investimento na aquisição de equipamento, sempre que a adesão ao serviço implique cedência de equipamento indispensável à prestação do mesmo, bem como de custos de ativação do serviço e ainda de angariação, podendo o CLIENTE a todo o momento, através do serviço de apoio ao cliente 1696, ou loja B..., obter informação sobre quando se conclui o período mínimo de vigência acordado e ainda o valor exato que terá de pagar a título de indemnização por rescisão antecipada das presentes Condições Específicas, que corresponderá ao valor mensalidade acordada, multiplicada pelo número de meses que estiverem em falta para completar o mencionado período mínimo de vigência.”

Serviço de voz fixa da B...

O serviço de voz fixa permite fazer e receber, em local fixo, chamadas nacionais e internacionais e aceder aos números de emergência através de um número ou de números incluídos num plano de numeração telefónica nacional ou internacional.

Prevê-se no contrato, quanto a este serviço, o seguinte:

“8.1. As presentes Condições Específicas produzem efeitos na data da adesão ao serviço e vigoram pelo período de um mês automaticamente renovável por iguais períodos, salvo denúncia por qualquer uma das Partes, mediante comunicação válida, com a antecedência mínima de 15 (quinze) dias relativamente ao termo da vigência ou renovação.

8.2. Para efeitos de renovação, as presentes Condições Específicas consideram-se como tendo tido início no primeiro dia do mês respetivo.

8.3. A B... e o CLIENTE poderão acordar na prestação do serviço por um período mínimo de vigência, indicado no Formulário. No termo do período mínimo de vigência acordado, as presentes Condições Específicas renovam-se por períodos sucessivos de 1 (um) mês, salvo denúncia por qualquer uma das Partes nos termos previstos na Condição 8.1.

8.4. Em caso de rescisão das presentes Condições Específicas pelo CLIENTE ou por motivo ao mesmo imputável, antes de decorrido o período de vigência mínimo acordado, inicial ou subsequente, a B... terá direito a receber uma indemnização calculada da seguinte forma: (período mínimo de vigência – n.º de meses em que os serviços estiveram ativos) x (valor da mensalidade acordada).

8.5. A existência de período mínimo de vigência poderá decorrer de oferta de condições promocionais, de custos de investimento na aquisição de equipamento, sempre que a adesão ao serviço implique cedência de equipamento indispensável à prestação do mesmo, bem como de custos de ativação do serviço e ainda de angariação, podendo o CLIENTE a todo o momento, através do serviço de apoio ao cliente indicado, em consulta www.B... .pt ou loja B..., obter informação sobre quando se conclui o período mínimo de vigência acordado e ainda o valor exato que terá de pagar a título de indemnização por rescisão antecipada das prestes Condições Específicas, que corresponderá ao valor mensalidade acordada, multiplicada pelo número de meses que estiverem em falta para completar o mencionado período mínimo de vigência.”

Em função do exposto a montante, infere-se que, caso não seja cumprido o período contratual mínimo estabelecido para a prestação do serviço, a B... tem direito a receber uma indemnização dos seus clientes calculada tendo em conta o número de meses que faltavam para completar o período acordado para a prestação do serviço, multiplicado pelo valor da respetiva mensalidade.

Da contabilização

Em matéria de contabilização, de acordo com a NCRF 20 – Rédito1 ponto 22 “O rédito somente é reconhecido quando for provável que os benefícios económicos associados à transação fluam para a entidade. Porém, quando surja uma incerteza acerca da cobrabilidade de uma quantia já incluída no rédito, a quantia incobrável, ou a quantia com respeito à qual a recuperação tenha cessado de ser provável é reconhecida como um gasto (...)”.

Do Enquadramento Fiscal

No que respeita ao enquadramento em sede do imposto sobre o valor acrescentado, constatou-se que o sujeito passivo não liquidou IVA sobre as indemnizações cobradas aos seus clientes em 2012 por entender que as referidas indemnizações se encontram fora do campo de incidência do referido imposto.

Sobre este entendimento acrescentou ainda a B..., através de e-mail datado de 18 de novembro de 2014, que: “No âmbito da sua atividade, a B..., S.A., doravante sob a forma abreviada “B...”, celebra contratos de prestação de serviços de comunicações móveis, nos quais é usual o estabelecimento de condições promocionais vantajosas, sendo que estas condições estão, em regra, associadas a uma contrapartida: o compromisso assumido pelo cliente de permanecer vinculado ao contrato por um determinado período mínimo de vigência deste. O incumprimento, por parte do cliente, das obrigações contratuais a que se encontra adstrito, designadamente a falta de pagamento pontual, implica o pagamento de uma indemnização à B... .

Na situação em apreço não se verifica uma relação entre os montantes devidos à B... a título de indemnização e a realização de prestações de serviços correlativas pois que a obrigação de indemnização deriva do incumprimento contratual dos clientes, cujo efeito imediato é a suspensão do serviço de comunicações por parte da B... e a rescisão do contrato. Assim, é a não prestação dos serviços pelo período mínimo acordado que fundam o direito à indemnização na esfera da B... . Por um lado, a indemnização deriva do prejuízo inegável que é causado à B... pela não prossecução da prestação de serviços de comunicações por determinado período de tempo, que seria geradora de volume de negócios e de lucro para a empresa. Por outro lado, o montante indemnizatório a receber pela B... não dá à “contraparte” o direito a uma prestação de qualquer natureza. Efetivamente o pagamento da indemnização pelos clientes não gera qualquer obrigação recíproca a cargo da B..., destinando-se os montantes que lhe são entregues à compensação, acima assinalada, dos danos sofridos em consequência do incumprimento contratual, designadamente os relativos ao investimento inicial implícito na oferta de condições promocionais vantajosas, subjacente aos contratos de fidelização. Por conseguinte, a indemnização em apreço não é objeto de tributação em IVA.”

Neste contexto, e para melhor descortinar a moldura jurídico-fiscal na qual deverá inserir-se a questão de facto, chama-se à colação o artigo 562.º do Código Civil (CC), no qual se encontra o princípio geral relativo à obrigação de indemnização. Ali pode ler-se o seguinte:

“Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.”. Chama-se a atenção para o facto de este princípio geral fazer expressa menção do termo “dano”, circunstância a que voltaremos em momento mais adiantado.

Importa agora, com vista a um esclarecimento mais cabal da problemática em análise, lançar mão da doutrina relativa a esta matéria pelo que, uma vez que se mostra pertinente para a apreciação em causa, atentamos, de seguida, no explanado por Mário Júlio de Almeida Costa (Direito das Obrigações, 6.ª edição) a propósito da cláusula penal.

“Define-se a cláusula penal como a estipulação em que num negócio jurídico, designadamente num contrato, as partes fixam o montante da indemnização para o caso do seu incumprimento (art. 810.º, n.º 1). (...) a cláusula tem valor fixo – nem mais nem menos – quer os prejuízos se apresentem na realidade inferiores ou superiores ao seu quantitativo. A lei perspetiva-a como liquidação antecipada («à forfait») dos danos, que as partes acordam livremente, apenas com ressalva dos preceitos imperativos. (...)

Trata-se, pois, de uma forma convencionada pelas partes para ressarcir, indemnizar, eventuais danos que venham a ocorrer na vigência do contrato.

Observamos agora o exposto pelo mesmo autor, ob. cit., relativamente ao dano e, de forma mais concreta, no que respeita à classificação que distingue o dano emergente e o lucro cessante. (...)

Conforme ensina o Prof. Galvão Teles, "Direito das Obrigações", 6ª ed., pág. 373, «Os danos emergentes traduzem-se numa desvalorização do património, os lucros cessantes numa sua não valorização. Se diminui o ativo ou aumenta o passivo, há um dano emergente (damnum emergens); se deixa de aumentar o ativo ou de diminuir o passivo, há um lucro cessante (lucrum cessans). Ali dá-se uma perda, aqui a frustração de um ganho.» Não obstante, e recentrando agora a observação em curso a partir de um ponto de vista fundamentalmente fiscal, o cerne da presente questão estará em verificar se, subjacente à indemnização, se encontra, ou não, uma transmissão de bens ou prestação de serviços, ou seja, se lhe é inerente um caráter remuneratório.

O IVA, como imposto sobre o consumo e que corresponde, basicamente, ao disposto na Diretiva 2006/112/CE4 do Conselho (doravante Diretiva), visa tributar a contraprestação de operações tributáveis e não a indemnização de prejuízos que não tenham caráter remuneratório.

O conceito de prestação de serviços constante da Diretiva é residual, na medida em que como prestação de serviços se entende qualquer prestação que não seja uma transmissão de bens.

Após esta formulação residual a Diretiva dá exemplos de prestações de serviços, incluindo-se aqui “a obrigação de não fazer ou de tolerar um ato ou uma situação.”, obrigação de conteúdo negativo (não praticar determinado ato).

De acordo com o nº 1 do artº 3º do CIVA, considera-se, em geral, transmissão de bens a transferência onerosa de bens corpóreos por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade, considerando-se, nos termos do nº 1 do artº 4º do CIVA, como prestações de serviços as operações efetuadas a título oneroso que não constituam transmissões, aquisições intracomunitárias ou importações de bens.

Alinhado com a legislação comunitária, o conceito de prestação de serviços dado pelo artº 4º tem um caráter residual, sendo consideradas como prestações de serviços as prestações efetuadas a título oneroso que não constituam transmissões ou importações de bens.

O IVA incide sobre toda a atividade económica, que mais não é que um operador prestar serviços ou transmitir bens (à exceção de determinados casos particulares) ao beneficiário económico, o qual terá de ceder uma determinada contraprestação. Existe, pois, um vínculo sinalagmático.

Deste modo, de acordo com o ante exposto, o critério a adotar para discernir se uma determinada indemnização está sujeita a tributação em sede de IVA, estará relacionado com a existência de uma reposição de rendimento, que compense um acréscimo patrimonial não verificado na sequência da lesão, isto é, de um caráter remuneratório associado à indemnização. E assim sendo têm subjacente uma atividade económica, pressuposto da tributação em IVA.

Cumpre, portanto, aferir se a indemnização se destina a compensar os lucros cessantes, ou seja, a repor o nível de rendimento que, por força de um dano, o sujeito passivo deixou de obter.

Dito de outro modo, há que apurar se o pagamento visou repor o rendimento que seria obtido através da prestação de serviços, caso o cliente não tivesse quebrado a relação contratual.

Na situação em exame será aquela a realidade em causa uma vez que a indemnização controvertida teve essa finalidade, como pode constatar-se dos próprios contratos, concretamente do seu ponto 8.4 das condições específicas dos contratos de prestação do serviço de voz móvel, e dos contratos de prestação de serviços de voz fixa e ponto 9.4 das condições específicas do contrato de prestação do serviço de dados – internet no telemóvel, banda larga móvel e internet wi-fi nos quais pode ler-se o seguinte:

“Em caso de rescisão das presentes Condições Específicas pelo CLIENTE ou por motivo ao mesmo imputável, antes de decorrido o período de vigência mínimo acordado, inicial ou subsequente, a B... terá direito a receber uma indemnização calculada da seguinte forma: (período mínimo de vigência – n.º de meses em que os serviços estiveram ativos) x (valor da mensalidade acordada).”

Assim, e na medida em que do próprio texto do contrato se retira o caráter remuneratório da indemnização, será de considerar que a mesma se encontra sujeita a IVA.

De facto do modo de cálculo da própria indemnização se infere que esta visou compensar a B... de uma perda de receitas no pressuposto de que tinha “(...), no momento da lesão, um direito ao ganho que se frustrou, ou melhor, a titularidade de uma situação jurídica que, mantendo-se, lhe daria direito a esse ganho. - cfr. acórdão do S.T.J de 23/5/78., B.M.J. no 277; pág. 258.” Cf, Acórdão (STJ) no 04B3907 de 16.12.2004.

Também a razão pela qual a B... justifica a existência de um período mínimo de vigência contratual, concretamente “(...) A existência de período mínimo de vigência poderá decorrer de oferta de condições promocionais, de custos de investimento na aquisição de equipamento, sempre que a adesão ao serviço implique cedência de equipamento indispensável à prestação do mesmo, bem como de custos de ativação do serviço e ainda de angariação (...)” refletem que a recuperação do investimento será garantida, pelas receitas obtidas ao longo do período de fidelização ou caso aquele seja descontinuado (via desistência do cliente) o retorno mantem-se pela via da indemnização, visto que a mesma acomoda as receitas dos meses que faltam para o términus do contrato.

Fica assim garantido o mesmo nível de lucro. A B... não teve prejuízos na modalidade de lucros cessantes, porque contratualmente foi fixada a indemnização que incorpora esses lucros.

O que a B... visa refazer não é o investimento efetuado – esse permanece tal como foi feito – o que pretende, afinal, é conseguir receitas para recuperar esse investimento, numa ótica económica.

Este desiderato é alcançado através da existência do período de fidelização e quando este não é cumprido, é debitado ao CLIENTE uma indemnização.

Concluindo-se deste modo que esta indemnização integra o conceito de lucro cessante e como tal é sujeita a IVA.

A corroborar o ante dito recupera-se o teor da informação fornecida pela B..., anteriormente mencionada, “Assim, é a não prestação dos serviços pelo período mínimo acordado que fundam o direito à indemnização na esfera da B... . Por um lado, a indemnização deriva do prejuízo inegável que é causado à B... pela não prossecução da prestação de serviços de comunicações por determinado período de tempo, que seria geradora de volume de negócios e de lucro para a empresa. (...)”

Com a rescisão do contrato por iniciativa do cliente, antes de terminado o período contratualmente estabelecido, a B... viu diminuídos os seus lucros por perda de receita, a que corresponde um não aumento do seu património (por via do valor recebido dos seus clientes). Não se verificou uma diminuição do património existente (situação de dano emergente) mas sim um não aumento deste, pela via da perda da receita, conforme refere a citação do Prof. Galvão Teles, já mencionada.

Acresce ainda que, segundo alegações do próprio sujeito passivo, o facto de emergindo estas indemnizações de relações contratuais que por parte da B... consubstanciam “(...) estabelecimento de condições promocionais vantajosas“ e da parte do cliente “o compromisso assumido (...) de permanecer vinculado ao contrato por um determinado período mínimo de vigência deste”, que as mesmas surgem no âmbito do exercício de atividade económica e concomitantemente relacionadas com as prestações de serviços de telecomunicações, que é a atividade da B... .

De forma a corroborar a posição ora defendida, cita-se agora o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA) no 01158/11 de 31.10.2012, cuja posição sufraga de forma inequívoca o entendimento aqui propugnado: “Em face de tudo o que vai exposto, somos de concluir, em conformidade com o consignado no douto Parecer do Ministério Público, segundo o qual é preciso distinguir:

a) A indemnização paga pela seguradora, “(...) destinada à compensação do dano causado pela perda do bem”, a mesma deve considerar-se excluída da incidência objetiva de IVA, “na medida em que não assume a natureza de contraprestação pela transmissão de um bem ou prestação de um serviço (arts. 1º n.º 1, 4º n.º 1 e 16 n.º 1 CIVA)”;

b) As quantias pagas pelo locatário à locadora, sendo pagas “complementarmente à locadora pelos locatários não revestem natureza ressarcitória (porque não se destinam à compensação de perdas e danos) antes radicam no cumprimento de obrigações contratualmente assumidas (em cada uma das categorias de contratos em causa). Tendo estes contratos a natureza de contratos de prestação de serviços, aquelas quantias representam, ainda, contraprestações de operações tributáveis em IVA”.

Conclui-se, assim, que as presentes indemnizações visam compensar rendimentos cessantes e decorrem do cumprimento de obrigações contratualmente assumidas no âmbito de contratos de prestações de serviços, pelo que representam uma contraprestação de operações tributáveis em IVA.

Em termos de enquadramento no Código do IVA as indemnizações em crise constituem uma contrapartida por uma prestação de serviços, sujeita e não isenta, nos termos do artº 4º, n.º 1, ocorrendo o facto gerador e consequentemente sendo o imposto devido no momento da emissão da fatura, nos termos do artº 8.º, n.º 1, alínea a), sendo o valor tributável o da indemnização, de acordo com o artº 16.º, n.º 1, sendo aplicável a taxa de 23%, prevista no artº 18.º, n.º 1, alínea c), todos do Código do IVA.»

  1. «Neste seguimento, importa proceder à quantificação da base tributável distribuída por meses, tendo, para o efeito, sido solicitados ao sujeito passivo, (mail de 17.10.2014) os seguintes elementos: listagem de todas as faturas emitidas a clientes durante o ano de 2012, com a indicação do seu valor e período de emissão; explicação da composição e forma de cálculo do montante faturado aos clientes, decorrente da rescisão; confirmar se foi liquidado IVA nestas faturas e em caso negativo, justificar a sua não liquidação.

Na sequência do solicitado foram fornecidos dois ficheiros Excel, contendo (i) a totalidade das faturas emitidas no ano de 2012, referentes a indemnizações por incumprimento do período de fidelização e (ii) a totalidade das faturas emitidas e que se encontravam em “aberto”. Estes ficheiros continham, entre outros, os seguintes campos: Cta.contrato; Nºdoc.; Itm; Cta.Razão; Mont.em moeda int.; Moeda; CI; Data doc.; Período; Data lçto.; Tipifica; Cta.contrato; ParcNeg.; Denominação da conta de contrato; Descritivo; Doc.comp; Referência.

Da análise e tratamento informático realizado aos dados fornecidos pela B..., foi possível obter um ficheiro com os seguintes elementos identificativos para cada registo/fatura: número e referência da fatura; data, período e valor da fatura; nome e número do cliente; descritivo do serviço e taxa de IVA.

Deste universo de dados devidamente organizados, foram analisados os valores por tipo / motivo de indemnização de onde foram considerados como sujeitos a imposto os constantes do Anexo I (fls. 1) e que totalizam o valor de € 1.812.195,35.

Posto isto, faz-se neste contexto notar que a metodologia utilizada tem presente o teor do artº 75º da Lei Geral Tributária (LGT), com a epígrafe “Declaração e outros elementos dos contribuintes”, segundo o n.º 1 do qual “Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal”, donde se origina também uma especial vinculação entre os elementos disponibilizados e os resultados ora obtidos.

Assim, com base nos dados obtidos da verificação e validação efetuada aos elementos disponibilizados pelo sujeito passivo, foi possível apurar um montante total de € 7.879.110,21, correspondente a indemnizações faturadas a clientes, em que não foi liquidado IVA, ao qual corresponde um valor total de IVA em falta, à taxa normal, de € 1.812.195,35 (Anexo I e II).»

  1. «Em síntese, à luz do anteriormente exposto, conclui-se que estas indemnizações estão sujeitas e não isentas de imposto. Por conseguinte, nos termos do nº 1 do artigo 4.º, art.º 8.º, n.º 1, alínea a), do nº 1 do artigo 16º, e da alínea c) do nº 1 do artigo 18.º, todos do Código do IVA, apurou-se imposto em falta, no montante total de € 1.812.195,35.

O quadro seguinte apresenta o resumo das correções em sede de IVA, por período tributário:

 »

  1. «Analisando o respetivo documento, cumpre-nos informar que quanto à correção proposta nos pontos III.1.1. e III.2.1., o sujeito passivo vem alegar a sua discordância pelo que foram os mesmos pontos reanalisados. [...]

IX.2. IVA - Correções ao IVA Liquidado

IX.2.1. Indemnizações por incumprimento do período de fidelização contratual (Ponto III.2.1. do Projeto de Relatório)

A correção proposta no ponto III.2.1 do projeto do relatório totaliza € 1.812.195,35 decorrente da falta de liquidação de IVA nas indemnizações faturadas por incumprimento do período de fidelização contratual.

O sujeito passivo veio apresentar, nos pontos 119.º a 138.º do direito de audição, as contestações à correção proposta, com os fundamentos que resumidamente se indicam.

Da natureza dos contratos

(...) Relativamente à sujeição ou não das indemnizações a IVA, começa-se por referir que a sujeição a tributação em sede de IVA tem subjacente a realização de uma atividade económica e a existência de uma contraprestação. Neste sentido existe um vínculo sinalagmático obrigacional, pressuposto de uma operação económica.

Assim, conforme já referido no ponto III.2.I., no caso das indemnizações, o critério a adotar para avaliar da sujeição a tributação em sede de IVA, estará relacionado com a existência de uma reposição de rendimento, que compense um acréscimo patrimonial não verificado na sequência da quebra contratual, isto é, de um caráter remuneratório associado à indemnização.

Dito de outro modo há que avaliar se a indemnização se destina a compensar os lucros cessantes, ou seja, a repor o nível de rendimento que, por força de um fator exógeno, o sujeito passivo deixou de obter, ou se simplesmente se destinou a ressarcir ou reparar um dano causado. Ou seja, o fim e natureza do pagamento subjacente à indemnização, irá determinar a sua classificação como contrapartida remuneratória ou como reparação de um dano causado. Pode-se afirmar que, para estes casos de indemnizações por incumprimento contratual apenas a análise casuística da substância da operação pode induzir ao entendimento do alcance da indemnização e à contextualização da sua função remuneratória ou ressarcitória, e consequentemente à aferição da sua sujeição ou não a IVA.

Nestes termos há que apurar se o pagamento visou repor o rendimento que seria obtido através da prestação de serviços, caso o cliente no tivesse quebrado a relação contratual.

Ora, na situação em exame será aquela a realidade em causa uma vez que a indemnização controvertida teve essa finalidade, conforme se retira dos contratos “Em caso de rescisão das presentes Condições Específicas, pelo CLIENTE ou por motivo ao mesmo imputável, antes de decorrido o período mínimo de vigência, a B... terá direito a receber uma indemnização calculada da seguinte forma: (período mínimo de vigência – n.º de meses em que os serviços estiveram ativos) x (valor da mensalidade).”.

Desta cláusula se retira o caráter remuneratório da indemnização, uma vez que fica assim garantido o mesmo nível de lucro que seria obtido. A B... não teve prejuízos na modalidade de lucros cessantes, porque contratualmente foi fixada a indemnização que incorpora esses lucros.

O que a B... visa refazer não é o investimento efetuado – esse permanece tal como foi feito – o que pretende, afinal, é conseguir receitas para recuperar esse investimento, numa ótica económica. Nas alegações apresentadas em direito de audição o sujeito passivo limitou-se a afirmar que estas indemnizações consubstanciam uma sanção/punição imposta aos seus clientes e visam meramente ressarcir um dano e que não são a contraprestação de qualquer prestação de serviço ou transmissão de bens realizada.

Contudo, não logrou demonstrar ou quantificar qual o dano que estas se destinam a ressarcir.

Conforme já se demonstrou, o valor da indemnização corresponde ao total dos rendimentos que a B... iria auferir caso o contrato vigorasse até ao seu prazo final. Por conseguinte, não é de todo admissível, considerar que a totalidade da indemnização se destinou a reparar um dano. Seria o mesmo que admitir que a B... não obteria quaisquer lucros decorrentes dos contratos de prestação de serviços de acesso à internet em banda larga e de serviços de televisão e multimédia que celebra, ou seja, que todos os rendimentos auferidos eram apenas para compensar o investimento efetuado. O que na realidade não sucede.

Neste sentido, ainda que as indemnizações pudessem conter uma parte do seu valor que se destinasse a reparar um dano, não foi o mesmo apresentado ou comprovado pelo sujeito passivo.

E ao invocar esse facto – existência de dano - cabe ao contribuinte, nos termos do n.º 1 do artigo 74.º da LGT, o ónus da prova dos factos constitutivos. (...)

Posto isto, veio ainda a B..., apresentar jurisprudência, designadamente, o Acórdão Tolsma, de 3 de março de 1994, no âmbito do processo C-16/93. Este acórdão pronuncia-se sobre o caso concreto da prestação de uma atividade que consiste em tocar música na via pública e da sujeição desta a IVA. Sobre esta operação conclui o TJUE que “o conceito de prestação de serviços efetuada a título oneroso, (...), não abrange a atividade que consiste em tocar música na via pública, relativamente à qual não se encontra estipulada qualquer remuneração, mesmo se o interessado solicita uma contribuição em dinheiro e recebe certas quantias cujo montante não é, todavia, nem determinado nem determinável”.

Contudo tal não é, nem se vislumbram semelhanças com a situação sob escrutínio, visto que no caso em debate têm subjacente a realização de uma atividade económica que consiste na prestação de serviços de comunicações. Repare-se que as indemnizações aqui em apreço têm um montante previamente determinado e como tal têm um caráter de onerosidade associado.

Em suma, os pagamentos realizados por incumprimento contratual, são devidos no âmbito da responsabilidade remuneratória do adquirente do serviço e não como ressarcimento por um dano causada ao prestador, pelo que face a tudo exposto, conclui-se que estas indemnizações integram o conceito de lucro cessante e como tal são sujeitas a IVA.

Da recuperação do IVA

Entende o sujeito passivo, nos parágrafos 132º a 135º, que os montantes indemnizatórios debitados têm como “(...) destinatários, na sua maioria, clientes que não revestem a natureza de sujeitos passivos de IVA (particulares), sendo que, (...), o seu pagamento quase nunca é efetivado (...)” , logo os montantes que a AT está a liquidar, “(...) seriam, em grande parte, recuperados ao fim de seis meses (...)”, e o IVA dos outros clientes, seria igualmente recuperável por aplicação do artigo 78º e 78º-A, ambos do CIVA, concluindo que a receita do Estado não ficaria prejudicada.

Perante esta alegação, o sujeito passivo parece sustentar, que a liquidação adicional está desprovida de utilidade, pois caso tivesse liquidado IVA e entregue ao Estado, face á baixa taxa de cobrabilidade e à possibilidade contida no artigo 78º, já o teria recuperado.

O sujeito passivo deduz esta alegação com base numa situação hipotética, veja-se, pois, quando refere “(...) os montantes (...) liquidados pela exponente, seriam, em grande parte, recuperados (...)”, ora a AT jamais considera situações que não sejam as efetivas. Ademais, está a desconsiderar o efeito financeiro na esfera do Estado, decorrente da entrega do imposto e posterior recuperação e por fim parece desrespeitar os condicionalismos que a lei impõe para estas regularizações.

Vejamos então, o Código do IVA regula no artº 78º, as retificações/regularizações do imposto, estabelecendo determinadas condições para que os sujeitos passivos possam efetuar a dedução/regularização que se mostre devida.

Assim e no que ao caso interessa, prevê o mecanismo de recuperação do IVA (i) nos créditos incobráveis (artº 78º nº 7) (ii) bem como nos créditos em mora (artº 78º nº 8 a 10).

Porém, a alusão que o sujeito passivo faz a este recurso, parece levar a crer que todo o processo é automático, quando, no entanto o Código do IVA prevê, conforme já referido, a necessidade de cumprimento de diversos requisitos legais, por forma a que seja feita a regularização do IVA nos créditos, sendo precedido da liquidação do próprio IVA, situação que no caso em análise ainda não se verificou.

Para o efeito, o sujeito passivo deve efetuar, regularizações de IVA, no Campo 40 das respetivas Declarações Periódicas, relativas a recuperação de IVA referente a créditos em mora de acordo com as alíneas a), b), c) e d) do n.º 8 do artigo 78º do Código do IVA.

O sujeito passivo deve, também, apresentar as devidas certificações do Revisor Oficial de Contas, de acordo com o exposto no n.º 9 e 10 do artigo 78º do Código do IVA. Nas referidas certificações deverá ser descrito o montante dos créditos não cobrados, o montante de imposto a regularizar, bem como a confirmação de que o sujeito passivo efetuou as devidas diligências para a recuperação dos créditos em causa.

Por outro lado, de acordo com a nova redação do n.º 10 deste artigo 78.º, a certificação por Revisor Oficial de Contas deve ser efetuada por cada um dos períodos em que foi feita a regularização e até ao termo do prazo estabelecido para a entrega da declaração periódica ou até à data de entrega da mesma quando esta ocorra fora do prazo.

A referência que o sujeito passivo faz ao artigo 78º-A do CIVA, não tem aplicação no período em análise pois este artigo foi aditado pela Lei n.º 66-B/2012 de 31 de dezembro, e o nº 7 do artigo 198.º - Lei n.º 66-B/2012 de 31 de dezembro - Disposição transitória no âmbito do Código do IVA – prevê que “O disposto nos artigos 78.º-A a 78.º-D do Código do IVA aplica-se aos créditos vencidos após a entrada em vigor da presente lei.”, pelo que só para os períodos iniciados em 2013 é que se verifica este mecanismo.

Ora, neste caso, nem o IVA foi liquidado nem estão provadas as condições da regularização.

Se e quando a B... vier a reunir os pressupostos para a eventual regularização nos termos do citado artigo 78º do CIVA, o exercício desse direito é assegurado através dos procedimentos legalmente previstos, caso tenha procedido à entrega do imposto nos cofres do Estado.

Assim é que, sem necessidade de outras considerações, não se antolham reunidos in casu quaisquer dos pressupostos para a regularização de IVA à luz do artigo 78º do CIVA.

Do cálculo do montante de imposto a liquidar

Por último, vem o sujeito passivo, parágrafos 136º a 138º argumentar que o montante da correção que a AT determinou se encontra incorreto, pois “...o IVA sempre constituiria uma componente do montante cobrado, e nunca um elemento que acresceria a este valor”, apresentando como fundamento o conteúdo do Acórdão Corina Hrisi Tulica, proferido a 7 de novembro de 2013, no âmbito dos processos apensos C-249/10 e C-250/12 do TJUE. Nas palavras do TJUE “quando o preço de um bem tenha sido determinado pelas partes sem menção de IVA e o fornecedor do referido bem seja o devedor do IVA devido sobre a operação tributada e caso o fornecedor não tenha a possibilidade de recuperar junto do adquirente o IVA reclamado pela administração fiscal, se deve considerar que o preço convencionado já inclui IVA” Assim, pretende a B... que, “se por mera hipótese, o que não se concede (...) tivesse que liquidar IVA nas indemnizações por incumprimento do período de fidelização contratual debitadas aos seus clientes no ano de 2012, o montante de imposto a entregar ao Estado não poderia ultrapassar os € 1.473.329,55”.[...]

Não obstante as alegações do contribuinte, vem este acórdão esclarecer que “quando um contrato de compra e venda tiver sido celebrado sem menção do IVA, na hipótese de o fornecedor, segundo o direito nacional, não poder recuperar junto do adquirente o IVA posteriormente exigido pela administração fiscal, considerar que a totalidade do preço, sem dedução do IVA, constitui a base a que o IVA se aplica teria a consequência de o IVA onerar esse fornecedor e colidir, portanto, com o princípio de que o IVA é um imposto sobre o consumo, que deve ser suportado pelo consumidor final. (...) Em contrapartida, isso não sucederia se o fornecedor tivesse, segundo o direito nacional, a possibilidade de adicionar ao preço estipulado um suplemento correspondente ao imposto aplicável à operação e de o recuperar junto do adquirente do bem.”

Assim, é fundamental verificar se os fornecedores do bem / prestadores do serviço, dispõem ou não, por força do direito nacional, da possibilidade de recuperar junto dos adquirentes, além do preço convencionado, o IVA exigido pela administração tributária. (...)

Salienta-se ainda, relativamente à repercussão do imposto, que de acordo com o entendimento plasmado na Informação nº 1233, de 02-03-90, dos Serviços do IVA, “É possível a um sujeito passivo a quem foi liquidado imposto oficiosamente proceder à sua faturação ao destinatário do bem ou do serviço”.

Por outro lado, não deixa de ser contraditório a B... defender a não sujeição ao imposto, destas indemnizações, e simultaneamente defender, quando ataca a quantificação, que o imposto está compreendido no montante cobrado.

Pois a ser assim, estaríamos perante imposto liquidado e não entregue, mas a AT considera que tal não sucedeu. Em síntese defende a B... (i) que as indemnizações em debate não estão sujeitas a IVA, (ii) da inutilidade desta liquidação face aos vários regimes de recuperação de imposto previsto no art. 78º do CIVA e (iii) da indevida quantificação do imposto apurado pela AT, por entender que o IVA já está incluído no montante cobrado.

Face ao exposto pela AT, conclui-se pela não aceitação da pretensão do contribuinte relativamente à quantificação do montante do imposto liquidado.

