Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 234/2016-T
Data da decisão: 2016-12-23  IRC  
Valor do pedido: € 75.639,72
Tema: IRC – Art. 23.º CIRC; dedutibilidade de custos/gastos
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Decisão Arbitral

 

I – RELATÓRIO

A…, LDA., com o NIF … e sede em …, …, requereu a constituição de tribunal arbitral, com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) que nomeou e adiante igualmente se identificarão.

Como nada dissesse sobre a eventual pretensão de designar árbitro, foram os signatários nomeados pelo Conselho Deontológico, nomeação que aceitaram e não teve oposição de qualquer das partes, ficando o tribunal constituído em 01 de Julho de 2016.

A Administração Tributária (AT) respondeu, no prazo legal, defendendo-se por impugnação e juntando cópia do processo administrativo.

No dia 2-11-2016, teve lugar a reunião a que alude o artigo 18º do RJAT (Regime Jurídico de Arbitragem Tributária), tendo-se procedido então à inquirição das testemunhas e declarações da parte.

Foi fixado o dia 2 de Janeiro para a prolação da decisão final.

As partes apresentaram alegações por escrito, pronunciando-se sobre a prova produzida, reiterando e desenvolvendo as respetivas posições jurídicas.

 

II – SANEAMENTO

O tribunal é competente, as partes são legítimas, dotadas de personalidade e capacidade judiciárias, e acham-se devidamente representadas. Não há nulidades, excepções ou questões prévias que impeçam o conhecimento do pedido.

 

III – MATÉRIA DE FACTO

1. FACTOS PROVADOS

a) A Requerente é uma sociedade por quotas que tem por objecto social a produção e comercialização de eletricidade através da exploração de empreendimentos de aproveitamento de energias renováveis (tal como resulta da certidão permanente-código de acesso …-…-…).

b) Em 2006, a Requerente uniu-se em consórcio para concorrer a um processo de licitação para aquisição, recuperação e posterior exploração de mini-hídricas sitas na Roménia.

c) Em 20.11.2006, em resultado deste processo de licitação, o consórcio do qual a Requerente fazia parte adquiriu, para recuperação e exploração, 5 mini-hídricas todas localizadas no …, em …, Roménia.

d) Após a aquisição, a Requerente e parceiros do consórcio, verificaram que os bens adquiridos e supra mencionados não coincidiam com a descrição constante do processo de licitação.

e) Em consequência de tal verificação, teve início um processo judicial, na Roménia, no qual a Requerente era Ré, vendo-se, assim, obrigada a contratar os serviços jurídicos de uma sociedade de advogados –B…– para a representar.

f) A Requerente pagou pelos serviços jurídicos prestados as seguintes facturas que se encontram na sua contabilidade:

• Factura n.º …2012…, no valor de € 2.043,78 emitida em 26-04-2012 pela empresa B… e respetiva carta de envio (documento n.º 13 junto com o pedido arbitral);

• Factura n.º …2012…, no valor de € 3.689,48 emitida em 29-06-2012 pela empresa B… (documento n.º 14 junto com o pedido arbitral);

• Factura n.º …2012…, no valor de € 8.770,00 emitida em 14-09-2012 pela empresa B… e respetiva carta de envio (documento n.º 15 junto com o pedido arbitral);

• Factura n.º …2012…, no valor de € 6.686,81 (documento n.º 16);

• Factura n.º …2012…, no valor de € 3.442,39 emitida em 31-10-2012 pela empresa B… e respetiva carta de envio (documento n.º 17 junto com o pedido arbitral);

• Factura n.º …2012…, no valor de € 1.337,49 emitida em 21-12-2012 pela empresa B… e respetiva carta de envio (documento n.º 18 junto com o pedido arbitral);

• Factura n.º …2013…, no valor de € 2.826,85 emitida em 30-01-2013 pela empresa B… (documento n.º 19 junto com o pedido arbitral);

• Factura n.º …2013…, no valor de € 671,43 emitida em 24-07-2013 pela empresa B… e respetiva carta de envio (documento n.º 20 junto com o pedido arbitral);

• Factura n.º …2013…, no valor de € 2.364,20 emitida em 29-03-2013 pela empresa B… e respetiva carta de envio (documento n.º 21 junto com o pedido arbitral);

