Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 222/2016-T
Data da decisão: 2016-12-09  IRS  
Valor do pedido: € 334.584,21
Tema: IRS – Errónea qualificação dos rendimentos tributáveis; Indemnização e sanção pecuniária compulsória pagas em 2011.
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Acórdão

 

            Os árbitros José Poças Falcão (árbitro presidente), António Alberto Franco e António Sérgio de Matos (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 01.07.2016, acordam no seguinte:

           

            I. Relatório

           

1. A…, contribuinte n.º…, e B…, contribuinte n.º…, casados, ambos com domicílio escolhido na Av…, …, …-… ..., vieram, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1 e 2 do RJAT aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção da Lei 64-B/2011, de 30 de Dezembro, e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 Março, requerer a constituição de Tribunal Arbitral e formular pedido de pronúncia arbitral, sendo requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista à DECLARAÇÃO DE ILEGALIDADE da LIQUIDAÇÃO DE IRS e JUROS COMPENSATÓRIOS n.º 2015…, de 2015.12.15, no montante de  334.584,21€ (trezentos e trinta e quatro mil quinhentos e oitenta e quatro euros e vinte e um cêntimos), realizada em 15-12-2015 pelo Serviço de Finanças de ...-…, relativamente ao ano de 2011.

 

2. Os Requerentes pedem a declaração da ilegalidade da liquidação de IRS e juros compensatórios n.º 2015…, de 2015.12.15.

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira, em 12-04-2016.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.° 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo o Senhor Dr. Juiz José Poças Falcão, o Senhor Dr. António Alberto Franco e o Senhor Dr. António Sérgio de Matos, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 14-06-2016 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 01-07-2016.

 

4.Em suporte das suas pretensões alegam os Requerentes, em síntese:

 

4.1 Pela douta Decisão Arbitral, de 2013.06.17, já transitada em julgado, proferida no processo que, sob o n.º 7/2013-T, correu termos neste CAAD (doravante Primeiro Processo Arbitral), e que aqui se dá por integralmente reproduzida foi declarada “ilegal, por erro de qualificação e quantificação”, a primeira liquidação tributária, relativa a IRS de 2010 dos ora impugnantes (Doc. 2, junto com o pedido de pronúncia arbitral);

4.2 Pela douta Decisão Arbitral, de 2016.01.12, já transitada em julgado, proferida no processo que, sob o n.º 248/2015-T, também correu termos neste CAAD (doravante Segundo Processo Arbitral), e que aqui se dá por integralmente reproduzida, foi “anulada, por manifesta ilegalidade”, a segunda liquidação tributária, também relativa a IRS de 2010 dos ora impugnantes (Doc. 3, junto com o pedido de pronúncia arbitral);

4.3 Nos referidos processos arbitrais estava em causa a tributação de valores indemnizatórios pagos ao ora impugnante, em 2010, na qualidade de “cessionário de créditos litigiosos” e, decisivamente, “no que concerne a indemnizações que (lhe foram) atribuídas no âmbito de acção judicial que correu termos sob o n.º 1167/02, na 2ª Vara de Competência Mista de ...” (citados Docs. 2 e 3);

4.4 No acto de liquidação sub judice, desconsiderando-se e marginalizando-se por completo a força, eficácia e autoridade das doutas decisões arbitrais referidas (v. art. 205º da CRP, art. 24º do RJAT, aprovado pelo DL 10/2011, de 20 de Janeiro, e arts. 619º e segs. do NCPC), veio, além do mais, tributar-se com base em critérios e princípios legais já declarados inaplicáveis in casu o remanescente dos montantes indemnizatórios e sanção pecuniária compulsória fixados no referido processo judicial, que, em consequência de atrasos imputáveis ao Estado Português, só foram pagos ao ora impugnante em 2011;

