Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 226/2016-T
Data da decisão: 2016-12-10  IUC  
Valor do pedido: € 1.958,74
Tema: IUC – Incidência Subjetiva; Presunções Legais
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DECISÃO ARBITRAL-TRIBUTÁRIA

 

1           RELATÓRIO

 

1.1     – A…, S.A., com o NIP: …, Reclamante no procedimento tributário, acima e, à margem referenciado, doravante, denominado “Requerente”, veio, invocando o disposto nos números 1 e 2 do artigo 10º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante RJAT), do artigo 99º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) e do números 1 do artigo 95º da Lei Geral Tributária (LGT), requerer a constituição do Tribunal Arbitral Singular, com vista a:

 

-   A anulação de 13 atos de liquidação do Imposto Único de Circulação (doravante designado por IUC), efectuados pela Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT), referente ao ano de: 2012, respeitante aos veículos constantes das notificações, juntas em anexo, como documentos de 1 a 13 que fazem parte integrante do Pedido de Pronuncia Arbitral Tributária.

 

-   Ao pedido de reembolso do valor global de € 1.767,29, acrescidos dos respetivos juros compensatórios, de valor de € 191,45, que perfazem um valor total de €1.958,74, indevidamente pagos pela Requerente e, juros indemnizatórios previstos nos artigos 43º da LGT e no artigo 61º do CPPT.

 

1.2     Nos termos do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 6º e da alínea b) do nº 1 do artigo 11º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro singular, Maria de Fátima Alves, que comunicou a aceitação do encargo, no prazo aplicável:

 

-   Em 14-06-2016 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11º nº 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6º e 7º do Código Deontológico,

-   Pelo que, o tribunal arbitral foi constituído em 01-07-2016, conforme o preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do Decreto-Lei nº10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção introduzida pelo artigo 228º da Lei 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

 

1.3     A Requerente, na fundamentação do seu pedido de pronúncia arbitral, afirma, em resumo, o seguinte:

 

-   Os atos de liquidação, a que respeitam os impostos únicos de circulação, liquidados e identificados nos documentos nº 1 a 13, anexo à PI, foram dirigidas directamente à Requerente;

             

         - Ora, a Requerente dedica-se à comercialização de veículos, representando diversas marcas de automóveis, pelo que os “veículos objectos das liquidações contestadas, inserem-se na sua actividade de venda de veículos novos à rede dos seus concessionários e, noutros casos, a empresas de rent-a-car”;

 

         -Face aos veículos, em causa, a Requerente atuou como intermediária entre os fabricantes das marcas que representa e os concessionários, no âmbito de contratos de concessão (docº nº 14) e, com as empresas de rent-a-car, atuou, no âmbito de acordos de fornecimento (docº nº 15), ambos os documentos estão anexos aos autos;

 

      -Constatando-se, assim, que os 13 veículos controvertidos foram comercializados pela Requerente no âmbito dos já supra citados contratos de concessão ou acordos de fornecimento;

-Pelo que, a Requerente, apenas procede à matrícula dos veículos que encomenda para a execução dos referidos acordos de fornecimento, a fim de proceder à entrega dos veículos já matriculados (cf., cláusula 3ª do docº nº 14º, junto aos autos);

 

-Acresce, ainda, que a Requerente procedeu à emissão de faturas de venda até à data de atribuição da matrícula ao veículo, em Portugal;

 

-No caso das vendas da Requerente a concessionários, a emissão de fatura ocorre, anteriormente, à data da matrícula, sendo estes identificados pelos números dos chassis e, objecto de posterior nota de débito do ISV, já com matrícula;

-No caso das empresas ren-a-car, a data da fatura coincide com a data da matrícula (cf., as 13 faturas emitidas pela Requerente, junto aos autos, como docº nº 20);

 

-Também, em conformidade com o documento nº 20 (junto aos autos), se verifica toda a tramitação que a Requerente procede em relação ao registo de veículos, tanto no âmbito dos concessionários como no âmbito dos acordos com a rent-a-car;

 