• Factura n.º …2013…, no valor de € 1.143,32 emitida em 29-04-2013 pela empresa B… e respetiva carta de envio (documento n.º 22 junto com o pedido arbitral);

• Factura n.º …2013…, no valor de € 1.146,61 emitida em 28-06-2013 2013 pela empresa B… e respetiva carta de envio (documento n.º 23 junto com o pedido arbitral);

• Factura n.º …2013…, no valor de € 1.242,48 emitida em 31-10-2013 2013 pela empresa B… e respetiva carta de envio (documento n.º 24 junto com o pedido arbitral).

g) Consequentemente, a Requerente contabilizou como custos relativos aos serviços prestados pela empresa B…, no ano de 2012, o valor de € 28.796,80, e no ano de 2013, o valor de € 6.568,04.

h) Nos dossiers de contabilidade da Requerente solicitados pela AT, encontravam-se as acima referidas Facturas; a Requerente disponibilizou à AT todos os documentos solicitados no âmbito do procedimento de inspeção tributária e disponibilizou-se igualmente para apresentar qualquer documento ou informação adicional.

i) A AT não solicitou qualquer outro documento, tradução de documento ou informação adicional.

j) A Requerente explora o Parque Eólico …, sito em …, onde estão instalados dois aerogeradores para produção de energia eólica, sua propriedade.

k) Nos anos de 2012 e 2013, a Requerente utilizou, relativamente aos aerogeradores do seu parque eólico, a taxa de depreciação de 8,33% correspondente a um período de vida útil de 12 anos.

l) A vida útil desses aerogeradores estima-se entre 10 a 20 anos, tendo em consideração factores tecnológicos, fatores externos, nomeadamente a localização, as condições climáticas e os ventos, entre outros, fatores económicos, legais e do uso potencial ou esperado em condições regulares e ainda as condições contratuais e técnicas de ligação à rede elétrica nacional.

m) Em cumprimento das Ordens de Serviço OI2015… e OI2015… foi instaurado e realizado um procedimento de inspeção tributária relativamente aos exercícios fiscais de 2012 e 2013.

n) Através do Relatório de Inspecção Tributária - RIT (documento n.º 3 junto com o pedido arbitral e junto com o processo administrativo), a AT efetuou as seguintes correções ao lucro tributável da Requerente:

 

Ano

Rubrica

Correção

Montante

2012

Conta 62.21.11.017 – B…

Custos não aceites nos termos do art. 23.º do CIRC.

€28.796,805

2012

Conta 642 – Ativos Fixos Tangíveis

Custos não aceites nos termos do n.º 2 do art. 31.º do CIRC e n.º 3 do art. 5.º do Dec. Regulamentar n.º 25/2009.

€105.650,80

2013

Conta 62.21.11.017 – B…

Custos não aceites nos termos do art. 23.º do CIRC.

€6.568,04

2013

Conta 642 – Ativos Fixos Tangíveis

Custos não aceites nos termos do n.º 2 do art. 31.º do CIRC e n.º 3 do art. 5.º do Dec. Regulamentar n.º 25/2009.

€105.650,78

 

 

o) Face às correções supra mencionadas, a matéria coletável da Requerente foi corrigida de € 118.550,98 para € 261.146,20, relativamente ao exercício de 2012, e de € 318.659,77 para € 439.347,57 relativamente ao ano de 2013, tendo sido emitidas as liquidações adicionais aqui em crise (documentos 1 e 2 juntos com o pedido arbitral).

p) A Requerente pagou voluntariamente e dentro do prazo, em 10-03-2016, as liquidações de IRC impugnadas (documento nº 29 e 30 juntos em 26-04-2016).

q) O pedido de constituição de Tribunal Arbitral deu entrada no dia 20-04-2016.

 

2. FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada [cfr. artigoº 123.º, n.º 2, do Código de Processo e de Procedimento Tributário (CPPT) e artigo 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT)].

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da (s) questão (ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, nº 7 do CPPT, a prova documental, o PA juntos aos autos, as declarações da parte prestadas pelo representante legal da Requerente, C…, e o depoimento das testemunhas por esta arroladas, D…, E… e F…, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta igualmente que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/131, “o valor probatório do relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

3. FACTOS NÃO PROVADOS

De entre os alegados, relevantes para a decisão, nenhum ficou por provar.