4.5 Nos actos sub judice foram aplicadas normas e princípios que tinham sido objecto de apreciação e decisão expressa nas referidas Decisões Arbitrais, de 2013.06.17 e de 2016.01.12, revelando a contumácia da AT, que mais uma vez procura prevalecer-se dos seus próprios atrasos e ilicitudes, sendo manifesta a procedência da presente impugnação, como resulta das seguintes razões principais:

a)         Os actos de liquidação e cobrança sub judice violam ostensiva e frontalmente a autoridade, força e eficácia de caso julgado das doutas Decisões Arbitrais, de 2013.06.17 e de 2016.01.12, assumindo uma recusa (pouco) disfarçada de cumprimento de julgados, por forma a “defraudar(-se) o resultado material da anulação judicialmente decretada” (v. Ac. TCA (Sul) de 2007.07.05, Proc. 1719/06), procurando neutralizar o resultado material dos referidos arestos (v. arts. 20º, 205º e 268º/4 e 5 da CRP, arts. 2º, 13º/3, 22º, 24º/1/b) e 4 e 29º do RJAT, arts. 5º e 71º do CIRS, arts. 173º e segs. do CPTA, arts. 2º, 12º e 100º da LGT e arts. 619º e segs. do NCPC);

b)        Os actos tributários em análise só foram praticados, em 2015.12.15, e notificados aos ora impugnantes, em 2015.12.21 e em 2016.03.28 (v. Docs. 1 e 7, adiante juntos), ou seja, após o decurso do respectivo prazo legal, pelo que sempre se teria verificado a extinção dos poderes tributários em análise, ex vi dos arts. 45º e 100º da LGT;

c)           Caso estivesse sujeito a IRS, o invocado, mas inexistente aumento patrimonial resultante do contrato de cessão de créditos litigiosos, celebrado em 2007.04.24, que foi junto aos autos e objecto de apreciação e decisão em processo judicial em que foi parte e teve intervenção activa o próprio Estado Português, tal rendimento seria imputável ao lucro tributável do ano de 2007 ou, pelo menos, de 2010, não podendo actualmente ser exigido o pagamento de qualquer tributo (v. art. 45º da LGT; cfr. arts. 103º e 268º/3 da CRP, art. 36º do CPPT e art. 18º do CIRC);

d)        No caso em análise não foi demonstrada, nem provada a verificação dos pressupostos de que, nos termos da lei, depende a exigibilidade da tributação em causa, pelo que não se verifica qualquer facto tributário enquadrável, nomeadamente, na previsão dos arts. 3º e 5º do CIRS, sendo manifesta a ilegalidade dos actos sub judice (v. art. 103º da CRP; cfr. arts. 74º e 99º do CPPT, art. 342º do C. Civil e, actualmente, art. 161º/1/k) do NCPA, aprovado pelo DL 4/2015, de 7 de Janeiro);

e)         Os citados arts. 3º e 5º do CIRS são inaplicáveis in casu, por força do disposto nos arts. 9º, 13º, 18º, 22º, 62º, 103º, 204º e 266º da CRP, pelo que, estando em causa a aplicação de normativos ineficazes e “nul(os) desde a origem, por força de inconstitucionalidade, tornam-se igualmente inválidos (…) os atos jurídicos praticados ao seu abrigo (atos administrativos)” (v. Ac. TC n.º 80/86, Proc. 148/84, DR, I Série, n.º 131, de 1986.06.09, p.p. 1373), não podendo produzir efeitos jurídicos, nem constituir base legal impositiva dos atos sub judice (v. arts. 204º e 282º da CRP; cfr. art. 133º/2/a), d), h) e i) do CPA);

f)         O Estado Português pretende simplesmente ser beneficiado pelas suas ilicitudes, liquidando e cobrando tributos sobre as quantias que foi judicialmente condenado a pagar, em consequência de prejuízos e menos-valias que causou, por atuações ilícitas que lhe são exclusivamente imputáveis, violando frontalmente os princípios constitucionais do caso julgado e da reserva da função jurisdicional, bem como os princípios da imutabilidade e intangibilidade das decisões judiciais (v. arts. 20º, 205º/2 e 268º/4 da CRP), visando reduzir substancialmente os encargos que foi condenado a suportar, pelas suas próprias atuações ilícitas e lesivas (v. ainda, arts. 22º e 271º da CRP e art. 334º do C. Civil);

g)        Os atos de liquidação em análise enfermam de erros de facto e de direito, pois, além de ser inquestionável a inexistência de facto tributário e dos seus manifestos erros de cálculo, liquidaram e cobraram juros compensatórios, sem qualquer fundamento legal (v. arts. 2º, 9º, 18º e 266º da CRP, art. 71.º do CIRS, art. 74º da LGT, art. 6º-A do CPA, art. 10º do NCPA e art. 334º do C. Civil);

