Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 233/2016-T
Data da decisão: 2017-01-30  IRC  
Valor do pedido: € 61.536,30
Tema: IRC – Amortização; Turbinas Eólicas.
Versão em PDF


 

 

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Nuno Miguel Morujão e Jorge Bacelar Gouveia, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral:

 

 

I – RELATÓRIO

 

  1. No dia 19 de Abril de 2016, A…, S.A., sociedade com sede no Lugar …, freguesia de …, concelho de …, pessoa coletiva com o número de identificação fiscal …, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de liquidação de IRC n.º 2015…, da liquidação de juros n.º 2015… e da demonstração de acerto de contas n.º 2015…, todos respeitantes ao período de tributação de 2011, na parte em que consideraram como custo fiscalmente indedutível desse período, o montante de €344.214,98 respeitante à amortização dos aerogeradores do Parque Eólico de … .

 

  1. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que:

 

  1. A taxa de depreciação praticada pela Requerente encontra-se dentro do intervalo legalmente permitido.
  2. Se o prazo de 20 anos correspondesse a um período de vida útil mínimo, tal atiraria o prazo máximo para 40 ou 50 anos.
  3. Verifica-se um grosseiro erro cometido pela AT.
  4. A Proposta da Comissão para a Reforma da Fiscalidade Verde, que originou a lei em vigor sobre o tema, conclui que “caso o período de vida mínima de operação de uma turbina eólica (garantido pelos fabricantes) fosse de 20 anos, o período de vida útil máximo seria assumido, de forma automática, como sendo o dobro do período mínimo, i.e. 40 anos, o que não corresponde, em caso algum, à realidade do sector eólico atual. (…) No que respeita ao equipamento fotovoltaico aplica-se um raciocínio semelhante”.
  5. Na sequência da Reforma da Fiscalidade Verde e aceitando a proposta da respectiva comissão, o legislador veio expressamente regular o prazo de vida útil dos equipamentos de energia eólica (ex vi Lei n.º 82-D/2014, de 31 de dezembro), prevendo que o mesmo se situe entre 12,5 anos e 25 anos, referindo o dito relatório da Reforma que este prazo está em consonância com o aplicado a nível Ibérico.
  6.  Aplicando-se esta nova taxa a equipamentos do tipo dos da Requerente e não havendo qualquer razão para crer que a qualidade dos aerogeradores se tenha degradado acentuada e generalizadamente entre 2010 e 2014 de forma a que a sua vida útil previsível tenha baixado de 20 para 12,5 anos, não pode deixar de entender-se que já naquela primeira data não seria de considerar irrazoável não esperar mais de 12,5 anos de vida útil.
  7. É inconstitucional, por violação do princípio da igualdade e da capacidade contributiva, a interpretação da lei efetuada pela AT, que lhe permite tributar em sede de IRC um ganho que o próprio legislador veio confirmar que não ocorreu.

 

  1. No dia 20-04-2016, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

  1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  1. Em 14-06-2014, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 01-07-2016.

 

  1. No dia 22-09-2016, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se unicamente por impugnação.

 

  1. No dia 29-11-2016, realizou-se a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, onde foram inquiridas as testemunhas, no acto, apresentadas pela Requerente.

 

  1. Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.

 

  1. Foi fixado o prazo de 30 dias para a prolação de decisão final, após a apresentação de alegações da AT.

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-      A Requerente iniciou a sua actividade em 2002-06-12, a qual consiste na “Produção de electricidade de origem eólica, geotérmica e solar” (CAE …), encontrando-se enquadrada em sede de IVA no regime normal de periodicidade mensal e em sede de IRC no regime geral de tributação.

2-      A Requerente tem como objecto a construção e exploração de parques eólicos, sendo detentora do Parque eólico do … e iniciou a sua exploração em Março de 2008 com uma potência instalada de 28 MW.

3-      A Requerente é detida pelas empresas “B…, S.A.” e “C…, S.A.”

4-      Em cumprimento das Ordens de Serviço n.º OI2015… e n.º OI2015…, foi realizada acção inspectiva interna à sociedade ““A…, Lda.”, de âmbito parcial – IRC - e incidente sobre os exercícios de 2011 e 2012.

5-      Da análise aos elementos contabilísticos da Requerente, verificou a AT que a mesma, no exercício de 2011 e 2012, contabilizou na conta … – EE não Reav. –…, amortizações no montante de € 1.721.074,91, que correspondem a uma percentagem de 6,25% sobre o valor de € 27 537 198,56, inscrito na conta … – EE não Reav.-… .

6-      A Requerente praticou depreciações sobre os equipamentos (EE – Equipamento Electromecânico) que constituem o parque eólico, à taxa de 6, 25%.

7-      Ao praticar aquela taxa, a Requerente considerou que, para efeitos fiscais, os referidos bens – aerogeradores – destinados à produção de energia eléctrica que constituem um parque eólico, tinham um período de utilidade esperada de 16 anos.

8-      A AT considerou que era razoável, quanto aos bens em causa, uma taxa de amortização de 5% correspondente a 20 anos de vida útil, conforme parecer da Direcção de Serviços do Imposto sobre as Pessoas Colectivas, exarado na informação n.º …/15.

9-      Pelo exposto, a AT considerou que se verificava uma amortização contabilística não aceite fiscalmente, nos termos do artigo 34.º do CIRC, a qual deveria ter sido acrescida no quadro 07 da declaração periódica modelo 22 de IRC, da Requerente, referente aos exercícios 2011 e 2012, para efeitos de cálculo tributável, no montante total de € 344 214,98.

10-  As correcções levadas a cabo tiveram como fundamento legal o disposto no artigo 31.º n.º 2 e 34.º n.º 1 do CIRC, em conjugação com o n.º 3 do artigo 5 do Decreto-Regulamentar n.º 25/2009, de 14/09.

11-  A Requerida notificou a Requerente do Projecto de Relatório a 10-11-2015, tendo sido notificada para exercer o direito de audição, nos termos do artigo 60.º da Lei Geral Tributária e artigo 60.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária.

12-  A Requerente não exerceu o respectivo direito de audição.

13-  Através do ofício n.º…, de 02.12.2015, foi a Requerente notificada do Relatório final de Inspecção, nos termos do disposto no artigo 62.º do RCPIT.

14-  Em 12-04-2016, foi emitida informação, com o n.º 2142/15 da Direcção de Serviços de IRC, sobre a qual recaiu despacho da Subdirectora-Geral de 02-05-2016, proferido por delegação de competências, relativamente ao requerimento apresentado pela Requerente, ao abrigo do artigo 31º-A/2 do CIRC, no sentido de ser aceite para efeitos fiscais a depreciação da totalidade dos elementos do activo fixo tangível que formam o Parque Eólico de …, por aplicação de um período de vida útil de 20 anos, com referência ao início de exploração da mesma.

15-  As correcções efectuadas no âmbito da acção inspectiva originaram a emissão da liquidação de IRC respeitante ao período de tributação de 2011 subjacente e consubstanciada na Demonstração de Liquidação de IRC n.º 2015…, da liquidação de juros n.º 2015 … e da demonstração de contas no 2015… .

16-  A Requerente não efectuou o pagamento das liquidações, pelo que foi instaurado o correspondente processo de execução fiscal por parte do Serviço de Finanças de … (Processo n.º …2016…), tendo sido apresentada garantia bancária pelo montante de €142.242,94, para efeitos de suspensão legal do processo.

17-  A AT efectuou várias consultas informais, nos sítios de internet dos principais fabricantes presentes em Portugal, nomeadamente a D… (actualmente E…), F…, G… e H…, e concluíu que a generalidade daqueles fabricantes, assumem que o tempo de vida útil esperado (Life Time Cycle), de cada máquina que produzem é de 20 anos.