IV – SUBSUNÇÃO DOS FACTOS AO DIREITO

A questão essencial a decidir e colocada pela sociedade comercial A…, Lda., no seu pedido de pronúncia arbitral é a da ilegalidade dos actos de liquidação adicional n.º 2016…, de 3/6/2012, relativo ao IRC do exercício de 2012, no valor de 41 659,67 € e n.º 2016…, de 3/6/2012, relativo ao IRC do exercício de 2013, no valor de 33 980,05 €, e respectiva anulação.

Os actos de liquidação impugnados fundam-se na consideração por parte da AT de que:

a)      A Requerente contabilizou como gastos despesas não aceites fiscalmente nos termos do artigo 23º do CIRC: custos com serviços jurídicos prestados à A…, Lda. pela sociedade de advogados romena B…;

b)      A Requerente contabilizou depreciações que excedem o limite legal, contrariando o disposto no artigo 23º, nº 2, al. g) e artigo 31º, nº 2 do CIRC: aplicação de taxa de depreciação de 8,33% aos seus aerogeradores pressupondo um período de vida útil de 12 anos.

 

Há, então, que apurar se os custos com os serviços jurídicos referidos em a) deverão ser fiscalmente aceites e se a taxa de depreciação aplicada pela Requerente e referida em b) foi a correcta.

 

No que se refere à primeira questão – contabilização dos custos com serviços jurídicos prestados pela sociedade de advogados B… – resultou da factualidade provada que a Requerente integrou, em 2006, um consórcio para concorrer a um processo de licitação para aquisição, recuperação e posterior exploração de mini-hídricas, na Roménia. Em resultado desse processo de licitação, o referido consórcio adquiriu 5 mini hídricas localizadas no …, em … . Após essa aquisição, foi constatado que os bens adquiridos não coincidiam com as descrições constantes do processo de licitação, o que levou a que o referido consórcio fosse alvo de processo judicial por parte da empresa concedente, que pretendia ser indemnizada por incumprimento contratual. Integrando o referido consórcio, a Requerente foi também visada no referido processo judicial, vendo-se obrigada a defender-se, tendo, para esse efeito contratado os serviços jurídicos da sociedade de advogados B…, a quem pagou, no ano de 2012, a quantia de 28.796,80 e, no ano de 2013, o valor de 6.568,04.

 

Estes custos que a Requerente teve de suportar são consequência de actos praticados no âmbito da prossecução do seu objecto social e a sua não realização poderia levar à condenação da Requerente, no referido processo judicial, em indemnização avultada com repercussões óbvias nos seus lucros tributáveis.

 

Logo, tais despesas não podem deixar de ser consideradas “gastos (…) que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização de rendimentos sujeitos a imposto ou para manutenção da fonte produtora, nomeadamente (…)” com “contencioso (…)”, nos termos do artigo 23º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC).

  Os respectivos documentos de suporte contabilístico, ou seja, as Facturas emitidas pela B… que constam igualmente dos presentes autos (documentos 13 a 24 juntos com o pedido arbitral) encontravam-se, tal como legalmente exigido, nos dossiers de contabilidade solicitados pela AT, aquando do procedimento de inspecção.

A Requerente disponibilizou ainda todos os documentos solicitados pela AT no âmbito de procedimento de inspecção tributária, forneceu, em sede de direito de audição, documentação vária relativa ao concurso publico a que se apresentou na Roménia, em consórcio (documentos 4 a 11 juntos com o pedido arbitral) e colocou-se à disposição para fornecer qualquer outra documentação adicional (documento 12 junto com o pedido arbitral), documentação essa que a AT não solicitou tal como não solicitou, então, a tradução de quaisquer documentos.

Nesse pressuposto, porque se entende que os gastos efectuados com os serviços jurídicos e advogados da sociedade B… constituem custos fiscalmente dedutíveis nos termos do artigo 23º CIRC, a sua desconsideração enquanto tais constitui violação desse dispositivo legal, conduzindo, obrigatoriamente, à ilegalidade das correcções efetuadas pela AT e, consequentemente, à ilegalidade das liquidações aqui impugnadas, no que a esta matéria diz respeito.