h)        Na liquidação final do tributo sub judice, sem qualquer fundamento ou justificação, foram consideradas normas jurídicas, critérios e valores que não foram comunicados aos impugnantes em sede de audição prévia (v. Processo Administrativo Tributário), pelo que foram frontalmente violados os arts. 2º, 18º, 32º/10 e 267º/5 da CRP, o art. 45º do CPPT, o art. 60º da LGT e os arts. 8º e 100º e segs. do CPA, assumindo-se sucessivas actuações em permanente contraditio;

i)         Os atos tributários sub judice não mencionam ou, pelo menos, não concretizam as normas legais aplicáveis, os factos a que são aplicadas e o cálculo justificativo dos incongruentes valores e demais critérios que apenas foram conclusivamente indicados, assumindo a Autoridade Tributária posições contraditórias e absolutamente ininteligíveis, pelo que foram violados frontalmente, entre outros, o art. 268º/3 da CRP, os arts. 77º e segs. da LGT e os arts. 124º e 125º do CPA.

 

5. A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta e juntou o processo instrutor, invocando, em síntese, o seguinte:

 

5.1 No curso da acção inspectiva desencadeada, em 2010, contra o R., os Serviços de Inspecção Tributária (SIT) da Direcção de Finanças de Lisboa apuraram que o Estado Português lhe pagara, em 23.08.2010, a quantia de € 13.483.166,75 (treze milhões quatrocentos e oitenta e três mil cento e sessenta e seis euros e setenta e cinco cêntimos);

5.2 A título de indemnização, devida a C… e a D… (Acordão STA, Recurso de Revista transitado em julgado a 08.06.2010), pela expropriação do prédio, de sua propriedade, chamado “…”, com a área de 80.240 m2 e inscrito na matriz predial urbana sob os artigos nºs…, … e …, da freguesia de … e na matriz predial rústica sob o artigo … da secção …, da freguesia …, motivada pela construção aí edificada da Escola “…” em Setembro de 1983;

5.3 Indemnização que não lhes foi paga mas sim ao R. em razão de este ter sido declarado cessionário dos créditos litigiosos dos mesmos no âmbito da acção que correu termos sob o nº 1167/02, na 2ª Vara de competência mista de ...;

5.4 Os SIT qualificaram o valor auferido pelo R. como um benefício financeiro traduzido em rendimento enquadrável na categoria B de IRS ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 3º do CIRS, considerando que, desde o início de actividade, o sujeito passivo interviera em vários actos relacionados com bens imóveis, quer na qualidade de comprador, quer na qualidade de devedor, dando-se, pois, por comprovado o desenvolvimento normal da actividade de compra e venda de imóveis;

5.5 Consequentemente, foi emitida, em 31.08.2012, a liquidação de IRS adicional nº 2012…, pelo valor de € 5.882.782,02;

5.6 O R. impugnou tal liquidação, em 07.01.2013, junto do Centro de Arbitragem Administrativa, dando origem à instauração do Processo nº 7/2013, no qual, por decisão de 03.06.2013, foi sancionado que o contrato de cessão de créditos não era susceptível de enquadramento como rendimento da categoria B uma vez que a indemnização obtida não tinha qualquer conexão com a actividade profissional de compra e venda de imóveis prosseguida pelo R., foi declarada a ilegalidade da liquidação com fundamento na errónea qualificação de rendimentos, a que alude o artigo 99º do CPPT e foi ditada a procedência da pretensão;

5.7 Esta Direcção de Serviços de Consultadoria Jurídica e de Contencioso emitiu a Nota Jurídica nº …/2013, de 22.07.2013, por forma a promover a anulação da liquidação conforme à decisão arbitral e, sopesando não estar ainda caducado o direito à liquidação do imposto, propôs também a emissão de um novo acto tributário de liquidação que atendesse à requalificação jurídica dos rendimentos do R. propugnada pelo Tribunal arbitral;