Considerando tudo o que já foi dito, mantem-se a correção no montante de € 1.812.195,35.»

  1. Em 05-05-2015, a Requerente apresentou junto da Autoridade Tributária e Aduaneira (Serviço de finanças de …), para efeito de suspensão dos processos de execução fiscal, a garantia bancária n.º..., emitida pelo C..., S.A., no montante de € 2.493.091,42.
  2. A Requerente apresentou reclamação graciosa, à qual juntou documentos.
  3. A reclamação graciosa foi tramitada sob o n.º ...2015..., sendo notificado à Requerente o projeto da decisão.
  4. A reclamação graciosa foi expressamente indeferida, por decisão notificada em 27-11-2015, através do ofício n.º..., de 25-11-2015.
  5. Contra esta decisão, a Requerente interpôs em 23-12-2015 recurso hierárquico, o qual não foi objecto de decisão no prazo legal.
  6. Em 20-05-2016 a Requerente apresentou pedido de constituição do presente tribunal arbitral.
  7. A Requerente é uma sociedade anónima, cujo objeto social consiste no estabelecimento, conceção, construção, gestão e exploração de redes e infraestruturas de telecomunicações, bem como na prestação de serviços de telecomunicações e de transporte e difusão de sinal de telecomunicações.
  8. No âmbito da sua atividade, a Requerente celebra com os seus clientes contratos de prestação de serviços de telecomunicações, de acesso à internet, televisão e multimédia.
  9. Em determinados contratos que a Requerente celebra com os seus clientes é estipulada a obrigação de o cliente permanecer vinculado ao contrato durante um período mínimo, sendo oferecidas, nestas situações, condições promocionais, nomeadamente, a fixação de mensalidades de valor mais reduzido.
  10. Aquando da celebração destes contratos, a Requerente proporciona aos seus clientes condições promocionais, conquanto os mesmos assumam o compromisso de permanecer vinculados a tais contratos, durante um "período mínimo de vigência", que poderá ascender, no máximo, a 24 meses.
  11. Na vigência do referido período é usual que a Requerente aufira rendimentos que exceda o valor da mensalidade base, os quais são prestados ao abrigo do mesmo contrato que prevê aquele "período mínimo de vigência".
  12. Este procedimento é comum no setor das telecomunicações em Portugal, sendo praticado pela generalidade dos operadores.
  13. Neste tipo de contratos, o incumprimento, por parte do cliente, das obrigações contratuais a que se encontra adstrito - nomeadamente, o não pagamento das mensalidades devidas no âmbito do contrato - gera, na esfera daquele, a obrigação de pagamento de um determinado valor à Requerente.
  14. Estes contratos incluem cláusulas que preveem a obrigação do cliente proceder ao pagamento de um valor correspondente ao valor da mensalidade multiplicado pelo número de meses que faltarem para completar esse período, em caso de desativação dos serviços, antes do vínculo contratual acordado, por iniciativa da Requerente por causa imputável ao cliente.
  15. A prestação de serviços (de telecomunicações, de acesso à internet, televisão e multimédia), por parte da Requerente, assenta numa complexa infraestrutura cuja montagem e manutenção implica um exigente investimento humano e material, a que acrescem os custos humanos e administrativos associados à angariação de clientes e à ativação dos serviços.
  16. Tendo por base o valor do investimento necessário para a prestação de serviços, a Requerente determina um número (mínimo) de contratos que deverão ser celebrados para que o seu racional de negócio possa ser alcançado.
  17. Nas situações em que se verifica o incumprimento dos contratos por parte dos clientes, a Requerente deixa de receber o retorno inicialmente previsto, o qual foi aferido em função do ressarcimento dos investimentos efetuados.
  18. Nestas situações de incumprimento dos contratos por parte dos clientes, a Requerente ativa a cláusula incluída nos seus contratos.
  19. Em situações de incumprimento por parte do cliente, a Requerente, num primeiro momento, informa o cliente da necessidade da regularização dos valores em dívida e adverte-o que, em caso de não regularização, procederá ao cancelamento dos serviços contratados e ao débito da indemnização decorrente do incumprimento do período de fidelização, conforme previsto nos contratos.
  20. Na sequência desta comunicação, e caso o cliente não regularize os valores em dívida, a Requerente procede ao cancelamento definitivo da prestação de serviços contratada.
  21. Após a verificação do incumprimento e da consequente cessação da prestação de serviços, a Requerente procede ao débito do valor que entende devido nos termos previstos no contrato, correspondente ao "Valor da mensalidade (...) multiplicado pelo número de meses que faltarem para completar esse período".
  22. A generalidade dos clientes da Requerente, perante o risco de débito da quantia em causa, prefere cumprir as condições contratadas, mantendo a vinculação durante o período mínimo de vigência.
  23. Nas situações em que o incumprimento persiste, à Requerente assiste o direito de cobrar a quantia pré-fixada, sem necessidade de recorrer à via judicial para prova e demonstração do direito a tal montante, no que à respectiva quantificação diz respeito.
  24. Nas situações de incumprimento do período mínimo de vigência, a Requerente emite aos seus clientes incumpridores as faturas correspondentes aos valores debitados nos termos referidos, sem liquidação de IVA e com a expressa menção “Não sujeito a IVA”.
  25. Nessas faturas a Requerente menciona sob o título de Detalhe de Faturação tratar-se de “INDEMNIZAÇÃO INCUMPRIMENTO CONTRATUAL – SERVIÇO”.
  26. A generalidade das “indemnizações” debitadas neste âmbito respeita a clientes particulares.
  27. Apenas uma reduzida parte dos valores respeitantes aos valores debitados, nas situações de incumprimento, são objeto de pagamento.
  28. A Requerente, no momento da emissão das correspondentes faturas, regista os valores respectivos na rúbrica contabilística # 282 - Rendimentos a reconhecer, e apenas reconhece estes valores, do ponto de vista contabilístico, como resultados, no momento em que o seu cliente incumpridor efetua o pagamento do valor faturado.
  29. Nas mensalidades pagas pelo cliente durante o período em que os contratos foram cumpridos, a Requerente liquidou IVA, que oportunamente entregou ao Estado.

 

II.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

II.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e testemunhal, e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13 [1], o “relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

            Não se deram como provados ou não provados factos redundantes ou incompatíveis com os factos dados como provados, nem afirmações conclusivas ou de direito formuladas pelas partes.

 

 

III. DO DIREITO

III.1 Da questão a decidir

Está em causa no presente processo saber se, nas situações de incumprimento do período mínimo de vigência dos contratos, as quantias faturadas pela Requerente aos clientes incumpridores a título de “INDEMNIZAÇÃO INCUMPRIMENTO CONTRATUAL – SERVIÇO” são de considerar a contrapartida da prestação de serviços, para efeitos da sujeição a IVA.

III.2 Do enquadramento efetuado pela Requerente

Conforme resulta da matéria de facto provada, com base em cláusulas contratuais, a Requerente faturou quantias aos seus clientes por incumprimento de períodos de fidelização, sendo os montantes correspondentes ao valor da mensalidade multiplicado pelo número de meses que faltar para completar esse período.

A Requerente não liquidou IVA nas faturas que assim emitiu.

Só parcialmente foram cobradas pela Requerente as quantias faturadas.

A Requerente, nas alegações que apresentou, formulou as seguintes conclusões: 

  1. O presente Pedido de Pronuncia Arbitral visa a anulação dos atos de liquidação de IVA nºs 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015...  2015 ..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015... e os atos de liquidação de juros compensatórios nºs 2015... a 2015..., todos referentes ao exercício de 2012;
  2. No que respeita aos atos de liquidação notificados, estes não se mostram fundamentados nos termos legalmente adequados, designadamente porque deles não consta qualquer menção nem para o correspondente Relatório de Inspeção, nem para qualquer outro documento, violando, assim, as normas previstas nos artigos 268.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa e 77.º da Lei Geral Tributária, pelo que se impõe a respetiva anulação;
  3. Por outro lado, não houve notificação, nos termos do artigo 60.º, n.º 1, alínea a), da Lei Geral Tributária, o que, consequentemente, implica a anulação dos atos de liquidação, por preterição de formalidade legal essencial;
  4. No que respeita à apreciação da legalidade dos atos de liquidação contestados, importa atender ao enquadramento, em sede de IVA, aplicável às indemnizações, do qual decorre que as indemnizações não deverão ser objeto de tributação quando tenham um carácter de reparação de perdas e danos;
  5. Ainda com referência ao enquadramento das indemnizações, em IVA, importa referir que um juízo quanto ao preenchimento do conceito de prestação de serviços, na sua aceção residual, também dependerá da verificação do carácter oneroso da operação, da existência de um nexo direto entre o serviço prestado e o contravalor recebido, sendo ainda necessária a ocorrência de um ato de consumo.
  6. Ora, a este respeito, importa ter presente que estes valores têm unicamente uma função de ressarcimento de um prejuízo, real e efetivo, causado à Requerente, nas situações de incumprimento do período de fidelização;
  7. Ficou demonstrado que a atividade da Requerente assenta numa complexa infraestrutura cuja montagem e manutenção implica um exigente investimento humano e material, a que acrescem os custos humanos e administrativos associados à angariação de clientes e à ativação dos serviços. E cuja dimensão é necessariamente calculada em função do seu número de clientes e da expectativa da sua permanência (pelo menos) durante o período de fidelização;
  8. Por este motivo, a Requerente, em determinados contratos de prestação de serviços que celebra com os seus clientes, procede à inclusão de uma cláusula penal, nos termos da qual, em caso de desativação dos serviços, antes do vínculo contratual acordado, a Requerente terá direito a receber uma indemnização;
  9. Com efeito, através das cláusulas constantes dos contratos celebrados com os seus clientes, a Requerente visa, por um lado, promover o cumprimento do contrato e, por outro, em caso de incumprimento, recuperar os danos provocados na sua esfera, associados aos investimentos realizados para a prestação de serviços contratada;
  10. Os valores debitados pela Requerente, ao abrigo da cláusula penal em análise assumem, pois, indubitavelmente – a par da sua função compulsória –, uma natureza marcadamente indemnizatória, de ressarcimento de danos, e como tal, não deverão considerar-se abrangidos pelo campo de incidência deste imposto;
  11. Nos  termos  da  legislação  aplicável,  a obrigação  de indemnização abrange dois tipos de danos: (i) os danos emergentes (“prejuízo causado"), decorrentes da diminuição do património do lesado e (ii) os lucros cessantes (“benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão"), sendo que ambos os referidos tipos legais de dano — ao contrário do que parece pretender a Administração tributária - integram a obrigação de indemnização, nos termos previstos no artigo 564.° do Código Civil;
  12. Contrariamente ao que pretende fazer crer a Administração tributária, no caso ora em apreço, os lucros cessantes afiguram-se, apenas, como um critério de cálculo de uma indemnização de prejuízos, não assumindo qualquer carácter remuneratório;
  13. Assumindo uma função ressacitória, no caso ora em apreço, por ocasião do pagamento da indemnização, não existe qualquer relação sinalagmática ou obrigação recíproca entre a Requerente e o cliente, pelo que não se compreende como pretende a Administração tributária fazer crer que a indemnização configura a contraprestação de uma qualquer operação para efeitos de IVA;
  14. Resultando assim evidente que as indemnizações por incumprimento, debitadas pela Requerente aos seus clientes, pressupõem, como condição prévia e inultrapassável, que as obrigações principais contratualmente estipuladas não terão lugar, isto é, as mensalidades devidas pelo cliente não vão ser pagas, não havendo lugar, em consequência, à prestação de qualquer serviço;
  15. Pelo que não poderá proceder o entendimento da Administração tributária, de acordo com o qual as indemnizações por incumprimento debitadas pela Requerente ao abrigo da cláusula penal constituem, ainda, uma “contrapartida pelas prestações de serviços";
  16. Efetivamente, a contrapartida pelas prestações de serviços previstas no contrato foram, ao invés, as mensalidades e, em particular, o valor relativo ao tráfego das comunicações pagas pelo cliente durante o período em que o mesmo esteve em vigor – isto é, até ao momento  do  incumprimento  e  do  consequente cancelamento dos serviços –  e relativamente  a estas  mensalidades e, bem assim, ao tráfego relativo às comunicações, a Requerente liquidou IVA, que oportunamente entregou ao Estado;
  17. Assim, ao contrário do que parece ser defendido pela Administração   tributária, o débito de indemnização por incumprimento não visa remunerar qualquer serviço, devendo o pagamento de tal montante encontrar-se fora do âmbito de aplicação deste imposto, tanto mais que não existe, no caso ora em apreço, qualquer ato de consumo, imprescindível à sujeição a IVA;
  18. Não aceita, assim, a Requerente, que a Administração tributária, efetuando uma leitura arbitrária do conteúdo do conceito de dano – contrária à posição do TJUE -, exclua do mesmo os designados “lucros cessantes", para, deste modo, querer parecer justificar que tais valores têm um carácter remuneratório e não um carácter ressarcitório;
  19. Por outro lado, importa também referir que apenas uma reduzida parte dos valores respeitantes às indemnizações debitadas, nas situações de incumprimento, são objeto de pagamento;
  20. Cumpre ainda referir que os procedimentos associados ao incumprimento do período de fidelização e, bem assim, os termos e condições para definição do valor das indemnizações fixadas neste âmbito se encontram regulados, por lei e por regras emanadas pela entidade reguladora do sector, a ICP - Autoridade Nacional de Comunicações (“ICP-ANACOM") e ainda, caso dúvidas se suscitassem quanto à adequação das indemnizações em causa, o Supremo Tribunal de Justiça e o Tribunal da Relação de Lisboa já julgaram esta matéria, em concreto, por referência às cláusulas penais aqui em análise;
  21. Atento o exposto, a Administração tributária pecou por não ter conseguido respeitar as normas legais aplicáveis. incluindo as de Direito Europeu, no que concerne à definição do âmbito de incidência do IVA;
  22. Assim, devem os atos de liquidação ora em apreço que constituem o objeto do presente pedido de pronúncia arbitral ser anulados, porque praticados com ofensa das normas e princípios jurídicos aplicáveis (cfr. artigo 163.º, do Código de Procedimento Administrativo);
  23. Caso assim não se entenda no que respeita à não sujeição a IVA dos montantes ora em apreço, e sem conceder, requer-se a anulação parcial dos atos de liquidação, tendo por base o valor das indemnizações efetivamente pagas pelos clientes, devendo o IVA considerado ser incluído no valor já debitado e efetivamente cobrado;
  24. No que respeita aos juros compensatórios, não foram demonstrados os pressupostos de que dependem as correspondentes liquidações, porquanto, a Administração tributária se limitou a exigir, de forma automática, um valor a título de juros compensatórios, ultrapassando as formalidades legais exigidas para a liquidação, e, neste sentido, deve ser determinada a sua anulação;
  25. Por fim, da anulação dos atos de liquidação deverá resultar o pagamento de indemnização à Requerente de forma a ressarcir dos custos incorridos com a garantia prestada, acrescida de juros legais calculados sobre esses custos, e contados desde as datas em que tenham sido incorridos até a data em que seja autorizado o levantamento da garantia.

III.3 Dos vícios de forma

  1. Da falta de fundamentação

Alega a Requerente que “os atos de liquidação notificados, (...) não se mostram fundamentados nos termos legalmente adequados, designadamente porque deles não consta qualquer menção nem para o correspondente Relatório de Inspeção, nem para qualquer outro documento, violando, assim, as normas previstas nos artigos 268.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa e 77.º da Lei Geral Tributária, pelo que se impõe a respetiva anulação”.

Como é sabido, e ambas as partes o reconhecem, a fundamentação é uma exigência dos atos tributários em geral, sendo uma imposição constitucional (268.º da CRP) e legal (art.º 77º da LGT).

            Resumidamente, pode dizer-se que é hoje pacífico na doutrina e na jurisprudência nacionais que a fundamentação exigível tem de reunir as seguintes características:

  1. Oficiosidade: deve partir sempre da iniciativa da administração, não sendo admissíveis fundamentações a pedido;
  2. Contemporaneidade: deve ser coeva da prática do ato, não podendo haver fundamentações diferidas;
  3. Clareza: deve ser compreensível por um destinatário médio, evitando conceitos polissémicos ou profundamente técnicos;
  4. Plenitude: deve conter todos os elementos essenciais e que foram determinantes da decisão tomada. Esta característica desdobra-se em duas exigências, a saber: o dever de justificação (normas legais e factualidade – domínio da legalidade) e de motivação (domínio da discricionariedade ou oportunidade, quando é preciso uma valoração).

Ora, se a fundamentação é, nos termos referidos, necessária e obrigatória, tal não pode nem deve ser entendido de uma forma abstrata e/ou absoluta, ou seja, a fundamentação exigível a um ato tributário, deve ser aquela que funcionalmente é em concreto necessária para que aquele não se apresente perante o contribuinte como uma pura demonstração de arbítrio. Esta será – julga-se – a pedra de toque do cumprimento do dever de fundamentação: quanto, perante um destinatário médio colocado na posição do destinatário real, o ato tributário se apresente, sob um ponto de vista de razoabilidade, como um produto do puro arbítrio da Administração, por não serem discerníveis os motivos de facto e/ou de direito em que assenta, o ato padecerá de falta de fundamentação.

            O artigo 77.º/1 da LGT refere, assim, que: “A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.”.

            Descendo ao caso concreto, verifica-se que os atos de liquidação em questão ocorreram na sequência de procedimento inspetivo e em conformidade com o relatório de inspeção tributária homologado por despacho, relatório esse onde constam os fundamentos das liquidações em causa, que a Requerente, desde a reclamação graciosa, demonstrou compreender, tomando, de maneira fundada, a decisão de não aceitar.

            De resto, a própria Requerente acaba por conceder nisso mesmo – pelo menos de forma implícita – ao sustentar que a remissão para o relatório de inspeção deveria ser explícita.

            Contudo, este entendimento é, desde logo, contrariado pelo Acórdão do STA de 19-05-2004, proferido no processo 0228/03[2], onde se lê que “Não vale como fundamentação a motivação apresentada posteriormente à prática do acto, nem a constante de peças instrutórias anteriores para as quais não tenha sido feita remissão, expressa ou implícita.”, admitindo-se, assim, que a remissão possa ser implícita, ou seja, decorrente do próprio contexto do ato tributário, ou do qual este emerge.

            Neste mesmo sentido, se orienta a jurisprudência do STA que considera que “Apesar da não indicação expressa do preceito legal aplicável, a exigível fundamentação de direito do acto tributário será suficiente com a referência aos princípios jurídicos pertinentes, ao regime legal aplicável ou a um quadro normativo determinado, desde que, em qualquer caso, se possa concluir que aqueles eram conhecidos ou cognoscíveis por um destinatário normal colocado na posição em concreto do real destinatário.”[3], e que “A exigência legal e constitucional de fundamentação do acto tributário, decorrente dos arts. 268º da CRP, 77º da LGT e 125º do CPA, visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a Administração a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa.”[4].

Também o acórdão do TCA-Sul de 06-07-2004, proferido no processo 01317/03, aponta no sentido de que, no que diz respeito à fundamentação, a notificação do acto de liquidação deve ser “devidamente articulada com o relatório da inspecção tributária, em devido tempo dado a conhecer”.

No mesmo sentido, considerou-se no Ac. do TCA-Norte de 14/05-2015, proferido no processo 01198/05.7BEBRG, que:

“a notificação da demonstração da liquidação adicional de IVA serve para levar ao conhecimento do sujeito passivo a decisão da Direcção-Geral de Impostos que, em virtude de correcção adrede efectuada à matéria colectável ou tributável, liquida imposto adicional. Mas não serve para lhe dar conhecimento dessas correcções, que já foram decididas pela entidade competente no âmbito do subprocedimento de inspecção tributária.

Ora, se a decisão do Director-Geral dos Impostos de liquidar determinado imposto não contém a decisão de proceder às correcções à matéria tributável que a precedeu, também não tem que conter a respectiva fundamentação. Essa fundamentação terá que estar contida, de acordo com o artigo 77.º citado, na decisão do próprio (sub)procedimento de inspecção tributária. É o que sucede na situação concreta, conforme se retira da factualidade vertida nos pontos 3 a 8 da decisão da matéria de facto.

Assim sendo, da falta de incorporação da fundamentação que suporta essas correcções na decisão do Director-Geral dos Impostos também não decorre nenhuma violação do dever de fundamentação”.

            Deste modo, entende-se que, considerado o contexto concreto em que foram produzidos os atos de liquidação em questão nos presentes autos, será percetível, para um destinatário médio colocado na posição do destinatário real, que os fundamentos daqueles são os constantes do relatório de inspeção que os precedeu, sendo certo que mais se afigura evidente que a Requerente compreendeu isso mesmo.

            Este, de resto, tem sido o juízo dos nossos tribunais superiores em casos análogos, podendo a esse respeito conferir-se os Acórdãos do STA de 10-09-2014, proferido no processo 01226/13[5], do TCA-Norte de 13-09-2012, proferido no processo 00334/05.8BEBRG[6], e do TCA-Sul de 23-05-2006, proferido no processo 01156/06[7].

            Assim, e deste modo, nada haverá a censurar, na perspetiva do dever de fundamentação, aos atos tributários objeto do presente processo, quer a nível legal quer a nível constitucional, não se mostrando violados qualquer dos normativos indicados pela Requerente.

 

  1. Da violação do direito de participação

Alega, ainda a Requerente que “não houve notificação, nos termos do artigo 60.º, n.º 1, alínea a), da Lei Geral Tributária, o que, consequentemente, implica a anulação dos atos de liquidação, por preterição de formalidade legal essencial”.

            Assenta a Requerente este entendimento, no pressuposto de que o Relatório de inspeção Tributária, anteriormente notificado à Requerente, não visa fundamentar os actos de liquidação ora em apreço (cfr. art.º 40. do pedido de pronuncia arbitral).

            Contudo, e como se viu no ponto prévio, não é esse o caso.

E, como constata dos factos dados como provados, o certo é que a Requerente foi notificada para exercer o seu direito de audiência prévia, o que fez, no âmbito do procedimento inspetivo do qual resultaram as liquidações contra as quais se insurge.

            Deste modo, e tendo em conta o disposto no artigo 60.º/3 da LGT, estava dispensada a audição da Requerente antes da liquidação, pelo que deve, também, este vício se dar por não verificado

 

III. 4 Do fundo da causa

 

Antes de mais, relativamente ao vício de falta de fundamentação substancial cursoriamente alegado pela Requerente no seu Requerimento inicial (art.ºs 85.º e ss), referindo que a mesma não é clara nem congruente, assentando em meros juízos conclusivos, diga-se que, concordando-se ou não, a fundamentação da decisão da AT é de considerar compreensível por um destinatário médio, e contém todos os elementos essenciais e que foram determinantes da decisão tomada, designadamente o entendimento, de resto sancionado pelo acórdão do TJUE em sede de reenvio prejudicial, de que os montantes cobrados pela Requerente após a cessação dos contratos com os seus clientes, durante o “período mínimo de vigência” daqueles e por causas imputáveis a estes, constitui contrapartida da prestação de serviços.

No mais, o referido pedido de decisão prejudicial apresentado por este Tribunal Arbitral, nos termos do artigo 267.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE), deu origem ao Acórdão do TJUE de 22-11-2018, proferido no âmbito do Processo C-295/17.

No dispositivo do acórdão refere-se o seguinte:

  1. O artigo 2.º, n.º 1, alínea c), da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretado no sentido de que se deve considerar que o montante predeterminado, recebido por um operador económico em caso de resolução antecipada do contrato pelo seu cliente, ou por causa que lhe é imputável, de um contrato de prestação de serviços que prevê um período mínimo de vinculação ao contrato, montante esse que corresponde ao montante que esse operador teria recebido no resto do referido período se essa resolução do contrato não se tivesse verificado, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, é a remuneração de uma prestação de serviços efetuada a título oneroso e, como tal, sujeita a esse imposto.
  2. Não são determinantes para a qualificação do montante predeterminado no contrato de prestação de serviços, de que o cliente é devedor em caso de resolução antecipada desse contrato, o facto de o montante fixo ter como finalidade dissuadir os clientes de incumprirem o período mínimo de vinculação ao contrato e ressarcir o prejuízo que o operador sofre com o incumprimento desse período, o facto de a remuneração recebida por um agente comercial pela celebração de contratos que estipulem um período mínimo de vinculação aos mesmos ser superior à prevista no âmbito dos contratos que não estipulam esse período e o facto de o referido montante ser qualificável, no direito nacional, como cláusula penal.

Como resulta do princípio da supremacia do Direito da União sobre o Direito Nacional, previsto no artigo 8.º, n.º 4, da CRP e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do TFUE (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objeto questões de Direito da União Europeia.[8]

Assim, por imperativo constitucional, tem de decidir-se em conformidade com o que decidiu o TJUE a questão da qualificação dos montantes faturados aos clientes por incumprimento de períodos de fidelização como constituindo remuneração de «prestação de serviços» para efeitos da Diretiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006.

Na apreciação efetuada pelo Tribunal há que notar que a Requerente teve intervenção no processo de reenvio prejudicial em que requereu a reabertura da fase oral do processo, defendendo «que as conclusões da advogada-geral, em especial os n.ºs 41, 44, 46 e 47 das mesmas, assentavam em factos errados, atendendo, nomeadamente, ao montante faturado pela A... aos seus clientes em caso de resolução antecipada do contrato de prestação de serviços» (nºs 23 e 24 do Acórdão).

A este propósito, o TJUE, apelando ao artigo 83.º do seu Regulamento de Processo, refere que «pode, a qualquer momento, ouvido o advogado-geral, ordenar a reabertura da fase oral do processo, designadamente se considerar que não está suficientemente esclarecido, ou quando, após o encerramento dessa fase, uma parte invocar um facto novo que possa ter influência determinante na decisão do Tribunal, ou ainda quando o processo deva ser resolvido com base num argumento que não foi debatido entre as partes ou os interessados referidos no artigo 23.º do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia» (n.º 28 do Acórdão).

Entendeu o TJUE que «o cálculo do montante que a A... faturou pela rutura antecipada do contrato de prestação de serviços foi descrito pelo órgão jurisdicional de reenvio, como resulta do n.º 12 do presente acórdão, o que, de resto, a A... não contestou nas suas observações nem na audiência. Além disso há que sublinhar que o apuramento dos factos é da exclusiva competência do órgão jurisdicional de reenvio. Quanto à qualificação desse montante feita pela A..., a mesma não vincula o Tribunal de Justiça no âmbito da sua resposta ao pedido de decisão prejudicial» (n.º 29 do Acórdão).

Assim, o Tribunal indeferiu o pedido da Requerente considerando que «dispõe de todos os elementos necessários para responder às questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio e entende que para efeitos do julgamento da causa no processo principal, foram debatidos no Tribunal de Justiça todos os argumentos, em especial os relativos à qualificação do referido montante» (nºs 30 e 31 do Acórdão).

No tocante à qualificação dos montantes recebidos pela A... na sequência da resolução dos contratos de prestação de serviços pelos seus clientes, antes do termo do período mínimo convencionado de vinculação ao contrato, o TJUE começa por salientar que o CAAD explicou suficientemente e com precisão as circunstâncias de facto que estão na origem do processo principal e o enquadramento jurídico do mesmo.

Nesta medida, de acordo com o TJUE, não há outros factos ou argumentos que possam considerar-se relevantes para a decisão da questão da qualificação do montante faturado, concluindo que, à luz do artigo 2.º, n.º 1, alínea c) da Diretiva IVA, o montante predeterminado recebido por um operador económico em caso de resolução antecipada do contrato pelo seu cliente, ou por causa que lhe é imputável, de um contrato de prestação de serviços que prevê um período mínimo de vinculação ao contrato, é a remuneração de uma prestação de serviços efetuada a título oneroso e, como tal, sujeita a esse imposto. Sendo certo que esse montante predeterminado deve corresponder ao montante que o operador teria recebido no resto do referido período se essa resolução do contrato não se tivesse verificado, o que compete ao órgão jurisdicional nacional verificar.

Com efeito, no seu Acórdão o TJUE entendeu que apreciou toda a situação económica tendo deixado para o órgão de reenvio apenas a verificação sobre se o montante predeterminado (“indemnização”) «corresponde ao montante que esse operador teria recebido no resto do referido período se essa resolução do contrato não se tivesse verificado».

Recorde-se o decidido pelo TJUE:

O artigo 2.º, n.º 1, alínea c), da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretado no sentido de que se deve considerar que o montante predeterminado, recebido por um operador económico em caso de resolução antecipada do contrato pelo seu cliente, ou por causa que lhe é imputável, de um contrato de prestação de serviços que prevê um período mínimo de vinculação ao contrato, montante esse que corresponde ao montante que esse operador teria recebido no resto do referido período se essa resolução do contrato não se tivesse verificado, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, é a remuneração de uma prestação de serviços efetuada a título oneroso e, como tal, sujeita a esse imposto.

À luz do que decidiu o TJUE, cabe ao Tribunal arbitral («órgão jurisdicional de reenvio») verificar se o montante «predeterminado no contrato de prestação de serviços de que o cliente é devedor em caso de resolução antecipada[9]» «corresponde ao montante que esse operador teria recebido no resto do referido período se essa resolução do contrato não se tivesse verificado[10]».

Se se verificar esta correspondência, tal montante deve ser considerado, para efeito do artigo 2.º, n.º 1, alínea c), da Diretiva 2006/112/CE, como «remuneração de uma prestação de serviços efetuada a título oneroso e, como tal, sujeita a esse imposto[11]».

Como decorre do texto do Acórdão, é apenas aquele «montante predeterminado» previsto para as situações de resolução antecipada (que é o que foi faturado e em relação ao qual se equaciona a necessidade de liquidação de IVA no momento da emissão da fatura), que releva para a qualificação em causa e é quanto a esse montante predeterminado que foi faturado que «a resolução antecipada não altera a realidade económica da relação entre a A... e o seu cliente» (ponto 51 do Acórdão).

No seu Requerimento apresentado a 17-01-2019, a Requerente vem referir «o facto de que a realidade económica se altera substancialmente com a cessação do contrato».

E, para o facto, acrescenta a seguinte justificação: «uma vez que na vigência do mesmo é usual que a Requerente aufira rendimentos que excedem o valor da mensalidade base, os quais são prestados ao abrigo do mesmo contrato cuja cessação origina a emissão da fatura de indemnização», facto este que, de resto, se deu como provado (cfr. ponto 18 da matéria de facto provada).

Antes de mais, relativamente a esta matéria, crê-se não ser correta a referência que a Requerente faz, no sentido de que “do elenco dos factos dados como provados, pelo Tribunal Arbitral” no pedido de reenvio, “não consta qualquer referência à coincidência entre o montante cobrado, pelo incumprimento do período de fidelização, e o montante que a Requerente teria recebido no resto do período, se essa resolução do contrato não se tivesse verificado”.

Com efeito, da matéria de facto plasmada no pedido de reenvio consta, para além do mais, o seguinte:

- “Estes contratos incluem cláusulas que preveem a obrigação do cliente proceder ao pagamento de um valor a correspondente ao da mensalidade multiplicado pelo número de meses que faltarem para completar esse o período, em caso de desactivação dos serviços, antes do termo do vínculo contratual acordado, por iniciativa da Requerente por causa imputável ao cliente”;

- “Após a verificação do incumprimento e da consequente cessação da prestação de serviços, a Requerente procede ao débito do valor que entende devido nos termos previstos no contrato, correspondente ao "Valor da mensalidade (...) multiplicado pelo número de meses que faltarem para completar esse período"”.

Mais conta do pedido de reenvio a transcrição do RIT, onde se lê que o valor a pagar pelo cliente nos casos de rescisão antecipada “corresponderá ao valor mensalidade acordada, multiplicada pelo número de meses que estiverem em falta para completar o mencionado período mínimo de vigência.”, sendo que se faz expressa menção no pedido de reenvio que o “relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”, o que é o caso.