-O que, no caso sub judice, afasta qualquer responsabilidade da Requerente face ao pagamento do IUC, pois esta nunca foi proprietária de qualquer dos 13 veículos em causa, conforme se demonstrou e provou nos factos, documentalmente, apresentados e anexos aos autos, porque, ao momento do ano da matricula a liquidação do imposto dos veículos, em causa, já não pertenciam à Requerente;

-Pois, do que antecede, “os veículos, em causa, foram todos vendidos aos concessionários e empresas rent-a-car, anteriormente à data dos factos tributários e da exigibilidade do imposto” e, há a considerar que, a Requerente” procedeu à faturação dos veículos, em questão, ainda, antes da atribuição da matrícula;

            -Pelo que, à data, dos factos tributários, a Requerente, não podia ser considerada, sujeito passivo do imposto, facto que lhe veda qualquer responsabilidade subjectiva pelo seu pagamento.

 

1.4     A Requerida, Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT),   apresentou resposta, da qual se retira que os atos tributários, controvertidos, não enfermam de qualquer vício de violação de Lei, pronunciando-se pela improcedência da requerida e pela manutenção dos atos de liquidação questionados, defendendo, sumariamente o seguinte:

 

-   Põe em causa a cumulação dos factos controvertidos, apresentados pela   Requerente, respeitante aos 13 veículos constantes dos documentos com os números: 1 a 13 juntos à PI, por considerar que nos termos do nº 1 do artigo 3º do RJAT, no caso controvertido” não se encontra verificada a existência das mesmas circunstâncias de facto”; 

-   Alegando que a Requerente “apresenta separadamente a fundamentação de facto respeitante a cada uma das situações” (situações factuais, em relação aos “concessionários” e” ás empresas rent-a-car)”;

-   Pressupondo a cominação da absolvição da instância;

-   À cautela, a Requerida impugna os factos efectuados pala Requerente, tanto no âmbito da matricula como no âmbito do registo, em território nacional;

-   Factos que poem em causa a exigibilidade do imposto único de circulação de veículos;

-   Alegando que o legislador tributário, no artigo 6º do CIUC, estabelece, claramente, o facto gerador do imposto, bem como a sua exigibilidade, uma vez que tal facto é constituído pela propriedade do veículo, tal como atestada pela matrícula ou registo em território nacional;

-   Fundamenta tal situação, nos termos do artigo 24º do RRA, pelo que a Requerente ao preencher a DAV, pago o ISV e pedido o certificado de matrícula, ela preenche o facto gerador do imposto (incidência objetiva /subjetiva), sendo-lhe exigível o seu pagamento nos termos do artigo 3º do CIUC;

-   Logo, o facto gerador do imposto é atestado pela atribuição da matrícula;

 

-   Pede, face à exceção invocada (cumulação ilegal do pedido), a absolvição da instância, nos termos do artigo 278º, nº1 alínia b), do CPC e,

-   Devendo o processo arbitral prosseguir os seus precisos termos, até final.

 

1.5     A reunião prevista no artigo 18º do RJAT foi dispensada, por se tratar de questões já suficientemente debatida, quer nos autos quer na Jurisprudência, entendendo, este Tribunal Arbitral Tributário, desnecessário as alegações finais, prescindiu-se da inquirição de testemunhas;

 

-   O Tribunal, em cumprimento do disposto no artigo 18º, nº 2 do RJAT, designou, previsivelmente, até ao dia 07-12-2016, a prolação da decisão arbitral.

 

 

 

 

 

2           QUESTÕES DECIDENDAS

 

2.1     Face ao exposto nos números anteriores, relativamente à exposição das partes e aos argumentos apresentados, as principais questões a decidir são as seguintes:

 

-   A alegação feita pela Requerente relativa à liquidação material dos atos de liquidação, relativo ao ano de 2012, referente ao IUC sobre os 13 veículos supra referenciados na PI;

-   A questão prévia da exceção, invocada pela AT;

-   A errada interpretação e aplicação das normas de incidência subjetiva do imposto único de circulação liquidado e cobrado, o que constitui, a questão central a decidir no presente processo;

-   O valor jurídico do registo dos veículos automóveis.