18-  No âmbito das acções de inspecção efectuadas ao exercício de 2010 (OI2014…, de 06-10- 2014), a distintas sociedades pertencentes ao Grupo I…, pelas entidades (G… GMBH (NIPC…), F…, Lda. (NIPC…) e H… GMBH – Sucursal em Portugal (NIPC…), esta última, entidade fornecedora dos aerogeradores do Parque Eólico de…, a pedido da AT a essas entidades, quanto a um estimado período de vida útil desses geradores, pelas mesmas foi apontado como razoável o período de 20 anos.

19-  A Norma 61400-1 do Comité Internacional de Electrónica, refere na sua página 24, o seguinte: “The design lifetime for wind turbines classes I to III shall de at least 20 years”.

20-  No Estudo Tácnico “Período de Vida útil Esperada de equipamentos de conversão de energia eólica” do Laboratório Nacional de Energia e Geologia (LNEG), de Dezembro de 2013, pode-se ler na pág. 5: “(...) Assim, o período de garantia de uma turbina eólica é semelhante ao atribuído a qualquer equipamento adquirido mediante uma transacção comercial. No caso das turbinas eólicas este período corresponde a 2-5 anos após a sua entrada em operação. Normalmente este período de garantia refere-se não só à operação e manutenção do equipamento, como à garantia de produção, tendo directamente a ver com o período para o qual são redigidos os contractos de manutenção. Inicialmente estes contractos tinham uma duração de 2 a 5 anos, no entanto, nos anos mais recentes têm surgido casos nos quais estes contractos são redigidos para períodos mais longos, chegando a atingir o período de vida útil esperado para as turbinas eólicas (cerca de 20 anos).

21-  A dissertação “Metodologias de avaliação do desempenho dos Parques Eólicos” de Nuno Cardoso, realizada no âmbito do Mestrado Integrado em Engenharia Mecânica, com a coordenação do Professor Álvaro Henriques Rodrigues do Departamento de Engenharia Mecânica e Gestão Industrial, da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, refere, a pág. 12, o seguinte:

(...) a fase de operação de um parque eólico é o que se prolonga por um período de tempo mais alargado. O horizonte temporal de 20 anos é o habitualmente considerado, uma vez que representa o tempo de vida útil esperado para os aerogeradores em torno dos quais se centram as actividades levadas a cabo: exploração, manutenção e conservação do parque.

22-  O estudo de impacto ambiental elaborado pelo “Ministère de l’ Écologie et du Développement Durable” (2005) francês, aponta, na sua página 52, para um período de vida estimada dos aerogeradores de 20 a 30 anos, no fim do qual o explorador tem a responsabilidade de desmantelar o parque eólico e repor o local de implantação no seu estado original.

23-  O “Renewable Energy Fact Sheet: Wind Turbines” elaborado pela “United States Environmental Protection Agency”, menciona, na sua página 2, uma vida útil típica de 20 anos.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

 

B. DO DIREITO

 

Conforme decorre dos factos dados como provados, a AT desconsiderou a taxa de depreciação correspondente a um período de vida útil de 16 anos, aplicada pela Requerente, porquanto entendeu que 20 anos seria, no seu juízo, o prazo razoável para o efeito.

A decisão da AT assenta no nº 2 do artigo 31º do CIRC e no n.º 3 do artigo 5° do Decreto Regulamentar nº 25/2009, de 14 Setembro, que dispõem, respectivamente:

-          “Relativamente aos elementos para que não se encontrem fixadas taxas de depreciação ou amortização, são aceites as que pela Direção-Geral dos Impostos sejam consideradas razoáveis, tendo em conta o período de utilidade esperada.”;

-          “Relativamente aos elementos para os quais não se encontrem fixadas, nas tabelas referidas no n.º 1, taxas de depreciação ou amortização são aceites as que pela Direcção-Geral dos Impostos sejam consideradas razoáveis, tendo em conta o período de utilidade esperada.”

A questão que se apresenta a dirimir nos presentes autos, foi já objecto de apreciação noutros processos arbitrais tributários, conforme indicado pelas partes, tendo, de um modo geral, as decisões proferidas ido no sentido de se substituírem ao juízo efectuado pela AT, considerando razoável o prazo inferior utilizado pelos contribuintes.

Ressalvado o muito respeito por tais decisões, considera-se pertinente e acertada a crítica efectuada no voto de vencido proferido no processo arbitral n.º 593/2015T[1], que, com a devida vénia, se transcreve:

“Note-se que, nos termos do art. 31.º, 2 do Código do IRC e do art. 5.º do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de Setembro, essas taxas de amortização passaram a ser as aplicáveis "ex lege", na medida em que aqueles preceitos atribuíram à AT um poder discricionário de fixação das taxas – num quadro específico de "discricionariedade técnica", como melhor veremos adiante.

Isso basta para encerrar a questão especificamente suscitada pela omissão de taxas de amortização expressas para os equipamentos em causa: aqueles preceitos apontam o caminho para se resolver essa questão, e esse caminho foi o seguido. Passou a haver taxas de amortização definidas nos termos legais, e foram essas que foram aplicadas. (...)

Esclareçamos agora o nosso entendimento, seja quanto à existência, no caso, de discricionariedade técnica "stricto sensu", seja quanto às respectivas implicações em matéria de insindicabilidade contenciosa das decisões tomadas, nesse âmbito, pela AT.

A discricionariedade administrativa é mais um poder-dever do que uma pura liberdade de escolha, visto que tudo se subordina à prossecução do interesse público concreto, ainda que quanto ao conteúdo, quanto ao objecto, ou quanto à forma da solução administrativa possa admitir-se uma multiplicidade de vias igualmente válidas – ou seja, que não colidam com qualquer outro princípio norteador da actividade administrativa.

Nos casos em que a lei quis atribuir discricionariedade, deixa de ser legítimo ao Tribunal encarregado de controlar a legalidade de um acto de administração entrar na definição de um conteúdo, um objecto ou uma forma como únicos compatíveis com o fim a prosseguir, para, em função deles, apreciar o acto em questão – o que na prática significaria admitir que o Tribunal se substituísse à Administração Pública no traçado dos elementos do acto por ela praticado, negando a própria existência da discricionariedade estabelecida na lei.

A margem de livre decisão administrativa constitui assim um limite funcional à jurisdição administrativa, na medida em que aquela margem se centra em esferas de mérito, de conveniência ou de oportunidade na reserva de competência, sem implicações na validade da conduta administrativa, situando-se por isso à margem da sindicabilidade contenciosa, que só poderá valer para a violação dos limites externos do poder discricionário (ainda que subsista a possibilidade de controlo de mérito pela via graciosa, esta compatível ainda com a autonomia pública administrativa).

Por outras palavras, na pura discricionariedade administrativa os Tribunais têm que limitar-se a verificar se os limites legais da discricionariedade, os limites positivos de competência, de finalidade, de imparcialidade e de proporcionalidade foram ou não respeitados – não podendo sindicar o que quer que tenha resultado da decisão administrativa tomada na observância daqueles limites. (...)

Não podendo o Tribunal substituir-se à Administração na formulação de um juízo que caiba estritamente no mérito e na oportunidade da acção desta, a discricionariedade técnica está em princípio subtraída, também ela, à sindicabilidade do Tribunal, a menos que ostente erro grosseiro, manifesto, crasso.

Em sentido estrito, a discricionariedade técnica é aquela em que, estando em causa a solução de questões que exijam conhecimento científico especializado, a Administração é forçada a tomar decisões amparada em informações e estudos técnico-profissionais, ficando a Administração vinculada, pois, à manifestação conclusiva dos profissionais consultados, não podendo em suma adoptar solução diversa da indicada pelos especialistas – sendo que as decisões administrativas desta natureza só poderão ser impugnadas judicialmente ou administrativamente se faltar o apoio nessas informações técnicas corroboradas por especialistas na matéria, ou se a decisão divergir ostensivamente das conclusões contidas nessas informações e estudos.