Nessa sequência, a questão formulada ao TJUE, que foi devidamente precedida do contraditório das partes, refere expressamente que nos casos de rescisão é contratualmente devido “um valor predeterminado, equivalente ao valor da mensalidade base devida pelo cliente nos termos do contrato, multiplicado pelo número de mensalidades em falta até ao termo do período de fidelização”.

Ora, o alegado pela Requerente, no sentido de que poderia auferir rendimentos que excedessem o valor da mensalidade base, é uma circunstância meramente eventual, ou seja, é possível, e até provável, que se os contratos cessados prosseguissem a sua execução a Requerente auferisse rendimentos que excedessem o valor da mensalidade base contratada.

Como é possível, embora menos provável, que tal não acontecesse, já que os clientes da Requerente não tinham qualquer obrigação contratual que garantisse à Requerente o consumo de serviços adicionais.

Sendo, inclusive, possível, e em cada caso concreto de rescisão, altamente provável, que recebesse efetivamente menos, designadamente nos casos em que não sendo rescindido o contrato, os clientes persistissem no não pagamento dos montantes contratualmente devidos, e a Requerente, como os factos provados dão igualmente conta de ser o mais usual (cfr. ponto 34 da matéria de facto), não lograsse cobrar tais montantes.

Neste contexto, o certo, no momento em que a Requerente procede à rescisão dos contratos, é que, na esfera jurídica da Requerente apenas está consolidado o direito à perceção do valor base das mensalidades previsto no contrato, até ao termo do “período mínimo de vigência” também ali previsto.

É esse o valor que, no momento da rescisão, a Requerente podia ter como certo (e não, meramente, possível ou provável) que receberia até ao final do contrato, e é esse mesmo valor que, por força daquela rescisão, fatura ao cliente inadimplente.

E é justamente, crê-se, esta circunstância que está na base da decisão do TJUE que a este Tribunal arbitral cumpre dar aplicação, ou seja, foi por o TJUE entender que o direito a percecionar o valor a receber pela Requerente, nos casos de rescisão antecipada, estava já consolidado na esfera jurídica da Requerente, previamente àquela rescisão, que concluiu no sentido que concluiu.

De resto, no Acórdão do TJUE pode ler-se:

Ora, no caso vertente, há que recordar que, de acordo com o método de cálculo descrito pelo órgão jurisdicional de reenvio e mencionado no n.º 12 do presente acórdão, o montante devido, por força dos referidos contratos, pelo incumprimento do período mínimo de vinculação ao contrato é constituído pelo montante da mensalidade da assinatura, multiplicado pela diferença entre a duração do período mínimo de vinculação ao contrato e o número de meses em que o serviço foi prestado. Assim, o pagamento do montante devido pelo incumprimento do período mínimo de vinculação ao contrato permite à A... obter, em princípio, os mesmos rendimentos que obteria se o cliente não tivesse resolvido o contrato prematuramente.”.

            Ou seja: o TJUE pronunciou-se expressamente no sentido de que o valor da mensalidade base multiplicado pelos meses em falta para o cumprimento do “período mínimo de vigênca” corresponde aos valores que, em princípio, a Requerente obteria se o contrato não tivesse sido resolvido prematuramente.

            Não sendo, evidentemente, julga-se, a circunstância hipotética, de poderem, ou não, vir a ser auferidos rendimentos superiores, suscetível de alterar aquele juízo de princípio, dado que daí não resulta qualquer direito da Requerente a receber o que quer que seja, por força dos eventuais serviços que, até ao termo do “período de vigência mínima” do contrato, pudesse prestar.

Efetivamente, e como também é claro o TJUE a dizer, “por força dos contratos em causa no processo principal, a A... tem direito a que lhe seja pago, em caso de incumprimento do período mínimo de vinculação ao contrato, um montante idêntico ao que teria recebido a título de remuneração dos serviços que se comprometeu a prestar se o cliente não tivesse resolvido o seu contrato”.

Ou seja: o que está em causa é o direito da Requerente a que lhe sejam pagas determinadas importâncias, e o facto é que tal direito tem um conteúdo económico equivalente no momento antes e após a rescisão, não se alterando dessa forma, nas palavras do TJUE, “a realidade económica da relação entre a A... e o seu cliente”.

Daí que o TJUE tenha feito questão de frisar que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se “a resolução antecipada do contrato pelo cliente ou por um motivo que lhe é imputável não altera a realidade económica da relação entre a A... e o seu cliente”, unicamente “se for caso disso”, o que, pelo exposto, não é.

Assim, para a questão a decidir pelo órgão jurisdicional nacional, não interessa o facto de, caso o contrato se mantivesse, poderem vir a ser prestados serviços adicionais ou mesmo vir a ser prolongado o contrato, pois, segundo o TJUE, o que releva para efeitos de tributação em IVA a título de prestação de serviços, é que o montante predeterminado, que é o que foi faturado, corresponda ao montante que a Requerente contratualmente tinha direito, no momento da rescisão do contrato.

E a verdade é que esse montante predeterminado que foi faturado corresponde exatamente ao montante que era devido, e por isso é que, no entendimento do TJUE, é devido IVA quanto a esse montante.

Esta tributação em IVA, da operação que a AT considerou ser uma prestação de serviços sujeita a imposto (a “indemnização”), e o TJUE confirmou no seu Acórdão, não poderá ser afastada pela hipotética e não juridicamente vinculativa possibilidade de, caso o contrato fosse mantido, existirem mais serviços que não foram predeterminados nem foram faturados, ou haver possibilidade de prolongamento do contrato (hipóteses impossíveis de verificar na sua realização e no seu montante).

Segundo o TJUE a “indemnização” é considerada a contrapartida de uma prestação de serviços[12] e o que releva para a sua tributação em sede de IVA é que o seu montante (o montante predeterminado), que é o que foi faturado, corresponda ao montante a que a Requerente tinha direito, no momento da rescisão do contrato.

E como ficou demonstrado, esse montante predeterminado (a “indemnização”), que foi faturado, corresponde ao valor a que a Requerente tinha, nos termos do contrato, direito, como contrapartida, na perspetiva do TJUE, dos serviços que se obrigou a prestar ao cliente, e por isso, haverá tributação em IVA quanto a esse montante (a aludida “indemnização”). O montante devido pelo incumprimento do período mínimo de vinculação (ou fidelidade) ao contrato faz, na perspetiva do TJUE, parte integrante do preço total pago pela prestação de serviços, dividido em mensalidades, preço esse que se torna imediatamente exigível em caso de incumprimento da obrigação de pagamento[13]. E que, como se referiu, era esse o montante a que a Requerente tinha direito, no momento em que rescindiu cada contrato.

Como resulta da matéria de facto fixada, os montantes faturados a título de «Indemnização Incumprimento Contratual - Serviço», relativamente aos contratos em que os clientes da Requerente não cumpriram o período mínimo de permanência a que se tinham vinculado, foi predeterminado e calculado com base numa cláusula contratual, correspondendo ao montante a que a Requerente tinha direito por força do referido período mínimo de permanência acordado com o cliente: “(período mínimo de vigência - n.º de meses em que os serviços estiveram ativos) x (valor da mensalidade acordada)”.

De facto, os contratos incluem cláusulas que preveem a obrigação do cliente proceder ao pagamento de uma indemnização correspondente ao valor da mensalidade multiplicado pelo número de meses que faltarem para completar esse período, em caso de desativação dos serviços, antes do vínculo contratual acordado, por iniciativa da Requerente por causa imputável ao cliente (cf. Documento 4, junto com o pedido de pronúncia arbitral – Cláusula 16.3 das “Condições Gerais”).

Desta forma, após a verificação do incumprimento e da consequente cessação da prestação de serviços, a Requerente procede ao débito do valor a que entende ter direito nos termos previstos no contrato, correspondente ao "Valor da mensalidade contratada do tarifário selecionado pelo Cliente multiplicado pelo número de meses que faltarem para completar o citado período" (Cláusula 16.3 das “Condições Gerais”).

Conclui-se, assim, em obediência aoAcórdão do TJUE que:

  • Os montantes faturados foram predeterminados nos contratos de prestação de serviços;
  • Os montantes foram recebidos pela Requerente em casos de resolução antecipada do contrato pelos seus clientes, ou por causas a estes imputáveis, de contratos de prestação de serviços que previam período mínimo de vinculação ao contrato;
  • Os montantes recebidos correspondem aos montantes a que a Requerente tinha direito por força dos referidos períodos mínimos de vinculação previstos no contrato, no momento da resolução.

No que se refere aos argumentos suscitados pela Requerente (cf. pontos 162 a 190 do pedido), para defender a não existência de uma operação para efeitos de IVA (a denominada “indemnização”), designadamente por considerar que não existe uma relação sinalagmática que envolva o  montante devido à Requerente pelos seus clientes, a título de “indemnização”, o TJUE rejeita esses argumentos mediante a apreciação efetuada que consta dos pontos do Acórdão que a seguir se transcrevem (destaques a negro acrescentados):

[39] «uma prestação de serviços só é efetuada “a título oneroso”, na aceção» do artigo 2.º, n.º 1, alínea c), da Diretiva IVA, «se existir entre o prestador e o beneficiário uma relação jurídica durante a qual são transacionadas prestações recíprocas, constituindo a retribuição recebida pelo prestador a contraprestação efetiva de um serviço individualizável prestado ao beneficiário (v., neste sentido, Acórdãos de 18 de julho de 2007, Société thermale d’Eugénie-les-Bains, C-277/05, EU:C:2007:440, n.º 19 e jurisprudência referida, e de 23 de dezembro de 2015, Air France-KLM e Hop !Brit-Air, C-250/14 e C-289/14, EU:C:2015:841, n.º 22)». «Tal verifica-se caso exista um nexo direto entre o serviço prestado e a contraprestação recebida (v., neste sentido, Acórdão de 23 de dezembro de 2015, Air FranceKLM e Hop !BritAir, C250/14 e C289/14, EU:C:2015:841, n.º 23 e jurisprudência referida);

[40] No tocante ao nexo direto entre o serviço prestado ao beneficiário e à efetiva contraprestação recebida, o Tribunal de Justiça já decidiu, quanto à venda de bilhetes de avião que os passageiros não utilizaram e cujo reembolso não conseguiram obter, que a contraprestação do preço pago na assinatura de um contrato de prestação de serviços é constituída pelo direito que o cliente dele extrai de beneficiar do cumprimento das obrigações decorrentes do contrato, independentemente de o cliente exercer esse direito. Assim, o prestador de serviços efetua essa prestação quando coloca o cliente em condições de beneficiar da mesma, pelo que a existência do supramencionado nexo direto não é afetada pelo facto de o cliente não fazer uso do referido direito (v., neste sentido, Acórdão de 23 de dezembro de 2015, Air France-KLM e Hop !Brit-Air, C-250/14 e C-289/14, EU:C:2015:841, n.º 28);

[40] «Assim, o prestador de serviços efetua essa prestação quando coloca o cliente em condições de beneficiar da mesma, pelo que a existência do supramencionado nexo direto não é afetada pelo facto de o cliente não fazer uso do referido direito»(v., neste sentido, Acórdão de 23 de dezembro de 2015, Air France-KLM e Hop !Brit-Air, C-250/14 e C-289/14, EU:C:2015:841, n.º 28);

[41] «De resto, e quanto ao requisito do nexo direto entre a contraprestação recebida e o serviço prestado, há que determinar se o montante devido pela inobservância do período mínimo de vinculação ao contrato, conforme estipulado nos contratos em causa no processo principal, corresponde à remuneração de um serviço, atendendo à jurisprudência referida nos nºs 39 e 40 do presente acórdão»;

[42] «Ora, no caso vertente, há que recordar que, de acordo com o método de cálculo descrito pelo órgão jurisdicional de reenvio e mencionado no n.º 12 do presente acórdão, o montante devido, por força dos referidos contratos, pelo incumprimento do período mínimo de vinculação ao contrato é constituído pelo montante da mensalidade da assinatura, multiplicado pela diferença entre a duração do período mínimo de vinculação ao contrato e o número de meses em que o serviço foi prestado. Assim, o pagamento do montante devido pelo incumprimento do período mínimo de vinculação ao contrato permite à A... obter, em princípio, os mesmos rendimentos que obteria se o cliente não tivesse resolvido o contrato prematuramente»;

[43] «No que respeita ao valor das estipulações contratuais no contexto da qualificação de uma operação de tributável, note-se que a tomada em conta da realidade económica e comercial constitui um critério fundamental para a aplicação do sistema comum do IVA (v., neste sentido, Acórdão de 20 de junho de 2013, Newey, C-653/11, EU:C:2013:409, n.º 42 e jurisprudência referida)»;

[44] «Ora, uma vez que, por força dos contratos em causa no processo principal, a A... tem direito a que lhe seja pago, em caso de incumprimento do período mínimo de vinculação ao contrato, um montante idêntico ao que teria recebido a título de remuneração dos serviços que se comprometeu a prestar se o cliente não tivesse resolvido o seu contrato, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se for caso disso, a resolução antecipada do contrato pelo cliente ou por um motivo que lhe é imputável não altera a realidade económica da relação entre a A... e o seu cliente»;

[45] «Nestas condições, há que considerar que a contraprestação do montante pago pelo cliente à A... é constituída pelo direito do cliente a beneficiar do cumprimento, por essa operadora, das obrigações decorrentes do contrato de prestação de serviços, ainda que o cliente não queira ou não possa exercer esse direito por um motivo que lhe é imputável. Com efeito, no caso vertente, a A... coloca o cliente em condições de beneficiar dessa prestação, na aceção da jurisprudência»;

[46] «Acresce, a este respeito, que se o referido montante fosse qualificado de indemnização para ressarcimento do dano sofrido pela A..., a natureza da contraprestação paga pelo cliente seria alterada consoante esse cliente decidisse utilizar ou não o serviço em causa durante o período previsto no contrato»;

[47] «Assim, o cliente que beneficiou das prestações de serviços durante todo o período mínimo de vinculação ao contrato nele estipulado e aquele que cessou o contrato antes do termo desse período seriam tratados diferentemente em sede de IVA»;

[48] «Consequentemente, há que considerar que o montante devido por incumprimento do período mínimo de vinculação ao contrato remunera as prestações efetuadas pela A..., quer o cliente exerça quer não o direito de beneficiar dos referidos serviços até ao termo do período mínimo de vinculação ao contrato»;

[49] «Quanto à exigência de que os pagamentos constituam a contraprestação efetiva de um serviço individualizável, há que sublinhar que o serviço a prestar e o montante faturado ao cliente em caso de resolução do contrato durante o período mínimo de vinculação àquele são determinados logo na celebração do contrato»;

[50] «Assim, deve-se considerar que o montante devido pelo incumprimento do período mínimo de vinculação ao contrato faz parte integrante do preço total pago pela prestação de serviços, dividido em mensalidades, preço esse que se torna imediatamente exigível em caso de incumprimento da obrigação de pagamento».

Assim, e como se referiu, de acordo com o TJUE, a atividade concreta e individualizada consubstanciada no direito proporcionado ao cliente de beneficiar do serviço que é prestado tem como contrapartida a globalidade das prestações de pagamento mensal a cargo do cliente que estão previstas no contrato, quer sejam pagas mês a mês ao longo do período de fidelização, quer devidas antecipadamente por resolução do contrato antes do final do período de fidelização.

Deste modo, não afasta a existência de uma atividade concreta e individualizada o facto alegado pela Requerente de a faturação e pagamento (quando é efetuado) ocorrerem «após a resolução ou, se se preferir, cessação do contrato» e visar «única e exclusivamente a cobertura de danos ou prejuízos causados em virtude do incumprimento do período de fidelização e cessação antecipada do contrato por parte desse antigo cliente».

Na verdade, de acordo com o TJUE, é a atividade anterior à resolução do contrato que está a ser remunerada ao abrigo da cláusula que prevê o dever de pagamento no caso de incumprimento do período de fidelização.

Pelo exposto, em sintonia com o decidido pelo TJUE, deve considerar-se que os referidos montantes recebidos a título de indemnização por incumprimento dos contratos constituem a contraprestação de uma prestação de serviços para efeitos de IVA: «é a remuneração de uma prestação de serviços efetuada a título oneroso e, como tal, sujeita a esse imposto» (parágrafo 57).

Sendo assim, como defende a Autoridade Tributária e Aduaneira nos artigos 201.º a 204.º da sua Resposta, o IVA era exigível à Requerente, se não antes, nos momentos em que foram emitidas as faturas relativas aos montantes designados como «Indemnização Incumprimento Contratual», nos termos dos artigos 8.º, n.º 1, do CIVA, sendo o valor tributável o da contraprestação obtida ou a obter do destinatário, como resulta do artigo 16.º, n.º 1, do CIVA.

Na verdade, por força do disposto no artigo 37.º, n.º 1, do CIVA, «a importância do imposto liquidado deve ser adicionada ao valor da fatura, para efeitos da sua exigência aos adquirentes dos bens ou destinatários dos serviços».

A possibilidade de regularização, que se coloca após a emissão das faturas, não tem qualquer relevância para efeitos desta obrigação de liquidação de IVA nas faturas emitidas.

Em face do decidido pelo TJUE e do dever de acatamento da sua jurisprudência, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas pela Requerente sobre a qualificação como «remuneração de prestação de serviços» dos montantes faturados por incumprimento de períodos de fidelização, que estão subjacentes às liquidações impugnadas.

Improcede, assim o pedido principal formulado pela Requerente, de anulação da decisão do recurso hierárquico e das liquidações impugnadas.

 

III.5 Irrelevância do Direito Nacional para a resolução da questão da qualificação dos montantes em causa como «prestação de serviços»

Resulta do texto do referido acórdão do TJUE que deve entender-se que:

– «segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, os termos de uma disposição do direito da União que não comporte uma remissão expressa para o direito dos Estados-Membros devem normalmente ser objeto de interpretação autónoma e uniforme (v., neste sentido, Acórdão de 16 de novembro de 2017, Kozuba Premium Selection, C308/16, EU:C:2017:869, n.º 38 e jurisprudência referida)» (parágrafo 67);

– «é indiferente, para efeitos da interpretação das disposições da Diretiva IVA, que esse montante constitua, no direito nacional, uma indemnização por responsabilidade civil extracontratual ou uma penalidade contratual, ou ainda que seja qualificado de reparação, indemnização ou remuneração» (parágrafo 68);

– «saber se o pagamento de uma remuneração tem lugar como contraprestação de uma prestação de serviços é uma questão de direito da União que deve ser decidida independentemente da apreciação efetuada no direito nacional» (parágrafo 69);

não é determinante «para a qualificação do montante predeterminado no contrato de prestação de serviços (...) o facto de o referido montante ser qualificável, no direito nacional, como cláusula penal» (parágrafo 70).

Assim, é irrelevante para a decisão da questão em apreço o tratamento que lhe tem sido dado pela jurisprudência e doutrina nacional à face da lei portuguesa, designadamente se lhe atribui a natureza de indemnização ou considera estar-se perante uma cláusula penal.

 

III.6 Irrelevância da finalidade visada com a previsão de um montante a pagar nos casos de resolução antecipada do contrato

O acórdão referido é também explícito no sentido da irrelevância da finalidade visada para a resolução da questão da qualificação, designadamente a dissuasão de clientes e ressarcimento do prejuízo que o operador suporte com a resolução antecipada:

– «não são determinantes para a qualificação do montante predeterminado no contrato de prestação de serviços, de que o cliente é devedor em caso de resolução antecipada desse contrato, o facto de o montante fixo ter como finalidade dissuadir os clientes de incumprirem o período mínimo de vinculação ao contrato e ressarcir o prejuízo que o operador sofre com o incumprimento desse período (...)» (parágrafo 70).

Por isso, não tem relevo para a decisão da causa saber qual é a finalidade ou natureza das quantias pagas por incumprimento de fidelização, designadamente o facto alegado pela Requerente de que «a resolução antecipada do contrato implica para a Requerente um prejuízo decorrente da perda do investimento efetuado, sendo precisamente para compensar este dano que é contratualizado o pagamento da indemnização».

 

III.7. Pedidos subsidiários

            a.

A Requerente pede «a título subsidiário, caso não seja dado provimento ao pedido anteriormente apresentado, deverá ainda assim, haver lugar à anulação da decisão de indeferimento do recurso hierárquico e das liquidações de IVA e juros compensatórios, respeitantes ao período de 2013 melhor identificadas supra, na parte correspondente ao montante das indemnizações que foram faturadas pela Requerente e que nunca chegaram a ser efetivamente pagas pelos seus (antigos) clientes ou, em alternativa, assegurar-se à Requerente o recurso eficaz ao mecanismo da regularização do imposto que se considere incidir sobre as indemnizações faturadas e não pagas».

O facto de parte dos montantes que foram faturados não serem pagos não é suscetível de gerar a ilegalidade das liquidações, pois é uma eventualidade posterior ao momento em que devia ter sido liquidado o imposto, que deve ser incluído nas faturas (artigo 37.º, n.º 1, do CIVA) e é exigível a partir desse momento (artigo 8.º, n.º 1, do mesmo Código).

Por isso, o não pagamento não é fundamento de anulação parcial das liquidações, mas apenas pode viabilizar a regularização, nos termos do artigo 78.º ou dos artigos 78.º-A a 78.º-D do CIVA ( [14] ) e do artigo 90.º da Diretiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006.

No entanto, é um facto que o TJUE entendeu, no parágrafo 56 do acórdão referido «acrescentar, para todos os efeitos úteis e como a advogadageral salientou no n.º 55 das suas conclusões, que, se for necessário, caberá às autoridades nacionais competentes proceder, nas condições fixadas pelo direito nacional, à correção do IVA em conformidade, tal como previsto no artigo 90.º da Diretiva IVA, para que o IVA seja deduzido do montante que o prestador de serviços efetivamente recebeu do seu cliente».

No referido n.º 55 das conclusões da Advogada-Geral, para que remete o acórdão do TJUE, refere-se que «a dívida tributária da empresa deve necessariamente ser corrigida, nos termos do disposto no artigo 90.° da Diretiva IVA, se se apurar, com segurança suficiente, que o seu cocontratante já não efetuará qualquer pagamento».

Assim, no entendimento do TJUE, que confirma que o facto de parte dos montantes que foram faturados não serem pagos não é suscetível de gerar a ilegalidade das liquidações a não anulação parcial pretendida pela Requerente, na medida em que aponta no sentido de as liquidações deverem ser “corrigidas”, e não anuladas, os montantes faturados, mas não pagos pelos clientes, tem de ser entendidos como não prejudicando o dever de as autoridades nacionais competentes procederem «nas condições fixadas pelo direito nacional, à correção do IVA em conformidade, tal como previsto no artigo 90.º da Diretiva IVA, para que o IVA seja deduzido do montante que o prestador de serviços efetivamente recebeu do seu cliente».

É de notar, porém, que ao referir-se às «autoridades nacionais competentes», o TJUE não está a aludir ao Tribunal Arbitral (que na terminologia do acórdão é designado como «órgão jurisdicional de reenvio»), mas sim às autoridades tributárias competentes para a regularização do IVA prevista no artigo 90.º da Diretiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006. ( [15] )

Por outro lado, à face da regulamentação prevista nos referidos artigos 78.º e 78.º-A a 78.º-D do CIVA, a regularização depende do preenchimento de pressupostos que cabe ao sujeito passivo demonstrar, pelo que também por este motivo está afastada a possibilidade de este Tribunal Arbitral restringir a anulação aos montantes faturados que foram pagos.

No entanto, no entendimento do TJUE, o afastamento da anulação quanto ao IVA correspondente aos montantes faturados não pagos é indissociável de caber «às autoridades nacionais competentes proceder, nas condições fixadas pelo direito nacional, à correção do IVA em conformidade, tal como previsto no artigo 90.º da Diretiva IVA, para que o IVA seja deduzido do montante que o prestador de serviços efetivamente recebeu do seu cliente», pelo que a decisão de não anulação das liquidações terá de ser acompanhada da mesma estatuição.

Neste contexto, é de notar que, embora o direito nacional preveja limitações aos poderes de cognição dos tribunais num meio contencioso de anulação (como é o processo arbitral, meio alternativo ao processo de impugnação judicial), em face da supremacia do Direito da União e da jurisdição do TJUE na sua interpretação, que resulta dos citados artigo 8.º n.º 4, da CRP e do artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, a decisão de improcedência do pedido de anulação parcial terá de ficar sujeita à mesma estatuição, nos precisos termos em que ela foi definida.

Os princípios da neutralidade do IVA e da tutela judicial efetiva (artigos 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da CRP) ficam satisfeitos com a garantia da possibilidade de regularização, que o acórdão do TJUE impõe que seja assegurada, com a consequente possibilidade de a Requerente pedir ao tribunal competente as providências que entender adequadas, no caso de ela não lhe ser assegurada.

Note-se, a este propósito, que embora, como nota a Requerente, “a situação ora em apreço não configura uma situação susceptível de ser enquadrada formalmente no art.º 78.º do CIVA”, o certo é que o art.º 78.º/1, sob a epígrafe “Regularizações”, prevê, expressamente situações em que “o valor tributável de uma operação ou o respectivo imposto venham a sofrer rectificação por qualquer motivo”, sendo que por força do dever de interpretação das normas nacionais em conformidade com o direito da união, e em concreto com o art.º 90.º da Diretiva, tal como interpretado pelo TJUE, para além do mais, no acórdão proferido no presente processo, se deverá considerar que a presente situação se enquadra no regime do art.º 78.º do CIVA nacional.

De resto, a própria Requerente acaba por concordar que a correção em questão “deveria já ter sido promovida oficiosamente pela Administração tributária, atento o teor do Acórdão proferido pelo TJUE”, o que se não tiver ocorrido até à fase de execução do presente acórdão arbitral, poderá, se necessário, ser efetivado pelos meios próprios de execução de julgados.

Neste termos, em sintonia com o que decidiu o TJUE sobre os montantes faturados que não foram pagos, improcede o pedido subsidiário, «cabendo às autoridades nacionais competentes proceder, nas condições fixadas pelo direito nacional, à correção do IVA em conformidade, tal como previsto no artigo 90.º da Diretiva IVA, para que o IVA seja deduzido do montante que o prestador de serviços efetivamente recebeu do seu cliente».

b.

A Requerente peticiona, também a título subsidiário, a anulação parcial dos referidos atos de liquidação, tendo por base o valor das indemnizações efetivamente pagas pelos clientes, devendo o IVA considerado ser incluído no valor já debitado e efetivamente cobrado.

 Defende a Requerente que o montante de imposto a entregar ao Estado, com referência ao ano de 2012, deveria considerar-se incluído no valor já debitado e cobrado aos seus clientes.

Invoca a Requerente em abono da sua posição o acórdão do TJUE “Corina Hrisi Tulica”, de 7 de Novembro de 2013, proferido nos processos apensos C-249/10 e C-250/12, em que se entendeu que «a Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, nomeadamente os seus artigos 73.º e 78.º, deve ser interpretada no sentido de que, quando o preço de um bem tenha sido determinado pelas partes sem menção do imposto sobre o valor acrescentado e o fornecedor do referido bem seja o devedor do imposto sobre o valor acrescentado devido sobre a operação tributada, e caso o fornecedor não tenha a possibilidade de recuperar junto do adquirente o imposto sobre o valor acrescentado reclamado pela administração fiscal, se deve considerar que o preço convencionado já inclui o imposto sobre o valor acrescentado».

Como resulta dos termos em que a Requerente coloca a questão ela reporta-se às quantias cobradas (portanto, a momento posterior à liquidação, que deveria ser efetuada no momento da emissão das faturas) e do próprio teor deste acórdão do TJUE, a quantificação em causa tem como pressuposto que «o fornecedor não tenha a possibilidade de recuperar junto do adquirente o imposto sobre o valor acrescentado reclamado pela administração fiscal».

Não se tratando de vício referente às liquidações impugnadas, por o seu fundamento ser posterior à emissão, não se justifica a anulação parcial das liquidações com este fundamento, sem prejuízo de, na sequência de eventual demonstração da impossibilidade de recuperação a questão poder ser colocada, matéria que não cabe a este Tribunal Arbitral apreciar no presente processo.

 

III.8. Da ilegalidade da liquidação de juros compensatórios

Alega também a Requerente que, no que respeita aos juros compensatórios, não foram demonstrados os pressupostos de que dependem as correspondentes liquidações, porquanto, a Administração tributária se limitou a exigir, de forma automática, um valor a título de juros compensatórios, ultrapassando as formalidades legais exigidas para a liquidação, e, neste sentido, deve ser determinada a sua anulação.

A este propósito, tem entendido o STA que “A fundamentação de uma liquidação de juros compensatórios deve dar a conhecer, no plano factual, o montante do imposto sobre o qual incidem os juros, a taxa ou taxas aplicáveis e o período da sua contagem.[16].

Não obstante, tal não prejudica o entendimento, que se tem igualmente por pacífico, que “Os juros compensatórios funcionam como uma cláusula penal pelo retardamento da liquidação do imposto, imputável ao contribuinte[17].

            Naturalmente que, sendo assim, e em obediência ao disposto no art.º 35.º/1 da LGT, que diz que “São devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária.”, não pode prescindir, o reconhecimento do direito da AT a juros compensatórios, da verificação em concreto da imputabilidade, a título de culpa, ainda que negligente, do retardamento total ou parcial da liquidação do imposto devido.

            No caso, como a Requerente afirma, não se poderá ter por censurável o comportamento da mesma, ao não liquidar o imposto em questão na presente ação arbitral.

            Com efeito, como se escreveu no Acórdão do TCA-Sul de 11-10-2011, proferido no processo 04163/10, “Não são devidos juros compensatórios quando o retardamento da liquidação se ficou a dever, por exemplo, a compreensível divergência de critérios entre a AF e o contribuinte quanto ao enquadramento e/ou qualificação de determinada situação tributária”.

            Ora, é isso que se passa in casu. A posição da Requerente ao abrigo da qual não liquidou imposto, se bem que desconforme ao direito aplicável, conforme atrás se expôs, não deixa de se ser uma posição fundada em sólidos argumentos de facto e de direito, sustentada em considerável e reputada doutrina e em leituras plausíveis quer da lei, nacional e comunitária, quer da jurisprudência que sobre a mesma se formou, em termos de, para este Tribunal decidir cabalmente a questão, ter havido necessidade de recorrer aos esclarecimentos do TJUE.

            Deste modo, não se poderão ter por verificados os pressupostos do supra-referido art.º 35.º/1 da LGT, designadamente no que diz respeito à imputabilidade à Requerente, a título de culpa, ainda que negligente, do retardamento total ou parcial da liquidação do imposto devido.

            Face ao exposto, deverá proceder nesta parte o pedido arbitral.

 

III.9. Indemnização por garantia indevida

A Requerente peticiona, por fim, o reconhecimento do direito a indemnização por custos sofridos com a garantia prestada.

A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais tributários restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito, conforme resulta expressamente da alínea b) do artigo 24.º do RJAT.

No mesmo preceito “o legislador deixou claro que os efeitos aí previstos são “sem prejuízo dos demais efeitos previstos no Código do Procedimento e do Processo Tributário”. Considera-se a este propósito que o legislador aqui se está a referir a todos os efeitos que decorram do CPPT, para o sujeito passivo, e que são aplicáveis após a consolidação na ordem jurídica de uma determinada situação jurídico-fiscal, decorrente de uma decisão definitiva seja ela graciosa ou judicial.[18]

Não obstante o processo de impugnação judicial ser essencialmente um processo de mera anulação, pode assim nele ser proferida condenação da Administração Tributária no pagamento de indemnização por garantia indevida, conforme resulta do artigo 171.º do CPPT.

Como se referiu na decisão proferida no Processo n.º 28/2013-T[19] “é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação. O pedido de constituição do tribunal arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido art. 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.”

Conclui-se, assim, que este Tribunal é competente para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevidamente prestada.

O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:

“1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida.

2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode      ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efetuou.”

No caso em apreço, é manifesto que o erro de que padecem os atos de liquidação de juros compensatórios, supra declarado, é imputável à AT pois as liquidações foram da sua iniciativa e a Requerente em nada contribuiu para que tal erro fosse praticado.

Tem, por isso, a Requerente direito a indemnização pela garantia prestada, com referência ao valor cuja anulação foi determinada e não se encontra ainda pago.