 

3           FUNDAMENTOS DE FACTO

 

3.1     Em matéria de facto, relevante para a decisão a proferir, dá o presente Tribunal por assente, face aos elementos existentes nos autos, os seguintes factos:

 

-   A Requerente apresentou elementos probatórios constantes dos documentos nºs; 1 a 13, 14, 15 a 20, junto à PI, que se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais; 

 

4.1.1 FUNDAMENTAÇÃO DOS ATOS PROVADOS

-   Os factos dados como provados estão baseados nos documentos anexos ao pedido de pronúncia arbitral da supra referida PI, que se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais.

      3.1.2 FACTOS NÃO PROVADOS

-   Não existem factos dados como não provados, dado que todos os factos tidos como relevantes para a apreciação do pedido foram provados.

 

4           FUNDAMENTOS DE DIREITO

 

4.1     O Tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2º nº 1, alínea a), 5º nº 2, alínea a), 6º nº 1, 10º nº1, alínea a) e nº 2 do RJAT:

 

-   As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas, ex vi, artigos 4º e 10º, nº 2, do RJAT e artigo nº 1 da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março;

 

-   O processo não enferma de nulidades;

 

-   Existindo uma questão prévia sobre a qual o Tribunal se deve pronunciar.

 

 

QUESTÃO PRÉVIA

 

1º-A Autoridade Tributária, Requerida no processo supra citado, vem, no âmbito da sua Resposta, apresentada, nos termos do disposto e para os efeitos previstos no nº 1 e 2 do artigo 17º do RJAT, invocar uma exceção dilatória que se consubstancia na “cumulação ilegal de pedidos, referente aos 13 atos tributários constantes nos documentos nºs : 1 a 20  juntos aos autos;

 

2º- fundamenta a exceção no facto de existir situações fáticas díspares consubstanciadas em veículos diferentes, com vendas em datas diferentes feitas a concessionários e empresas rent-a-car;

 

3º- Pedindo, a absolvição da instância, nos termos da alínea d) do nº 1 do artigo 278º do CPC.

 

ATENTO OS FACTOS SUMARIAMENTE EXPOSTOS,

- Este Tribunal Considera:

 

4º”Não é necessário para ser viável a cumulação de pedidos (…..) que haja uma identidade absoluta das situações fáticas, bastando que seja essencialmente idêntica a questão jurídico fiscal a apreciar e que a situação fática seja semelhante nos pontos que relevem para a decisão”(SOUSA. Jorge Lopes, 2013.p.147 CAAD, Almedina;

 

5º-No caso sub judice, embora se verifique “ vendas de veículos de marcas diferentes, umas vendas efetuadas a Concessionários e outras vendas efectuadas a empresas rent-a-car, entende este Tribunal, que estão preenchidos os critérios que o legislador tributário considerou no nº 1 do artigo 3º do RJAT,” a permissão para a cumulação de pedidos, ainda, que relativos a diferentes atos quando a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito”;

 

6º-Face ao exposto, é julgada improcedente a alegada exceção de cumulação ilegal suscitada pela Requerida, uma vez que:

- “a validade dos atos cumulados pode ser verificada com base na apreciação das mesmas circunstâncias de facto e dos mesmos fundamentos de direito” (Guia de Arbitragem Tributária, p.146).

 

 

4.2     O pedido, objecto do presente processo é a declaração de anulação dos 13 atos de liquidação do IUC relativo aos veículos automóveis melhor identificados nos autos;

 

4.2.1        Condenação da AT ao reembolso do montante do imposto relativo a tais liquidações no valor de € 1. 958,74;

4.2.2        Condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios sobre o mesmo montante.

 

4.3     A matéria de facto está fixada, tal como consta do nº 3.1 supra, importando, agora, determinar o Direito aplicável aos factos subjacentes, de acordo com as questões decidendas, identificadas no nº 2.1 supra, sendo certo, que a questão central, em causa, nos presentes autos, relativamente à qual existem entendimentos absolutamente opostos entre a Requerente e a AT, consiste em saber se o nº 1 do artigo 3º do CIUC relativo à incidência subjetiva do imposto único de circulação consagra ou não uma presunção ilidível.