Na discricionariedade técnica os pressupostos que integram a previsão da norma configuram conceitos técnicos reportados a factos apenas verificáveis ou valoráveis com base em conhecimentos e instrumentos próprios de ciências que não a ciência jurídica.

Está em causa, pois, uma actividade administrativa traduzida em juízos técnicos de existência, juízos técnicos valorativos ou juízos técnicos de probabilidade, pelos quais a lei confere à Administração um poder de valoração técnica, que, não implicando ponderação comparativa de interesses secundários, envolve valoração de factos e circunstâncias de carácter técnico.

Daí que a doutrina tenha por vezes, no século e meio de elaboração do conceito (que terá surgido em meados do século XIX), usado a expressão "discricionariedade imprópria" como género de que a "discricionariedade técnica" seria uma espécie, procurando com isso enfatizar a ausência de juízos de oportunidade e conveniência que sobrelevem aos juízos de carácter estritamente técnico (a "discricionariedade técnica" estaria irmanada com a "liberdade probatória" e com a "justiça burocrática" dentro dessa família de "discricionariedades impróprias"). (...)

Por outro lado, na discricionariedade técnica "stricto sensu" não cabe o juízo de valoração assente em conceitos jurídicos ou juridico-técnicos indeterminados, um juízo que nada tem a ver com a margem de livre apreciação e decisão que caracterizam o genuíno juízo de discricionariedade, antes se reconduz às regras próprias da interpretação jurídica em via de aplicação puramente subsuntiva e, portanto, passível de controlo jurisdicional.

Com a técnica do conceito jurídico indeterminado não há discricionariedade: a lei refere-se a uma esfera de realidade cujos limites não aparecem bem enunciados, mas que podem ser determinados no caso concreto, por via de interpretação, não se admitindo mais do que uma solução, mais do que uma "densificação" do conceito.

Na discricionariedade técnica "stricto sensu" cabe, sim, o juízo de valoração assente em conhecimentos e regras próprias da ciência ou da técnica não-jurídicas que estejam em causa, sendo certo que não cabe ao Tribunal controlar a boa ciência ou a boa técnica empregues pela entidade administrativa, por manifesta falta de competência nas matérias extrajurídicas para tanto necessária.

Trata-se de casos em que a apreciação pela Administração exige a utilização de critérios técnicos, e a solução de questões técnicas deve realizar-se conforme regras e conhecimentos próprios – e a lei não apenas o reconhece como o impõe a todos os operadores do Direito (e não somente à Administração, sua primeira destinatária).

Verificando-se discricionariedade técnica "stricto sensu", o controle jurisdicional terá, portanto, que cingir-se às zonas de vinculação adjacentes, ou seja, novamente, limitar-se à verificação do respeito, ou não, dos limites legais da discricionariedade, dos limites positivos que presidiram à atribuição legal do poder discricionário e correspondentes prerrogativas – podendo especificamente sindicar-se, nas fronteiras da "margem de livre apreciação", (1) um erro grosseiro ou manifesto de apreciação (2) um erro nos pressupostos de facto (3) um desvio de poder ou (4) a violação manifesta dos princípios gerais da imparcialidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da boa fé como princípios conformadores da actividade administrativa.

Mais especificamente, se a lei comete à Administração o poder de especificar uma valoração não previamente fixada pela própria lei, não pode um Tribunal proceder à reponderação dos juízos efectuados pela Administração nesse âmbito, a não ser que esteja demonstrada a existência de erro grosseiro ou manifesto – nomeadamente a falta de apoio em informações e estudos técnico-profissionais corroborados por especialistas e reclamados pela densificação de conceitos extrajurídicos. (...)

Estamos aqui muito próximos do âmbito no qual se tem desenvolvido, nos EUA, o tema da "discricionariedade técnica", lá muito centrado na delimitação da competência das agências reguladoras, seja para definir os limites de sua função normativa, seja para estabelecer os limites do correspondente controle jurisdicional.

Aí emergiu a técnica dos "standards", pela qual a lei se limita a estabelecer parâmetros, princípios, conceitos indeterminados, ficando para as agências a função de especificarem normas reguladoras, directrizes – regras especializadas e descentralizadas, assentes em conhecimentos técnicos inabarcáveis, na sua especificidade, seja pelo próprio legislador, seja pelo controle judicial.

Não pode um Tribunal sindicar aqueles juízos, insiste-se, por muito que eles divirjam do entendimento dos particulares ou do entendimento do próprio julgador – tendo um Tribunal que cingir-se às zonas de vinculação adjacentes, e quando muito demonstrar, através de outras informações técnico-profissionais corroboradas por especialistas, que as informações e estudos utilizados pela Administração em apoio dos seus juízos eram gritantemente falsos, caprichosos ou inadequados, ou que foram ostensivamente, grosseiramente, desconsiderados nos próprios juízos efectuados pela Administração para a pretendida densificação de conceitos extrajurídicos.

Insistamos que a mera divergência de juízos entre a Administração e os particulares, ou até entre a Administração e o Tribunal, não constitui prova de qualquer erro ou vício do acto impugnado que seja passível de sindicância contenciosa, e não legitima de modo algum que o Tribunal se substitua à Administração na formulação de um juízo que cabe estritamente no mérito e na oportunidade da acção desta.

E tanto assim é que, em casos de erro grosseiro em que possa concluir-se que a Administração exorbitou dos seus poderes e saiu abertamente do campo da discricionariedade técnica para entrar no da ilegalidade, a ponto de o Tribunal poder anular a decisão administrativa em causa, é pacífico que o Tribunal não pode nunca substituir a decisão administrativa anulada por outra que repute mais adequada – ou seja, não pode, sem violação do princípio constitucional da separação de poderes, avocar para si aquela discricionariedade técnica.

Não pode um Tribunal sindicar aqueles juízos, em suma, salvo nesses pressupostos estritos, salvo quando seja patente um erro crasso, palmar, ostensivo, traduzido em grave desajustamento da decisão à situação concreta e à prossecução do interesse público, em termos em que poderia ter-se por arbitrária a exclusão da sindicabilidade por meios não-técnicos – pois a não ser assim, sem todas estas salvaguardas, a discricionariedade técnica "stricto sensu" seria letra morta, tudo soçobrando em vinculação estrita, e a invocação de uma margem de livre apreciação e valoração técnica cometida à Administração passaria a ser uma bizarra ficção antijurídica. (...)

Voltando ao caso, e resumindo.

Se aceitarmos que há um poder discricionário estabelecido a favor da AT, não podemos cair na tentação de proceder a uma "comparação de razoabilidades" entre períodos de depreciação, o proposto pela Requerente e o proposto pela AT: a lei vedou-o expressamente ao estabelecer um poder discricionário a favor da AT.

Assim, para rejeitar como "não razoável" um prazo proposto pela Requerente, bastou à AT desenvolver uma diligência no sentido de demonstrar que esse prazo não decorre do conceito de "vida útil esperada" que ela mesma, AT, perfilha. A AT fê-lo; e ao fazê-lo não violou ostensivamente, grosseiramente, quaisquer dos princípios gerais de direito a que está submetida.

Dada a discricionariedade técnica, não compete a nenhum Tribunal entrar no mérito substantivo da liquidação, e menos ainda a um tribunal arbitral, que deve cingir-se a questões de legalidade (art. 2.º do RJAT).

Pode este Tribunal, ou qualquer outro, achar que é mais razoável o prazo proposto pela Requerente, ou pode ao invés achar que é mais razoável o prazo proposto pela AT – mas essa avaliação é, e tem que ser, irrelevante no caso, porque, insiste-se, o estabelecimento por lei de um poder discricionário, como o que foi exercido, veda qualquer possibilidade de "comparação de razoabilidades" entre períodos de depreciação, como veda qualquer outro juízo de mérito.