No entanto, não foram alegados nem provados os encargos que a Requerente suportou para prestar a garantia, pelo que é inviável fixar aqui a indemnização a que aquela tem direito, o que só poderá ser efetuado em execução desta decisão.

 

IV. DECISÃO

Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

  1. Julgar improcedente o pedido principal de anulação total das liquidações e da decisão do recurso hierárquico que as manteve;
  2. Julgar improcedente o pedido subsidiário de anulação parcial das liquidações e da decisão do recurso hierárquico «na parte correspondente ao montante das indemnizações que foram faturadas pela Requerente e que nunca chegaram a ser efetivamente pagas pelos seus (antigos) clientes», mas declarar, em consonância com o decidido pelo TJUE, que cabe à Autoridade Tributária e Aduaneira «proceder, nas condições fixadas pelo direito nacional, à correção do IVA em conformidade, tal como previsto no artigo 90.º da Diretiva IVA, para que o IVA seja deduzido do montante que o prestador de serviços efetivamente recebeu do seu cliente», se necessário, em execução do presente julgado;
  3. Julgar improcedente o pedido subsidiário de anulação parcial das liquidações e da decisão do recurso hierárquico, na medida em que não têm por base o valor das indemnizações efetivamente pagas pelos clientes, devendo o IVA considerado ser incluído no valor já debitado e efetivamente cobrado;
  4. Julgar procedente o pedido de anulação das liquidações de juros compensatórios;
  5. Julgar parcialmente procedente o pedido indemnização por garantia indevida, relativamente ao valor das liquidações de juros compensatórios anuladas, e que foi objeto da garantia prestada.

 

V. Valor do processo

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º -A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de 1.964.154,82.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 19 de fevereiro de 2019

 

O Árbitro Presidente

 

 

(José Pedro Carvalho)

 

 

 

A Árbitro Vogal

 

 

(Clotilde Celorico Palma – com declaração de voto)

 

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

(Emanuel Vidal Lima)

 


Voto de Vencida

 

A signatária apresenta o seu voto de vencida no que se reporta às conclusões constantes das alíneas a) e e) do dispositivo final do Acórdão, com base nos seguintes fundamentos de facto e de direito.

  1. Delimitação e pressupostos de tributação da matéria de facto em análise

 

Importa em especial no caso em apreço, analisar se os pagamentos das quantias em apreço por denúncia antecipada ora em causa podem ser qualificados como uma “contraprestação” relativa a uma prestação de serviços efectuada pela A... aos seus clientes. Isto é, se existe ou não na situação em causa um acto de consumo para que a operação possa, como tal, ser objecto de tributação em IVA.

Na situação em causa, os montantes implicam o pagamento de quantias estipuladas tendo por referência os valores das mensalidades em falta dentro do período de fidelização, facto propício a induzir a confusões no tocante à delimitação de uma indemnização não tributável para efeitos de IVA.

Ora, interessa a priori ter presente que, como se prevê e deu como facto provado pelo Tribunal Arbitral aquando do reenvio e o TJUE menciona na sua decisão, “em caso de desativação dos produtos e serviços nele previstos antes do termo do período mínimo convencionado de vinculação ao contrato, a pedido dos clientes ou por um motivo que lhes seja imputável, a A... tem direito a uma indemnização correspondente ao montante da mensalidade acordada multiplicado pela diferença entre a duração do período mínimo de vinculação prevista no contrato e o número de meses em que o serviço foi prestado.”

Por outro lado, importa em especial salientar que, como se deu igualmente por provado e o TJUE referiu, “na sequência da rutura antecipada, pelo cliente, do contrato de prestação de serviços, a A... desativa os serviços previstos nesse contrato e remete ao cliente uma fatura com o montante da indemnização previamente determinada no contrato…[20].

Interessa, assim, analisar aprofundadamente a situação em apreço, mormente atendendo aos factos em causa.

 

  1. O TJUE e o reenvio prejudicial – Considerações prévias

 

Neste contexto, há que ter em consideração desde logo qual o papel do TJUE numa situação de reenvio prejudicial

A este respeito, importa recordar, por um lado, que cabe ao juiz nacional definir o quadro regulamentar e factual do litígio que lhe foi submetido (v., neste sentido, Acórdão de 21 de Setembro de 2016, Caso Radgen, Proc. C478/15, n.os27, 32).

Mas interessa em particular ter em consideração as RECOMENDAÇÕES à atenção dos órgãos jurisdicionais nacionais, relativas à apresentação de processos prejudiciais[21].

Vejamos então as partes relevantes.

Conforme se elucida, “

1.

O reenvio prejudicial é um mecanismo fundamental do direito da União Europeia, que tem por finalidade fornecer aos órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros o meio de assegurar uma interpretação e uma aplicação uniformes deste direito em toda a União.

 

(…)

7.

Como referido anteriormente, o papel do Tribunal no âmbito de um processo prejudicial consiste em interpretar o direito da União ou pronunciar-se sobre a sua validade, e não em aplicar este direito à situação de facto subjacente ao processo principal. Esse papel incumbe ao juiz nacional e, por isso, não compete ao Tribunal pronunciar-se sobre questões de facto suscitadas no âmbito do litígio no processo principal nem sobre eventuais divergências de opinião quanto à interpretação ou à aplicação das regras de direito nacional.

 

8.

Quando se pronuncia sobre a interpretação ou a validade do direito da União, o Tribunal esforça-se ainda por dar uma resposta útil para a solução do litígio no processo principal, mas é ao órgão jurisdicional de reenvio que cabe tirar as consequências concretas dessa resposta, eventualmente afastando a aplicação da regra nacional em questão.”[22]

 

  1. Enquadramento no Direito Civil

 

  1. Conceito civilístico de indemnização

 

Embora, como o TJUE referiu, não seja determinante o enquadramento da situação em causa para efeitos do direito nacional, é um elemento relevante a ter em consideração.

Na sua acepção civilística, o conceito de indemnização encontra-se ligado à necessidade de reparação de um determinado prejuízo. Uma indemnização consubstancia a reparação de um prejuízo, em virtude do incumprimento ou do deficiente cumprimento de uma obrigação, da violação de um direito absoluto ou de uma norma que proteja interesses privados. A indemnização pode ainda ser definida como uma obrigação cujo conteúdo redunda no dever de praticar uma actividade destinada a fazer desaparecer um dano[23].

O Código Civil prevê que o dever de indemnizar poderá resultar quer da violação de deveres contratuais, quer de situações decorrentes de responsabilidade extracontratual, sendo certo que ambos os tipos de responsabilidade configuram modalidades daquela que é uma das mais relevantes fonte de obrigações – a responsabilidade civil.

Genericamente, poder-se-á entender por responsabilidade civil: (i) o conjunto de factos que dão origem à obrigação de indemnizar os danos sofridos por outrem [24]  ou, (ii) a obrigação de uma pessoa reparar um dano sofrido a uma outra pessoa, obrigação essa que decorre da própria lei (por contraposição às obrigações que decorrem da vontade das partes), na qual a entidade responsável é devedor e o lesado credor[25] , ou (iii) a situação em que se encontra alguém que, tendo praticado um acto ilícito, é obrigado a indemnizar o lesado dos prejuízos que lhe causou[26].

A responsabilidade contratual resulta de uma infracção de uma obrigação em sentido técnico, em virtude da qual uma pessoa está obrigada a determinada prestação perante outra[27]. Pressupõe, como a própria designação indica, a violação de obrigações estipuladas em contratos ou em negócios jurídicos unilaterais.

As normas aplicáveis à responsabilidade civil contratual encontram-se previstas nos artigos 798.º e seguintes do Código Civil.

Por sua vez, a responsabilidade extracontratual decorre da infracção de um dever geral, na maior parte dos casos correspondendo a direitos absolutos e consequentes deveres universais de abstenção para a comunidade, nos casos em que tal violação origina danos a outrem.

Trata-se, de um modo geral, de uma responsabilidade por actos ilícitos, embora a lei civil compreenda ainda a responsabilidade por actos lícitos e pelo risco.

Quer no caso da responsabilidade contratual quer no da extracontratual, relativamente à obrigação de indemnizar, aplica-se o disposto nos artigos 562.º e ss. do Código Civil.

Entre as modalidades das obrigações, a obrigação de indemnização apresenta-se como uma figura autónoma[28], prevendo-se o princípio geral consagrado no aludido normativo, de acordo com o qual “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”.

A obrigação de indemnizar pode derivar de várias situações, tais como:

(i) incumprimento definitivo (cfr. artigo 798.º do Código Civil);                

(ii) mora (cfr. artigo 804.º, n.º 1, do Código Civil);

(iii) cumprimento defeituoso (cfr. artigos 799.º, 898.º, 899.º, 908.º, 909.º, 913.º e seguintes e 1218.º e seguintes do Código Civil);

(iv) impossibilidade da prestação por causa imputável ao devedor (cfr. artigo 801.º, n.º 1, do Código Civil);

(v) facto ilícito culposo extracontratual (cfr. artigo 483.º do Código Civil);

(vi) expropriação por utilidade pública ou particular (cfr. artigo 310.º do Código Civil);

(vii) obrigação contratualmente assumida de reparar um dano.

Em qualquer dos casos, o denominador comum da obrigação de indemnização é a remoção ou reparação de um dano ou prejuízo sofrido por outrem.

Isto é, importa sublinhar que o conceito de indemnização assume inequivocamente em termos civilísticos um carácter reparatório.

Uma das diversas classificações dos danos distingue-os entre danos emergentes e lucros cessantes. Os primeiros compreendem a perda ou diminuição de valores já existentes no património do lesado, ao passo que os lucros cessantes se reportam aos benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, isto é, ao acréscimo patrimonial frustrado. O n.º 1 do artigo 564.º do Código Civil, aplicável ao cálculo da indemnização, determina que o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado como igualmente os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão. Neste sentido, o lucro cessante pressupõe que o lesado tinha, no momento da lesão, um direito ao ganho que se frustrou ou, por outras palavras, a titularidade de uma situação jurídica que, mantendo-se, lhe daria direito a esse ganho[29].

Do Código Civil decorre, ainda, a distinção entre danos presentes e futuros, sendo certo que o n.º 2 do referido artigo 564.º determina que “na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior”. Os danos futuros, por contraposição aos danos presentes, não se encontram verificados no momento em que são considerados, designadamente à data da fixação da indemnização. Os danos futuros são indemnizáveis desde que se verifique a previsibilidade dos mesmos, podendo classificar-se como certos ou eventuais, consoante a respectiva produção se apresente como infalível ou apenas possível.

 

  1.  Caracterização do contrato e cláusula de permanência mínima

 

O contrato de prestação de serviços de telecomunicações celebrado entre a A... e os seus clientes configura-se como um contrato de execução continuada ou duradoura. Estes contratos, como não têm habitualmente um prazo de duração fixado, permitem, em regra, a sua denúncia a todo o tempo[30]. Ora, de forma a evitar essa situação, é normal estipular-se em tais contratos um período mínimo de vigência, habitualmente denominado período de fidelização, que no caso concreto importa sublinhar que é, igualmente, a contrapartida pelo acesso a melhores condições contratuais em termos de tarifário ou descontos no equipamento. O período mínimo de permanência consubstancia-se, em geral, numa cláusula aposta num contrato de execução duradoura que determina a obrigação de as partes manterem o contrato inalterado por um certo período de tempo, não o podendo denunciar até ao termo desse período[31]. Consequentemente, o período de fidelização gera uma obrigação de permanência no contrato, através de uma proibição da sua denúncia, que corresponde, desta forma, a uma obrigação contratual assumida pelas partes. Essa obrigação contratual poderia ser tutelada de várias formas: ou considerando a denúncia ineficaz antes do fim do período de fidelização, com a consequência de se manter plenamente vigente o contrato, ou estipulando uma indemnização para a hipótese de incumprimento do período de fidelização, situação que ocorre nos contratos em apreço.

Isto é, neste caso, a cláusula de fidelização é associada a uma cláusula penal, a qual se encontra prevista no artigo 810.° do Código  Civil, disposição esta  que  prescreve que "as partes podem, porém, fixar por acordo o montante da indemnização exigível: é o que se chama cláusula penal.”[32]

Em conformidade com as soluções acolhidas no Direito Comparado, distinguem-se dois tipos de cláusulas penais: uma que se destina a estabelecer uma penalização por incumprimento, visando incentivar o devedor a cumprir (a denominada “penalty clause”), outra que visa unicamente liquidar antecipadamente os danos exigíveis em caso de incumprimento (a denominada “liquidated damages clause”).

A diferença essencial entre as duas é que a primeira pretende estabelecer uma efectiva penalidade para o comportamento do devedor, que pode não ter relação com o montante dos danos sofridos pelo credor.

A cláusula de fidelização prevista nos contratos celebrados pela A..., como nota o Professor Luís Menezes Leitão no seu Parecer anexo, corresponde a uma cláusula penal na versão da liquidated damages clause, estipulando assim uma fixação antecipada da indemnização correspondente aos danos a ressarcir, conforme o previsto no artigo 810.º do Código Civil.

Neste tipo de contratos celebrados com operadoras de telecomunicações, bem como, por exemplo, nos contratos celebrados com ginásios ou com operadores do sector energético, é habitual existir esta modalidade de cláusulas que obrigam a uma permanência mínima de forma a poder compensar as entidades dos custos que suportam.

Como notam Conceição Gamito, Frederico Antas e Joana Branco Pires, “…estes períodos de fidelização, contratualmente estabelecidos pelos operadores de comunicações electrónicas, pelos operadores do sector energético ou mesmo pelas empresas que exploram ginásios, justificam-se (i) pelos avultados investimentos iniciais que os operadores têm de realizar para proporcionar aos seus clientes os melhores e mais sofisticados produtos e serviços a preços acessíveis, atractivos e competitivos; (ii) pelos custos de angariação de clientes e de activação dos serviços;(iii) pela oferta de condições contratuais mais vantajosas aos seus clientes, designadamente campanhas promocionais, descontos ou outros benefícios.”[33]

Relativamente aos operadores de comunicações electrónicas, a possibilidade de cobrar um determinado montante a título indemnizatório ou compensatório pela resolução do contrato durante o período de fidelização está especificamente prevista na Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro (LCE) e no Decreto-Lei n.º 56/2010, de 1 de Junho.

Em caso de resolução do contrato antes do termo do período de fidelização, verifica-se um incumprimento contratual por violação do período de fidelização, cuja admissibilidade está prevista quer nas regras gerais do Direito Civil, quer na Lei das Comunicações Electrónicas, entretanto objecto de diversas alterações.

Note-se que, até às alterações introduzidas com a Lei 15/2016, de 17 de Junho, o legislador não definiu limites concretos, nem requisitos específicos, no tocante à delimitação da cláusula penal indemnizatória, incumbindo, pois, às partes, como corolário do princípio da liberdade contratual, fixar os montantes devidos em caso de incumprimento. No artigo 48.º, n.º 5, da Lei das Comunicações Electrónicas, apenas se proibia que tais montantes fossem desproporcionais ou excessivamente onerosos e desincentivadores da mudança de prestador de serviço por parte do assinante.

Conforme o previsto na LCE, sem prejuízo da legislação aplicável à defesa do consumidor, a oferta de redes de comunicações públicas ou serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público é objecto de contrato que deve obrigatoriamente especificar diversos aspectos.

Como se determina no respectivo artigo 48.º, “2. A informação relativa à duração dos contratos, incluindo as condições da sua renovação e cessação, deve ser clara, perceptível, disponibilizada em suporte duradouro e incluir as seguintes indicações:
a) Eventual período de fidelização, cuja existência depende da atribuição de qualquer vantagem ao consumidor, identificada e quantificada, associada à subsidiação de equipamentos terminais, à instalação e ativação do serviço ou a outras condições promocionais;
b)(…);
c) Eventuais encargos decorrentes da cessação antecipada do contrato durante o período de fidelização, por iniciativa do assinante, nomeadamente em consequência da recuperação de custos associados à subsidiação de equipamentos terminais, à instalação e ativação do serviço ou a outras condições promocionais
.”
Note-se que a Autoridade Reguladora Nacional (ARN) pode solicitar às empresas, nos termos do artigo 108.º, que demonstrem o valor conferido à vantagem justificativa do período de fidelização.

Importa em especial denotar que a Lei 15/2016 introduziu os n.ºs 11 e 12 ao artigo 48.º da LCE, que determinam o seguinte:

11 - Durante o período de fidelização, os encargos para o assinante, decorrentes da resolução do contrato por sua iniciativa, não podem ultrapassar os custos que o fornecedor teve com a instalação da operação, sendo proibida a cobrança de qualquer contrapartida a título indemnizatório ou compensatório.
12 - Os encargos pela cessação antecipada do contrato com período de fidelização, por iniciativa do assinante, devem ser proporcionais à vantagem que lhe foi conferida e como tal identificada e quantificada no contrato celebrado, não podendo em consequência corresponder automaticamente à soma do valor das prestações vincendas à data da cessação
.”

 
Isto é, a partir da introdução destes dois números à LCE, torna-se absolutamente claro, se dúvidas houvesse, que os montantes pagos por rescisão antecipada do contrato durante o período de fidelização correspondem a um intuito meramente ressarcitório dos custos que o operador teve com a instalação da operação e não a uma contraprestação de quaisquer serviços, pelo que se proíbe a cobrança de qualquer outra quantia a título de indemnização ou compensação, estipulando-se que devem ser proporcionais à vantagem conferida.

Importa assim ter presente que, quer antes da referida alteração quer após tal alteração, estão em causa situações relacionadas com a compensação de danos.

Assim, somos de entendimento que estamos sempre – quer antes quer após a alteração da norma - perante uma compensação pelas condições especiais atribuídas ao cliente, uma verdadeira cláusula penal e não face a uma qualquer contraprestação de uma prestação de serviços inexistindo um acto de consumo que atribua à operação natureza tributável em IVA, como iremos compreender mais facilmente da análise da jurisprudência neste contexto. Por outro lado, importa ter presente que a Decisão do TJUE a propósito do reenvio, não pode ser tida como uma solução para o caso, apenas se limitando a tentar fornecer uma solução devolvendo aos Tribunais nacionais, como é de direito, tal tarefa.

Como vimos, o TJUE, no seu Acórdão de 22 de Novembro de 2018, no Proc. C- 295/17, veio concluir que “Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara: 1) O artigo 2.°, n.° 1, alínea c), da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretado no sentido de que se deve considerar que o montante predeterminado, recebido por um operador económico em caso de resolução antecipada do contrato pelo seu cliente, ou por causa que lhe é imputável, de um contrato de prestação de serviços que prevê um período mínimo de vinculação ao contrato, montante esse que corresponde ao montante que esse operador teria recebido no resto do referido período se essa resolução do contrato não se tivesse verificado, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, é a remuneração de uma prestação de serviços efetuada a título oneroso e, como tal, sujeita a esse imposto.

2) Não são determinantes para a qualificação do montante predeterminado no contrato de prestação de serviços, de que o cliente é devedor em caso de resolução antecipada desse contrato, o facto de o montante fixo ter como finalidade dissuadir os clientes de incumprirem o período mínimo de vinculação ao contrato e ressarcir o prejuízo que o operador sofre com o incumprimento desse período, o facto de a remuneração recebida por um agente comercial pela celebração de contratos que estipulem um período mínimo de vinculação aos mesmos ser superior à prevista no âmbito dos contratos que não estipulam esse período e o facto de o referido montante ser qualificável, no direito nacional, como cláusula penal.[34]

Uma leitura precipitada das conclusões vindas de citar levaria a concluir pela existência no caso concreto de uma prestação de serviços tributável em IVA, mas não é isso que se verifica, importando analisar aprofundadamente e com rigor a matéria factual em causa bem como proceder a uma análise igualmente aprofundada e rigorosa da jurisprudência do TJUE, nomeadamente do Caso KLM invocado pelo TJUE como decisivo neste contexto.

Estamos, em nosso entendimento, perante uma mera compensação não tributável em IVA, não existe qualquer acto de consumo, pelo que concordamos inteiramente com os Pareceres dos Professores Doutores Luís Menezes Leitão e Joachim Englisch, consultor da Comissão Europeia para a Reforma do IVA. Senão vejamos encetando então a tarefa de que o TJUE nos incumbiu como instância de decisão nacional que dispõe na sua plenitude dos factos. Vamos subsumir tais factos ao direito, tal como é interpretado pela jurisprudência do TJUE sobre a matéria.

 

4. As operações tributáveis em IVA

O IVA, dadas as suas características de imposto geral sobre o consumo definidas a nível da União Europeia, incide, tendencialmente, sobre todo o acto de consumo, incidindo em todas as fases do circuito económico, apenas no valor acrescentado gerado em cada uma.

As suas regras de incidência pressupõem, regra geral, o exercício de uma actividade económica enquanto tal, na qualidade de sujeito passivo.

Em conformidade com a Directiva IVA, este imposto abrange duas categorias essenciais de factos susceptíveis de tributação: as “entregas de bens” e as “prestações de serviços”.

Estas operações estão sujeitas a IVA quando forem efectuadas no território de um país por quem exerça de modo independente actividades de produção, de comercialização ou de prestação de serviços e desempenhem profissões liberais ou equiparadas.

A incidência do IVA é assim definida, quanto às transacções internas, pela prática de “operações tributáveis”, que são as “entregas de bens” e as “prestações de serviços”, por sujeitos passivos agindo como tais. Só a conjunção dos elementos objectivo e subjectivo da incidência qualifica estas operações como tributáveis.

O Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA), na esteira da então Sexta Directiva, recortou o conceito de actividade económica, distinguindo, para o efeito, actividades de produção, comércio ou prestações de serviços, incluindo as actividades extractivas, agrícolas e as das profissões livres (alínea a) do n.º 1 do respectivo artigo 2.º). Por outro lado, considera como sujeitos passivos do imposto todos aqueles que, de um modo independente e com carácter de habitualidade, prossigam essas actividades, bem como os que, do mesmo modo independente, pratiquem uma só operação tributável, desde que essa operação seja conexa com o exercício das referidas actividades, onde quer que este ocorra, ou quando, independentemente dessa conexão, tal operação preencha os pressupostos de incidência real de IRS e de IRC.

Como operações tributáveis em sede deste imposto encontramos as transmissões de bens, as prestações de serviços, as importações e as operações intracomunitárias. À excepção das prestações de serviços, todas as operações tributáveis se encontram definidas positivamente.

Conforme nota Xavier de Basto[35], de acordo com a Sexta Directiva, “Uma atribuição patrimonial, qualquer que seja, terá, em princípio, subjacente uma prestação de serviço, se não for contrapartida de uma entrega de bens, mesmo que tal prestação de serviços haja de qualificar-se (como faz a administração francesa) de inominada (inomée), por ser desconhecido ou de difícil identificação o seu conteúdo. Há que, todavia, ter o cuidado de não levar longe demais o significado e as implicações da renúncia da directiva em definir, de modo positivo, as prestações de serviços e em identificar o seu conteúdo. Parece ser necessário que, de qualquer modo, exista um serviço. Uma atribuição patrimonial feita por um sujeito passivo não pode ser considerada, sem mais, como contrapartida de um serviço.”

Isto é, é importante reter desde logo que para que se esteja perante uma prestação de serviços para efeitos de IVA é necessário que haja efectivamente a prestação de um serviço subjacente que, nomeadamente, represente o exercício de uma actividade económica, isto é, que haja efectivamente um acto de consumo. Caso contrário, será inaceitável a tributação de uma operação em sede deste imposto, invocando-se a natureza negativa do conceito de prestação de serviços.

De acordo com a interpretação do Tribunal de Justiça da União Europeia e em conformidade com as características básicas deste tributo, o conceito de actividade económica para efeitos de IVA é, antes de mais, um conceito amplo e tal facto deverá reflectir-se na interpretação dos elementos que o compõem.

Ou seja, deverá aferir-se casuisticamente se existe ou não um acto de consumo, uma operação com substância económica que possamos tributar a título de prestação de serviços.

 

4.1. As prestações de serviços

O conceito de prestação de serviços para efeitos de IVA é definido de forma residual no artigo 24.º, n.º1, da Directiva IVA.

Em conformidade com o disposto no artigo 4.º, n.º 1, do CIVA, são qualificadas como prestações de serviços todas as operações realizadas a título oneroso que não se qualificam como transmissões, aquisições intracomunitárias ou importações de bens.

Quando se refere que as prestações de serviços, para efeitos de IVA, decorrem de um conceito residual de operações tributáveis, isso significa apenas que a lei (comunitária ou nacional) não pode assentar numa tipicidade fechada, devendo abdicar de uma técnica de enumeração. Não significa que tenha abandonado qualquer preocupação de juridicidade na construção do conceito, mormente prescindindo de verificar se as operações que caem sob a alçada do conceito fiscal de “prestação de serviços” respondem ou não a certas características estruturais deste conceito.

Isto é, é importante reter que, para que se esteja perante uma prestação de serviços para efeitos de IVA, é necessário que haja efectivamente a prestação de um serviço subjacente que, nomeadamente, represente o exercício de uma actividade económica. Caso contrário, será inaceitável a tributação de uma operação em sede deste imposto invocando-se a natureza negativa do conceito de prestação de serviços.

Em suma, a operação em causa tem que ter substância económica para que possamos tributá-la em IVA. Temos que estar perante o exercício de uma actividade económica.

Há que verificar se as operações em análise respondem ou não a características de natureza jurídica, genéricas ou específicas, que permitem delimitar com maior precisão os contornos do conceito de prestação de serviços como operação sob a qual o IVA incide.

São genéricas as que são comuns às restantes operações tributárias internas. São específicas as que apenas dizem respeito às prestações de serviços.

Quanto às características específicas, uma prestação de serviços é sempre, do ponto de vista jurídico, um contrato bilateral e, em princípio, para efeitos de IVA, oneroso. Significa isto que, como iremos verificar, tal como preconiza o TJUE, para que se possa falar de uma prestação de serviços a título oneroso (e, como tal, tributável) deve “existir entre o prestador e o beneficiário uma relação jurídica durante a qual são transaccionadas prestações recíprocas, constituindo a retribuição recebida pelo prestador o contravalor efectivo do serviço fornecido ao beneficiário”. Ou, noutra formulação, significa que esta noção há-de pressupor “a existência de um nexo directo entre o serviço prestado e o contravalor recebido”.

Decorre daqui que não existe prestação de serviços tributável em IVA se não existir bilateralidade ou sinalagma (prestação e contraprestação) ou se houver mera correspectividade indirecta.

Ou, de novo, como diz o TJUE, como iremos ver mais adiante, não estão preenchidas as condições de uma prestação de serviços efectuada a título oneroso, se não existir “contrapartida que tenha valor subjectivo e nexo directo com o serviço prestado”.

Isto é, deve salientar-se em especial que, um juízo quanto ao preenchimento do conceito de prestação de serviços, nesta acepção residual, e, bem assim, quanto à incidência de imposto, dependerá também da verificação do carácter oneroso da operação e da existência de um nexo directo entre o serviço prestado e o contravalor recebido.

Os referidos aspectos – carácter oneroso e nexo directo entre o serviço prestado e o contravalor recebido – assumem um papel determinante na análise da natureza deste imposto, conforme tem vindo a ser referido pela jurisprudência do TJUE, e na definição dos limites do carácter residual do conceito de prestação de serviços para efeitos de IVA, designadamente no que diz respeito ao enquadramento aplicável às indemnizações.

Como referimos, segundo jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, uma prestação de serviços tributável só é efectuada a título oneroso se existir entre o prestador de um serviço individualizável e o respectivo beneficiário, uma relação jurídica no âmbito da qual sejam transaccionadas prestações recíprocas, constituindo a retribuição recebida pelo prestador a contraprestação efectiva do serviço prestado ao beneficiário no contexto desta relação jurídica[36]. Em primeiro lugar, é necessário que o sujeito passivo pratique um acto específico - ou se abstenha de praticar um acto ou tolere um acto (artigo 25.º, alínea b), da Directiva IVA) - que possa ser qualificado a título de serviço prestado em benefício de um destinatário individualizável. Em segundo lugar, o serviço prestado deve relacionar-se directamente com a obrigação de pagamento. O pagamento a efectuar deve reflectir o valor que as partes atribuíram a um serviço prestado pelo sujeito passivo.

No que se reporta ao primeiro requisito, importa interpretar o conceito de “fornecimento” de “um serviço” à luz do objectivo e dos princípios que subjazem ao sistema comum do IVA na UE. Como o TJUE tem vindo a salientar, uma transacção não se configura como uma prestação de serviços tributável em IVA se não proporciona qualquer benefício a um consumidor identificável (ou a outro sujeito passivo na cadeia comercial. A existência de uma relação recíproca entre pagamento e prestação que permita classificar o pagamento como “contraprestação” por um serviço só se verifica se existir uma remuneração e o respectivo montante se basear no valor do benefício consumível proporcionado pelo sujeito passivo a um destinatário identificável.

Nestes termos, no caso em apreço importa em especial apurar se o pagamento das quantias por denúncia antecipada é efectuado em troca de um benefício distinto consumível que a A... se comprometeu a disponibilizar aos assinantes. Se assim se viesse a concluir, estaríamos perante uma prestação de serviços tributável em IVA. Caso contrário, se o pagamento consubstanciar meramente uma penalização destinada a compensar uma perda financeira decorrente da resolução prematura do contrato com o assinante, precisamente porque a A... já não irá prestar nenhum serviço ao assinante como contraprestação, não existe uma prestação de serviços tributável em sede deste imposto[37]. Ora é esta precisamente a situação que se verifica no caso concreto. Com efeito, conforme se constata no Processo, assim que existe incumprimento do período de fidelização cessa a prestação de qualquer serviços por parte da A... não se podendo falar na existência de uma acto de consumo quer para efeitos correntes quer muito menos para efeitos deste tributo.

Vejamos com maior detalhe os aspectos vindos de enunciar.

Relativamente ao conceito de contraprestação, de acordo com a jurisprudência do TJUE, referimos que este conceito se encontra em estreita conexão com o carácter oneroso das operações sujeitas a imposto.

Para este efeito, dever-se-ão considerar como contraprestações todos os benefícios susceptíveis de avaliação pecuniária e de apreciação subjectiva.

Para que haja tributação em sede de IVA, deverá existir uma contraprestação que se assuma como a remuneração de um serviço que haja sido prestado[38]. A referida contraprestação, imprescindível à sujeição a este imposto, deverá integrar-se numa relação jurídica da qual decorrem prestações recíprocas[39].

A existência das referidas prestações recíprocas corresponde também à necessidade de prossecução de uma actividade económica, sendo certo que esta não se basta com a existência de qualquer transacção que envolva “movimentação de valores”, implicando também, para este efeito de determinação da contraprestação, que as partes envolvidas tenham consciência ou tenham acordado o que cada uma espera da outra.

Vejamos, então, qual o alcance dos referidos conceitos de onerosidade e nexo directo.

 

4.2. Onerosidade e contraprestações recíprocas

Sem prejuízo da existência de regras que determinam a equiparação de determinadas operações gratuitas a operações tributadas, o carácter oneroso é parte integrante dos pressupostos de incidência deste imposto.

No que tange ao alcance do referido conceito de onerosidade, existem relevantes decisões do TJUE.

No Caso Apple and Pear Development Council[40], estava em análise uma situação de uma organização que tinha por missão fazer publicidade, acções de promoção e melhorar a qualidade das maçãs e peras produzidas em Inglaterra e no País de Gales.

Neste âmbito, o TJUE considerou que as contribuições obrigatórias impostas aos produtores não constituíam, neste caso, qualquer contraprestação, na medida em que não tinham qualquer nexo directo com as vantagens auferidas pelos produtores individuais. Tal conclusão – de ausência de nexo directo entre o contravalor recebido e o serviço prestado –, foi sustentada no entendimento de acordo com o qual os produtores individuais de maçãs e de peras apenas beneficiavam de vantagens na medida em que as retiravam indirectamente das que eram atribuídas, de modo geral, ao conjunto do sector.

Ou seja, desta decisão decorre a necessidade de existência de uma (qualquer) relação entre as vantagens decorrentes dos (alegados) serviços prestados e os montantes pagos[41].