Em relação às demais correções realizadas pela AT, relativas à não aceitação por esta da aplicação da taxa de depreciação de 8,33% aos aerogeradores da Requerente, a sua legalidade depende da determinação do período de vida útil destes equipamentos.

Vejamos então.

No relatório de conclusões da inspecção, a AT refere que, da consulta ao Decreto Regulamentar 25/2009 de 14/9, verifica-se que a produção de eletricidade efetuada através de parques eólicos não se encontra prevista na tabela I e na tabela II, nem delas consta qualquer referência a estes parques ou equipamentos eólicos. Só com a Lei nº 82 – D/2014 de 31/12 (artigo 23º) ficou definida a taxa a aplicar, a partir de 2015, sendo ali referida nos seguintes termos: “Código … – Equipamentos de energia solar, incluindo nomeadamente equipamentos de energia solar, fotovoltaica ou equipamentos de energia eólica – taxa de 8%”.

Invoca igualmente a AT o nº 3 do artigo 5º do Decreto Regulamentar 25/90 e o nº 2 do artigo 31º do CIRC, que dispõem que “relativamente aos elementos para os quais não se encontrem fixadas, nas tabelas referidas no nº 1 (artigo 5º), taxas de depreciação ou amortização, são aceites as que pela Autoridade Tributária sejam consideradas razoáveis, tendo em conta o período de utilidade esperada”. A AT alude ainda ao pedido de informação (Inf. Nº …/2015) à DSIRC (Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas) que refere que a vida útil dos parques eólicos é de 20 anos.

Após o direito de audição, a AT, relativamente aos exercícios de 2012 e 2013, manteve as correções inicialmente propostas relativamente à taxa de depreciação anual de 8,33% considerada pela Requerente naqueles exercícios e a taxa de 5% de depreciação aceite fiscalmente, calculadas sobre os seguintes itens:

 

 

Correcção 2012

Correcção 2013

Aerogeradores …

102.039,33 €

102.039,33€

Rendas antes Exploração

333,33 €

333,33 €

Seguro de Construção

1.026,41 €

1.026,41 €

Transporte de 2 aerogeradores

620,00 €

620,00 €

 

104.019.17 €

104.019.17 €

 

A Requerente no pedido de constituição do tribunal arbitral confirma que, relativamente aos aerogeradores do seu parque eólico, utilizou a taxa de 8,33% correspondente a um período de vida útil de 12 anos. Que os mesmos começaram a ser depreciados, pelo método da linha recta (ou quotas constantes) a partir de 2004, ano em que os aerogeradores entraram em funcionamento. Que em 2012 e 2013, não estando definida uma taxa legal a aplicar, foi considerada a taxa que vinha sendo utilizada e que melhor se adequaria ao período de vida útil estimado dos equipamentos, invocando razões técnicas e climáticas para o suporte da estimativa da vida útil considerada. Referindo, ainda, a Requerente que, no setor segurador, se utiliza uma taxa entre 7% e 8% / ano, correspondente ao período de vida útil entre os 12,5 anos e os 14,2 anos e que a apólice de seguro prevê limitações técnicas à depreciação quando o equipamento atinge 10 anos de vida.

Ainda no mesmo sentido, refere a Requerente que a Lei 82-D/2014 de 31 de Dezembro, veio incluir os aerogeradores (equipamentos de energia eólica) na lista da Tabela II ao Decreto Regulamentar 25/2009 com uma taxa de 8% correspondente a uma vida útil de 12,5 anos, lembrando que a informação da DSIRC é posterior à entrada em vigor da Lei 82-D/2014 (a informação é de 29/05/2015). Questionando, ainda, acerca da pertinência no esclarecimento se as vidas úteis do estudo do LNEG (Laboratório Nacional de Energia e Geologia), se são vida útil máxima ou mínima, o que, em abstrato, aos 20 anos indicados pela AT como vida útil, poderia corresponder uma vida útil máxima de 40 anos.