O que restaria a este Tribunal, ou a qualquer outro Tribunal, seria sindicar as zonas de vinculação adjacentes ao exercício da referida discricionariedade técnica, demonstrando que a AT adoptou um procedimento gritantemente, grosseiramente, incorrecto, a ponto de não deixar dúvidas quanto a poder ferir de ilegalidade o exercício do poder discricionário – a ponto de permitir que, com base num juízo não-técnico, fosse evidente a anti-juridicidade dos resultados da actuação da AT.”

Subscreve-se, integralmente, tal entendimento, ou seja, o de que as normas em questão conferem à AT uma discricionariedade técnica, pelo que o Tribunal apenas poderá “sindicar as zonas de vinculação adjacentes ao exercício da referida discricionariedade técnica, demonstrando que a AT adoptou um procedimento gritantemente, grosseiramente, incorrecto, a ponto de não deixar dúvidas quanto a poder ferir de ilegalidade o exercício do poder discricionário – a ponto de permitir que, com base num juízo não-técnico, fosse evidente a anti-juridicidade dos resultados da actuação da AT.”.

            Não obstante o expendido no recente acórdão proferido no processo arbitral 238/2016T[2], do CAAD, que entendeu que, num caso análogo ao presente, não estará em causa o deferimento de um poder discricionário à Administração, mantém-se o referido entendimento.

Efectivamente, entende-se que o referido aresto se ancorou essencialmente em jurisprudência e doutrina que se considera não directamente transponível para o caso concreto, uma vez que se reportam a um tipo de discricionariedade técnica, assente exclusivamente na utilização pelo legislador de termos eminentemente técnicos ou que, por qualquer forma, impliquem um juízo de tal natureza.

Ora, no caso, não só o juízo subjacente às normas em questão tem, de facto, uma natureza eminentemente técnica, como, para além disso, as referidas normas remetem para um juízo de razoabilidade especificamente deferido à Administração Tributária, utilizando a expressão “são aceites as que pela Direção-Geral dos Impostos sejam consideradas razoáveis”, não se tendo, por isso dúvidas que se está no domínio dos poderes discricionários da Administração, que, para além do mais, por força do princípio da separação de poderes, haverá que ser respeitado, como de resto continua a ser reconhecido por jurisprudência recente[3], sendo que a matéria a que se reportam os referidos poderes discricionários são de natureza eminentemente técnica.

Conclui-se, assim, sem dúvidas, que o legislador deferiu uma margem de liberdade à AT, ao utilizar a expressão atrás transcrita, pelo que sendo sindicável a decisão da AT, o é, unicamente, dentro dos limites que respeitem a margem deferida de livre apreciação legitimamente deferida pelo legislador à AT.

Não obstante, no caso, julga-se que o que acontece é que o poder discricionário foi, face à lei, incorrectamente exercido, o que se procurará demonstrar por duas vias.

Senão vejamos.

Embora, in casu, se esteja no campo da discricionariedade técnica, serão aplicáveis, directamente, as considerações tecidas no Acórdão do STA de 27-11-2013, proferido no processo 01159/09[4], a propósito da aplicação de conceitos indeterminados, entendendo-se que:

“Desse modo, deparando-se com conceitos indeterminados, cabe ao órgão decisor, desde logo, apreender-lhes o sentido e alcance através de operação interpretativa da norma em que se inserem, pois a lei há-de fornecer, em larga medida, um padrão suficientemente claro para a sua interpretação. Operação interpretativa que, sendo vinculada, também cabe ao tribunal sindicar.

Nessa medida, e como bem observa ANTÓNIO FRANCISCO DE SOUSA (In “Conceitos Indeterminados no Direito Administrativo”, Almedina, 1994, p. 18 e 60.), os “conceitos jurídicos indeterminados" possuem peculiaridades no âmbito do Direito Administrativo, já que aí o juiz tem a função de fiscalizar se a administração deu a correta interpretação e aplicação a esses conceitos. A interpretação e aplicação de conceitos jurídicos indeterminados pela administração constitui, portanto, uma actividade estritamente vinculada à lei. Admitir qualquer margem de apreciação a favor da Administração «significaria alargar o campo da discricionariedade ao Tatbestand legal e com isso se estaria a aplicar um grave golpe nas garantias do cidadão que o Estado de Direito não admite».”.

Ou seja: a norma que confere os poderes de discricionariedade técnica à AT, não deixa de ser uma norma jurídica, carente de, antes da aplicação (onde a discricionariedade é exercida), interpretação, interpretação esta que é, naturalmente, jurisdicionalmente sindicável.

Não se trata aqui, assim, transpor para o domínio da discricionariedade técnica, o especial dever de fundamentação que assiste à Administração quando aplica conceitos indeterminados, mas antes de afirmar tal como acontece com as normas que contêm estes, relativamente às normas que conferem aquela é necessário “apreender-lhes o sentido e alcance através de operação interpretativa da norma em que se inserem, pois a lei há-de fornecer, em larga medida, um padrão suficientemente claro para a sua interpretação. Operação interpretativa que, sendo vinculada, também cabe ao tribunal sindicar.”.

Dito de outro modo, a norma que confere poderes discricionários à Administração carece ela própria de interpretação, desde logo no sentido de determinar quais os concretos poderes que são conferidos – no fundo, qual a tarefa que o legislador pretende que seja confiada à discricionariedade da Administração, sendo que tal operação hermenêutica, como não pode deixar de ser, é jurisidicionalmente sindicável.

Assim, desde logo, e no caso, afigura-se que a interpretação que a AT fez das normas jurídicas em questão, acima indicadas, não é a correcta, tendo a AT determinado, erradamente, qual a tarefa que nos termos daquela, lhe cabia.

Com efeito, a AT, conforme resulta do relatório de inspecção e da matéria de facto apurada, limitou-se a indicar um valor correspondente ao número de anos que entende razoável para a amortização dos equipamentos em causa.

Ora, ressalvado o respeito devido a melhor opinião, não é esse o sentido das normas aplicadas.

Efectivamente, quer uma quer outra das normas, referem-se a situações em que, para um determinado elemento, não se encontrem fixadas taxas de depreciação ou amortização, dispondo que, nesse caso, são aceites as que pela Direção-Geral dos Impostos sejam consideradas razoáveis.

Ora, a utilização do plural não pode deixar de ser significativa, e o significado não deverá deixar de ser o de que à AT não cumpre fixar uma taxa de depreciação única como sendo a razoável, mas, antes, a de fixar um intervalo de taxas que sejam consideradas razoáveis.

Efectivamente, no labor hermenêutico a operar, não se pode deixar de notar que as normas em questão não prescrevem que a AT se substitua ao legislador na indicação de uma percentagem, análoga às fixadas na tabela que é omissa relativamente ao elemento a amortizar, mas na indicação das taxas de depreciação ou amortização que sejam razoáveis.

Ora, as taxas de depreciação ou amortização aceitáveis, no sistema vigente, estão compreendidas dentro de um intervalo decorrente entre o período mínimo e máximo de vida útil de um bem, tal como definido no artigo 3.º/2 do Decreto Regulamentar nº 25/2009, de 14 Setembro.

Daí que, estando em causa o suprimento de omissões da tabela anexa ao referido D.R., deverá a AT proceder nos mesmos termos, fixando, não uma taxa de amortização ou depreciação fixa, em função de um conceito de “vida útil esperada”, preenchido por um juízo de “valor médio de utilidade esperada”, mas, tal como decorre do regime daquele mesmo D.R. e tabela anexa, um intervalo de taxas de depreciação ou amortização razoáveis, compreendido entre um período de vida mínima razoável e um período de vida máxima razoável (tendencialmente equivalente ao dobro do período de vida mínima)[5] tal como, para os elementos constantes da referida tabela, ocorre, sendo, precisamente, esse, o sentida da utilização do plural da palavra “taxa”, e respectivas concordâncias, nas normas dos artigos 31º/2 do CIRC e 5°/3 do Decreto Regulamentar nº 25/2009, de 14 Setembro.