Já no Caso Kennemer Golf & Country Club, o TJUE entendeu que as quotizações anuais pagas por membros de uma associação desportiva são susceptíveis de constituir a contrapartida pelos serviços que esta presta, mesmo quando os membros não utilizam regularmente as instalações da associação, tendo concluído pela existência de um nexo directo entre as quotizações e os serviços prestados.

Este entendimento assentou no facto de, nesse caso, as prestações da associação serem constituídas pela disponibilização aos membros das instalações desportivas e das vantagens a elas inerentes (com carácter permanente), e não por prestações pontuais efectuadas a pedido destes.

Relativamente ao que se deve entender por existência do já referido nexo directo entre a contraprestação e o serviço, outras decisões do TJUE assumiram um papel relevante.

A este propósito, no Caso Tolsma, o TJUE debruça-se sobre a questão de saber se uma actividade que consiste na interpretação de música na via pública poderá considerar-se uma prestação de serviços efectuada a título oneroso, quando não se exige qualquer remuneração, recebendo-se, contudo, uma contribuição[42].

Entendeu o TJUE, neste âmbito, que só deverá haver uma prestação de serviços tributável se existir um nexo directo entre o serviço prestado e a contrapartida recebida. Refere assim o TJUE que uma prestação de serviços só deverá considerar-se efectuada a título oneroso, se existir entre o prestador e o beneficiário uma relação jurídica durante a qual são transaccionadas prestações recíprocas, constituindo a retribuição recebida pelo prestador o contravalor efectivo do serviço fornecido ao beneficiário.

O TJUE considerou, neste caso, que o facto de um músico tocar em público, com vista a obter dinheiro, e de receber efectivamente certas quantias nesta ocasião, é irrelevante para qualificar a actividade em causa como uma prestação de serviços efectuada a título oneroso.

Resulta também desta decisão a necessidade – para que se conclua pela existência de uma actividade económica – das partes terem consciência das contraprestações recíprocas a que se encontram obrigadas.

Como salientou o TJUE no Caso FCE Bank[43], resulta da jurisprudência comunitária que uma prestação de serviços só é tributável se existir entre o prestador e o beneficiário uma relação jurídica em cuja vigência são trocadas prestações e contraprestações, recordando a denominada “jurisprudência das prestações recíprocas[44]. Em conformidade com a jurisprudência das prestações recíprocas, como temos vindo a salientar, uma operação só é tributável se houver um nexo directo entre o serviço prestado e o contravalor recebido, um sinalagma individualizável, isto é, se houver uma relação jurídica determinável entre prestador e beneficiário.

Resulta também da jurisprudência do TJUE que um juízo de delimitação negativa de incidência de IVA exige ainda uma análise que concluía pela existência, ou não, de um acto de consumo. Neste âmbito, o TJUE já teve oportunidade de se pronunciar em situações de pagamentos de quantias tendo em vista abandonar a produção de alimentos, tendo concluído que tais compromissos não trouxeram à Comunidade, nem às autoridades nacionais, benefícios susceptíveis de permitir considerá-los consumidores de um serviço, concluindo que não existiu nestes casos qualquer prestação de serviços, na acepção do artigo 6.º, n.º 1, da então Sexta Directiva.

Nestes casos, não obstante reconhecer a existência de um nexo directo entre o montante recebido e a obrigação assumida pelo produtor, afastou a sujeição a imposto, tendo por base o entendimento de acordo com o qual não existiu qualquer acto de consumo.

Ora, há indemnizações que, apesar de à primeira vista parecerem susceptíveis de serem enquadradas no conceito residual de prestação de serviços, não poderão consubstanciar qualquer operação tributável, nomeadamente uma prestação de serviços, quando não se constate a existência de um nexo directo entre um serviço prestado e o contravalor recebido, tal como sucede na situação controvertida, não existindo qualquer acto de consumo.

 

  1. Valor tributável das operações

 

O valor tributável das operações é o valor sobre o qual vai incidir o imposto, tendo regras especiais para efeitos do IVA.

Regra geral, nos termos do artigo 16.º, n.º 1, do CIVA, o valor tributável será o valor da contraprestação obtida ou a obter pelo alienante ou pelo prestador de serviços. Neste montante deverão ser incluídos e excluídos determinados valores, nos termos do disposto nos n.ºs 5 e 6 da citada disposição legal, pelo que o valor tributável e o preço poderão não coincidir.

Assim, são incluídos no valor tributável:

  • Os impostos, direitos e taxas, com exclusão do IVA;
  • As despesas acessórias (comissões, embalagens, transporte, seguros, publicidade, etc.);
  • As subvenções ou subsídios, directamente relacionados com o preço de cada operação;

Por outro lado, são excluídos do valor tributável:

  • Os juros pelo pagamento diferido do preço;
  • As indemnizações declaradas judicialmente, por incumprimento total ou parcial de obrigações;
  • Os descontos, bónus e abatimentos;
  • As quantias pagas em nome e por conta do adquirente, registadas pelo contribuinte em contas de terceiros apropriados;
  • As embalagens que não forem objecto de transacção.

Em conformidade com o entendimento do TJUE, a contraprestação deverá ser real e efectiva, susceptível de avaliação pecuniária e de apreciação subjectiva, devendo incluir-se todos os benefícios obtidos de uma forma directa, independentemente de terem natureza monetária ou consistirem numa transmissão de bens ou numa prestação de serviços[45].

 

  1. Tratamento das indemnizações em sede de IVA

Como vimos, tipicamente, as indemnizações pretendem ressarcir prejuízos sofridos a um lesado assumindo uma natureza reparatória, razão pela qual o pagamento de tais montantes se encontra, regra geral, fora do âmbito de incidência deste imposto.

A questão da tributação em IVA do pagamento de quantias a título de indemnização é complexa e dá azo a várias incertezas.

Desde logo, o termo indemnização é comummente utilizado fora do seu sentido estritamente jurídico, prestando-se a alguns equívocos, pelo que, para efeitos de um correcto enquadramento em sede de IVA desta matéria, importará distinguir se o pagamento de uma quantia a título de indemnização tem subjacente uma transmissão de bens ou uma prestação de serviços que seja remunerada através de uma contrapartida e, nessa medida, consubstancie uma operação sujeita a este imposto existindo um acto de consumo, ou se tais entregas consubstanciam meras compensações reparatórias, aproximando-se assim do seu sentido jurídico, sendo, como no caso vertente, quantias pagas a título de cláusula penal que, enquanto tal, não devem ser objecto de tributação.

Como vimos, o IVA pretende tributar operações onerosas, isto é, aquelas em que ambas as partes se encontram sujeitas a contraprestações recíprocas, facto que não se verifica no caso concreto.

Vimos que, de acordo com o previsto na alínea c) do n.º6 do artigo 16.º do CIVA, são excluídas do valor tributável das operações aquelas indemnizações que forem declaradas judicialmente, por incumprimento total ou parcial de obrigações, dado não terem uma relação directa com a prestação. Quais é que serão, então, as indemnizações tributáveis em sede de IVA?

Cumpre a este propósito notar que é apenas em sede de determinação do valor tributável que o Código do IVA faz a única referência expressa às indemnizações.

Por sua vez, importa sobremaneira notar que a Directiva IVA não contém qualquer norma equivalente ao disposto na referida alínea a) do n.º 6 do artigo 16.º do Código do IVA, que exclua do valor tributável as indemnizações declaradas judicialmente[46].

Importa desde logo salientar que não pode proceder-se a uma interpretação demasiado estrita desta norma, dela se extraindo que apenas as indemnizações em que houve reconhecimento judicial expresso não deverão ser sujeitas a IVA.

A exclusão de tributação deverá resultar da natureza reparatória da indemnização, independentemente do facto de ter sido declarada judicialmente.

A própria AT parece ter admitido, em determinado momento, a desnecessidade desta norma, ao referir que a parte final da alínea a) do n.º 6 do artigo 16.º do Código do IVA seria rigorosamente desnecessária, caso se atendesse à natureza não remuneratória da indemnização[47].

Assim, o cerne desta questão deverá passar, genericamente, pela diferenciação das indemnizações que tenham subjacente uma transmissão de um bem ou uma prestação de serviços, dos pagamentos que se consubstanciam em compensações remuneratórias, independentemente de virem a ser (ou não) reconhecidas judicialmente.

Se as situações de pagamento de indemnizações a título de responsabilidade civil extracontratual, regra geral, não suscitam grandes problemas, já noutros casos, relativos a situações de responsabilidade civil contratual, o enquadramento em sede de IVA pode ser problemático.

Assim, como vimos, para efeitos de um correcto enquadramento em sede de IVA das indemnizações, importa distinguir se a entrega de uma quantia a título de indemnização tem subjacente uma transmissão de bens ou uma prestação de serviços que seja remunerada através de uma contrapartida e, nessa medida, consubstancie uma operação sujeita a este imposto, ou se tais entregas consubstanciam meras compensações reparatórias, aproximando-se assim do seu sentido jurídico[48].

 

  1. Jurisprudência

 

7.1. Jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia

O Tribunal de Justiça abordou por diversas ocasiões a distinção entre uma operação tributável e uma indemnização fora do âmbito de incidência do imposto por incumprimento de um acordo contratual.

Os critérios nos quais se baseiam a qualificação das indemnizações por denúncia antecipada recebidas pela A... deverão assim resultar primeiramente da jurisprudência do Tribunal de Justiça.

A não sujeição a IVA das cláusulas penais foi confirmada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia no seu Acórdão de 18 de Julho de 2007, proferido no Caso Société Thermale d'Eugénie-les-Bains, sobre sinais pagos em contratos relativos a prestações de serviços sujeitas a IVA e conservados pelo prestador em caso de incumprimento. Este Caso dizia respeito a montantes pagos adiantadamente, a título de sinal, aquando de reservas de estadias efectuadas pelos clientes que ou eram deduzidos do pagamento ulterior das prestações de estadia ou conservadas pela referida sociedade em caso de anulação das reservas pelos clientes[49].

A Administração Tributária local considerou que os montantes recebidos adiantadamente pela sociedade no acto de reserva das estadias e conservados em caso de anulação da reserva pelos clientes deviam estar sujeitos a IVA, tendo sido solicitado ao TJUE que se pronunciasse sobre a questão de saber se os montantes pagos a título de sinal deveriam consubstanciar a remuneração da prestação de serviços de reserva, estando por isso sujeitos a imposto ou como indemnizações pagas para reparação do prejuízo sofrido em consequência da desistência do cliente, sem ligação directa com qualquer serviço prestado a título oneroso, não estando, por isso, sujeitos a esse mesmo imposto.

O TJUE recordou que resulta de jurisprudência assente que só poderá concluir-se pela incidência de imposto se existir um nexo directo entre o serviço prestado e o contravalor recebido, constituindo os montantes pagos uma contrapartida efectiva de um serviço individualizável fornecido no âmbito de uma relação jurídica em que se trocam prestações recíprocas.

Começou o Tribunal de Justiça por sustentar neste Caso que “as partes contratantes são livres de definir, com respeito pelas disposições imperativas de ordem pública, o conteúdo da sua relação jurídica, incluindo as consequências de uma eventual resolução ou incumprimento das suas obrigações [...] Assim, as partes podem prever, em caso de incumprimento das obrigações do contrato que celebraram, cláusulas relativas a uma indemnização ou penalização de mora, a uma caução ou a um sinal [... incluindo] uma indemnização fixa, dado que o seu pagamento dispensa uma das partes de provar o montante do prejuízo sofrido quando a outra parte não cumpre o estipulado. Esta constatação não é infirmada [...], pelo facto de, na maior parte dos casos, o montante do prejuízo sofrido e o do sinal conservado não coincidir nem pela eventualidade de os quartos libertados pela desistência poderem ser ocupados por novos clientes. Com efeito, tratando-se de uma indemnização fixa, é normal que o montante do referido prejuízo possa ultrapassar o do sinal conservado pela entidade que explora o estabelecimento hoteleiro ou ser inferior a esse montante.”[50]

No tocante ao sinal, o Tribunal salientou que "a conservação do sinal em causa no processo principal é (...) a consequência do exercício pelo cliente da faculdade que lhe assiste de resolver o contrato e serve para indemnizar a referida entidade na sequência da desistência. Essa indemnização não constitui a retribuição de uma prestação e não faz parte da matéria colectável do IVA."

Nestes termos, o Tribunal concluiu que os artigos 2.°, n.º 1 e 6.°, n.º1, da Sexta Directiva, “devem ser interpretados no sentido de que os montantes pagos a título de sinal, no âmbito de contratos que têm por objecto a prestação de serviços hoteleiros sujeitos ao imposto sobre o valor acrescentado, devem ser considerados, quando o cliente exerce a faculdade que lhe assiste de resolver o contrato e esses montantes são conservados pela entidade que explora um estabelecimento hoteleiro, como indemnizações fixas de rescisão pagas para reparar o prejuízo sofrido na sequência da desistência do cliente, sem nexo directo com qualquer serviço prestado a título oneroso e, enquanto tais, não sujeitas a esse imposto."

Ora, parece-nos evidente que a mesma doutrina tem que ser aplicada aos casos das cláusulas de fidelização em que a operadora de telecomunicações cobra ao cliente determinada importância pelo facto deste não ter cumprido o período de vigência mínima do contrato a que se tinha comprometido. Efectivamente, conforme salienta Luís Menezes Leitão, "uma vez que envolve uma estipulação da indemnização em caso de incumprimento, o sinal aproxima-se da cláusula penal (art. 810°, nº1), desta se distinguindo apenas pelo facto de pressupor a entrega prévia de uma coisa fungível.[51]

Note-se em especial, dada a similitude com a situação ora em análise, que no Caso Cantor Fitzgerald o TJUE defendeu que a compensação paga por um inquilino ao senhorio de forma a que este aceitasse uma denúncia antecipada do arrendamento não está sujeita a IVA[52].

Esta é precisamente situação em que a A... se encontra quando recebe a compensação contratualmente acordada de um assinante que pretende a denúncia antecipada do contrato promocional de telecomunicações.

No seu recente Acórdão proferido no Caso Air France - KLM and Hop!Brit Air que o TJUE chamou à colação como principal figura jurisprudencial inspiradora do seu arresto no caso concreto de que nos ocupamos[53], o TJUE veio elucidar de forma detalhada o tratamento das indemnizações versus prestações de serviços em sede deste tributo.

Com efeito, importa aqui mencionar em especial o Caso KLM, no qual, basicamente, o TJUE veio fundamentar a sua proposta de decisão no sentido da existência de uma contraprestação de uma prestação de serviços no caso concreto, isto é, do tal acto de consumo que leva a concluir pela sua tributação[54].

No Caso Air France-KLM o TJUE decidiu que IVA é exigível mesmo no caso de o viajante não utilizar o bilhete de avião dado, como concluiu, o serviço ter sido disponibilizado ao utente, isto é ter havido um acto de consume consubstanciado na disponibilização de tal serviço[55].

A Air France -KLM, que sucedeu à Air France em 2004, é uma sociedade com sede em França, que exerce uma actividade de transporte aéreo. No âmbito dessa actividade, a Air France-KLM efectua serviços de transporte aéreo de passageiros no território francês. Uma vez que esses voos estão sujeitos a IVA, os bilhetes de avião referentes a esses voos são vendidos a preços que incluem esse imposto.

A partir de 1999, a Air France deixou de entregar ao Tesouro o IVA cobrado sobre o preço de venda dos bilhetes emitidos e não utilizados pelos passageiros dos seus voos domésticos. Estavam em causa, por um lado, bilhetes não passíveis de troca e que caducaram devido à não comparência dos passageiros no momento do embarque e, por outro, bilhetes passíveis de troca não utilizados dentro dos respectivos prazos de validade.

Na sequência de uma fiscalização da contabilidade, a Administração Fiscal entendeu que as quantias relativas a esses «bilhetes emitidos e não utilizados» deviam ter sido sujeitas a IVA.

Tendo dúvidas quanto à sujeição a IVA de um título de transporte não utilizado, o Conseil d’État decidiu suspender a instância e submeter as seguintes questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça:

«1) Devem as disposições dos artigos 2.°, n.° 1, e 10.°, n.° 2, da [Sexta Diretiva e da Sexta Diretiva alterada] ser interpretadas no sentido de que a emissão do bilhete pode ser equiparada à execução efetiva da prestação de transporte e de que os montantes não devolvidos pela companhia aérea, quando o titular do bilhete não tiver utilizado o seu bilhete e este tiver caducado, estão sujeitos [a IVA]?

2) Em caso afirmativo, o imposto cobrado deverá ser entregue ao Tesouro a partir do momento em que é recebido o preço, mesmo que a viagem possa não se realizar por facto imputável ao cliente?»

No Processo apenso C-289/14 estava em causa a mesma realidade.

Resulta da decisão de reenvio no processo C-289/14 que a Brit Air, actual Hop! -Brit Air SAS, efectuou serviços de transporte aéreo de passageiros no âmbito de um contrato de franchising celebrado com a Air France-KLM. Esta última estava encarregada da comercialização e da gestão da venda de bilhetes das linhas exploradas em franchising pela Brit Air.

A Air France-KLM recebia o preço dos bilhetes, entregando-o de seguida à Brit Air por cada passageiro transportado. A título dos bilhetes vendidos mas não utilizados, quer por não comparência do passageiro no momento do embarque quer pela caducidade do bilhete, a Air France-KLM pagava à Brit Air uma compensação anual fixa calculada em percentagem (2%) do volume de negócios anual (com IVA incluído) das linhas exploradas no âmbito do contrato de franchising. A Brit Air não pagou IVA sobre esse montante.

Tendo dúvidas quanto à tributação em sede de IVA de quantias pagas por uma companhia aérea a uma empresa da mesma natureza como contrapartida pela venda de bilhetes de transporte não utilizados, o Conseil d’État decidiu suspender a instância e suscitar junto do TJUE o mesmo tipo de questões.

Recordando a teoria das contraprestações recíprocas, o TJUE conclui que “25 Resulta destes elementos que uma prestação de serviços, como o transporte aéreo de passageiros, está sujeita a IVA nos casos em que, por um lado, a quantia paga por um passageiro a uma companhia aérea, no âmbito de uma relação jurídica materializada no contrato de transporte, está diretamente relacionada com um serviço individualizável, relativamente ao qual constitui a remuneração, e, por outro, o referido serviço é prestado.

26 A este respeito, o Tribunal de Justiça esclareceu que os serviços cuja prestação corresponde ao cumprimento das obrigações decorrentes de um contrato de transporte aéreo de pessoas são o registo assim como o embarque dos passageiros e o seu acolhimento a bordo do avião no lugar de descolagem estipulado no contrato de transporte em causa, a partida da aeronave à hora prevista, o transporte dos passageiros e das suas bagagens do lugar de partida para o lugar de chegada, o acompanhamento dos passageiros durante o voo e, finalmente, o desembarque, em condições de segurança, no lugar de aterragem e à hora que esse contrato fixa (v. acórdão Rehder, C‑204/08, EU:C:2009:439, n.º40).

27 Todavia, a realização dessas prestações só é possível se o passageiro da companhia aérea se apresentar na data e no local de embarque previstos, reservando‑lhe a referida companhia o direito de delas beneficiar até à hora do embarque nas circunstâncias definidas pelo contrato de transporte celebrado no momento da compra do bilhete.

28 Por conseguinte, a contraprestação do preço pago quando da compra do bilhete é constituída pelo direito que dele retira o passageiro de beneficiar da execução das obrigações decorrentes do contrato de transporte, independentemente do facto de o passageiro exercer esse direito, sendo que a companhia aérea realiza a prestação a partir do momento em que coloca o passageiro em condições de beneficiar dessas prestações.

Como o TJUE notou, “31 Ora, o conceito de «prestação de serviços», na aceção da Sexta Diretiva e da Sexta Diretiva alterada, deve ser interpretado independentemente dos objetivos e dos resultados das operações em causa, sem que a Administração Fiscal esteja obrigada a proceder à averiguação da intenção do sujeito passivo, atendendo ao seu caráter objetivo (v. acórdão Newey, C‑653/11, EU:C:2013:409, n.º 41 e jurisprudência referida).”

Assim, o TJUE concluiu que nos casos em apreço a emissão de bilhetes por uma companhia aérea está sujeita a IVA, nos casos em que os bilhetes emitidos não sejam utilizados pelos passageiros e estes últimos não possam obter o seu reembolso.

No que se reporta à questão de saber se o IVA pago no momento da compra do bilhete de avião pelo passageiro que não o utilizou se torna exigível no momento em que o preço do bilhete é recebido pela companhia aérea ou por um terceiro em seu nome, o TJUE salientou que os requisitos para o efeito podem estar preenchidos na medida em que todos os elementos da futura prestação de transporte já sejam conhecidos e identificados com precisão no momento da compra do bilhete.

Como salientou, “41 O caráter integral e não parcial do pagamento do preço não é suscetível de pôr em causa essa interpretação (v., neste sentido, acórdãos Orfey Balgaria, C‑549/11, EU:C:2012:832, n.º 37; Efir, C‑19/12, EU:C:2013:148, n.º 39; e despacho Sani treyd, C‑153/12, EU:C:2013:201, n.º 32).

42 Em segundo lugar, cabe recordar, conforme resulta dos n.os 27 e seguintes do presente acórdão, que, no caso de não comparência de um passageiro, a companhia aérea que vende um bilhete de transporte cumpre as suas obrigações contratuais a partir do momento em que coloca o passageiro em condições de invocar os seus direitos previstos pelo contrato de transporte.”

Termos em que concluiu que o IVA pago no momento da compra do bilhete de avião pelo passageiro que não utilizou o seu bilhete se torna exigível no momento em que o preço do bilhete é recebido quer pela própria companhia aérea, quer por um terceiro agindo em seu nome e por sua conta, quer ainda por um terceiro que age em nome próprio, mas por conta da companhia aérea.

Ou seja, de acordo com o TJUE o pagamento em apreço configura-se como uma contraprestação de uma prestação de serviços – o direito adquirido a beneficiar de um voo ainda que em última instância o consumidor não faça uso dos bens ou serviços que lhe são disponibilizados, desde que o prestador o tenha efectivamente colocado em posição de obter os respectivos benefícios a dado momento e em conformidade com o acordo contratual. Neste contexto, este Acórdão reproduz uma orientação jurisprudencial anterior do TJUE defendida sobretudo no Caso Kennemer Golf, no contexto do qual o TJUE foi chamado a pronunciar-se relativamente à viabilidade da incidência do IVA sobre comissões por quotização anual a pagar pelos membros de um clube desportivo, independentemente de estes membros usarem efectivamente as instalações do clube.

Mas deve notar-se que neste caso, contrariamente ao que se verifica na situação controvertida, poderá afirmar-se que existe uma prestação de serviços que não foi totalmente utilizada pelo consumidor – proporciona-se o direito de acesso a bens e/ou serviços -, existindo um nexo causal entre tal operação e a contraprestação. Seria o caso que se verificaria se, por exemplo, um cliente da A... pagasse efectivamente os serviços realmente disponibilizados mas não os utilizasse. Ora, na situação em apreço o que se verifica é que não há a prestação de quaisquer serviços, mas sim o pagamento de quantias que visam uma compensação pela atribuição de condições especiais na contraprestação de prestações de serviços que cessam por incumprimento contratual. Não existe qualquer acto de consumo por parte do cliente, que é inviabilizadao pela A... ao cessar a prestação de serviços. São realidades totalmente distintas e que, enquanto tal, merecem tratamento diferente para efeitos deste imposto. No Caso Air France o serviço é em parte prestado e o bilhete de avião emitido. No caso da A... o cliente não está a pagar as mensalidades mas sim, como vimos, o custo de investimento, sendo que o contrato é rescindido não sendo mais prestados quaisquer serviços.

 

                      7.2 Jurisprudência nacional

A jurisprudência nacional é consistente no sentido de considerar que o valor pago por uma entidade a outra a título de indemnização [i.e., quando o mesmo não tem um carácter remuneratório de uma prestação de serviços ou transmissão de bens (efetuada no passado ou a realizar no futuro)] não se encontra sujeita a IVA.

Os tribunais nacionais já se pronunciaram diversas vezes sobre o enquadramento em sede de IVA das cláusulas penais indemnizatórias, concluindo que não assumem a natureza de contraprestação pela prestação de um serviço ou por uma transmissão de bens, mas sim de verdadeiras indemnizações devidas a título de incumprimentos contratuais[56].

O Supremo Tribunal de Justiça (STA), nos seus Acórdãos de 15 de Novembro de 2000, Processo 025244, 2.ª Secção e de 19 de Maio de 2004, Processo 01684/03, 2.ª Secção, concluiu, respectivamente, que não estão sujeitas a IVA as indemnizações recebidas pelo denunciante de um contrato de arrendamento a título de ressarcimento das benfeitorias existentes no prédio arrendado efectuadas por um inquilino, como necessário pressuposto de rescisão amigável de contrato de arrendamento de área comercial.

A este respeito, veja-se o Acórdão, de 16 de Julho de 2009, do Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), no âmbito do Processo 8410/2008-7, relativo a uma cláusula penal compensatória cobrada por uma operadora móvel a um cliente, pelo não cumprimento do contrato (semelhante ao caso em análise).

Estava em causa a falta de pagamento, por parte do adquirente, dos serviços móveis que lhe haviam sido prestados, bem como a falta de pagamento da correspondente penalidade pelo facto de os serviços terem sido desactivados antes de decorrido o prazo estabelecido contratualmente.

Relativamente ao incumprimento das obrigações contratuais, o Tribunal concluiu que a cláusula penal compensatória (i.e., a indemnização) não constitui a contraprestação de qualquer transmissão de bens ou prestação de serviços, na medida em que “tal indemnização não se refere a qualquer efetiva prestação de serviços ou transmissão de bens pela autora à ré, mas a uma indemnização à autora pelo não cumprimento do contrato (…)” e que “ a cláusula penal compensatória tem a ver com a indemnização devida pelo não cumprimento da ré e não assume a natureza de qualquer contraprestação de prestação de serviços ou transmissão de bens pela autora à ré (…)”, concluindo-se assim pela sua não sujeição a IVA.

No Acórdão de 5 de Novembro de 2009 do mesmo Tribunal, no âmbito de um processo em que a Vodafone foi parte (Processo 5816/04.6TJLSB.L1-6), relativo a um pedido de pagamento de serviços prestados e não pagos e ainda a um pedido de indemnização considerada devida por incumprimento do contrato de fidelização, o TRL conclui que “A indemnização penal compensatória pelo não cumprimento do contrato não está sujeita a IVA, porque tal indemnização não se refere a qualquer efetiva prestação de serviços ou transmissão de bens pela autora à ré (art.º 1º do CIVA), e porque não assume a natureza de qualquer contraprestação de prestação de serviços ou transmissão de bens pelo prestador de serviços de telecomunicações móveis ao utente (art.º 16º do CIVA).”

 

  1. Doutrina

 

  1. Doutrina administrativa nacional

 

Neste contexto cumpre desde logo salientar que Teresa Lemos, investigadora do Centro de Estudos Fiscais que integrou a Comissão IVA e procedeu à transposição da Sexta Directiva, referindo-se à parte final da alínea a) do n.º 6 do artigo 16.º do Código do IVA, veio desde logo salientar que “(…) não pode, no entanto, a nosso ver, ser alargado de tal modo que abranja a responsabilidade contratual, quanto não tenha existido nenhum facto tributável (isto é, transmissão ou prestação de serviços). Não só seria levar longe de mais o ilogismo de tributar montantes que não são remuneração (…), como não se coadunaria com o espírito de uma norma que define o valor de “uma operação tributável” de que se supõe a existência prévia.”[57]

A AT tem vindo a entender, por exemplo, no que se refere à tributação das indemnizações, que, no caso de sancionarem “... a lesão de qualquer interesse sem carácter remuneratório porque não remuneram qualquer operação, antes se destinam a reparar um dano, não são tributáveis em IVA, na medida em que não têm subjacente uma transmissão de bens ou uma prestação de serviços.” [58] Neste contexto, a Administração Fiscal entendeu que, “A indemnização a receber por parte de um comissionista em virtude do incumprimento de um contrato de agência, cujo montante foi acordado entre as partes, a título de comissões não recebidas, quebra de contrato e indemnização de clientela, configura-se como uma obrigação de conteúdo negativo, na medida em que visa compensar os proveitos que deixam de ser obtidos (lucros cessantes), pelo que deverá entender-se o seu pagamento como contraprestação de operação sujeita a imposto (...).

Deste modo, o débito do comissionista ao cliente, relativo a indemnização por quebra do contrato, é passível de tributação…”[59]

Isto é, tendo por base o conceito residual de prestação de serviços acolhido no Código do IVA e a natureza do IVA enquanto imposto incidente sobre o consumo, a Administração Tributária tem adequadamente entendido que este imposto pretende tão-somente tributar a contraprestação de operações tributáveis e não a indemnização de prejuízos que não tenha natureza remuneratória.

Neste sentido, a doutrina administrativa tem vindo a acolher o entendimento segundo o qual se encontram sujeitos a IVA os montantes pagos a título de indemnização que tenham subjacente uma transmissão de bens ou prestação de serviços e que, como tal, configuram uma contraprestação a obter do adquirente decorrente de uma operação sujeita a imposto.

Referem, ainda, algumas das Informações emitidas pela Administração Tributária, que os montantes pagos a título de indemnização que sancionam a lesão de qualquer interesse, sem carácter remuneratório, porque não remuneram qualquer operação – antes se destinam a reparar um dano – não são tributáveis em IVA, na medida em que não têm subjacente uma transmissão de bens ou uma prestação de serviços[60].

Neste sentido, a doutrina administrativa já reconheceu adequadamente por diversas ocasiões que as penalidades contratuais por incumprimentos diversos, tendentes a sancionar o incumprimento de uma obrigação contratual ou, em geral, a lesão de qualquer interesse, não são tributáveis em IVA[61].

Contudo, no que se reporta aos lucros cessantes, o entendimento que tem vindo a ser veiculado pela Administração Tributária parece padecer de algumas contradições.

Por um lado, em Informações mais antigas, refere a Administração Tributária que as indemnizações que têm na sua origem lucros cessantes apenas serão tributadas em sede de IVA quando ligadas a um contrato de prestação de serviços ou à transmissão de bens. Neste sentido, clarificou que não são tributáveis todos os lucros cessantes, mas apenas aqueles que se integrem numa relação fornecedor-cliente, por estarem ligados a uma transmissão de bens ou prestação de serviços[62]. Refere a Administração Tributária que a indemnização a receber, numa situação de cessação de contrato de distribuição, se configura como uma obrigação de conteúdo negativo, na medida em que visa a compensação de proveitos que deixam de ser obtidos (lucros cessantes), pelo que se deverá entender o seu pagamento como a contraprestação de operação sujeita a imposto[63].

Mas, por outro lado, mais recentemente, parece também entender a Administração Tributária que os lucros cessantes configuram por si só uma operação de carácter negativo, pelo que deverão ser sujeitos a imposto os montantes pagos para compensar a sua ocorrência[64].

Isto é, o entendimento da Administração Tributária relativamente à tributação em sede de IVA das indemnizações tem sofrido alterações, afastando-se gradualmente da jurisprudência assente do TJUE e do referido entendimento veiculado pela investigadora Teresa Lemos.

Em 1987, através do Ofício-Circulado n.º 14389, de 26 de Fevereiro, os Serviços de Administração do IVA consideraram que uma indemnização por responsabilidade civil extracontratual, no âmbito de um acidente de viação, não estava sujeita a IVA “na medida em que não tem subjacente uma transmissão de bens ou prestação de serviços”. Neste sentido, reconhecia-se, correctamente, que era preciso “associar” ao pagamento da indemnização uma transmissão de bens ou uma prestação de serviços para que se pudesse concluir pela incidência de IVA.

Como começámos por salientar, na Informação n.º 524, de 1989, de Teresa Lemos [65], foi sancionado o entendimento de que uma indemnização por incumprimento de um compromisso de celebração de um contrato, não estava sujeita a IVA, por se tratar de indemnizações por responsabilidade extracontratual que “não remuneram qualquer operação, antes se destinam a reparar um dano”.