 

4.4     Tudo analisado e, tendo em conta, por um lado, as posições das partes em confronto, mencionadas nos pontos 1.3 e 1.4 supra e, considerando, por outro lado que a questão central a decidir é a de saber se o nº 1 do artigo 3º do CIUC consagra ou não uma presunção legal de incidência tributária, cumpre, neste contexto, apreciar e proferir decisão.

 

5           QUESTÃO DA ERRADA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÂO DA NORMA DE INCIDÊNCIA SUBJETIVA DO IUC

 

5.1     Considerando ser pacífico o entendimento, na doutrina, de que na interpretação das leis fiscais valem plenamente os princípios gerais de interpretação os quais serão, apenas e naturalmente, limitados pelas exceções e particularidades ditadas pela própria lei objeto de interpretação. Trata-se de um entendimento que tem vindo a merecer acolhimento nas Leis Gerais Tributárias de outros países e que veio também a ter assento no artigo 11º da nossa Lei Geral Tributária, o que vem, aliás, sendo frequentemente sublinhado pela jurisprudência.

É consensualmente aceite que tendo em vista a apreensão do sentido da lei, a interpretação socorre-se, a priori, em reconstruir o pensamento legislativo através das palavras da lei, o que significa, procurar o seu sentido literal, valorando-o e aferindo-o à luz de outros critérios, intervindo, os designados elementos de natureza lógica, racional ou teleológicos e de ordem sistemática:

 

-   A propósito da interpretação da lei fiscal, há a considerar a jurisprudência, nomeadamente, os Acórdãos do STA de 05-09-2012, processo nº 0314/12 e de 06-02-2013, processo 01000/12, disponíveis em www.dgsi.pt, a importância do disposto no artigo 9º do Código Civil (CC), enquanto elemento fundamental da hermenêutica jurídica;

-   Dispõe o nº 1 do artigo 3º do CIUC que “São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados”;

-   A formulação usada no referido, artigo, socorre-se da expressão “considerando-se” o que suscita a questão de saber se, a tal expressão pode ser atribuído um sentido presuntivo, equiparando-se à expressão “presumindo-se”, trata-se de expressões frequentemente utilizadas, com sentidos equivalentes;

-   Como ensina Jorge Lopes de Sousa, in Código do Procedimento e do Processo Tributário, Anotado e Comentado, volume I , 6ª Edição, Área Editora, SA, Lisboa 2011, p. 589, que em matéria de incidência tributária, as presunções podem ser reveladas pela  expressão “presume-se” ou por expressão semelhante, aí se mencionando diversos exemplos  dessas presunções, referindo-se a constante no artigo 40º, nº 1 do CIRS, em que se usa a expressão “presume-se” e a constante no artigo 46º nº 2, do mesmo Código, em que se faz uso da  expressão “considera-se”, enquanto expressão com um efeito semelhante àquela e, consubstanciando, igualmente, uma presunção;

-   Na formulação legal exarada no nº 1 do artigo 3º do CIUC, em que se consagrou uma presunção, revelada pela expressão “considerando-se”, de significado semelhante e de valor equivalente à expressão “presumindo-se”, em uso desde a criação do imposto em questão;

-   O uso da expressão “considerando-se” mais não visou do que o estabelecimento de uma aproximação mais vincada e nítida entre o sujeito passivo do IUC e o efectivo proprietário do veículo, o que está em sintonia com o reforço conferido `a propriedade do veículo, que passou a constituir o facto gerador do imposto, nos termos do artigo 6º do CIUC;

-   A relevância e o interesse da presunção, em causa, que historicamente foi revelado por intermédio da expressão “presumindo-se” e que agora, se serve da expressão “considerando-se”, reside na verdade e na justiça que, por essa via, se confere às relações fiscais e, que corporizam valores fiscais fundamentais, permitindo tributar o real e efectivo proprietário e não aquele que, por circunstâncias de diversa natureza, não passa, por vezes, de um aparente e falso proprietário. Se o caso, assim não fosse considerado, não se admitindo e relevando a apresentação de elementos probatórios destinados à demonstração de que o efectivo proprietário é, afinal, pessoa diferente da que consta do registo e, que inicialmente, e em principio, se supunha ser o verdadeiro proprietário, aqueles valores seriam objectivamente postergados.