Na inquirição de testemunhas, foram relevantes nesta matéria, entre outros, os seguintes esclarecimentos prestados pelo Eng. G…:

·           A vida útil esperada dos equipamentos, com beneficiações é de 20 anos, mas que atendendo a que à sua operacionalidade acima dos 10/12 anos e ao aumento crescente dos custos de reparação é usual a depreciação de todos os componentes numa base média de 12 anos.

·           Que quando se refere a uma vida útil de 20 anos é a vida útil máxima.

Do testemunho do Eng. H… resultou que, em função das condições das apólices seguradoras, a taxa de depreciação média pode variar entre 7% a 8% / ano. E do testemunho do Dr. C… resultou a confirmação de que, desde a data de entrada em funcionamento dos equipamentos, em 2004, até à presente data, sempre foi aplicada a taxa de depreciação de 8,33%. Esclareceu ainda que, nos anos anteriores a 2012 e 2013, nunca houve qualquer correção ou pedido de esclarecimento por parte da AT sobre a taxa de depreciação utilizada.

Ou seja, resultou da prova produzida que a vida útil desses aerogeradores se estima entre 10 (o mínimo) a 20 anos (o máximo), tendo em consideração factores ligados à própria tecnologia de produção, fatores externos, nomeadamente a localização, as condições climáticas, velocidade, turbulência, regime de rajadas, componente vertical do vento local, fatores económicos, legais e do uso potencial ou esperado em condições regulares atento o seu uso efectivo e ainda as condições contratuais e técnicas de ligação à rede elétrica nacional.

 

O artigo 17º nº 1 do CIRC estabelece que o lucro tributável das pessoas coletivas é constituído pela soma algébrica do resultado liquido do período e das variações patrimoniais positivas ou negativas verificadas no período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos do código do IRC. (sublinhado nosso)

Em 2004, ano da entrada em funcionamento dos equipamentos e do início da depreciação contabilística dos mesmos, encontrava-se em vigor o Plano Oficial de Contabilidade (POC), aprovado pelo Decreto-lei 410/89 de 21/11 e o Decreto Regulamentar 2/90 de 12/1.

O POC identifica, como uma das características da informação financeira, a Comparabilidade, que clarifica que as operações devem ser registadas de forma consistente pela empresa e durante a sua vida, assentando tal característica no princípio contabilístico da Consistência que considera não deverem ser alteradas as políticas contabilísticas de um exercício para o outro. (Refira-se que ao tempo o POC não estabelecia a diferenciação entre Políticas Contabilísticas e Alterações de Estimativas Contabilísticas, o que só veio a ser incluído no normativo contabilístico nacional, a partir de 2010 com a entrada em vigor do SNC).

O ponto 5.4.1 do POC estabelece que os elementos do ativo imobilizado quando tiverem uma vida útil limitada, ficam sujeitos a uma amortização sistemática durante esse período. E que devem ser divulgados no Anexo os métodos de cálculo respeitantes designadamente com amortizações (ponto 8.3 do Anexo / POC).

Refira-se que, em termos do normativo contabilístico aplicável ao tempo, em 18/12/1996 havia sido aprovada pelo Conselho Geral da Comissão de Normalização Contabilística, a Diretriz Contabilística 18 – Objetivos das Demonstrações Financeiras e princípios contabilísticos geralmente aceites, a qual foi substituída e ajustada em 22/06/2005 – Diretriz Contabilística 18/05.

Tal referência tem importância porque, já ao tempo, a regulamentação contabilística tratava, como hoje trata, os aspetos relacionados com a definição da vida útil de um equipamento ou qualquer outro ativo fixo tangível, em moldes idênticos aos que atualmente (isto é, desde 2010) são utilizados na regulamentação contabilística do SNC – Sistema de Normalização Contabilística. E porque a Diretriz Contabilística 18/05 definiu uma hierarquia de normas contabilísticas que era a seguinte:

·             POC

·             Diretrizes contabilísticas e interpretações técnicas da CNC e supletivamente

·             Normas Internacionais de Contabilidade adaptadas na UE e as IAS/IFRS.

 

O Sistema de Normalização Contabilística – SNC, aprovado pelo Decreto Lei 158/2009 de 13/7 e derivado de um processo continuado de recomendações e obrigações decorrentes da UE que entrou em vigor em 01/01/2010, assenta no normativo supletivo referido no ponto anterior, mantendo os requisitos de comparabilidade e consistência na apresentação de Demonstrações Financeiras e criando um modelo assente em Normas (NCRF – Normas contabilísticas de Relato Financeiro).