Mais aí se refere que, não obstante a redacção do artigo 16.º, n.º 6, alínea a), do Código do IVA, “não devem ser tributadas as indemnizações, ainda que decorrentes de responsabilidade contratual, quando nenhuma operação tenha existido.”

Já na Informação n.º 2274, com despacho concordante do Subdirector-Geral do IVA de 13 de Dezembro de 1989, concluiu-se que uma indemnização por atraso na execução de um contrato de fornecimento e por não correspondência do produto fornecido às especificações anunciadas, não estava sujeita a IVA por não ter subjacente uma transmissão de bens ou uma prestação de serviços. 

Na mesma linha, considerou-se, na Informação n.º 2545, com despacho concordante do Subdirector-Geral do IVA de 11 de Novembro de 1992, que uma indemnização pela destruição de equipamentos ou por danos provocados aos mesmos não estava sujeita a IVA, por não ter subjacente qualquer entrega de bens ou prestação de serviços ao lesado.

É pois a mesma Administração Tributária que passou a considerar que as penalidades contratuais por incumprimentos diversos (daí resultando danos emergentes e/ou lucros cessantes) a debitar pelo fornecedor ao cliente, deverão configurar indemnizações sujeitas a IVA por terem subjacente uma transmissão de bens ou uma prestação de serviços.

Ora, no referido Parecer de 1989 de Teresa Lemos, apesar de a Administração Tributária reconhecer que a inclusão das indemnizações declaradas judicialmente no artigo 16.º, n.º 6, alínea a), poderia originar uma interpretação “a contrario sensu”, rejeitou expressamente um tal entendimento, por considerar que sempre seria necessária, para efeitos de tributação, a existência de uma operação para efeitos de IVA[66].

 

                      8.2. Demais doutrina

É assente na doutrina e na jurisprudência nacional e comunitária, que as indemnizações apenas serão tributadas quando tenham subjacente uma transmissão de um bem ou uma prestação de serviços. Distintamente, as indemnizações não deverão ser objecto de tributação quando tenham carácter de reparação de perdas e danos, isto é, quando constituam a reparação de um prejuízo e se destinem apenas a penalizar o incumprimento de uma obrigação ou, a título geral, a lesão de qualquer interesse[67].

Como notam Afonso Arnaldo e Pedro Vasconcellos Silva, na senda da melhor doutrina administrativa relativamente ao tratamento das indemnizações em sede deste imposto, deverá ter-se em consideração que “...atentas as especificidades do sistema IVA vigente na União Europeia, o qual tem a sua base estruturante na denominada Sexta Directiva do Conselho 77/388/CEE, de 17 de Maio de 1977, há que considerar que o desiderato tributário reside apenas em abranger as operações que são remuneradas através de uma contrapartida e não as meras compensações ressarcitórias. Assim, pode concluir-se com segurança que as puras indemnizações não levantam quaisquer implicações ao nível da liquidação de IVA”. Todavia,[68] “... sempre que ocorra a entrega de um bem ou a prestação de um serviço, trata-se de um facto tributário com implicações em sede de IVA, atentos os termos genéricos em que é estabelecida a incidência deste imposto, independentemente da forma e dos termos utilizados pelas partes.

(...)                                                                                                              

Apesar das dificuldades que poderão ocorrer, a directriz que deverá orientar o intérprete reside em saber se existe uma contraprestação, directa ou indirecta, imediata ou mediata, actual ou potencial, evidente ou obscura…”[69]

Como os autores defendem a propósito do artigo 16.°, n.º 6, alínea a), do CIVA,  "o conceito  de indemnização encontra aí uma referência expressa, mas tal indicação não deverá constituir um qualquer sinal de exclusividade, o que teria como consequência a sujeição a IVA das restantes indemnizações. Tal constituiria uma interpretação incorrecta, de um ponto de vista sistemático (atenta a contrariedade aos preceitos iniciais do Código) e frontalmente ofensiva das regras e princípios consagrados na Sexta Directiva.”[70]

No que respeita ao tratamento em especial de determinadas situações, Marta Machado de Almeida, relativamente ao pagamento de montantes previamente acordados contratualmente tendo em vista ressarcir prejuízos causados, vem concluir que, nos casos de rescisões antecipadas, não deve haver incidência de IVA[71].

Como salientam Marta Machado de Almeida[72], Conceição Gamito, Frederico Antas e Joana Branco Pires[73], no caso de pagamentos decorrentes do incumprimento de cláusulas de fidelização, não obstante a possível coincidência de valores entre o valor a ser pago a título de indemnização e a contraprestação que seria paga caso os serviços fossem efectivamente prestados, parece-nos que se trata de uma situação semelhante às rescisões antecipadas, em que existe um montante acordado contratualmente, tendo em vista ressarcir prejuízos causados ao prestador do serviço.

Assim, concluem que o pagamento de tais montantes não deve ser sujeito a IVA, tanto mais que, à semelhança das situações de apropriação de montantes pagos a título de sinal, não existe um nexo directo entre o pagamento efectuado como indemnização e qualquer serviço prestado a título oneroso.

Tal como notam Conceição Gamito, Frederico Antas e Joana Branco Pires, “…não existe um acto de consumo subjacente às indemnizações em apreço e do qual estas constituam contraprestação. Com efeito, constata-se que os clientes não adquirem quaisquer bens ou serviços em troca do pagamento da indemnização. A realidade é precisamente a contrária: é a possibilidade de os operadores económicos continuarem a fornecer os bens e ou serviços aos seus clientes em resultado do incumprimento do período mínimo de fidelização por parte destes que dá origem ao pagamento de uma indemnização.”[74]

Na mesma linha, Ana Rita Machado salienta que "o IVA incide sobre a contrapartida associada a uma determinada transmissão de bens ou prestação de serviços - enquanto expressões directas de uma actividade económica”, sendo o conceito de onerosidade "essencial para definir o âmbito de incidência deste imposto". Pelo contrário, "o pagamento da indemnização constitui um facto não sinalagmático, não havendo qualquer interdependência entre a prestação indemnizatória e qualquer outra prestação à qual o lesado se encontrasse adstrito; nascendo ·ex· novo no · momento ·em que é causado o dano. Ora, a entrega de uma indemnização pressupõe, de per si, a ausência de um nexo sinalagmático e, consequentemente, a inexistência de qualquer natureza onerosa.”[75]

Do mesmo modo, a doutrina a nível internacional há muito que considerou que não se incluem no valor tributável das transacções internas as cláusulas penais, dado que as mesmas não têm natureza de contraprestação pela transmissão de bens ou prestação de serviços.

Assim, é de notar que em Espanha está contemplada no Código del Impuesto sobre el Valor Añadido, mais concretamente no respectivo artigo 78.º, n.º3, uma norma exactamente igual à nossa, sendo que, desde logo, a própria doutrina administrativa vem esclarecer que é necessário que exista um acto de consumo adstrito à indemnização para que se possa identificar uma operação tributável em sede deste imposto. Neste sentido veja-se a doutrina da Direccion General de Tributos (DGT) e as orientações publicadas neste contexto[76].

Em particular, deverá atender-se à Consulta Vinculativa V3166-13, da SG de Impuestos sobre el Consumo de 25 de Outubro de 2012 relativa a uma situação igual à que por ora nos ocupa – “Consulente que há pagado una penalización por incumplimiento del servicio com una companhia telefónica”.

Após considerações sobre o conceito de prestação de serviços e a natureza do imposto bem como sobre a jurisprudência do TJUE relativa a indemnizações, conclui-se o seguinte: “En consecuencia, las cantidades abonadas por la consultante en concepto de indemnización por incumplimiento del contrato al darse de baja como cliente antes de la finalización de su compromisso de permanencia no se incluyen en la base imponible del impuestio dado que, por su naturaleza y función, no constituyen contraprestatión o compensaxción de entregas de bienes o prestaciones de servicios sujetas al mismo.

Efectivamente, los pagos en concepto de indemenización que recibe la companhia de servicios no suponen la realización de ninguna operación sujeta al Impuesto, puesto que no corresponden a ningún acto de consumo; dichos pagos se calculan en función del consumo de los meses en los que se há estado dado de alta en el servicio, sino del tiempo que resta para cumplir el compromisso de permanência.

No procede en tales circunstancias, realizar ningún acto de repercusión tributaria, dada la naturaleza indemnizatória de los pagos en cuestión

Veja-se ainda, nomeadamente, Clemente Checa Gonzalez[77] e Enrique Abella Poblet[78].Como salienta este autor ao analisar as decisões da DGT, é entendimento da Administração Fiscal espanhola que, por exemplo, não são tributadas em IVA as quantias pagas por uma empresa a título de indemnizações pela rescisão antecipada de um contrato de comercialização de produtos[79].

Com efeito, o que está em causa, como notam os autores, é o próprio conceito de acto de consumo e a razão de ser de um imposto como o IVA. Veja-se ainda a este propósito Alan Schenk e Oliver Oldman[80].

Na verdade, conforme escrevem Giancarlo e Dário Mando, a cláusula penal apenas constitui um meio de liquidação, convencional ou preventiva, do dano[81]. Enquanto tal, não poderá estar incluída no valor tributável das operações sujeitas a IVA, uma vez que não corresponde à contrapartida económica dessas operações.

 

  1. Garantia Prestada

Da anulação dos actos de liquidação deverá, nos termos legais, resultar o pagamento de indemnização à Requerente de forma a ressarcir dos custos incorridos com a garantia prestada, acrescida de juros legais calculados sobre esses custos, e contados desde as datas em que tenham sido incorridos até à data em que seja autorizado o levantamento da garantia.

 

 

  1. Conclusões

Face ao exposto retiramos as seguintes ilações:

 

  1. Atendendo à situação concreta da A..., em que o cliente, caso não cumpra o período contratual mínimo previamente acordado, se obriga a pagar uma quantia para ressarcir os danos sofridos resultantes das especiais vantagens que aufere, importa analisar se tais montantes têm um carácter remuneratório de uma prestação de serviços ou transmissão de bens, de forma a averiguar se existe ou não uma interdependência / correlação entre ambos, isto é, se existe efectivamente um acto de consumo.

 

  1. A cláusula de fidelização prevista nos contratos celebrados pela A... corresponde a uma cláusula penal na versão da liquidated damages clause, estipulando assim uma fixação antecipada do montante correspondente aos danos a ressarcir, conforme o previsto no artigo 810.º do Código Civil.

 

  1. Pretende-se com a inclusão deste tipo de cláusulas que o cliente pague, nos casos em que pretenda deixar de beneficiar dos serviços contratados, um determinado valor que tenha em vista ressarcir os danos decorrentes da frustração das expectativas do prestador de serviços.

 

  1. A A... sofre efectivamente um prejuízo comercial no caso de denúncia prematura do contrato que justifica a necessidade de compensação.

 

  1. Com efeito, as ofertas promocionais subjacentes aos contratos que preveem um período de fidelização mínimo são calculadas de forma a que os custos da vantagem especial, obtida pelo cliente (v.g., o direito a um smartphone a preço reduzido) só possam ser amortizados, com uma margem razoável habitual no sector, se o assinante pagar o preço acordado durante um período de tempo mais longo. Em caso de denúncia antecipada do contrato este cálculo é posto em causa e a A... sofreria uma perda comercial caso não pudesse reclamar um montante por denúncia antecipada.

 

  1. De acordo com o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º do Código do IVA, apenas são sujeitas a imposto as transmissões de bens e as prestações de serviços realizadas em território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal.

 

  1. É acto claro, de acordo com a jurisprudência do TJUE, que “uma prestação de serviços (…) só é assim tributável, se existir entre o prestador e o beneficiário uma relação jurídica durante a qual são transacionadas prestações recíprocas, constituindo a retribuição recebida pelo prestador o contravalor efetivo do serviço fornecido ao beneficiário”.

 

  1. Na situação concreta tal reciprocidade não existe, não se podendo falar na existência de um acto de consumo.

 

  1. Atenta a existência de uma cláusula contratual de condições particulares de subscrição do serviço, é claro que se está perante um instrumento contratual cujo objectivo primordial visa a cobertura de prejuízos causados, de modo a ressarcir a A... do investimento efectuado, sem que o cliente possa exigir da parte da empresa qualquer prestação recíproca que vise compensar o montante devido, cessando todo e qualquer serviço.

 

  1. Com efeito, não existe na situação em apreço qualquer acto de consumo passível de tributação em sede deste imposto enquanto tal.

 

  1. Uma indemnização, enquanto mera compensação ressarcitória de um prejuízo / dano, não apresenta um vínculo sinalagmático e, consequentemente, a existência de qualquer natureza onerosa, pelo que se conclui que as quantias debitadas pela A... aos seus clientes por incumprimento do período de fidelização não são sujeitas a IVA não existindo qualquer acto de consumo.

 

  1. Os montantes cobrados por incumprimento dos contratos de fidelização auferidas pela A... no âmbito dos contratos de prestação de serviços em análise não se encontram sujeitos a IVA, atenta a inexistência de uma contraprestação ou remuneração de uma transmissão de bens ou de uma prestação de serviços, na medida em que o que se pretende é atribuir uma compensação pelos danos causados na esfera da A... em consequência da renúncia do contrato por parte do cliente durante o período mínimo de permanência (i.e., período de fidelização).

 

  1. O pagamento de tais montantes não está directamente relacionado com a prestação dos serviços de telecomunicações prestados pela A..., como é exigido segundo jurisprudência assente do Tribunal de Justiça para o qualificar como remuneração por uma prestação de serviços tributável, não sendo a situação em causa comparável com a do Caso KLM, nem na realidade contratual nem na comercial: os serviços de telecomunicações que já foram recebidos pelos assinantes também já foram totalmente pagos através de tarifas cobradas ao assinante durante o período em que os serviços de telecomunicações ainda lhe eram prestados pela A... .

 

  1. Assim, com base nos acordos contratuais e na sua implementação efectiva, deixa de haver espaço para considerar que poderia existir uma relação recíproca entre o pagamento das quantias por denúncia antecipada e o fornecimento anterior de serviços de telecomunicações já pagos.

 

  1. Após a resolução do contrato a A... não disponibiliza, de todo, qualquer benefício ao assinante em virtude do qual o pagamento por denúncia antecipada pudesse constituir uma “verdadeira remuneração” conforme exigido pelo TJUE.

 

  1. Sempre que se verifica a rescisão do contrato por parte de um cliente, os serviços prestados pela A... são desactivados, pelo que a prestação de serviços contratualizada deixa de existir.

 

  1. De facto, as quantias recebidas por denúncia antecipada pela A... são comparáveis ao pagamento indemnizatório que o Tribunal de Justiça referiu no Caso Cantor Fitzgerald.

 

  1. Como a jurisprudência e a doutrina sucessivamente têm vindo a concluir, os montantes que apenas visam ressarcir um dano, não tendo subjacente uma transmissão de bens ou uma prestação de serviços tributáveis em IVA, não podem ser objecto de tributação em sede deste imposto, não existindo nenhum acto de consumo.

 

  1. O facto de a indemnização em causa ser calculada por referência aos montantes que a A... deixa de receber/facturar ao seu cliente, não implica que esteja a remunerar uma transmissão de bens ou prestação de serviços.

 

  1. Não há, pois, um valor de contraprestação recebido de um adquirente (de um serviço prestado ou de um bem transmitido) ou de um terceiro, mas sim o ressarcimento de um custo suportado inicialmente pela A... tendo em vista uma prestação de serviços que acaba por não ocorrer.

 

  1. Como a introdução dos n.ºs 11 e 12 ao artigo 48.º da Lei das Comunicações Electrónicas, torna-se absolutamente claro, se dúvidas houvesse, que os montantes pagos por rescisão antecipada do contrato durante o período de fidelização correspondem a um intuito meramente ressarcitório dos custos que o operador teve com a instalação da operação e não a uma contraprestação de quaisquer serviços, pelo que se proíbe a cobrança de qualquer outra quantia a título de indemnização ou compensação, estipulando-se que devem ser proporcionais à vantagem conferida.

 

  1. O que o legislador veio trazer de novo com a presente alteração foi a proibição de qualquer outra compensação para além da relativa aos “custos que o fornecedor teve com a instalação da operação”.

 

  1. Distintamente do entendimento defendido pela AT, os montantes debitados a título de rescisão antecipada por violação do período de fidelização não são a contraprestação de qualquer prestação de serviço ou transmissão de bens realizada pela A... aos seus clientes, não existindo qualquer vínculo sinalagmático entre o pagamento desse montante e uma qualquer prestação de serviços, tratando-se antes de uma quantia ressarcitória dos danos causados pelo cliente por vantagens especiais que lhe foram conferidas e simultaneamente de uma sanção.

 

  1. Da anulação dos actos de liquidação deverá, nos termos legais, resultar o pagamento de indemnização à Requerente de forma a ressarcir dos custos incorridos com a garantia prestada, acrescida de juros legais calculados sobre esses custos, e contados desde as datas em que tenham sido incorridos até à data em que seja autorizado o levantamento da garantia.

Termos em que, face ao exposto, analisados os factos e subsumidos ao Direito como o Tribunal nacional deve fazer face a uma situação de reenvio prejudicial, configurando-se uma decisão do TJUE como uma mera tentativa de solução para o caso (neste caso inadequada), concluímos que os valores pagos à A... pelos clientes por incumprimento de cláusulas de fidelização não estão sujeitos a IVA, porquanto não representam uma contraprestação ou remuneração de uma prestação de serviços para efeitos deste imposto não existindo um acto de consumo.

Pelo que deverá o Tribunal:

  1. Julgar procedente o pedido principal de anulação total das liquidações e da decisão do recurso hierárquico que as manteve;
  2. Julgar procedente o pedido indemnização por garantia indevida.

 

 

Lisboa, 18 de Fevereiro de 2019

A Árbitro Vogal

 

(Clotilde Celorico Palma)

 

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL - REENVIO

 

Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Clotilde Celorico Palma e Emanuel Augusto Vidal Lima, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral:

 

 

I – RELATÓRIO

 

  1. No dia 20 de Maio de 2016, A..., S.A., titular do cartão de pessoa colectiva e do número de identificação fiscal n.º..., com sede na ..., n.º..., ...-..., Lisboa, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação n.ºs 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., 2015..., relativos a IVA, e n.ºs 2015... a 2015..., relativos a juros compensatórios, no montante total de € 1.964.154,82, e do indeferimento da Reclamação Graciosa e Recurso Hierárquico apresentados contra as liquidações referidas.

 

  1. Para fundamentar o seu pedido, para além da verificação dos vícios formais de falta de fundamentação das liquidações e de preterição de formalidade legal essencial (audição prévia à liquidação) alega a Requerente, em suma, que não é devido IVA pelas operações subjacentes às liquidações que impugna, porquanto, no seu entender, não têm as mesmas subjacente a prestação de qualquer serviço.

 

  1. No dia 23-05-2016, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

  1. A Requerente procedeu à nomeação de árbitro, tendo indicado a Exm.ª Sr.ª Prof.ª Doutora Clotilde Celorico Palma, nos termos do artigo 11.º/2 do RJAT. Nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, a Requerida indicou como árbitro o Exm.º Sr. Dr. Emanuel Vidal Lima.

 

  1. Os árbitros indicados pelas partes foram nomeados e aceitaram os respectivos encargos.

 

  1. Nos termos do n.º 6.º, do artigo 11.º do RJAT, foi indicado pelos árbitros indicados pelas partes, para presidir ao Tribunal Arbitral, o Exm.º Sr. Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, que, no prazo aplicável, também aceitou o encargo.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 19-08-2016.

 

  1. Por despacho do Ex.º Sr. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD de 21-09-2016, foi deferido pedido de escusa do Árbitro-Presidente, o Exm.º Sr. Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, e determinada a notificação dos Exm.ºs Árbitros-Adjuntos para indicarem novo Árbitro-Presidente.

 

  1. Os Exm.ºs Árbitros-Adjuntos indicaram o ora signatário, que, no prazo aplicável aceitou o encargo, tendo sido nomeado a 12-10-2016.

 

  1. Por despacho de 17-10-2016, a pedido da mesma, foi prorrogado o prazo para a Requerida apresentar a sua resposta, até ao dia 31-10-2016.

 

  1. No dia 31-10-2016, a Requerida apresentou a sua resposta defendendo-se unicamente por impugnação.

 

  1. No dia 09-02-2017, realizou-se a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, onde foram inquiridas as testemunhas, no acto, apresentadas pela Requerente.

 

  1. Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.

 

  1. Considerando o Tribunal ser, no caso, necessária a realização de reenvio prejudicial para o TJUE, foram as partes ouvidas sobre a questão a formular, tendo a respectiva pronúncia sido ponderada no texto final abaixo firmado.

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

 

 

II. DECISÃO - REENVIO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Para efeitos da presente decisão, dão-se os seguintes factos como provados

 

  1. Em sede de IVA, a Requerente está, e estava à data dos factos tributários aqui em causa, enquadrada no regime normal de periodicidade mensal, e é, como era àquela data, sujeito passivo que realiza operações sujeitas a IVA.
  2. A ora Requerente foi objecto de Procedimento Inspectivo levado a cabo pela Unidade dos Grandes Contribuintes, credenciado pela ordem de serviço n.º OI2014..., de âmbito geral.
  3. A acção foi iniciada em 1 de Abril de 2014 e terminou a 20 de Novembro de 2014.
  4. Em 2 de Setembro de 2014, por despacho do Chefe de Divisão de Inspecção a Empresas não Financeiras II (DIEF II), por delegação de competências publicada em Diário da República – II Série, n.º 246, de 2013-12-19, foi autorizada a ampliação do prazo para conclusão do procedimento de inspecção por mais três meses, tendo o sujeito passivo sido notificado através do Ofício n.º ... de 02-09-2014, nos termos do n.º 4 do artigo 36.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária.
  5. Da acção inspectiva resultaram correcções à matéria tributável em sede de IRC que não são contestadas pela Requerente nos presentes autos, e foram objecto de regularização voluntária.
  6. A Requerente foi notificada do projecto de relatório, para exercer o seu direito de audição, através do ofício n.º..., de 26 de Novembro de 2014
  7. Do Relatório de Inspecção Tributária (RIT) consta, para além do mais, o seguinte:
    1. «A B..., com sede no ..., ... em Lisboa, foi constituída em 22 de março de 1991 e tem como principal atividade a prestação de serviços de telecomunicações móveis.

Adicionalmente a empresa poderá prestar outros serviços de telecomunicações: telecomunicações de uso público; prestação de serviço fixo de telefone, estabelecimento e fornecimento de uma rede pública de telecomunicações e prestação do serviço de redes privativas virtuais, encontrando-se licenciada pelo Instituto das Comunicações de Portugal (“ICP”), actual ICP – Autoridade Nacional das Comunicações (“ANACOM”).

A 27 de janeiro de 2014 alterou a denominação da firma para A..., SA.»

  1. «III.2. IVA

III.2.1. Correções ao IVA Liquidado

III.2.1.1. Indemnizações por incumprimento do período de fidelização contratual - €1.812.195,35

A B..., no âmbito da contratação com os seus clientes, firmou contratos de prestações de serviços, mais precisamente, contrato de prestação do serviço de voz móvel, contrato de prestação do serviço de dados – internet no telemóvel, banda larga móvel e internet wi-fi e contrato de prestação de serviços de voz fixa, no âmbito dos quais foram estabelecidos períodos mínimos de vigência contratual bem como as indemnizações a pagar pelo cliente no caso de desativação de produtos e serviços, por sua iniciativa, antes de decorrido o período acordado, conforme se detalha de seguida.

Prestação de serviço de voz móvel da B...

O serviço de voz móvel permite fazer e receber, comunicações nacionais, internacionais e em roaming, e enviar e receber mensagens escritas (“SMS” – short message service) e mensagens multimédia (“MMS” – multimedia message service) e aceder aos números de emergência através de um número ou de números incluídos num plano de numeração telefónica nacional ou internacional.

Prevê-se no contrato, quanto a este serviço, o seguinte:

“8.1. As presentes Condições Específicas produzem efeitos na data da adesão ao serviço e vigoram pelo período de um mês automaticamente renovável por iguais períodos, salvo denúncia por qualquer uma das Partes, mediante comunicação válida, com a antecedência mínima de 15 (quinze) dias relativamente ao termo da vigência ou renovação.

8.2. Para efeitos de renovação, as presentes Condições Específicas consideram-se como tendo tido início no primeiro dia do mês respetivo.

8.3. A B... e o CLIENTE poderão acordar na prestação do serviço por um período mínimo de vigência, indicado no Formulário. No termo do período mínimo de vigência acordado, as presentes Condições Específicas renovam- se por períodos sucessivos de 1 (um) mês, salvo denúncia por qualquer uma das Partes nos termos previstos na Condição 8.1.

8.4. Em caso de rescisão das presentes Condições Específicas pelo CLIENTE ou por motivo ao mesmo imputável, antes de decorrido o período de vigência mínimo acordado, inicial ou subsequente, a B... terá direito a receber uma indemnização calculada da seguinte forma: (período mínimo de vigência – n.º de meses em que os serviços estiveram ativos) x (valor da mensalidade acordada).

8.5. A existência de período mínimo de vigência poderá decorrer de oferta de condições promocionais, de custos de investimento na aquisição de equipamento, sempre que a adesão ao serviço implique cedência de equipamento indispensável à prestação do mesmo, bem como de custos de ativação do serviço e ainda de angariação, podendo o CLIENTE a todo o momento, através do serviço de apoio ao cliente 1696, consulta em www.B... .pt ou loja B..., obter informação sobre quando se conclui o período mínimo de vigência acordado e ainda o valor exato que terá de pagar a título de indemnização por rescisão antecipada das presentes Condições Específicas, que corresponderá ao valor mensalidade acordada, multiplicada pelo número de meses que estiverem em falta para completar o mencionado período mínimo de vigência.”

Serviço de Dados – Internet no telemóvel, banda larga móvel e internet wi-fi da B...

Relativamente ao serviço de dados, o qual inclui, nomeadamente, i) serviço Internet no Telemóvel, o qual permite efetuar comunicação de dados, de acesso à Internet através de telemóvel (adiante “Internet no Telemóvel”); ii) serviço de acesso à Internet em Banda Larga Móvel, o qual permite efetuar comunicações de dados, de acesso à Internet e enviar/receber mensagens escritas (SMS) (adiante “BLM”); e iii) serviço de acesso à Internet sem fios (Wireless Lan Pública) em zonas de acesso público (Hot Spot) através da tecnologia WI-FI (Wireless Fidelity – Wireless Lan), (adiante Wi-Fi”).

No que concerne à Prestação do serviço de dados, determina-se o seguinte:

“9.1. As presentes Condições Específicas produzem efeitos na data da adesão ao serviço e vigoram pelo período de um mês automaticamente renovável por iguais períodos, salvo denúncia por qualquer uma das Partes, mediante comunicação válida, com a antecedência mínima de 15 (quinze) dias relativamente ao termo da vigência ou renovação.

9.2. Para efeitos de renovação, as presentes Condições Específicas consideram-se como tendo tido início no primeiro dia do mês respetivo.

9.3. A B... e o CLIENTE poderão acordar na prestação do serviço por um período mínimo de vigência, indicado no formulário. No termo do período mínimo de vigência acordado, as presentes Condições Específicas renovam- se por períodos sucessivos de 1 (um) mês, salvo denúncia por qualquer uma das Partes nos termos previstos na Condição 9.1.

9.4. Em caso de rescisão das presentes Condições Específicas pelo CLIENTE ou por motivo ao mesmo imputável, antes de decorrido o período de vigência mínimo acordado, inicial ou subsequente, a B... terá direito a receber uma indemnização calculada da seguinte forma: (período mínimo de vigência – n.º de meses em que os serviços estiveram ativos) x (valor da mensalidade acordada).

9.5. A existência de período mínimo de vigência poderá decorrer de oferta de condições promocionais, de custos de investimento na aquisição de equipamento, sempre que a adesão ao serviço implique cedência de equipamento indispensável à prestação do mesmo, bem como de custos de ativação do serviço e ainda de angariação, podendo o CLIENTE a todo o momento, através do serviço de apoio ao cliente 1696, ou loja B..., obter informação sobre quando se conclui o período mínimo de vigência acordado eainda o valor exato que terá de pagar a título de indemnização por rescisão antecipada das presentes condições específicas, que corresponderá ao valor mensalidade acordada, multiplicada pelo número de meses que estiverem em falta para completar o mencionado período mínimo de vigência.”

Serviço de voz fixa da B...

O serviço de voz fixa permite fazer e receber, em local fixo, chamadas nacionais e internacionais e aceder aos números de emergência através de um número ou de números incluídos num plano de numeração telefónica nacional ou internacional.

Prevê-se no contrato, quanto a este serviço, o seguinte:

“8.1. As presentes Condições Específicas produzem efeitos na data da adesão ao serviço e vigoram pelo período de um mês automaticamente renovável por iguais períodos, salvo denúncia por qualquer uma das Partes, mediante comunicação válida, com a antecedência mínima de 15 (quinze) dias relativamente ao termo da vigência ou renovação.

8.2. Para efeitos de renovação, as presentes Condições Específicas consideram-se como tendo tido início no primeiro dia do mês respetivo.

8.3. A B... e o CLIENTE poderão acordar na prestação do serviço por um período mínimo de vigência, indicado no formulário. No termo do período mínimo de vigência acordado, as presentes Condições Específicas renovam- se por períodos sucessivos de 1 (um) mês, salvo denúncia por qualquer uma das Partes nos termos previstos na Condição 8.1.

8.4. Em caso de rescisão das presentes Condições Específicas pelo CLIENTE ou por motivo ao mesmo imputável, antes de decorrido o período de vigência mínimo acordado, inicial ou subsequente, a B... terá direito a receber uma indemnização calculada da seguinte forma: (período mínimo de vigência – n.º de meses em que os serviços estiveram ativos) x (valor da mensalidade acordada).

8.5. A existência de período mínimo de vigência poderá decorrer de oferta de condições promocionais, de custos de investimento na aquisição de equipamento, sempre que a adesão ao serviço implique cedência de equipamento indispensável à prestação do mesmo, bem como de custos de ativação do serviço e ainda de angariação, podendo o CLIENTE a todo o momento, através do serviço de apoio ao cliente indicado, em consulta www.B... .pt ou loja B..., obter informação sobre quando se conclui o período mínimo de vigência acordado e ainda o valor exato que terá de pagar a título de indemnização por rescisão antecipada das prestes Condições Específicas, que corresponderá ao valor mensalidade acordada, multiplicada pelo número de meses que estiverem em falta para completar o mencionado período mínimo de vigência.”

Em função do exposto a montante, infere-se que, caso não seja cumprido o período contratual mínimo estabelecido para a prestação do serviço, a B... tem direito a receber uma indemnização dos seus clientes calculada tendo em conta o número de meses que faltavam para completar o período acordado para a prestação do serviço, multiplicado pelo valor da respetiva mensalidade.

Da contabilização

Em matéria de contabilização, de acordo com a NCRF 20 – Rédito1 ponto 22 “O rédito somente é reconhecido quando for provável que os benefícios económicos associados à transacção fluam para a entidade. Porém, quando surja uma incerteza acerca da cobrabilidade de uma quantia já incluída no rédito, a quantia incobrável, ou a quantia com respeito à qual a recuperação tenha cessado de ser provável é reconhecida como um gasto (...)”.

Do Enquadramento Fiscal

No que respeita ao enquadramento em sede do imposto sobre o valor acrescentado, constatou-se que o sujeito passivo não liquidou IVA sobre as indemnizações cobradas aos seus clientes em 2012 por entender que as referidas indemnizações se encontram fora do campo de incidência do referido imposto.

Sobre este entendimento acrescentou ainda a B..., através de e-mail datado de 18 de novembro de 2014, que: “No âmbito da sua atividade, a B..., S.A., doravante sob a forma abreviada “B...”, celebra contratos de prestação de serviços de comunicações móveis, nos quais é usual o estabelecimento de condições promocionais vantajosas, sendo que estas condições estão, em regra, associadas a uma contrapartida: o compromisso assumido pelo cliente de permanecer vinculado ao contrato por um determinado período mínimo de vigência deste. O incumprimento, por parte do cliente, das obrigações contratuais a que se encontra adstrito, designadamente a falta de pagamento pontual, implica o pagamento de uma indemnização à B... .