 

5.2     Há a considerar, também, o princípio da equivalência, inscrito no artigo 1º do CIUC, que tem subjacente o princípio do poluidor-pagador e, concretiza a ideia nele inscrita de que quem polui deve, por isso, pagar. O referido principio tem assento constitucional, na medida em que representa um corolário do disposto na alínea h) do nº 2 do artigo 66º da constituição, tendo, também, assento no direito comunitário, seja ao nível do direito originário, artigo 130º-R, do Tratado de Maastrich (Tratado da União Europeia, de 07-02-1992), onde o aludido principio passou a constar como suporte da Politica Comunitária, no domínio ambiental e que visa responsabilizar quem contribui com os prejuízos que advêm para a comunidade, decorrentes da utilização dos veículos automóveis, sejam assumidos pelos seus proprietários-utilizadores, como custos que só eles devem suportar.

 

5.3     Atentos os factos supra descritos, importa salientar que  os já referidos elementos de interpretação, sejam os relacionados com a interpretação literal, apoiada nas palavras legalmente utilizadas, sejam as respeitantes aos elementos lógicos de interpretação, de natureza histórica ou de ordem racional, apontam, todos eles, no sentido de que a expressão “considerando-se” tem um sentido equivalente à expressão “presumindo-se”, devendo, assim entender-se que o disposto no nº 1 do artigo 3º do CIUC consagra uma presunção legal que, face ao artigo 73º da LGT, onde se estabelece que “As presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário”, será necessariamente ilidível, o que significa que os sujeitos passivos são, em princípio, as pessoas em nome de quem tais veículos estejam registados. Serão, pois, essas pessoas, identificadas nessas condições a quem a AT se deve, necessariamente, dirigir;

-   Mas será, em princípio, dado que no quadro de audição prévia, de carácter obrigatório, face ao disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 60º da LGT, a relação tributária poderá ser reconfigurada, validando-se o sujeito passivo inicialmente identificado ou redireccionando-se o procedimento no sentido daquele que for, afinal, o verdadeiro e efectivo, sujeito passivo do imposto em causa.

-   O contribuinte tem o direito de ser ouvido, mediante audição prévia (José Manuel Santos Botelho, Américo Pires Esteves e José Cândido de Pinho, in Código do Procedimento Administrativo, Anotado e Comentado, 4ª edição, Almedina, 2000, anotação 8 do artigo 100º).

-   A audição prévia que, naturalmente, se há de concretizar em momento imediatamente anterior ao procedimento da liquidação, corresponde à sede e altura própria para, com certeza e segurança se identificar o sujeito passivo do IUC.

-   Que nos autos em apreço, a Requerente, demonstrou, à AT, em sede de audição prévia, que os factos incidiam no âmbito de contratos a concessionários e de acordos com empresas rent-a-car, pelo que, através de documentos, anexos aos autos nunca a Requerente pode ser responsável pelo pagamento do IUC.

 

6           SOBRE O VALOR JURÍDICO DO REGISTO

 

6.1     Relativamente ao valor jurídico do registo, importa notar o que estabelece o nº 1 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 54/75, de 12 de Fevereiro (diversas vezes alterado, sendo a última por via da Lei nº 39/2008, de 11 de Agosto), quando estatui que “o registo de veículos tem essencialmente por fim dar publicidade à situação jurídica dos veículos a motor e respectivos reboques, tendo em vista a segurança do comércio jurídico”:

 

-   O artigo 7º do Código do Registo Predial (CRP), aplicável, supletivamente, ao registo de automóveis, por força do artigo 29º do CRA, dispõe que” O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”;

-   O registo definitivo não constitui mais do que uma presunção ilidível, admitindo, por isso, contraprova, como decorre da lei e a jurisprudência vem assinalando, podendo ver-se, entre outros os Acórdãos do STJ nº 03B4369 de 19-02-2004 e nº 07B4528, de 29-01-2008, disponíveis em: www.dgsi.pt;