De outro modo, ou seja, ao entender-se que a AT poderia, em cada caso concreto onde fosse chamada a pronunciar-se, fixar para um mesmo tipo de elemento do activo, uma a taxa de amortização concreta, e, consequentemente, um período de vida útil único, em função do que, nesse caso concreto, se lhe afigurasse razoável, cair-se-ia numa inaceitável falta de generalidade nas decisões da Administração, remetendo-se para um "casuísmo" que é precisamente o contrário daquilo que o sistema jurídico impõe que aconteça no preenchimento de lacunas legais através do exercício de poder discricionário.

Os valores da segurança e da justiça reclamam que, quando à Administração é legalmente cometido o poder discricionário de preencher lacunas da própria lei, a Administração deva agir no mesmo plano de abstracção e generalidade que presidem idealmente à fixação dos critérios legais, quando estes existem.

No caso das normas em apreço, quando a lei alude ao "são aceites", não pode, pois, deixar de referir-se à admissibilidade de um intervalo de taxas, que passam a vigorar para um universo de equipamentos omissos, tenham eles sido já, ou não, objecto de amortização ou depreciação, de liquidação de imposto ou de litígio com a própria Administração.

A Administração tem, despertada ou não pela iniciativa declarativa de algum contribuinte, que tentar apurar, com imparcialidade, com generalidade, abstracção e congruência, as taxas que passam a ser as "aceites" para aquele caso e para todos os outros.

A não ser assim, as próprias garantias que, para os contribuintes, resultam da imparcialidade e da generalidade seriam colocadas em xeque: um contribuinte veria a sua taxa de 5% ser ou não aceite – mas quem lhe garantiria que outro contribuinte, com o mesmo tipo de equipamento mas não conseguiria ver "aceite" uma taxa de 7 ou 8%?

Por outro lado, apenas a fixação de um conjunto de taxas razoáveis, correspondentes ao intervalo de vida útil mínima e máxima de um elemento do activo omisso, fixado de um ponto de vista da generalidade e da abstracção, permite evitar que um contribuinte com equipamento análogo a outro a que a AT tivesse fixado uma determinada taxa precisa de depreciação ou amortização, mas que o utilizasse em circunstâncias diversas, influentes do respectivo período de vida útil, não fique irremediavelmente prejudicado, pelas circunstâncias valoradas pela AT, próprias do primeiro caso que apreciasse.

Deste modo, o entendimento ora sustentado, não só, julga-se, não vai contra os princípios da segurança, da igualdade e da generalidade jurídicas, nem contra o dever genérico de imparcialidade que impende sobre a Administração, como, pelo contrário, será imposto por eles.

Assim, apenas "aceites" taxas de depreciação correspondentes a um período de vida útil mínimo e máximo, pela AT, e passando as mesmas a vigorar para todos os casos similares, nos termos expressos do regime legal, fica preenchida a lacuna e a taxa em vigor deixa de ser a taxa "da AT" para ser a taxa da própria Lei. Só dessa forma, julga-se, se dá execução ao comando legal de fixar “taxas” (no plural) de amortização ou depreciação, não se concebendo como é que a fixação de uma taxa de depreciação única poderá corresponder à intenção legislativa, quando, justamente, não é esse o modus operandi do legislador ao tratar a mesma matéria, por um lado, e o comando legislativo é claro ao prescrever a aceitação de “taxas” razoáveis, por outro.

De resto, esta interpretação sempre seria imposta pelo princípio da igualdade, na medida em que justificação material alguma existe para que os contribuintes possam utilizar taxas de depreciação compreendidas entre o período mínimo e máximo de vida útil dos bens, no caso de os mesmos constarem da tabela anexa ao Decreto Regulamentar nº 25/2009, de 14 Setembro, e de apenas poderem utilizar uma taxa única (precisamente a considerada razoável pela AT), no caso de não constarem.

E, note-se, tal como no caso dos elementos integrantes da tabela anexa ao Decreto Regulamentar nº 25/2009, de 14 Setembro, não há qualquer dificuldade com o intervalo de taxas de amortização ou depreciação resultante da conjugação da tabela com o regime de tal decreto, nos casos omissos, de fixação pela AT do intervalo de taxas razoáveis admissíveis, não haverá. Efectivamente, o procedimento subsequentemente será precisamente o mesmo, ou seja, dentro do intervalo fixado, seja pela conjugação do regime do DR e respectiva tabela anexa, seja pela AT, o contribuinte escolherá a taxa mais adequada à sua situação concreta, sem que haja, numa como noutra situação, quaisquer melindres, casuísmo ou arbítrio, ou, para quem assim não entenda, havendo os mesmos em ambas as situações.

Daí que, ao indicar, nos termos dos artigos 31º/2 do CIRC e 5.º/3 do Decreto Regulamentar nº 25/2009, de 14 Setembro, uma única taxa de amortização, correspondente a um período de vida útil fixo, a AT incorreu em errada aplicação daqueles normativos e, consequentemente, a um errado exercício do poder de discricionariedade técnica que eles lhe deferem.

Estando-se aqui a sindicar uma ilegalidade prévia ao exercício do poder discricionário que as normas em questão deferem à AT, naturalmente que não se está a entrar na matéria da substância do exercício de tal poder, não se discutindo, portanto, o acerto técnico da solução a que discricionariamente chegou, na medida em que o que se conclui é que a solução a que chegou não era aquela que os comandos normativos que lhe conferem o poder discricionário prescreviam que produzisse.

 

*

Não se fica por aqui, todavia, a incorrecta intervenção da AT no caso dos autos. Com efeito, a situação em causa não é uma em que um contribuinte, confrontado com a ausência de um bem na tabela anexa ao Decreto Regulamentar nº 25/2009, de 14 Setembro, solicita à AT a indicação de taxas de depreciação ou amortização que considere razoáveis.

Antes, no caso, a Requerente, nos termos legais, apresentou a sua declaração fiscal[6], possuindo a sua contabilidade devidamente organizada, e a AT pretendeu proceder, e procedeu, a correcções àquela, sendo um caso em que “É à AT que cabe a obrigação da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável)”[7].

Ou seja, confrontada com a declaração da Requerente, à AT, cumpria, em primeira linha, demonstrar que aquela estava errada, decorrendo tal ónus não das normas dos nºs 2 do artigo 31º do CIRC e 3 do artigo 5° do Decreto Regulamentar nº 25/2009, de 14 Setembro, mas do artigo 74.º/1 da LGT, conjugado com o artigo 75.º/1 da mesma Lei[8].

Ora, ressalvado o respeito devido a outras opiniões, demonstrar que a taxa de depreciação utilizada pela Requerente, correspondente a um período de vida útil de 16 anos, estava incorrecta – i.e. não era “razoável” – não é o mesmo que demonstrar que a taxa de depreciação correspondente a um período de vida útil de 20 anos, é correcta – i.e. “razoável”, que foi o que a AT fez.

Dito de outro modo, a circunstância de a taxa de depreciação correspondente a um período de vida útil de 20 anos, ser razoável, nada diz sobre a taxa de depreciação correspondente a um período de vida útil de 16 anos, ser, ou não, razoável[9].

Assim, sendo, como se referiu, ónus da AT demonstrar a verificação dos pressupostos da legalidade da sua actuação, e fazendo parte de tais pressupostos a incorrecção do declarado pela Requerente, conclui-se que a AT não demostrou cabalmente tais pressupostos, já que, em lugar de demonstrar que a taxa de depreciação ou amortização subjacente ao declarado pela Requerente não era razoável, limitou-se a demonstrar que a taxa de depreciação ou amortização correspondente a um período de vida útil de 20 anos era razoável, de onde não decorre, de forma nem necessária nem directa, que a taxa de depreciação ou amortização correspondente a um período de vida útil de 16 anos, utilizada pela Requerente, não era razoável.