Na situação em apreço não se verifica uma relação entre os montantes devidos à B... a título de indemnização e a realização de prestações de serviços correlativas pois que a obrigação de indemnização deriva do incumprimento contratual dos clientes, cujo efeito imediato é a suspensão do serviço de comunicações por parte da B... e a rescisão do contrato. Assim, é a não prestação dos serviços pelo período mínimo acordado que fundam o direito à indemnização na esfera da B... . Por um lado, a indemnização deriva do prejuízo inegável que é causado à B... pela não prossecução da prestação de serviços de comunicações por determinado período de tempo, que seria geradora de volume de negócios e de lucro para a empresa. Por outro lado, o montante indemnizatório a receber pela B... não dá à “contraparte” o direito a uma prestação de qualquer natureza. Efetivamente o pagamento da indemnização pelos clientes não gera qualquer obrigação recíproca a cargo da B..., destinando-se os montantes que lhe são entregues à compensação, acima assinalada, dos danos sofridos em consequência do incumprimento contratual, designadamente os relativos ao investimento inicial implícito na oferta de condições promocionais vantajosas, subjacente aos contratos de fidelização. Por conseguinte, a indemnização em apreço não é objeto de tributação em IVA.”

Neste contexto, e para melhor descortinar a moldura jurídico-fiscal na qual deverá inserir-se a questão de facto, chama-se à colação o artigo 562.º do Código Civil (CC), no qual se encontra o princípio geral relativo à obrigação de indemnização. Ali pode ler-se o seguinte:

“Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.”. Chama-se a atenção para o facto de este princípio geral fazer expressa menção do termo “dano”, circunstância a que voltaremos em momento mais adiantado.

Importa agora, com vista a um esclarecimento mais cabal da problemática em análise, lançar mão da doutrina relativa a esta matéria pelo que, uma vez que se mostra pertinente para a apreciação em causa, atentamos, de seguida, no explanado por Mário Júlio de Almeida Costa (Direito das Obrigações, 6.ª edição) a propósito da cláusula penal.

“Define-se a cláusula penal como a estipulação em que num negócio jurídico, designadamente num contrato, as partes fixam o montante da indemnização para o caso do seu incumprimento (art. 810.º, n.º 1). (...) a cláusula tem valor fixo – nem mais nem menos – quer os prejuízos se apresentem na realidade inferiores ou superiores ao seu quantitativo. A lei perspectiva-a como liquidação antecipada («à forfait») dos danos, que as partes acordam livremente, apenas com ressalva dos preceitos imperativos.(...)

Trata-se, pois, de uma forma convencionada pelas partes para ressarcir, indemnizar, eventuais danos que venham a ocorrer na vigência do contrato.

Observamos agora o exposto pelo mesmo autor, ob. cit., relativamente ao dano e, de forma mais concreta, no que respeita à classificação que distingue o dano emergente e o lucro cessante.(...)

Conforme ensina o Prof. Galvão Teles, "Direito das Obrigações", 6ª ed., pág. 373, «Os danos emergentes traduzem-se numa desvalorização do património, os lucros cessantes numa sua não valorização. Se diminui o activo ou aumenta o passivo, há um dano emergente (damnum emergens); se deixa de aumentar o activo ou de diminuir o passivo, há um lucro cessante (lucrum cessans). Ali dá-se uma perda, aqui a frustração de um ganho.» Não obstante, e recentrando agora a observação em curso a partir de um ponto de vista fundamentalmente fiscal, o cerne da presente questão estará em verificar se, subjacente à indemnização, se encontra, ou não, uma transmissão de bens ou prestação de serviços, ou seja, se lhe é inerente um caráter remuneratório.

O IVA, como imposto sobre o consumo e que corresponde, basicamente, ao disposto na Diretiva 2006/112/CE4 do Conselho (doravante Diretiva), visa tributar a contraprestação de operações tributáveis e não a indemnização de prejuízos que não tenham carácter remuneratório.

O conceito de prestação de serviços constante da Diretiva é residual, na medida em que como prestação de serviços se entende qualquer prestação que não seja uma transmissão de bens.

Após esta formulação residual a Diretiva dá exemplos de prestações de serviços, incluindo-se aqui “a obrigação de não fazer ou de tolerar uma acto ou uma situação.”, obrigação de conteúdo negativo (não praticar determinado ato).

De acordo com o nº 1 do artº 3º do CIVA, considera-se, em geral, transmissão de bens a transferência onerosa de bens corpóreos por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade, considerando-se, nos termos do nº 1 do artº 4º do CIVA, como prestações de serviços as operações efetuadas a título oneroso que não constituam transmissões, aquisições intracomunitárias ou importações de bens.

Alinhado com a legislação comunitária, o conceito de prestação de serviços dado pelo artº 4º tem um carácter residual, sendo consideradas como prestações de serviços as prestações efetuadas a título oneroso que não constituam transmissões ou importações de bens.

O IVA incide sobre toda a atividade económica, que mais não é que um operador prestar serviços ou transmitir bens (à exceção de determinados casos particulares) ao beneficiário económico, o qual terá de ceder uma determinada contraprestação. Existe, pois, um vínculo sinalagmático.

Deste modo, de acordo com o ante exposto, o critério a adotar para discernir se uma determinada indemnização está sujeita a tributação em sede de IVA estará relacionado com a existência de uma reposição de rendimento, que compense um acréscimo patrimonial não verificado na sequência da lesão, isto é, de um caráter remuneratório associado à indemnização. E assim sendo têm subjacente uma atividade económica, pressuposto da tributação em IVA.

Cumpre, portanto, aferir se a indemnização se destina a compensar os lucros cessantes, ou seja, a repor o nível de rendimento que, por força de um dano, o sujeito passivo deixou de obter.

Dito de outro modo, há que apurar se o pagamento visou repor o rendimento que seria obtido através da prestação de serviços, caso o cliente não tivesse quebrado a relação contratual.

Na situação em exame será aquela a realidade em causa uma vez que a indemnização controvertida teve essa finalidade, como pode constatar-se dos próprios contratos, concretamente do seu ponto 8.4 das condições específicas dos contratos de prestação do serviço de voz móvel, e dos contratos de prestação de serviços de voz fixa e ponto 9.4 das condições específicas do contrato de prestação do serviço de dados – internet no telemóvel, banda larga móvel e internet wi-fi nos quais pode ler-se o seguinte:

“Em caso de rescisão das presentes Condições Específicas pelo CLIENTE ou por motivo ao mesmo imputável, antes de decorrido o período de vigência mínimo acordado, inicial ou subsequente, a B... terá direito a receber uma indemnização calculada da seguinte forma: (período mínimo de vigência – n.º de meses em que os serviços estiveram ativos) x (valor da mensalidade acordada).”

Assim, e na medida em que do próprio texto do contrato se retira o carácter remuneratório da indemnização, será de considerar que a mesma se encontra sujeita a IVA.

De facto do modo de cálculo da própria indemnização se infere que esta visou compensar a B... de uma perda de receitas no pressuposto de que tinha “(...), no momento da lesão, um direito ao ganho que se frustrou, ou melhor, a titularidade de uma situação jurídica que, mantendo-se, lhe daria direito a esse ganho. - cfr. acórdão do S.T.J de 23/5/78., B.M.J. no 277; pág. 258.” Cf, Acórdão (STJ) no 04B3907 de 16.12.2004.

Também a razão pela qual a B... justifica a existência de um período mínimo de vigência contratual, concretamente “(...)A existência de período mínimo de vigência poderá decorrer de oferta de condições promocionais, de custos de investimento na aquisição de equipamento, sempre que a adesão ao serviço implique cedência de equipamento indispensável à prestação do mesmo, bem como de custos de ativação do serviço e ainda de angariação (...)” refletem que a recuperação do investimento será garantida, pelas receitas obtidas ao longo do período de fidelização ou caso aquele seja descontinuado (via desistência do cliente) o retorno mantem-se pela via da indemnização, visto que a mesma acomoda as receitas dos meses que faltam para o términus do contrato.

Fica assim garantido o mesmo nível de lucro. A B... não teve prejuízos na modalidade de lucros cessantes, porque contratualmente foi fixada a indemnização que incorpora esses lucros.

O que a B... visa refazer não é o investimento efetuado – esse permanece tal como foi feito – o que pretende, afinal, é conseguir receitas para recuperar esse investimento, numa óptica económica.

Este desiderato é alcançado através da existência do período de fidelização e quando este não é cumprido, é debitado ao CLIENTE uma indemnização.

Concluindo-se deste modo que esta indemnização integra o conceito de lucro cessante e como tal é sujeita a IVA.

A corroborar o ante dito recupera-se o teor da informação fornecida pela B..., anteriormente mencionada, “Assim, é a não prestação dos serviços pelo período mínimo acordado que fundam o direito à indemnização na esfera da B... . Por um lado, a indemnização deriva do prejuízo inegável que é causado à B... pela não prossecução da prestação de serviços de comunicações por determinado período de tempo, que seria geradora de volume de negócios e de lucro para a empresa. (...)”

Com a rescisão do contrato por iniciativa do cliente, antes de terminado o período contratualmente estabelecido, a B... viu diminuídos os seus lucros por perda de receita, a que corresponde um não aumento do seu património (por via do valor recebido dos seus clientes). Não se verificou uma diminuição do património existente (situação de dano emergente) mas sim um não aumento deste, pela via da perda da receita, conforme refere a citação do Prof. Galvão Teles, já mencionada.

Acresce ainda que, segundo alegações do próprio sujeito passivo, o facto de emergindo estas indemnizações de relações contratuais que por parte da B... consubstanciam “ (...) estabelecimento de condições promocionais vantajosas “ e da parte do cliente “ o compromisso assumido (...) de permanecer vinculado ao contrato por um determinado período mínimo de vigência deste.”, que as mesmas surgem no âmbito do exercício de atividade económica e concomitantemente relacionadas com a prestações de serviços de telecomunicações, que é a atividade da B... .

De forma a corroborar a posição ora defendida, cita-se agora o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA) no 01158/11 de 31.10.2012, cuja posição sufraga de forma inequívoca o entendimento aqui propugnado: “Em face de tudo o que vai exposto, somos de concluir, em conformidade com o consignado no douto Parecer do Ministério Público, segundo o qual é preciso distinguir:

a) A indemnização paga pela seguradora, “(...) destinada à compensação do dano causado pela perda do bem”, a mesma deve considerar-se excluída da incidência objectiva de IVA, “na medida em que não assume a natureza de contraprestação pela transmissão de um bem ou prestação de um serviço (arts. 1º n.º 1, 4º n.º 1 e 16 n.º 1 CIVA)”;

b) As quantias pagas pelo locatário à locadora, sendo pagas “complementarmente à locadora pelos locatários não revestem natureza ressarcitória (porque não se destinam à compensação de perdas e danos) antes radicam no cumprimento de obrigações contratualmente assumidas (em cada uma das categorias de contratos em causa). Tendo estes contratos a natureza de contratos de prestação de serviços, aquelas quantias representam, ainda, contraprestações de operações tributáveis em IVA”.

Conclui-se, assim, que as presentes indemnizações visam compensar rendimentos cessantes e decorrem do cumprimento de obrigações contratualmente assumidas no âmbito de contratos de prestações de serviços, pelo que representam uma contraprestação de operações tributáveis em IVA.

Em termos de enquadramento no Código do IVA as indemnizações em crise constituem uma contrapartida por uma prestação de serviços, sujeita e não isenta, nos termos do artº 4º, n.º 1, ocorrendo o facto gerador e consequentemente sendo o imposto devido no momento da emissão da fatura, nos termos do artº 8.º, n.º 1, alínea a), sendo o valor tributável o da indemnização, de acordo com o artº 16.º, n.º 1, sendo aplicável a taxa de 23%, prevista no artº 18.º, n.º 1, alínea c), todos do Código do IVA.»

  1. «Neste seguimento, importa proceder à quantificação da base tributável distribuída por meses, tendo, para o efeito, sido solicitados ao sujeito passivo, (mail de 17.10.2014) os seguintes elementos: listagem de todas as faturas emitidas a clientes durante o ano de 2012, com a indicação do seu valor e período de emissão; explicação da composição e forma de cálculo do montante faturado aos clientes, decorrente da rescisão; confirmar se foi liquidado IVA nestas faturas e em caso negativo, justificar a sua não liquidação.

Na sequência do solicitado foram fornecidos dois ficheiros Excel, contendo (i) a totalidade das faturas emitidas no ano de 2012, referentes a indemnizações por incumprimento do período de fidelização e (ii) a totalidade das faturas emitidas e que se encontravam em “aberto”. Estes ficheiros continham, entre outros, os seguintes campos: Cta.contrato; Nºdoc.; Itm; Cta.Razão; Mont.em moeda int.; Moeda; CI; Data doc.; Período; Data lçto.; Tipifica; Cta.contrato; ParcNeg.; Denominação da conta de contrato; Descritivo; Doc.comp; Referência.

Da análise e tratamento informático realizado aos dados fornecidos pela B..., foi possível obter um ficheiro com os seguintes elementos identificativos para cada registo/fatura: número e referência da fatura; data, período e valor da fatura; nome e número do cliente; descritivo do serviço e taxa de IVA.

Deste universo de dados devidamente organizados, foram analisados os valores por tipo / motivo de indemnização de onde foram considerados como sujeitos a imposto os constantes do Anexo I (fls. 1) e que totalizam o valor de €1.812.195,35.

Posto isto, faz-se neste contexto notar que a metodologia utilizada tem presente o teor do artº 75º da Lei Geral Tributária (LGT), com a epígrafe “Declaração e outros elementos dos contribuintes”, segundo o n.º 1 do qual “Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal”, donde se origina também uma especial vinculação entre os elementos disponibilizados e os resultados ora obtidos.

Assim, com base nos dados obtidos da verificação e validação efetuada aos elementos disponibilizados pelo sujeito passivo, foi possível apurar um montante total de €7.879.110,21, correspondente a indemnizações faturadas a clientes, em que não foi liquidado IVA, ao qual corresponde um valor total de IVA em falta, à taxa normal, de €1.812.195,35 (Anexo I e II).»

  1. «Em síntese, à luz do anteriormente exposto, conclui-se que estas indemnizações estão sujeitas e não isentas de imposto. Por conseguinte, nos termos do nº 1 do artigo 4.º, artº 8.º, n.º 1, alínea a), do nº 1 do artigo 16º, e da alínea c) do nº 1 do artigo 18.º, todos do Código do IVA, apurou-se imposto em falta, no montante total de €1.812.195,35.

O quadro seguinte apresenta o resumo das correções em sede de IVA, por período tributário:

 »

  1. «Analisando o respetivo documento, cumpre-nos informar que quanto à correção proposta nos pontos III.1.1. e III.2.1., o sujeito passivo vem alegar a sua discordância pelo que foram os mesmos pontos reanalisados. [...]

IX.2. IVA - Correções ao IVA Liquidado

IX.2.1.Indemnizações por incumprimento do período de fidelização contratual (Ponto III.2.1. do Projeto de Relatório)

A correção proposta no ponto III.2.1 do projeto do relatório totaliza €1.812.195,35 decorrente da falta de liquidação de IVA nas indemnizações faturadas por incumprimento do período de fidelização contratual.

O sujeito passivo veio apresentar, nos pontos 119.º a 138.º do direito de audição, as contestações à correção proposta, com os fundamentos que resumidamente se indicam.

Da natureza dos contratos

(...) Relativamente à sujeição ou não das indemnizações a IVA, começa-se por referir que a sujeição a tributação em sede de IVA tem subjacente a realização de uma atividade económica e a existência de uma contraprestação. Neste sentido existe um vínculo sinalagmático obrigacional, pressuposto de uma operação económica.

Assim, conforme já referido no ponto III.2.I., no caso das indemnizações, o critério a adotar para avaliar da sujeição a tributação em sede de IVA, estará relacionado com a existência de uma reposição de rendimento, que compense um acréscimo patrimonial não verificado na sequência da quebra contratual, isto é, de um caráter remuneratório associado à indemnização.

Dito de outro modo há que avaliar se a indemnização se destina a compensar os lucros cessantes, ou seja, a repor o nível de rendimento que, por força de um fator exógeno, o sujeito passivo deixou de obter, ou se simplesmente se destinou a ressarcir ou reparar um dano causado. Ou seja, o fim e natureza do pagamento subjacente à indemnização, irá determinar a sua classificação como contrapartida remuneratória ou como reparação de um dano causado. Pode-se afirmar que, para estes casos de indemnizações por incumprimento contratual apenas a análise casuística da substância da operação pode induzir ao entendimento do alcance da indemnização e à contextualização da sua função remuneratória ou ressarcitória, e consequentemente à aferição da sua sujeição ou não a IVA.

Nestes termos há que apurar se o pagamento visou repor o rendimento que seria obtido através da prestação de serviços, caso o cliente não tivesse quebrado a relação contratual.

Ora, na situação em exame será aquela a realidade em causa uma vez que a indemnização controvertida teve essa finalidade, conforme se retira dos contratos ““Em caso de rescisão das presentes Condições Específicas, pelo CLIENTE ou por motivo ao mesmo imputável, antes de decorrido o período mínimo de vigência, a B... terá direito a receber uma indemnização calculada da seguinte forma: (período mínimo de vigência – no de meses em que os serviços estiveram ativos) x (valor da mensalidade).”.

Desta cláusula se retira o carácter remuneratório da indemnização, uma vez que fica assim garantido o mesmo nível de lucro que seria obtido. A B... não teve prejuízos na modalidade de lucros cessantes, porque contratualmente foi fixada a indemnização que incorpora esses lucros.

O que a B... visa refazer não é o investimento efetuado – esse permanece tal como foi feito – o que pretende, afinal, é conseguir receitas para recuperar esse investimento, numa ótica económica. Nas alegações apresentadas em direito de audição o sujeito passivo limitou-se a afirmar que estas indemnizações consubstanciam uma sanção/punição imposta aos seus clientes e visam meramente ressarcir um dano e que não são a contraprestação de qualquer prestação de serviço ou transmissão de bens realizada.

Contudo, não logrou demonstrar ou quantificar qual o dano que estas se destinam a ressarcir.

Conforme já se demonstrou, o valor da indemnização corresponde ao total dos rendimentos que a B... iria auferir caso o contrato vigorasse até ao seu prazo final. Por conseguinte, não é de todo admissível, considerar que a totalidade da indemnização se destinou a reparar um dano. Seria o mesmo que admitir que a B... não obteria quaisquer lucros decorrentes dos contratos de prestação de serviços de acesso à internet em banda larga e de serviços de televisão e multimédia que celebra, ou seja que todos os rendimentos auferidos eram apenas para compensar o investimento efetuado. O que na realidade não sucede.

Neste sentido, ainda que as indemnizações pudessem conter uma parte do seu valor que se destinasse a reparar um dano, não foi o mesmo apresentado ou comprovado pelo sujeito passivo.

E ao invocar esse facto – existência de dano - cabe ao contribuinte, nos termos do n.º 1 do artigo 74.º da LGT, o ónus da prova dos factos constitutivos.(...)

Posto isto, veio ainda a B..., apresentar jurisprudência, designadamente, o Acórdão Tolsma, de 3 de março de 1994, no âmbito do processo C-16/93. Este acórdão pronuncia-se sobre o caso concreto da prestação de uma atividade que consiste em tocar música na via pública e da sujeição desta a IVA. Sobre esta operação conclui o TJUE que “o conceito de prestação de serviços efectuada a título oneroso, (...), não abrange a actividade que consiste em tocar música na via pública, relativamente à qual não se encontra estipulada qualquer remuneração, mesmo se o interessado solicita uma contribuição em dinheiro e recebe certas quantias cujo montante não é, todavia, nem determinado nem determinável”.

Contudo tal não é, nem se vislumbram semelhanças com a situação sob escrutínio, visto que no caso em debate têm subjacente a realização de uma atividade económica que consiste na prestação de serviços de comunicações. Repare-se que as indemnizações aqui em apreço têm um montante previamente determinado e como tal têm um caráter de onerosidade associado.

Em suma, os pagamentos realizados por incumprimento contratual, são devidos no âmbito da responsabilidade remuneratória do adquirente do serviço e não como ressarcimento por um dano causada ao prestador, pelo que face a tudo exposto, conclui-se que estas indemnizações integram o conceito de lucro cessante e como tal são sujeitas a IVA.

Da recuperação do IVA

Entende o sujeito passivo, nos parágrafos 132º a 135º, que os montantes indemnizatórios debitados têm como “...destinatários, na sua maioria, clientes que não revestem a natureza de sujeitos passivos de IVA (particulares), sendo que, ..., o seu pagamento quase nunca é efectivado...” , logo os montantes que a AT está a liquidar, “...seriam, em grande parte, recuperados ao fim de seis meses...”, e o IVA dos outros clientes, seria igualmente recuperável por aplicação do artigo 78º e 78º-A, ambos do CIVA, concluindo que a receita do Estado não ficaria prejudicada.

Perante esta alegação, o sujeito passivo parece sustentar, que a liquidação adicional está desprovida de utilidade, pois caso tivesse liquidado IVA e entregue ao Estado, face á baixa taxa de cobrabilidade e à possibilidade contida no artigo 78º, já o teria recuperado.

O sujeito passivo deduz esta alegação com base numa situação hipotética, veja-se, pois, quando refere “(...) os montantes (...) liquidados pela exponente, seriam, em grande parte, recuperados (...)”, ora a AT jamais considera situações que não sejam as efetivas. Ademais, está a desconsiderar o efeito financeiro na esfera do Estado, decorrente da entrega do imposto e posterior recuperação e por fim parece desrespeitar os condicionalismos que a lei impõe para estas regularizações.

Vejamos então, o Código do IVA regula no artº 78º, as retificações/regularizações do imposto, estabelecendo determinadas condições para que os sujeitos passivos possam efetuar a dedução/regularização que se mostre devida.

Assim e no que ao caso interessa, prevê o mecanismo de recuperação do IVA (i) nos créditos incobráveis (artº 78º nº 7) (ii) bem como nos créditos em mora (artº 78º nº 8 a 10).

Porém, a alusão que o sujeito passivo faz a este recurso, parece levar a crer que todo o processo é automático, quando, no entanto o Código do IVA prevê, conforme já referido, a necessidade de cumprimento de diversos requisitos legais, por forma a que seja feita a regularização do IVA nos créditos, sendo precedido da liquidação do próprio IVA, situação que no caso em análise ainda não se verificou.

Para o efeito, o sujeito passivo deve efetuar, regularizações de IVA, no Campo 40 das respectivas Declarações Periódicas, relativa a recuperação de IVA referente a créditos em mora de acordo com as alíneas a), b), c) e d) do n.º 8 do artigo 78º do Código do IVA.

O sujeito passivo deve, também, apresentar as devidas certificações do Revisor Oficial de Contas, de acordo com o exposto no n.º 9 e 10 do artigo 78º do Código do IVA. Nas referidas certificações deverá ser descrito o montante dos créditos não cobrados, o montante de imposto a regularizar, bem como a confirmação de que o sujeito passivo efetuou as devidas diligências para a recuperação dos créditos em causa.

Por outro lado, de acordo com a nova redação do n.º 10 deste artigo 78.º, a certificação por Revisor Oficial de Contas deve ser efetuada por cada um dos períodos em que foi feita a regularização e até ao termo do prazo estabelecido para a entrega da declaração periódica ou até à data de entrega da mesma quando esta ocorra fora do prazo.

A referência que o sujeito passivo faz ao artigo 78º-A do CIVA, não tem aplicação no período em análise pois este artigo foi aditado pela Lei n.º 66-B/2012 de 31 de dezembro, e o nº 7 do artigo 198.º - Lei n.º 66-B/2012 de 31 de dezembro - Disposição transitória no âmbito do Código do IVA - prevê que “O disposto nos artigos 78.º-A a 78.º-D do Código do IVA aplica-se aos créditos vencidos após a entrada em vigor da presente lei.”, pelo que só para os períodos iniciados em 2013 é que se verifica este mecanismo.

Ora, neste caso, nem o IVA foi liquidado nem estão provadas as condições da regularização.

Se e quando a B... vier a reunir os pressupostos para a eventual regularização nos termos do citado artigo 78º do CIVA, o exercício desse direito é assegurado através dos procedimentos legalmente previstos, caso tenha procedido à entrega do imposto nos cofres do Estado.

Assim é que, sem necessidade de outras considerações, não se antolham reunidos in casu quaisquer dos pressupostos para a regularização de IVA à luz do artigo 78º do CIVA.

Do cálculo do montante de imposto a liquidar

Por último, vem o sujeito passivo, parágrafos 136º a 138º argumentar que o montante da correção que a AT determinou se encontra incorreto, pois “...o IVA sempre constituiria uma componente do montante cobrado, e nunca um elemento que acresceria a este valor”, apresentando como fundamento o conteúdo do Acórdão Corina Hrisi Tulica, proferido a 7 de novembro de 2013, no âmbito dos processos apensos C-249/10 e C-250/12 do TJUE. Nas palavras do TJUE “quando o preço de um bem tenha sido determinado pelas partes sem menção de IVA e o fornecedor do referido bem seja o devedor do IVA devido sobre a operação tributada e caso o fornecedor não tenha a possibilidade de recuperar junto do adquirente o IVA reclamado pela administração fiscal, se deve considerar que o preço convencionado já inclui IVA” Assim, pretende a B... que, “se por mera hipótese, o que não se concede (...) tivesse que liquidar IVA nas indemnizações por incumprimento do período de fidelização contratual debitadas aos seus clientes no ano de 2012, o montante de imposto a entregar ao Estado não poderia ultrapassar os € 1.473.329,55”.[...]

Não obstante as alegações do contribuinte, vem este acórdão esclarecer que “quando um contrato de compra e venda tiver sido celebrado sem menção do IVA, na hipótese de o fornecedor, segundo o direito nacional, não poder recuperar junto do adquirente o IVA posteriormente exigido pela administração fiscal, considerar que a totalidade do preço, sem dedução do IVA, constitui a base a que o IVA se aplica teria a consequência de o IVA onerar esse fornecedor e colidir, portanto, com o princípio de que o IVA é um imposto sobre o consumo, que deve ser suportado pelo consumidor final. (...) Em contrapartida, isso não sucederia se o fornecedor tivesse, segundo o direito nacional, a possibilidade de adicionar ao preço estipulado um suplemento correspondente ao imposto aplicável à operação e de o recuperar junto do adquirente do bem.”

Assim, é fundamental verificar se os fornecedores do bem / prestadores do serviço, dispõem ou não, por força do direito nacional, da possibilidade de recuperar junto dos adquirentes, além do preço convencionado, o IVA exigido pela administração tributária. (...)

Salienta-se ainda, relativamente à repercussão do imposto, que de acordo com o entendimento plasmado na Informação nº 1233, de 02-03-90, dos Serviços do IVA, “É possível a um sujeito passivo a quem foi liquidado imposto oficiosamente proceder à sua facturação ao destinatário do bem ou do serviço”.

Por outro lado, não deixa de ser contraditório a B... defender a não sujeição ao imposto, destas indemnizações, e simultaneamente defender, quando ataca a quantificação, que o imposto está compreendido no montante cobrado.

Pois a ser assim, estaríamos perante imposto liquidado e não entregue, mas a AT considera que tal não sucedeu. Em síntese defende a B... (i) que as indemnizações em debate não estão sujeitas a IVA, (ii) da inutilidade desta liquidação face aos vários regimes de recuperação de imposto previsto no arto 78º do CIVA e (iii) da indevida quantificação do imposto apurado pela AT, por entender que o IVA já está incluído no montante cobrado.

Face ao exposto pela AT, conclui-se pela não-aceitação da pretensão do contribuinte relativamente à quantificação do montante do imposto liquidado.

Considerando tudo o que já foi dito, mantêm-se a correção no montante de €1.812.195,35.»

  1. A Requerente apresentou reclamação graciosa, à qual juntou documentos.
  2. A reclamação graciosa foi tramitada sob o no ...2015..., sendo notificado à Requerente o projecto da decisão.
  3. A reclamação graciosa foi expressamente indeferida, por decisão notificada em 27-11-2015, através do ofício n.º..., de 25-11-2015.
  4. Contra esta decisão, a Requerente interpôs em 23-12-2015 recurso hierárquico, o qual não foi objecto de decisão no prazo legal.
  5. A Requerente é uma sociedade anónima, cujo objecto social consiste no estabelecimento, concepção, construção, gestão e exploração de redes e infraestruturas de telecomunicações, bem como na prestação de serviços de telecomunicações e de transporte e difusão de sinal de telecomunicações.
  6. No âmbito da sua actividade, a Requerente celebra com os seus clientes contratos de prestação de serviços de telecomunicações, de acesso à internet, televisão e multimédia.
  7. Em determinados contratos que a Requerente celebra com os seus clientes é estipulada a obrigação de o cliente permanecer vinculado ao contrato durante um período mínimo, sendo oferecidas, nestas situações, determinadas condições promocionais, nomeadamente, a fixação de mensalidades de valor mais reduzido.
  8. Aquando da celebração destes contratos, a Requerente proporciona aos seus clientes condições promocionais, conquanto os mesmos assumam o compromisso de permanecer vinculados a tais contratos, durante um "período mínimo de Vigência", que poderá ascender, no máximo, a 24 meses.
  9. Este procedimento é comum no sector das telecomunicações em Portugal, sendo praticado pela generalidade dos operadores.
  10. Neste tipo de contratos, o incumprimento, por parte do cliente, das obrigações contratuais a que se encontra adstrito - nomeadamente, o não pagamento das mensalidades devidas no âmbito do contrato - gera, na esfera daquele, a obrigação de pagamento de um determinado valor à Requerente.
  11. Estes contratos incluem cláusulas que prevêem a obrigação do cliente proceder ao pagamento de um valor a correspondente ao da mensalidade multiplicado pelo número de meses que faltarem para completar esse o período, em caso de desactivação dos serviços, antes do termo do vínculo contratual acordado, por iniciativa da Requerente por causa imputável ao cliente
  12. A prestação de serviços (de telecomunicações, de acesso à internet, televisão e multimédia), por parte da Requerente, assenta numa complexa infra estrutura cuja montagem e manutenção implica um exigente investimento humano e material, a que acrescem os custos humanos e administrativos associados à angariação de clientes e à activação dos serviços.
  13. Tendo por base o valor do investimento necessário para a prestação de serviços, a Requerente determina um número (mínimo) de contratos que deverão ser celebrados para que o seu racional de negócio possa ser alcançado.
  14. Nas situações em que se verifica o incumprimento dos contratos por parte dos clientes, a Requerente deixa de receber o retorno inicialmente previsto, o qual foi aferido em função do ressarcimento dos investimentos efectuados.
  15. Nestas situações de incumprimento dos contratos por parte dos clientes, a Requerente pode activar a cláusula incluída nos seus contratos.
  16. Em situações de incumprimento por parte do cliente, a Requerente, num primeiro momento, informa o cliente da necessidade da regularização dos valores em dívida e adverte-o que, em caso de não regularização, procederá ao cancelamento dos serviços contratados e ao débito da indemnização decorrente do incumprimento do período de fidelização, conforme previsto nos contratos.
  17. Na sequência desta comunicação, e caso o cliente não regularize os valores em dívida, a Requerente procede ao cancelamento definitivo da prestação de serviços contratada.
  18. Após a verificação do incumprimento e da consequente cessação da prestação de serviços, a Requerente procede ao débito do valor que entende devido nos termos previstos no contrato, correspondente ao "Valor da mensalidade (...) multiplicado pelo número de meses que faltarem para completar esse período".
  19. A generalidade dos clientes da Requerente, perante o risco de débito da indemnização, prefere cumprir as condições contratadas, mantendo a vinculação durante o período mínimo de vigência.
  20. Nas situações em que o incumprimento à Requerente assiste o direito de cobrar a quantia pré-fixada, sem necessidade de recorrer à via judicial para prova e demonstração do direito a tal montante, no que à respectiva quantificação diz respeito.
  21. Nas situações de incumprimento do período mínimo de vigência, a Requerente emite aos seus clientes incumpridores as facturas correspondentes aos valores debitados, sem liquidação de IVA e com a expressa menção “Não sujeito a IVA”.
  22. A generalidade dos valores debitados neste âmbito respeita a clientes particulares.
  23. Apenas uma reduzida parte dos valores respeitantes aos valores debitados, nas situações de incumprimento, são objecto de pagamento.
  24. A Requerente, no momento da emissão das correspondentes facturas, regista os valores respectivos na rúbrica contabilística # 282 - Rendimentos a reconhecer, e apenas reconhece estes valores, do ponto de vista contabilístico, como resultados, no momento em que o seu cliente incumpridor efectua o pagamento do valor facturado.
  25. Nas mensalidades pagas pelo cliente durante o período em que os contratos foram cumpridos, a Requerente liquidou IVA, que oportunamente entregou ao Estado.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13[82], “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

            Não se deram como provados ou não provados factos redundantes ou incompatíveis com os factos dados como provados, nem afirmações conclusivas ou de direito formuladas pelas partes.