A NCRF 7 – Ativos Fixos Tangíveis (aplicável aos equipamentos em causa) estabelece no § 6º: depreciação (amortização) é a imputação sistemática da quantia depreciável de um ativo durante a sua vida útil. E vida útil é: o período durante o qual uma entidade espera que um ativo esteja disponível para uso (sublinhado nosso) ou o número de unidades de produção ou similares que numa entidade espera obter do ativo.

Ou seja, a taxa de depreciação a utilizar será a que resultar duma vida útil estimada pela entidade, na base do tempo, ou na base do uso/produção.

Refere o §57º que “a vida útil de um ativo é definida em termos de utilidade esperada do ativo para a entidade” e “a estimativa da vida útil do ativo é uma questão de juízo de valor baseado na experiência da entidade com ativos semelhantes”. (sublinhado nosso)

Por outro lado, convém esclarecer que sendo a amortização/depreciação calculada a partir da vida útil é tratada no normativo como uma estimativa contabilística, regulada na NCRF 4.

Veja-se o § 27º, onde se refere que “como consequência das incertezas inerentes às atividades empresariais, muitos itens nas demonstrações financeiras não podem ser mensurados com precisão, podendo apenas ser estimados. A estimativa envolve juízos de valor baseados na última informação disponível. Por exemplo, podem ser exigidas estimativas de:

(…) d)   A vida útil de, ou o modelo esperado de consumo dos benefícios económicos futuros incorporados em ativos depreciáveis. (…).”

É neste contexto de regulamentação contabilística, na base da experiência, dos estudos, da informação das seguradoras, que a Requerente, A…, Lda., terá iniciado a depreciação dos equipamentos na base de uma vida útil estimada de 12 anos, aplicando ao custo, uma taxa de depreciação anual de 8,33%, na base de quotas constantes ou método da linha recta, garantindo a comparabilidade das Demonstrações Financeiras e a consistência do método de cálculo.

O Decreto Regulamentar 2/90 define no seu artigo 3º que a vida útil de um elemento do ativo mobilizado é, para efeitos fiscais (sublinhado nosso), o período durante o qual se reintegra ou amortiza totalmente o seu valor.

Considerando que:

a)                      O período mínimo de vida útil é o que se deduz das taxas que podem ser aceites fiscalmente segundo o método das quotas constantes; e

b)                      O período máximo de vida útil é o que se deduz de uma taxa igual a metade da referida na alínea anterior.

Referindo (no nº 5 do artigo 3º e artigo 19º) a sua desconsideração como gasto fiscal – regra geral – quando a depreciação contabilizada não se enquadrar entre os limites referidos no ponto anterior, isto é, entre a taxa máxima e a taxa mínima.

Recorde-se que no nº 3 do artigo 5º do já referido Decreto Regulamentar se refere que: “Relativamente aos elementos mencionados no número anterior para os quais não se encontrem fixados taxas de reintegração e amortização nas tabelas referidas no nº 1, serão aceites as que pela Direção Geral das Contribuições e impostos sejam consideradas razoáveis, tendo em conta o período de utilidade esperada”.

Este Decreto Regulamentar aplicou-se, para efeitos de IRC, relativamente aos períodos de tributação iniciados a partir de 01/01/1989 e até 31/12/2009, data a partir da qual foi revogado pelo Decreto Regulamentar 25/2009 de 14 Setembro, que entrou em vigor em 01/01/2010.

Em substância este diploma, no que ao caso interessa, nada alterou quanto ao conteúdo dos já referidos artigos 3º e nº 3 do artigo 5º. Este em particular com a redação dada pelo Decreto Regulamentar 4/2015 de 22/4 refere que “relativamente aos elementos para os quais não se encontrem fixados, nas tabelas referidas no nº 1, taxas de depreciação ou amortização são aceites as que pela Autoridade Tributária e Aduaneira sejam consideradas razoáveis, tendo em conta o período de vida útil esperada daqueles elementos”.

Pelo que e sintetizando:

A empresa A…, Lda., desde 2004 até 2013 praticou de forma consistente uma taxa de depreciação de 8,33% correspondente a uma vida útil esperada dos equipamentos de 12 anos.