-   Portanto, a função legalmente reservada ao registo é por um lado a de publicitar a situação jurídica dos bens, no caso em apreço, dos veículos e, por outro lado, permite-nos presumir que existe o direito sobre esses veículos e que o mesmo pertence ao titular, como tal inscrito no registo, não tem uma natureza constitutiva do direito de propriedade, mas apenas declarativa, daí que o registo não constitua condição de validade da transmissão do veículo do vendedor para o comprador;

-   Os adquirentes dos veículos tornam-se proprietários desses mesmos veículos por via da celebração dos correspondentes contratos de compra e venda, com registo ou sem ele;

-   Neste contexto cabe lembrar que, face ao disposto no nº 1 do artigo 408º do CC, a transferência de direitos reais sobre as coisas, no caso sub judice, veículos automóveis, é determinado por mero efeito do contrato, sendo que nos termos do disposto na alínea a) do artigo 879º do CC, entre os efeitos essenciais do contrato de compra e venda, avulta a transmissão da coisa;

-   Face ao exposto, torna-se claro que o pensamento legislativo aponta no sentido de que o disposto no nº 1 do artigo 3º do CIUC, consagra uma presunção “juris tantum, consequentemente ilidível, permitindo, assim, que a pessoa, que, no registo, está inscrita como proprietária do veículo, possa apresentar elementos de prova destinados a demonstrar que tal propriedade está inserida na esfera jurídica de outra pessoa, para quem a propriedade foi transferida;

-   O que no referente aos factos controvertidos, existem, junto aos autos documentos, que foram provados pela Requerente, tanto em sede de audição prévia, como no pedido de pronuncia arbitral, configurando, por isso a certeza de que pertence aos respectivos proprietários/utilizadores, dos veículos, a responsabilidade subjectiva dos IUCs, nos termos do nº 1 e 2 do artigo 3º do CIUC.

 

 

7           A PRESUNÇÃO DO ARTIGO 3ºDO CIUC E A DATA EM QUE O IUC É EXIGÍVEL

 

7.1     DATA EM QUE O IUC É EXIGÍVEL

 

-   O IUC é um imposto de tributação periódica, cuja periodicidade corresponde ao ano que se inicia no ato da matrícula ou em cada um dos seus aniversários, conforme o disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 4º do CIUC;

-   É exigível nos termos do nº 3 do artigo 6º do referido Código;

-   Sendo de referir que, quanto à liquidação do IUC tributado à Requerente sobre os veículos supra referenciados, no ano de 2012 há que considerar, que ao momento dos factos tributários, as viaturas em causa estavam na esfera jurídica dos proprietários/utilizadores dos referidos automóveis, porque estes detêm o uso e o gozo dos referidos veículos, pelo que nos termos do nº1 e 2 do art. 3º do CIUC, têm que ser responsabilizados, pelo pagamento da obrigação do referido imposto.

 

7.1.1        Em relevância sobre o ónus da prova, estipula o artigo 342º nº 1 do CC “àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”;

7.1.2        Também o artigo 346º do CC (contra prova) determina, que “à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contra prova a respeito dos mesmos factos, destinados a torná-los duvidosos; se o conseguir, é a questão decidida contra a parte onerada com a prova.” (Como afirma Anselmo de Castro, A., 1982, ED. Almedina Coimbra, “Direito Processual Civil Declaratório”, III, p. 163, “recaindo sobre uma das partes ónus probatório, à parte contrária basta opor contra prova, sendo esta uma prova destinada a tornar duvidosa os factos alegados pela primeira”.

Assim, no caso dos autos, o que a Requerente tem que provar, afim de ilidir a presunção que decorre quer do artigo 3º do CIUC quer do próprio Registo Automóvel, é que ela Requerente não era proprietária dos veículos em causa no período a que dizem respeito as liquidações impugnadas. Propõe provar, segundo resulta dos autos, é que a propriedade dos veículos, não lhe pertenciam nos períodos a que as liquidações dizem respeito. Apresentando, assim, as faturas de venda, constantes dos documentos nºs 1 a 13, 14 e 15, 16 a 20, junto aos autos, que se dão por integralmente reproduzidas, para todos os efeitos legais.