 

B. DO DIREITO

 

            Conforme resulta da matéria de facto acima assente, as liquidações objecto da presente acção arbitral fundamentam-se, juridicamente no disposto na al. a) do n.º 1 do artigo 1.º, no n.º 1 do artigo 4.º, no artigo 8.º, n.º 1, alínea a), no n.º 1 do artigo 16.º, e na alínea c) do nº 1 do artigo 18.º, todos do Código do IVA.

            É o seguinte, o teor de tais normas, na redacção aplicável:

  • artigo 1.º, n.º 1, al. a): “Estão sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado: a) As transmissões de bens e as prestações de serviços efetuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal;”
  • artigo 4, n.º 1: “São consideradas como prestações de serviços as operações efetuadas a título oneroso que não constituem transmissões, aquisições intracomunitárias ou importações de bens.”;
  • artigo 8.º, n.º 1, alínea a): “Não obstante o disposto no artigo anterior, sempre que a transmissão de bens ou prestação de serviços dê lugar à obrigação de emitir uma factura ou documento equivalente, nos termos do artigo 29.º, o imposto torna-se exigível: a) Se o prazo previsto para a emissão de factura ou documento equivalente for respeitado, no momento da sua emissão;”
  • artigo 16.º, n.º 1: “Sem prejuízo do disposto nos n.ºs 2 e 10, o valor tributável das transmissões de bens e das prestações de serviços sujeitas a imposto é o valor da contraprestação obtida ou a obter do adquirente, do destinatário ou de um terceiro.”;
  • artigo 18.º, n.º 1, alínea c): “As taxas do imposto são as seguintes: (...) c) Para as restantes importações, transmissões de bens e prestações de serviços, a taxa de 23 %”.

Sendo o IVA, como é consabido, um imposto de matriz comunitária, as disposições referidas, no que para o caso interessa têm reflexo nos seguintes artigos da Directiva 2006/112/CE (Directiva IVA):

  • artigo 2.º, n.º 1, alínea c): “Estão sujeitas ao IVA as seguintes operações: (...) c) As prestações de serviços efectuadas a título oneroso no território de um Estado-Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade; ”;
  • artigo 64.º, n.º 1: “Quando dêem origem a pagamentos por conta ou a pagamentos sucessivos, as entregas de bens, que não sejam as que têm por objecto a locação de um bem durante um período determinado ou a venda a prestações de um bem, referidas na alínea b) do n.º 2 do artigo 14.º, e as prestações de serviços, consideram-se efectuadas no termo do prazo a que se referem esses pagamentos.”;
  • artigo 66.º/1/a): “Em derrogação do disposto nos artigos 63.º, 64.º e 65.º, os Estados-Membros podem prever que, em relação a certas operações ou a certas categorias de sujeitos passivos, o imposto se torne exigível num dos seguintes momentos: a) O mais tardar, no momento da emissão da factura;”;
  • artigo 73.º: “Nas entregas de bens e às prestações de serviços, que não sejam as referidas nos artigos 74.º a 77.º, o valor tributável compreende tudo o que constitui a contraprestação que o fornecedor ou o prestador tenha recebido ou deva receber em relação a essas operações, do adquirente, do destinatário ou de um terceiro, incluindo as subvenções directamente relacionadas com o preço de tais operações.”.

 

*

            As normas comunitárias referidas são susceptíveis de gerar dúvidas na sua aplicação ao caso concreto.

            Com efeito, da matéria de facto dada como provada, verifica-se que as prestações que a AT sujeitou a IVA nas liquidações impugnadas pela Requerente, emergem de contratos que vigoraram entre aquela e clientes seus, e no quadro dos quais a Requerente prestou serviços e assegurou aos clientes condições promocionais e outras vantagens como contrapartida da vinculação a um período mínimo de vigência do contrato, correspondendo, as referidas prestações, ao valor da mensalidade devida pelo cliente nos termos contratuais, multiplicada pelo número de meses em falta para que se complete o período mínimo de vinculação contratual acordado.

            Apura-se igualmente que a exigibilidade de tais prestações se verifica apenas após a cessação do contrato, sendo tal cessação, por causa imputável ao cliente, o facto gerador do direito da Requerente àquelas e que, consequentemente, no momento em que são exigidas já a Requerente não presta, nem está obrigada a prestar qualquer serviço aos seus clientes.

Resultou ainda da discussão da causa a possibilidade de que:

  1. o valor facturado tenha como finalidades contratuais dissuadir o cliente de incumprir o período de fidelização a que se obrigou e ressarcir prejuízos que o operador sofreu, com o incumprimento do período de fidelização, designadamente pela privação do lucro que auferiria se o contrato vigorasse até ao final do referido período, bem como pela contratação de tarifas mais baixas, pelo fornecimento de equipamentos ou outras ofertas, gratuitamente ou a preço reduzido, bem como com despesas de publicidade e angariação do cliente;
  2. os contratos com período de fidelização que foram angariados tenham uma remuneração, para os angariadores, superior à dos contratos sem fidelização por eles angariados, sendo que o valor da remuneração dos angariadores, num e noutro caso (ou seja, nos contratos com e sem fidelização) era calculada com base no valor das mensalidades fixado nos contratos angariados;
  3. o valor facturado seja qualificável, face ao direito nacional, como uma cláusula penal.

Tais circunstâncias, serão ponderadas por este Tribunal, na medida em que, face às questões que se colocam em reenvio, se apure que assumam relevância para a decisão final a tomar.

 

*

            A questão que se coloca no presente processo, em primeira linha, é saber se as normas do Direito da União Europeia referidas, matriz das normas nacionais aplicadas pela AT, se opõem, ou não, à liquidação de IVA sobre as prestações tributadas nesse imposto, o que passará por apurar se, face às referidas normas, se deve entender que aquelas prestações constituem, ainda, uma contrapartida dos serviços prestados pela Requerente na vigência do contrato, ou se, pelo contrário, se trata de prestações independentes daqueles.

            A jurisprudência conhecida do TJUE na matéria, contendo alguns casos com proximidade à questão que aqui se discute, não é concludente, no sentido de afastar todas as dúvidas razoáveis quanto ao sentido da resposta a dar a essa questão.

            O maior grau de intersecção entre a situação sub iudice e situações objecto de acórdãos do Tribunal Europeu, consubstancia-se na jurisprudência relativa à não sujeição a IVA das quantias pagas a título de sinal, em especial o Acórdão de 18 de Julho de 2007, proferido no processo C-277/05, bem como no Acórdão de 23 de Dezembro de 2015, proferido nos processos C-250/14 e C-289/14.

            Ora, o presente caso, salvo melhor opinião, não se identifica completamente com a primeira das situações, já que, não obstante algumas similitudes apontadas pela Requerente, não se verificam uma série de notas fundamentais no iter decisório do Tribunal, como seja:

  • O montante sujeito a IVA pela AT, nas liquidações impugnadas pela ora Requerente, não são imputados a qualquer prestação da Requerente, ao contrário do que acontecia no Acórdão do TJUE referido (cfr. ponto 26);
  • no presente caso não está em causa “uma caução ou (...) sinal”, já que os montantes sujeitos a IVA pela AT são devidos após o termo do contrato, sendo que aquela foi a situação especificamente analisada pelo TJUE (cfr. ponto 30);
  • no caso julgado pelo TJUE, apurou-se que “o montante do referido prejuízo po[dia] ultrapassar o do sinal conservado pela entidade que explora o estabelecimento hoteleiro ou ser inferior a esse montante.” (cfr. ponto 33), enquanto que no presente caso, uma vez que os clientes da Requerente estão obrigados a pagar exactamente o mesmo valor que estavam obrigados se o contrato se mantivesse em vigor até ao termo da obrigação de permanência, os prejuízos que a Requerente possa ter com a cessação do contrato nunca excederão, numa situação de normalidade, aquele valor;
  • no caso objecto dos presentes autos, inexiste qualquer reciprocidade na penalidade ao contrário do que acontece no caso julgado pelo TJUE, ora em análise (cfr. conclusão 34).

            Relativamente ao no Acórdão de 23 de Dezembro de 2015, o Tribunal de Justiça considerou que a não sujeição a IVA assentaria numa interpretação que “modificaria a natureza da contrapartida paga pelo passageiro” e que “o conceito de «prestação de serviços», na aceção da Sexta Diretiva e da Sexta Diretiva alterada, deve ser interpretado independentemente dos objetivos e dos resultados das operações em causa, sem que a Administração Fiscal esteja obrigada a proceder à averiguação da intenção do sujeito passivo, atendendo ao seu caráter objetivo”, considerações que, salvo melhor opinião, não serão também transponíveis para o presente caso.

            Por outro lado, e como se aponta no num dos pareceres junto pela Requerente, no processo referido estava em causa uma prestação paga antes da prestação dos serviços contratualmente previstos, enquanto na situação ora em apreço está em causa uma prestação devida após o termo da obrigação da Requerente prestar serviços.

            Também o Acórdão do TJUE de 09 de Outubro de 2001, proferido no processo C-108/99, citado no referido Parecer junto pela Requerente, não parece conter a resposta para a questão que ora se coloca, porquanto o segmento ali invocado (n.º 31) contém uma consideração lateral à questão decidenda e, ressalvada sempre melhor opinião, terá pressuposto o disposto na então vigente al. b) do n.º 1 do artigo 13.º da Directiva, que consagrava a isenção de IVA na locação de imóveis.          

 

*

            Como se escreveu no Acórdão de reenvio proferido no processo arbitral 96/2013T[83]:

“Embora o texto do RJAT não contenha norma expressa aludindo à possibilidade de efectuar reenvio prejudicial nos processos arbitrais tributários, no seu Preâmbulo refere-se que «Nos casos em que o tribunal arbitral seja a última instância de decisão de litígios tributários, a decisão é susceptível de reenvio prejudicial em cumprimento do § 3 do artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia».

Independentemente de esta possibilidade de reenvio prejudicial não ter sido transposta para o texto do RJAT, ela resulta do referido § 3.º do artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, pelo que deve ser aplicada, por força do disposto no artigo 8.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, que estabelece que «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».

Embora todas as decisões dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD sejam passíveis de recurso, já que não se estabelece qualquer alçada, apenas são admissíveis recurso para o Tribunal Constitucional, com fundamento e inconstitucionalidade, e para o Supremo Tribunal Administrativo, com fundamento em oposição de julgados (artigo 25.º, n.ºs 1 e 2, do RJAT). (...)”

            No caso em apreço, não são discutidas questões de inconstitucionalidade, relativamente à matéria em causa, o que afasta a possibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional, não sendo conhecida jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo ou dos Tribunais Centrais Administrativos sobre a referida questão, pelo que não se pode concluir pela possibilidade de recurso relativamente à mesma.

            Assim, aqui, como no referido processo, há que concluir que:

“Neste contexto, é de entender que é obrigatório o reenvio prejudicial, à face do preceituado no artigo 267.º do Tratado Sobre o Funcionamento da União Europeia, que estabelece que «sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal».”.

            Assim, atento o disposto no § 3 do artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, considera-se ser de convocar, nos autos, a intervenção do TJUE.

 

*

 

Pelo exposto, formulam-se as seguintes questões, em reenvio prejudicial:

  1. Os artigos 2.º, n.º 1, alínea c), 64.º, n.º 1, 66.º/1/a), e 73.º, todos da Directiva 2006/112/CE, devem ser interpretados no sentido de que o Imposto sobre o Valor Acrescentado é devido por um operador de telecomunicações (televisão, internet, rede móvel e rede fixa) pela cobrança aos seus clientes, no caso de termo de contrato com obrigação de permanência por uma duração determinada (período de fidelização), por causa imputável ao cliente, antes de completada tal duração, de um valor predeterminado, equivalente ao valor da mensalidade base devida pelo cliente nos termos do contrato, multiplicado pelo número de mensalidades em falta até ao termo do período de fidelização, sendo que quando é facturado o referido valor, e independentemente da sua efectiva cobrança, cessou já a prestação de serviços pelo operador, e caso:
    1. o valor facturado tenha como finalidades contratuais dissuadir o cliente de incumprir o período de fidelização a que se obrigou e ressarcir prejuízos que o operador sofreu, com o incumprimento do período de fidelização, designadamente pela privação do lucro que auferiria se o contrato vigorasse até ao final do referido período, bem como pela contratação de tarifas mais baixas, pelo fornecimento de equipamentos ou outras ofertas, gratuitamente ou a preço reduzido, bem como com despesas de publicidade e angariação do cliente;
    2. os contratos com período de fidelização que foram angariados tenham uma remuneração, para os angariadores, superior à dos contratos sem fidelização por eles angariados, sendo que o valor da remuneração dos angariadores, num e noutro caso (ou seja, nos contratos com e sem fidelização) era calculada com base no valor das mensalidades fixado nos contratos angariados;
    3. o valor facturado seja qualificável, face ao direito nacional, como uma cláusula penal.
  2. A eventual não verificação de alguma, ou algumas, das alíneas da primeira questão, é susceptível de alterar a resposta à mesma?

 

 

Termos em que acordam os árbitros que constituem este Tribunal arbitral em matéria tributária em suspender a instância, incluindo o prazo a que se refere o artigo 21.º/1 do RJAT, até à pronúncia do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre as questões referidas, determinando-se a passagem de carta, a dirigir pela secretaria do CAAD à daquele, com pedido de decisão prejudicial, acompanhado de traslado do processo, incluindo cópias do presente acórdão, do pedido de pronúncia arbitral, da resposta a Autoridade Tributária e Aduaneira e das alegações das Partes, bem como dos documentos, incluindo pareceres, juntos com essas peças processuais.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 08 de Janeiro de 2017

 

O Árbitro Presidente

 

 

(José Pedro Carvalho)

 

 

A Árbitro Vogal

 

 

(Clotilde Celorico Palma)

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

(Emanuel Vidal Lima)

 



[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.

[2] Disponível para consulta em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.

[3] Cfr., p. ex., Ac. do STA de 08-06-2011, proferido no processo 068/11.

[4] Ac. do STA de 21-06-2017, proferido no processo 068/17.

[5]os actos de liquidação em questão ocorreram na sequência de acto inspectivo e em conformidade com o relatório de inspecção tributária homologado por despacho. Relatório onde consta que esses actos derivam de correcções aritméticas introduzidas por via da desconsideração das regularizações de IVA levadas a efeito pelo contribuinte (ora recorrente) em diversas declarações periódicas devidamente identificadas, e que decorrem de várias notas de crédito que ela produziu nos anos de 2002 e 2003.

[6]Com efeito, de atentarmos no relatório de inspecção que está subjacente à liquidação adicional impugnada, cujo teor foi dado por reproduzido no probatório fixado, podemos concluir que a AT deu a conhecer ao visado, a aqui Recorrente, as razões que a levaram a proceder à liquidação adicional impugnada.

[7]resulta claro que se o impugnante analisar o conteúdo da liquidação em conjunto com o relatório da inspecção tributária, do qual também tem conhecimento, a fundamentação do acto tributário resulta cristalina, sem ambiguidades, obscuridades, ou qualquer contradição.

[8] Neste sentido tem vindo a pronunciar-se pacificamente o Supremo Tribunal Administrativo, como pode ver-se pelos seguintes acórdãos: de 25-10-2000, processo n.º 025128, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-1-2003, página 3757; de 7-11-2001, processo n.º 026432, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, página 2602; de 7-11-2001, processo n.º 026404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, página 2593.

 

[9] Cf. n.º 70 do Acórdão do TJUE.

[10] Cf. n.º 57 do Acórdão do TJUE.

[11] Cf. n.º 57, parte final, do Acórdão e n.º 1 do seu dispositivo.

[12] Cfr. ponto 45 do Acórdão: “a contraprestação do montante pago pelo cliente à A... é constituída pelo direito do cliente a beneficiar do cumprimento, por essa operadora, das obrigações decorrentes do contrato de prestação de serviços, ainda que o cliente não queira ou não possa exercer esse direito por um motivo que lhe é imputável”.

[13] Cfr. ponto 50 do Acórdão: “deve‑se considerar que o montante devido pelo incumprimento do período mínimo de vinculação ao contrato faz parte integrante do preço total pago pela prestação de serviços, dividido em mensalidades, preço esse que se torna imediatamente exigível em caso de incumprimento da obrigação de pagamento.”

[14] Nos termos do artigo 198.º, n.º 7, da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, «o disposto nos artigos 78.º-A a 78.º -D do Código do IVA aplica-se aos créditos vencidos após a entrada em vigor da presente lei».

[15] Perante esta expressa referência do TJUE «às autoridades nacionais competentes», tem de se concluir que, ao contrário do que defende a Requerente no artigo 221 das suas alegações, aquele Tribunal não entendeu que compita «ao tribunal nacional resolver» essa questão da possibilidade de regularização.

[16] Ac. de 04-12-2013, proferido no processo 01111/13.

[17] Ac. do TCA-Sul de 11-11-2008, proferido no processo 02020/07.

[18] Carla Castelo Trindade – Regime Jurídico da Arbitragem Tributária – Anotado, Coimbra, 2016, pág. 122.

[19] Disponível em www.caad.org.pt.

[20] O negrito é nosso.

[21] 2012/C 338/01, JO C 338/1, de 6.11.2012.

[22] O negrito é nosso.

[23] Vide Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, 2.º volume, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1994, p. 259.

[24] Vide Menezes Leitão, Direito das Obrigações, volume I, Almedina, Coimbra, 5.ª edição, 2006, pp. 281 e ss., e Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, op. cit., p. 257.

[25] Vide Almeida Costa, Direito das Obrigações, Almedina, Coimbra, 10ª Edição, 2006, pp. 517 e ss.

[26] Vide Pessoa Jorge, Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal n. º 80, Lisboa 1968, p. 36.

[27] Vide Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol I, Livraria Almedina, Coimbra, 1964, p. 127.

[28] Vide Menezes Leitão, Direito das Obrigações, op. cit., p. 395.

[29] Veja-se, a propósito desta classificação, Fernando Pessoa Jorge, Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, op. cit., e Almeida Costa, Direito das Obrigações, op. cit., pp. 590 e ss.

[30] Cfr. Luís Menezes Leitão, Direito das Obrigações, II, 9.ª ed., Coimbra, Almedina, 2014, p. 99.

[31] Cfr. Dália Shashati, Períodos de fidelização, Diss.  Mestrado, Universidade Nova de Lisboa, 2015, p. 9.

[32] Sobre a cláusula penal, veja-se António Pinto Monteiro, Cláusula penal e indemnização, Coimbra, Almedina, 1990, José Marques Estaca, "A cláusula penal e a responsabilidade civil", em António Menezes Cordeiro/Luís Menezes Leitão/Januário da Costa Gomes (org.), Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Telles, IV- Novos Estudos de Direito privado, Coimbra, Almedina, 2003, pp. 291-325 e Nuno Pinto Oliveira, Ensaio sobre o sinal, Coimbra, Coimbra Editora, 2008, pp. 73 e ss.

[33] “Indemnizações por não cumprimento do período de fidelização”, Cadernos IVA 2016, Bertrand Livreiros, p.76.

[34] O negrito é nosso.

[35] A tributação do consumo e a sua coordenação a internacional, Lições sobre harmonização fiscal na Comunidade Económica Europeia, op. cit., pp. 172 e 173.

[36]Vide, por exemplo, Acórdãos de 8 de Março 1988, Proc. C-102/86, Caso Apple e Pear Development Council, Colect. p. 01443, n.ºs 11, 12, de 3 de Março de 1994, Proc. C-16/9 3, Caso Tolsma, Colect. p. I-00743, n.º 14, de 21 de Março de 2002, Proc. C-174/00, Caso Kennemer Golf, Colect. p. I-03293, n.º 39, de 23 de Março de 2006, Proc. C-210/04, Caso FCE Bank, Colect. p. I-02803, n.º 34, de 18 de Julho de 2007, Proc. C-277/05, Caso Société thermale d"Eugénie-les-Bains, Colect. p. I-06415, n.º 19, de 23 de Dezembro de 2015, Procs.C-250/14 e C-289/14,  Caso Air France-KLM  and  Hop!-Brit Air SAS, UE:C:2015 :841, n.ºs 22-23 e de 22 de Junho de 2016, Proc. C-11/15, Caso Ceskyrozhlas, UE :C:2016:470, n.ºs 21-22.

[37]V. a este respeito, Acórdão TJUE de 23 de Dezembro de 2015, Procs. C-250/14 e C-289/14, Casos Air France - KLM and Hop!Brit Air SAS, já cit., n.º 29.

[38] Neste sentido, veja-se, da autora, As Entidades Públicas e o Imposto sobre o Valor Acrescentado: uma ruptura no princípio da neutralidade, Almedina, Dezembro de 2010 e “Algumas notas sobre a tributação das prestações de serviços em IVA e a jurisprudência das prestações recíprocas”, Jornal de Contabilidade da APOTEC, Ano XL, n.º 452, Outubro 2016.

Como refere Patricia Herrero de la Escosura, “(…) para que pueda hablarse de una prestación de servicios (…), ha de existir un beneficio y una retribución, que debe ser de carácter contractual. Además estos elementos deben estar unidos mediante una relación directa, de modo que, de ahí la utilización del término “contravalor” en lugar de otro cualquiera que pudiera expresar una idea semejante, el precio refleje exactamente las ventajas proporcionadas por el servicio.” – El IVA en la Jurisprudencia del Tribunal de Justicia de las Comunidades Europeas, Marcial Pons, Servicio de Publicaciones de la Universidad de Oviedo, Madrid, 1996, p. 80.

[39] Neste sentido, veja-se Christian Amand, “An activity without consideration is outside the scope of VAT. A payment, not being the counterpart of an obligation, is also outside the scope of VAT. (…) For an activity to be subject to VAT it is necessary that there should be a quid pro quo. What is received in return for services does not necessarily have to in money. It is sufficient that the supply is made for some form of payment, rather than gratuitously; ascertaining the precise value of the payment is a subsequent exercise”, “When is a direct link?”, International VAT Monitor, n.º 1, January/February 1996, pp. 3-4.

[40]Acórdão do TJUE, de 8 de Março de 1988, proferido no âmbito do Proc. C-102/86, já cit.

[41] Acórdão do TJUE, de 21 de Março de 2002, proferido no âmbito do Proc. C-174/00, já cit..

[42]Acórdão do TJUE, de 3 de Março de 1994, proferido no âmbito do Proc. C-16/93, já cit.

[43] Acórdão de 23 de Março de 2006, Proc. C-210/04, Colect., p. I-2803.

[44]Há muitos anos que o Tribunal de Justiça salienta a existência de um “princípio das prestações recíprocas” no contexto deste imposto. São célebres neste contexto os Casos Apple and Pear Development Council, Proc. C-102/86, de 8 de Março de 1988, já cit., Caso Tolsma, Proc. C-16/93, de 3 de Março de 1994, já cit., Caso Kennemer Golf, Proc. C-174/00, de 21 de Março de 2002, Colect., p. I-3293., Caso Sparekassernes Datacenter – SDC, Proc. C-2/95, de 5 de Junho de 1997, Colect., p. I-3017, e, mais recentemente, o Caso Société Thermale d’Eugénie-les-Bains, Proc. C-277/05, de 18 de Julho de 2007, Colect., p. I-6415.

[45]Veja-se a este propósito, nomeadamente, o Acórdão de 5 de Fevereiro de 1981, Caso Cooöperatieve Aardappelenberwaarplats GA, Proc. 154/80, Rec., p. 445.

[46] Não obstante a inexistência na Directiva IVA de norma equivalente ao artigo 16.º, n.º 6, alínea a), a jurisprudência do TJUE tende, o que aliás se compreende, a concluir em sentido idêntico ao disposto na mencionada norma. A este propósito, veja-se o Caso BAZ Bausystem, Acórdão de 1 de Julho de 1982, proferido no âmbito do Proc. C-222/81, Colect. p. 020527, no âmbito do qual o TJUE declarou, com referência à temática dos juros, que os juros concedidos pelo juiz em reparação de um atraso no pagamento de uma prestação de serviços não são tributáveis, tendo concluído, no Caso Muys’en, Acórdão de 27 de Outubro de 1993, proferido no âmbito do Proc. C-281/91, Colect. p. I-05405, que os juros recebidos por um fornecedor do seu cliente como contrapartida de um atraso de pagamento consentido pelo primeiro até à entrega do bem são tributáveis.

[47] Neste sentido, Teresa Lemos, referindo-se à parte final da alínea a) do n.º 6 do artigo 16.º do Código do IVA, afirma que “(…) seria rigorosamente desnecessária, se se atendesse à natureza não remuneratória da indemnização”, “Tratamento em IVA do pagamento de indemnização decorrente da não celebração de contratos”, Ciência e Técnica Fiscal n. º 355, 1989 e Fisco n.º 10, Julho 1989, Ano 1, p. 43 (o teor deste artigo corresponde à Informação n.º 524, prestada no âmbito do Processo I090 89001, proferida pelo Serviço de Administração do IVA, em 23 de Maio de 1989, com despacho concordante do Subdirector-Geral das Contribuições e Impostos, de 24 de Maio de 1989).

[48] Cfr. Código do IVA e RITI, Notas e Comentários, organização de Clotilde Celorico Palma e António Carlos dos Santos, op. cit., pp. 195 e 196.

[49] Proc. C-277/05, já cit..

[50] Idem, n.ºs 28 a 33.

[51] Cfr. Luís Menezes Leitão, Direito das Obrigações, op. cit., 11ª ed., 2014, p. 207.

[52] V. Acórdão do TJUE de 9 de Outubro de 2001, Proc. C-108/99, Cantor Fitzgerald, Colect. p. I-07257, n.º 31.

[53] Acórdão de 23 de Dezembro de 2015, Procs. C-250/14 e C-289/14, Caso Air France - KLM and Hop!Brit  Air SAS,  já cit..

 

[54] Neste contexto veja-se, da autora, “Algumas notas sobre a exigibilidade do IVA nas prestações de serviços”, em vias de publicação na Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal.

[55] Acórdão de 15 de Dezembro de 2015, Processos apensos C-250/14 e C-289/14.

[56]Veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Proc. n.º 39069/03.9YXLSB, Ll-1, de  12.01.2010.

[57] “Tratamento em IVA do pagamento de indemnização decorrente da não celebração de contratos”, CTF, n.o 355, 1989, p. 43.

[58] Cfr. Informação n.º 2367, de 20.9.93, da DSCA do SIVA.

[59]Proc. 1090 2003001, com despacho concordante do Director-Geral dos Impostos de 11.5.2004, disponível no site da DGCI, em Informações vinculativas.

[60] Vide Informação 2274 – despacho do Subdirector-Geral do IVA, datado de 13 de Dezembro de 1989.

[61] Processo V023 2007015 – despacho do Subdirector-Geral dos Impostos, em substituição do Director-Geral, em 12 de Novembro de 2007, disponível em http://info.portaldas-financas.gov.pt/NR/rdonlyres/C133EF0F-78D4-47C8-9F35-3E41E78D4E6B/0/tratado%20 1827.pdf.

[62]Vide Informação 1675, de 20 de Setembro de 2002, proferida pela Direcção de Serviços do IVA.

[63] Vide Processo A100 2007113 - despacho do SDG dos Impostos, em substituição do Director­-Geral, em 24 de Julho de 2007, disponível em http://info.portaldasfinancas.gov.pt/NR/rdonlyres/7B5C1D45-5E0D-439B-9D60-0EC9D81305A5/0/A100_2007113-Indemniz.pdf.

[64]Vide Processo A100 2008031 - despacho do SDG dos Impostos, substituto legal do Director-Geral, em 04 de Abril 2008, disponível em http://info.portaldasfinancas.gov.pt/NR/rdonlyres/3157CD4C-de Abril 2008, disponível em http://info.portaldasfinancas.gov.pt/NR/rdonlyres/3157CD4C-9B6D-4F91-8EB9-44CE249A2CC6/0/Inf%20%201075.pdf.

[65] Op. cit..

[66]Neste sentido, veja-se Teresa Lemos, op. cit., “Não só seria levar longe demais o ilogismo de tributar montantes que não são remuneração, não pretendido pela 6ª Directiva, como o provam os seus textos iniciais, como não se coadunaria com o espírito de uma norma que define o valor de “operação tributável” de que se supõe a existência prévia”.

[67] A propósito das indemnizações sujeitas a imposto, conclui-se que “Lorsqu’elles représentent la contrepartie directe ou indirecte d’une opération imposable, les indemnités (…) entrent dans la base d’imposition de la T.V.A. (…) Lorsque les indemnités présentent le caractère de dommages-intérêts, c’est-à-dire qu’elles peuvent être considérées comme correspondant à la réparation d’un préjudice et ne font donc que sanctionner l’inexécution d’une obligation (…) ou, à titre général, la lésion quelconque (…), ces indemnités ne sont pas à inclure dans la base imposable”, Revue Fiduciaire – “Les indemnités de rupture des contrats commerciaux”, n.º 711, 1986, pp. 34-35.

[68] "IVA e indemnizações", Fisco nºs 107/108, 2003, pp. 88 e 89.

[69] Tal como concluem Afonso Arnaldo e Pedro Vasconcellos Silva, in “O IVA e as indemnizações”, op. cit., p. 88. Como os autores começam por afirmar no início do seu estudo (p. 85), a questão da tributação em IVA das indemnizações presta-se a inúmeras incertezas e contradições, estando em causa uma matéria em que os conceitos e os tipos abstractamente considerados se revelam de difícil aplicação prática, fruto da complexidade factual das mesmas.

Tecidas estas considerações, os autores concluem, em termos práticos, que, nomeadamente, não são tributáveis em IVA as indemnizações pagas em resultado de mora do devedor ou por cumprimento defeituoso da prestação, sendo tributáveis as indemnizações pagas por rescisão antecipada de contratos de concessão.

[70] Op. cit., p. 89.

[71] O IVA nas Indemnizações, Almedina, 2013, p. 63.

[72] O IVA nas Indemnizações, op. cit., p. 63.

[73] “Indemnizações por não cumprimento do período de fidelização”, op. cit., pp. 88 e 89.

[74] Idem, p. 87.

[75] Cfr. Ana Rita Costa Machado, IVA nas indemnizações, Diss. Pós­ Graduação, Faculdade de Direito da Universidade do Porto, 2011, p. XII. O bold é nosso.

[76] Entendimento oficial do Ministerio de Economia e Hacienda, Impuesto Sobre El Valor Añadido, Doctrina de la Direccion General de Tributos, 1997, pp. 44 a 47.

[77] Operaciones Interiores en el Impuesto Sobre El Valor Añadido,Cuestiones controvertidas a la luz de la jurisprudência interna y comunitária, Thomson Aranzi, 2005, pp. 338 a 342.

[78] Manual del IVA, 3.ª Edición, 2006, La Ley, pp. 869 a 871.

[79] Op. cit., p. 870.

[80] Value Aded Tax, A Comparative Approach, Cambridge Tax Law Series, 2006, pp. 112 a 137.

[81] Cfr. Giancarlo Mando e Dário Mando, Manuale del Iimposta sul Valore Aggiunto, 23ª ed., s.l., IPSOA, 2004, p. 278.

[82] Disponível em www.dgsi.pt.