Durante os exercícios de 2004, 2005, 2006, 2007, 2008, 2009, 2010 e 2011, os gastos de depreciação assim contabilizados integraram o apuramento do resultado líquido anual e da matéria coletável correspondente para efeitos de IRC.

Não foi apresentado nenhum elemento no processo que demonstrasse que, ao longo desses anos, a Autoridade Tributária e Aduaneira tivesse proposto qualquer correção às depreciações contabilizadas, as quais integraram o cálculo da matéria coletável em termos definitivos.

Podendo-se inferir, pois, que desde 2004 a 2011 a Autoridade Tributária e Aduaneira considerou como razoáveis e aceitou as taxas de depreciação contabilizadas.

Nos exercícios de 2012 e 2013 (anos relativos ao processo 234/2016-T), a empresa não alterou a estimativa da vida útil dos equipamentos, mantendo de forma consistente a aplicação da taxa de depreciação de 8,33% / ano que se enquadra entre a taxa mínima de 5%, correspondente ao período máximo de vida útil de 20 anos e a taxa máxima de 10%, correspondente ao período mínimo de vida útil de 10 anos (base fiscal).

Acresce referir que o relatório de conclusões do procedimento de inspeção é de 22/12/2015, sustentado num parecer de 29-05-2015, ou seja todos estes documentos são posteriores à Lei 82-D/2014, que incluiu um novo código: “…– Equipamentos de energia solar, incluindo nomeadamente equipamentos de energia solar fotovoltaica ou equipamentos de energia eólica; aplicando a taxa de depreciação de referência de 8% ano”.

Pelo que não parece ser compreensível que no ano de 2015 – ano da inspeção tributária – o critério de razoabilidade que a AT tinha o direito de utilizar nos termos do nº 3 do artigo 5º do Decreto Regulamentar 25/2009 de 14 de Setembro, não tivesse levado em conta os seguintes aspetos fundamentais:

· A utilização da taxa de 8% resultante de legislação mais atual e na ausência da taxa referencial com base legal em anos anteriores.

· O facto de se poder inferir que a AT, de 2004 a 2011, considerou razoável a taxa de 8,33%.

· O facto de a empresa ter cumprido os requisitos contabilísticos acerca da definição de vida útil, primando pela sua consistência ao longo dos exercícios.

 

Nestes termos, consideram-se ilegais estas correcções efectuadas pela AT e, consequentemente, consideram-se ilegais, também no que a esta matéria se referem, as liquidações adicionais aqui impugnadas.

A Requerente pede o reembolso da quantia paga e juros indemnizatórios, tendo-se provado que pagou as liquidações impugnadas no montante global de € 75.639,72 (documentos 29 e 30).

O artigo 43º, nº 1 da Lei Geral Tributária (LGT) estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine (…) que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento de divida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

No caso em apreço, o erro que afectou as liquidações é imputável à AT.

Pelo que a Requerente tem direito a ser reembolsada das quantias que pagou (artigos 100º da LGT e 24º, nº 1 do RJAT) e juros indemnizatórios desde a data de pagamento, 10-03-2016, até reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43º, nºs 1 e 4, e 35º, nº 10 da LGT, 559º do Código Civil (CC) e Portaria nº 291/2003 de 8 de Abril.

 

V. Decisão

 

De harmonia com o exposto, decide este Tribunal Arbitral:

a)      Julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, declarar ilegais as liquidações nºs 2015…, referente ao ano de 2012, e 2015…, referente ao ano de 2013, anulando-as, com todas as consequências jurídico-tributárias legalmente aplicáveis.

b)      Condenar a AT à restituição do montante global de € 75.639,72, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal, com as devidas consequências legais.

c)      Condenar a Requerida no pagamento das custas do processo.

 

VI. VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se em € 75.639,72 o valor do processo.

 

 

VII – VALOR DAS CUSTAS

 

Computam-se as custas no montante de € 2.448,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 23 de dezembro de 2016.

 

Os árbitros,

 

(José Baeta de Queiroz)

 

 

 

 

 

(Cristina Aragão Seia)

 

 

 

(Victor Simões)