 

7.2     ILISÃO DA PRESUNÇÃO

 

-   A Requerente, como se refere em 3.1., relativamente aos factos provados, alegou, com o propósito de afastar a presunção, não ser sujeito passivo do imposto, aquando da ocorrência dos factos tributários, oferecendo para o efeito os seguintes documentos:

-   Faturas de venda aos concessionários e acordos às empresas rent-a-car, documentos junto aos autos com os nºs 1ª 13, 14 a 15 ,16 a 20;

 

-   Ora, esses documentos, gozam, da presunção da veracidade prevista no nº 1 do artigo 75º da LGT. Decorrendo daqui, que à data em que o IUC era exigível quem detinha a propriedade dos veículos automóvel eram os legítimos proprietários e não a Requerente.

 

8           OUTRAS QUESTÕES RELATIVAS À LEGALIDADE DOS ATOS DE LIQUIDAÇÃO

 

-   Relativamente à existência de outras questões atinentes à legalidade dos atos de liquidação, tendo em conta que está ínsito no estabelecimento de uma ordem de conhecimentos dos vícios, tal como o previsto no artigo 124º do CPPT, que procedendo o pedido de pronúncia arbitral baseado em vícios que impedem a renovação das liquidações impugnadas, fica prejudicado, porque inútil, o conhecimento de outros vícios, não se afigura necessário conhecer das demais questões suscitadas.

 

9           REEMBOLSO DO MONTANTE TOTAL PAGO

 

-   Nos termos do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 24º do RJAT e, em conformidade com o aí estabelecido, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação, vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos de procedência  da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários “Restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”

-   Trata-se de comandos legais que se encontram em total sintonia com o disposto no artigo 100º da LGT, aplicável ao caso, ex vi, do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 29º do RJAT, no qual se estabelece que “ A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, correspondendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei”.

-   O caso constante nos presentes autos, suscita a manifesta aplicação das mencionadas normas, posto que na sequência da ilegalidade dos atos de liquidação, referenciados, neste processo, terá, por força dessas normas, de haver lugar ao reembolso dos montantes pagos, seja a título do imposto pago, seja dos correspondentes juros compensatórios, como forma de alcançar a reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade.

 

10       DO DIREITO A JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

-   A declaração da ilegalidade e consequente anulação de um ato administrativo confere ao destinatário do ato o direito à reintegração da situação em que o mesmo se encontraria antes da execução do ato anulado.

-   No âmbito da liquidação do imposto, a sua anulação confere ao sujeito passivo o direito à restituição do imposto pago e, em regra o direito a juros indemnizatórios, nos termos do nº 1 do artigo 43º da LGT e, artigo 61º do CPPT.

-   Pelo que tem a Requerente direito a juros indemnizatórios sobre o montante de imposto pago referente às liquidações anuladas.

 

11       DECISÃO

Face ao exposto, este Tribunal Arbitral decide:

-   Julgar procedente o pedido de declaração da ilegalidade da liquidação do IUC, respeitante aos anos de: 2012 relativamente aos 13 veículos automóvel identificados no presente processo, anulando-se, consequentemente, os correspondentes atos tributários;

-   Julgar procedente o pedido de condenação da Administração Tributária no reembolso da quantia indevidamente paga, no montante de 1.958,74 euros, condenando a Autoridade Tributária e Aduaneira a efectuar estes pagamentos.

-   Deve também, a AT efetuar o pagamento correspondente ao montante devido dos juros indemnizatórios, nos termos do n.º 1 do art. 43.º da LGT, ex vi, do n.º 2 do art. 61.º do CPPT (redação da lei n.º 55 – A/2010, de 31 -12, entrada em vigor   em 2011-01-01).

 

VALOR DO PROCESSO: Em conformidade com o disposto nos artigos 306º nº 2 do CPC e 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 1.958,74.

CUSTAS: De harmonia com o nº 4 do artigo 22º do RJAT, fixa-se o montante das custas em   € 306,00, nos termos da Tabela I, anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária Aduaneira.

 

Notifique-se, as partes.

Lisboa, 10-12-2016

O Árbitro

Maria de Fátima Alves

 

 (o texto da presente decisão foi elaborado em computador, nos termos do artigo 131, nº 5 do Código do Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29º, nº 1 alínea e) do Decreto-Lei 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), regendo-se a sua redacção pela ortografia atual)