            Desta forma, não tendo demonstrado a AT a legalidade da sua intervenção correctiva, deverá, também por esta via, a mesma ser considerada ilegal.

 

***

 

A Requerente peticiona também o reconhecimento do direito a indemnização por custos sofridos com a garantia prestada.

A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais tributários restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito, conforme resulta expressamente da alínea b) do art. 24.º do RJAT.

No mesmo preceito “o legislador deixou claro que os efeitos aí previstos são “sem prejuízo dos demais efeitos previstos no Código do Procedimento e do Processo Tributário”. Considera-se a este propósito que o legislador aqui se está a referir a todos os efeitos que decorram do CPPT, para o sujeito passivo, e que são aplicáveis após a consolidação na ordem jurídica de uma determinada situação jurídico-fiscal, decorrente de uma decisão definitiva seja ela graciosa ou judicial.[10]

Não obstante o processo de impugnação judicial ser essencialmente um processo de mera anulação, pode nele ser proferida condenação da Administração Tributária no pagamento de indemnização por garantia indevida, conforme resulta do artigo 171.º do CPPT.

Como se referiu na decisão proferida no Processo arbitral n.º 28/2013-T[11]:

“é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação. O pedido de constituição do tribunal arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido art. 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.”

Conclui-se, assim, que este tribunal é competente para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevidamente prestada.

O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:

“1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida.

2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efetuou.”

No caso em apreço, é manifesto que o erro que padecem os actos de liquidação é imputável à Entidade Requerida pois as liquidações foram da sua iniciativa e a Requerente em nada contribuiu para que esse erro fosse praticado.

Tem, por isso, a Requerente direito a indemnização pela garantia prestada, com referência ao valor cuja anulação foi determinada e não se encontra ainda pago, no valor que entretanto venha ainda a demonstrar-se suportado, se necessário em execução de sentença.

           

 

*

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência,

a)      Anular os actos de liquidação de IRC n.º 2015…, de liquidação de juros n.º 2015 … e de demonstração de acerto de contas n.º 2015…, todos respeitantes ao período de tributação de 2011, na parte em que consideraram como custo fiscalmente indedutível desse período, o montante de €344.214,98 respeitante à amortização dos aerogeradores do Parque Eólico de …;

b)      Condenar a Requerida no pagamento de indemnização por garantia indevida, no valor que entretanto venha ainda a demonstrar-se suportado, se necessário em execução de sentença;

c)      Condenar a Requerida nas custas do processo, abaixo fixadas

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 61.536,30, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2048,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa 30 de Janeiro de 2017

 

O Árbitro Presidente

 

 

 

(José Pedro Carvalho - Relator)

 

 

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

 

 

(Nuno Miguel Morujão – Vencido, conforme declaração de voto)

 

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

 

(Jorge Bacelar Gouveia)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Voto de vencido:

 

I. Quanto ao poder discricionário em análise

Acompanho o exposto na matéria de direito da presente decisão arbitral, quando se aproxima do voto de vencido proferido no processo n.º 593/2015-T, e quando se afasta da decisão do processo 238/2016-T, ambos do CAAD.

Como bem se desenvolve na parte do direito do presente processo, na situação sub judice não existe poder discricionário total, nem vinculação absoluta da AT a critérios técnicos; existe uma discricionariedade parcial.

Com efeito, nas situações em que não estão fixadas taxas de amortização ou depreciação, para se saber o que é gasto fiscalmente dedutível, compete à AT definir as taxas que considera “razoáveis”, “tendo em conta o período de vida útil esperada”[12].

Existe discricionariedade em sentido próprio quando se utiliza o conceito impreciso “razoável”, mas existe por outro lado vinculação, no sentido de se ter em conta a vida útil esperada.

Este poder discricionário é exercido na fase de instrução do procedimento de inspeção, mediante um ato instrumental (a operação de integração da lei, em virtude dos bens omissos do DR de amortizações), anterior ao ato administrativo (de liquidação). Não se confunde o referido ato instrumental levado a efeito no âmbito da fase de instrução, com o ato administrativo de liquidação.

Isto para salientar que esta operação de integração da lei, nos termos do n.º 3 do art. 10.º do Código Civil (aplicável dada a falta de caso análogo) deve ser efetuada segundo critérios de abstração e generalidade, o que significa que a AT deve desprezar as especificidades da situação concreta do contribuinte. Importa apenas atender à vida útil do bem omisso do DR, segundo um critério abstrato e geral (ou como se refere no voto de vencido do processo 593/2015-T, “aferição objetiva” e não “aferição subjetiva”).

Esta vida útil esperada será encontrada em estudos técnicos, é certo, mas dentro dessas fontes, a AT decidirá autonomamente, no seu espaço próprio de valoração, o que considera “razoável”, para a partir daí determinar quais as taxas de amortização que são aplicáveis. O que aliás se percebe; antevendo a hipótese de diferentes estudos preverem diferentes vidas úteis, e sendo necessário integrar a norma de forma geral e indeterminada, o legislador concedeu este poder (parcialmente) discricionário à AT, posto que (o legislador) optou por conceder (apenas) à Administração o papel de integração juridicamente vinculante das taxas de amortização omissas no DR.

De notar, porém, que a autonomia da AT, nomeadamente (em princípio) em relação ao poder judicial em homenagem ao princípio da separação de poderes, traduz um espaço próprio de valoração, mas será sempre juridicamente conformada, segundo o princípio da juridicidade.

De acordo com este princípio, no exercício de poderes discricionários a Administração não deixa de estar subordinada ao Direito, designadamente aos princípios gerais de Direito Administrativo, como o princípio da igualdade e da imparcialidade[13]. Assim, a discricionariedade não significará nunca arbitrariedade ou casuísmo. Com efeito, no exercício de poderes discricionários a AT deve comparar o caso em que exerce o poder com outros casos (reais ou virtuais), decidindo como se aquele seja uma espécie de género, e não um caso isolado, único, irrepetível.

Pese embora estar em causa um espaço de valoração próprio da Administração, em princípio, insindicável pelo tribunal, o exercício desse poder discricionário não deixa de estar sujeito ao controlo judicial em caso de erro grosseiro, evidente ou manifesto.

 

II. Quanto à adequação da conduta da AT:

Discordo quando a posição vencedora entende que a conduta da AT não foi correta, por apenas definir uma taxa de amortização, baseada em (apenas) uma vida útil, tida como razoável.

Com efeito, integrando a lacuna do DR quanto aos aerogeradores do Parque Eólico da Requerente, a AT definiu apenas uma taxa de amortização que considerou “razoável”, com base em consultas e estudos técnicos atinentes à vida útil desses equipamentos.

Na presente decisão arbitral diz-se que o plural usado nas normas jurídicas pertinentes em “taxas…razoáveis”[14] determinava que à AT competia estabelecer não apenas uma, mas duas taxas de amortização, uma mínima e outra máxima.

Mas bem vistas as coisas, o plural usado na norma parte da respetiva previsão (seguidamente sublinhada). Ou seja, no DR das amortizações diz-se: “relativamente aos elementos para os quais não se encontrem fixadas, nas tabelas referidas no n.º 1, taxas de depreciação ou amortização, são aceites as que pela Direção-Geral dos Impostos sejam consideradas razoáveis, tendo em conta o período de utilidade esperada”. Portanto, diz-se “taxas” no plural, por referência aos “elementos”, no plural, omissos na norma.

É verdade que estabelecer o que é “razoável” não se compadece com a indicação precisa e unitária de apenas uma taxa, pois que sendo aquele um conceito indeterminado, por definição, implica assenta numa relativa imprecisão (indeterminação).

Porém, a leitura atenta do n.º 3 do art. 5.º do DR antes transcrito revela aí existir uma remissão para o n.º 1 do mesmo art. 5.º, onde se diz, no singular, “…a quota anual de depreciação ou amortização que pode ser aceite como gasto do período de tributação é determinada aplicando-se aos valores mencionados no n.º 1 do art. 2.º as taxas de amortização … fixadas na tabela…”, sendo que o n.º 1 do art. 2.º, para o qual se remete, refere “[apenas] para efeitos de cálculo das quotas máximas de depreciação ou amortização…” (sublinhado meu).

Por outro lado, expressamente ligado ao mesmo n.º 1 do art. 5.º, está a al. a) do n.º 2 do art. 3.º (artigo atinente ao período de vida útil), referindo-se apenas ao “período mínimo de vida útil” (sublinhado meu).

O período máximo deduz-se matematicamente a partir do mínimo, sendo este metade daquele, cfr. al. b) do n.º 2 do art. 3.º.

Assim, segundo critérios hermenêuticos de coerência intra-sistemática, destas normas extrai-se aquela que consideramos ser a correta interpretação e aplicação das normas pertinentes, relativas à integração de taxas de amortização quanto a bens omissos das tabelas do DR. Aí se estabelece competir à AT definir taxas tidas como “razoáveis”, aquelas que são as “quotas máximas” (cfr. n.º 1 do art.º 2.º) dos bens omissos, correspondentes ao “período mínimo de vida útil” (cfr. b) do n.º 2 do art. 3.º) dos mesmos, limite de dedutibilidade fiscal (cfr. n.º 1 do art. 31.º CIRC). Quanto ao período máximo de vida útil, a lei estabelece por ficção legal que é o dobro do período mínimo (cfr. al. b) do n.º 2 do art.º 3.º).

Bem vistas as coisas, quando a AT diz o que considera ser a (taxa de amortização correspondente à) vida útil “razoável” de bens omissos do DR, integrando a lacuna, refere-se ao “período mínimo de vida útil” (cfr. al. b) do n.º 2 do art. 3.º), resultando da lei que o período máximo é o dobro do período mínimo (cfr. al. b) do n.º 2 do art.º 3.º).

Assim, quando em concreto a AT diz que taxa de amortização que considera “razoável” é 5% (a que corresponde uma vida útil de 20 anos), refere-se à taxa de amortização máxima (vida útil mínima), resultando ipso iure por ficção legal, que a taxa de amortização mínima é de 2,5% (a que corresponde uma vida útil máxima de 40 anos)[15].

Em suma, a apropriada interpretação da lei aplicável permite-nos encontrar o intervalo de razoabilidade de taxas de amortização / vidas úteis que se impõe, com o limite mínimo e máximo, em plena coerência com o DR das amortizações.

De tal modo que considero que a definição somente de uma taxa de amortização (que será a máxima), devidamente interpretada, respeita a lei aplicável, e é consistente com a liquidação de imposto aqui impugnada.

 

III. Quanto ao ónus da prova: a demonstração dos factos constitutivos da liquidação

A presente decisão arbitral vencedora acrescenta que houve incorreção da conduta da AT, por não ter demonstrado, como se impunha, os factos constitutivos da liquidação adicional, num contexto em que o contribuinte já havia entregue a sua declaração fiscal, presumivelmente verdadeira e de boa-fé.

Segundo o art. 74.º LGT é da AT o ónus da prova dos factos constitutivos de uma liquidação adicional. E também não me oferece dúvidas a presunção relativa geral de bondade (verdade e boa fé) das declarações apresentadas pelo contribuinte, nos termos do n.º 1 do art.º 75.º LGT.

Sucede que eu, ao contrário da posição maioritária, considero que foi cumprido o ónus da prova. Senão vejamos.

A liquidação de imposto resultou de uma inspeção, e foi fundamentada com o teor do próprio relatório de inspeção tributária.

Neste documento, a AT conclui e demonstra, de forma quantificada, que devem ser acrescidos gastos ao lucro tributável do ano inspecionado, em virtude de terem sido considerados gastos para além dos limites de dedutibilidade fiscal.

Por estarem em causa bens omissos nas tabelas de taxas de amortização do DR 25/2009, a AT integrou a lacuna nos termos previstos na lei[16], dizendo quais as taxas de amortização que seriam de assumir como limite de dedutibilidade fiscal (taxas máximas), atendendo às vidas úteis (mínimas) apuradas em consultas e estudos técnicos.

Segundo esses estudos e normas técnicas, identificados na contestação ao pedido de pronúncia arbitral, nacionais e internacionais, seguidamente transcritos com base nos parágrafos 17 a 23 da matéria de facto dada como provada, todas as vidas úteis apuradas apontavam para 20 anos ou mais:

17-  “A AT efectuou várias consultas informais, nos sítios de internet dos principais fabricantes presentes em Portugal, nomeadamente a D… (actualmente E…), F…, G… e H…, e concluíu que a generalidade daqueles fabricantes, assumem que o tempo de vida útil esperado (Life Time Cycle), de cada máquina que produzem é de 20 anos.

18-  No âmbito das acções de inspecção efectuadas ao exercício de 2010 (OI2014…, de 06-10- 2014), a distintas sociedades pertencentes ao Grupo I…, pelas entidades (G… (NIPC…), F…, Lda. (NIPC…) e H…– Sucursal em Portugal (NIPC…), esta última, entidade fornecedora dos aerogeradores do Parque Eólico de…, a pedido da AT a essas entidades, quanto a um estimado período de vida útil desses geradores, pelas mesmas foi apontado como razoável o período de 20 anos.

19-  A Norma 61400-1 do Comité Internacional de Electrónica, refere na sua página 24, o seguinte: “The design lifetime for wind turbines classes I to III shall de at least 20 years”.

20-  No Estudo Tácnico “Período de Vida útil Esperada de equipamentos de conversão de energia eólica” do Laboratório Nacional de Energia e Geologia (LNEG), de Dezembro de 2013, pode-se ler na pág. 5: “(...) Assim, o período de garantia de uma turbina eólica é semelhante ao atribuído a qualquer equipamento adquirido mediante uma transacção comercial. No caso das turbinas eólicas este período corresponde a 2-5 anos após a sua entrada em operação. Normalmente este período de garantia refere-se não só à operação e manutenção do equipamento, como à garantia de produção, tendo directamente a ver com o período para o qual são redigidos os contractos de manutenção. Inicialmente estes contractos tinham uma duração de 2 a 5 anos, no entanto, nos anos mais recentes têm surgido casos nos quais estes contractos são redigidos para períodos mais longos, chegando a atingir o período de vida útil esperado para as turbinas eólicas (cerca de 20 anos).”

21-  A dissertação “Metodologias de avaliação do desempenho dos Parques Eólicos” de Nuno Cardoso, realizada no âmbito do Mestrado Integrado em Engenharia Mecânica, com a coordenação do Professor Álvaro Henriques Rodrigues do Departamento de Engenharia Mecânica e Gestão Industrial, da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, refere, a pág. 12, o seguinte:

“(...) a fase de operação de um parque eólico é o que se prolonga por um período de tempo mais alargado. O horizonte temporal de 20 anos é o habitualmente considerado, uma vez que representa o tempo de vida útil esperado para os aerogeradores em torno dos quais se centram as actividades levadas a cabo: exploração, manutenção e conservação do parque.”

22-  O estudo de impacto ambiental elaborado pelo “Ministère de l’ Écologie et du Développement Durable” (2005) francês, aponta, na sua página 52, para um período de vida estimada dos aerogeradores de 20 a 30 anos, no fim do qual o explorador tem a responsabilidade de desmantelar o parque eólico e repor o local de implantação no seu estado original.

23-  O “Renewable Energy Fact Sheet: Wind Turbines” elaborado pela “United States Environmental Protection Agency”, menciona, na sua página 2, uma vida útil típica de 20 anos”.

Atendendo a essas vidas úteis mencionadas (entre 20 e 30 anos), exercendo o poder discricionário que a lei lhe concede, a AT considerou razoável estabelecer uma taxa máxima de amortizações de 5%. Daí resulta, ipso iure, que o intervalo de razoabilidade de taxas de amortização se situava entre 2,5% e 5% (correspondente a um intervalo de vidas úteis de 20 a 40 anos).

Uma vez que a Requerente praticava taxas de amortização superiores a esse intervalo, em concreto 6,25% (correspondente a uma vida útil de 16 anos, inferior ao intervalo de razoabilidade), o excesso de gastos foi quantificado e corrigido pela AT.

Parece-me pois que a AT cumpriu, sem merecer quaisquer reparos, aquilo que a lei prevê[17]. Com efeito, com a conduta levada a efeito pela AT está cumprido o ónus da prova dos factos constitutivos da liquidação. Não houve qualquer “erro grosseiro”.

Fica demonstrado o excesso de gastos fiscais do contribuinte, que decorre de o contribuinte ter praticado uma taxa de amortização situada fora dos limites de razoabilidade, conforme integração da lei feita pela AT[18], a quem a lei expressamente atribui a exclusiva competência integradora, ao menos com caráter juridicamente vinculante.

A presunção relativa de rigor da declaração fiscal do contribuinte atinente ao exercício inspecionado, prevista no n.º 1 do art. 75.º da LGT, não se verifica, nos termos da al. a) do n.º 2 do mesmo artigo, em virtude de revelarem erros ou indícios fundados de que não refletem a matéria tributável real.

A particularidade desta situação, aquilo que a distingue da regra, é apenas a circunstância, invulgar, de aqui a AT definir a liquidação com base na precedente integração que (no procedimento inspetivo) faz da lei, para suprir uma lacuna.

Creio que os meus colegas Árbitros consideram não se ter demonstrado a irrazoabilidade da conduta do contribuinte, pela simples razão de terem considerado que a AT, ao definir (apenas) uma taxa tida como “razoável”, agiu de forma ilegal. Eu considero que agiu de forma legal. Verdadeiramente é aí que reside a nossa discordância.

Concluindo, pelas razões antes expostas, considero que ficou definido um intervalo de razoabilidade de taxas de amortização, e ficando as amortizações do contribuinte fora desse intervalo, com gastos excessivos face ao limite máximo, a AT emitiu a liquidação para corrigir o lucro tributável. Assim, considero ser de manter na ordem jurídica a liquidação adicional de IRC atinente às amortizações excessivas.

 

IV. Quanto à alteração superveniente da lei (Reforma da Fiscalidade Verde)

Subscrevo o entendimento exposto no voto de vencido do Proc. 593/2015-T do CAAD, que passo a reproduzir:

“A superveniência de um outro regime legal no qual a omissão normativa originária deixou de existir – nomeadamente o regime de "Fiscalidade Verde" (Lei n.º 82-D/2014, de 31 de Dezembro) que permite amortizações em prazos como o adoptado pela Requerente, ao estabelecer prazos de vida útil a estes equipamentos com duração mínima de 12,5 anos e máxima de 25 anos – não tem nem pode ter qualquer relevância para o caso, já que aqui vigorava, à data dos factos, um poder discricionário que foi regularmente exercido pela AT, dele resultando a fixação de taxas de amortização que eram as legalmente aplicáveis aos equipamentos em causa. Admitamos que, se a sucessão de regimes legais pudesse servir de base adicional, e excepcional, para a impugnação de uma decisão tomada no exercício de um poder discricionário, então não só todas as decisões da Administração assim tomadas ficariam fragilizadas porque sujeitas a um estatuto precário, ao menos dentro dos prazos de caducidade (ou até, por absurdo, teriam tais decisões que ter-se por "não-razoáveis" pela única circunstância de não incorporarem um juízo de prognose quanto a possíveis regimes futuros dentro de um prazo de caducidade); mas os próprios critérios legais que tivessem sido preenchidos pelo exercício de um poder discricionário da Administração ficariam criticamente expostos à sucessão de regimes, numa infindável cascata de retroactividades”.

 

V. Quanto ao pedido de indemnização por garantia indevida, discordo da posição vencedora – considero que a Requerente não tem direito à indemnização por não se verificarem os pressupostos previstos no art. 53.º da LGT – como corolário lógico da divergência quanto ao essencial: a (i)legalidade da liquidação emitida pela AT.

 

VI. Por ser de manter na ordem jurídica a liquidação impugnada pela Requerente, considero que as custas do processo são-lhe imputáveis.

 

 

Nuno M. Morujão.

Lisboa, 5/2/2017.

 

 



[3] Cfr., por exemplo, o Ac. do STA de 03-03-2016, proferido no processo 0768/15, disponível em www.dgsi.pt, onde se pode ler:

I - A discricionariedade consiste numa liberdade de escolha entre várias soluções tidas como igualmente possíveis [a Administração escolhe livremente uma das soluções apontadas na lei, sendo tidas como igualmente boas, qualquer uma delas]. Por outro lado o controlo jurisdicional do poder discricionário obedece apenas ao controlo da legalidade não se estendendo à esfera da oportunidade, onde o poder discricionário ocupa o seu espaço por excelência.

[4] Disponível em www.dgsi.pt.

[5] Sem necessidade, naturalmente, de qualquer diálogo entre AT e Contribuinte no termo do qual se conclua que "são aceites" ou "são rejeitados" as taxas e prazos de depreciação ou amortização "propostos" pelo Contribuinte.

[6] Que se presume verdadeira, nos termos do artigo 75.º/1 da LGT.

[7] Cfr. Ac. TCA-Sul de 16-01-2007, proferido no processo 00911/03, disponível em www.dgsi.pt.

[8] Daí que não se esteja a sustentar a necessidade de a AT provar a irrazoabilidade de toda e qualquer taxa que divergisse daquela que ela foi chamada a definir, mas, unicamente, que se entender que uma taxa devidamente declarada não está correcta, careça, como condição da legitimidade da sua intervenção correctiva, de demonstrar a sua incorrecção.

[9] De resto, a circunstância de ambos os períodos de vida útil caberem, dentro do que o Legislador, quando assim o entendeu, considerou serem aceitáveis, indicia, face ao disposto no artigo 9.º/3 do Código Civil, que ambas serão razoáveis.

[10] Carla Castelo Trindade – Regime Jurídico da Arbitragem Tributária – Anotado, Coimbra, 2016, pág. 122.

[11] Disponível em www.caad.org.pt.

[12] Cfr. n.º 3 do art. 5.º do DR 25/2009, de 14 de setembro e n.º 2 do art. 31.º CIRC, segundo a numeração vigente à época.

[13] Cfr. art. 55.º LGT, art. 6.º e 9.º CPA e n.º 2 do art. 266.º CRP.

[14] N.º 2 do art. 31.º do CIRC e n.º 3 do art. 5.º do DR 25/2009, de 14 de setembro.

[15] Tudo isto sem prejuízo de a lei prever um regime intensivo de utilização dos ativos depreciáveis previsto no art. 9.º do DR 25/2009, de 14 de setembro, que legitima, verificadas as condições aí previstas, taxas de amortização fora deste intervalo.

[16] Nos termos previstos no n.º 2 do art. 31.º CIRC e n.º 3 do art. 5.º do referido DR.

[17] Art. 74.º LGT enquanto princípio geral, e as normas mais especialmente aplicáveis, que sempre prevaleceriam sobre o princípio geral em caso de dissonância, o n.º 2 do art. 31.º CIRC e o n.º 3 do art. 5.º do DR 25/2009, de 14 de setembro.

[18] Conforme explicitamente demonstrado no relatório do procedimento de inspeção.