5.8 Consequentemente, foi emitida em 12.12.2014, a liquidação de IRS nº 2014 …, pelo montante global de € 6.770.549,16 (seis milhões setecentos e setenta mil quinhentos e quarenta e nove euros e dezasseis cêntimos), contra a qual o R. requereu novo pedido de pronúncia arbitral 248/2015-T CAAD e cuja decisão foi desfavorável à AT, somente porque a mesma não exerceu o direito à liquidação no prazo da execução do julgado;

5.9 No que tange ao ano de 2011 os SIT da DF de Lisboa promoveram correcções de natureza meramente aritmética à matéria colectável do R., no montante de € 721.101,09, sendo que o valor de € 602.156,02 decorreu do mesmo facto tributário subjacente às correcções do ano de 2010 (cessão de créditos) mas só lhe foi pago em 2011;

5.10 À semelhança do que ocorreu em 2010, os SIT qualificaram esse valor como rendimento da Categoria B porque à data, em 27.12.2012 ainda não era conhecido o silogismo do Tribunal arbitral sancionado no Processo 7/2013 T-CAAD;

5.11 Assim, foram desencadeados os procedimentos tendentes à liquidação de imposto decorrente das correcções de imposto, relativas ao ano de 2011, no montante total de € 721.101,09, tendo sido elaborado, para o efeito, o respectivo documento de correcção, o que deu origem à liquidação, nº 2013 … no montante de imposto a pagar de € 23.286,57, notificada ao R. em 2013 mas em relação à qual ele não reagiu;

5.12 Todavia, face ao valor de imposto a pagar, verificou-se que o valor de € 602.156,02 qualificado pelos SIT da DF de Lisboa como rendimento da Categoria B e assim vertido para a liquidação foi inscrito na linha 457 do anexo C da declaração oficiosa quando deveria ter sido feito na linha 438 do mesmo anexo, o que conduziu a um prejuízo de - € 602.156,02 quando deveria ter sido apurado um lucro tributável desse valor, donde, e revelando-se forçoso sanar esse erro, a AT, em Março de 2015, despoletou um procedimento de revisão oficiosa à luz do artigo 78º da LGT;

5.13 Nesta data, porém, a AT já sabia que o CAAD havia qualificado a indemnização paga ao R. como rendimento de capitais, pelo que sendo verdade que a revisão se mostrou devida para corrigir a linha do documento de correcção, a verdade também é que a AT não deixou de ter em conta o reenquadramento do rendimento, de harmonia com o que o CAAD já, entretanto, sancionara;

5.14 As decisões propaladas nos processos do CAAD nunca assentaram na premissa da inexistência do facto tributário porque ele ocorreu no momento em que a indemnização foi paga ao R., em 2010 e 2011, donde não se compreende como pode este insistir em tal alegação;

5.15 A primeira decisão arbitral foi procedente para o sujeito passivo em razão de a AT não ter identificado e qualificado correctamente o rendimento do R. como sendo um rendimento de capitais, já a segunda decisão arbitral foi procedente para o sujeito passivo em razão da AT não ter procedido em tempo (três meses) a uma nova liquidação;

5.16 O RJAT (alínea c) do nº 1 do artigo 24º) legitima a AT a proceder às correcções de imposto noutros anos que não sejam objecto de contenda judicial mas que estejam numa relação de prejudicialidade ou dependência com actos tributários que sejam objecto da decisão arbitral;

5.17 Porém, esta faculdade só pode ser exercida até que decorridos três meses, do trânsito em julgado da decisão, nos termos do nº 2 do artigo 146º do CPPT, o que pretende significar que ultrapassado tal prazo o direito da AT à liquidação preclude.

5.18 Sucede que a liquidação controvertida nos autos não decorreu da extemporânea execução do julgado da decisão arbitral quer sancionada no Processo 7/2013-T CAAD, quer sancionada no Processo 248/2015-T CAAD, pelo que não vale a pena invocar em vão a norma do nº 1 do artigo 24º do RJAT porque a mesma não tem aplicabilidade no caso em apreciação e se não tem não há porque discutir o prazo consignado no nº 2 do artigo 146º do CPPT;

5.19 Relativamente ao rendimento da Categoria G os SIT apuraram, no âmbito da mesma ordem de serviço OI2012…, que o R. tinha procedido à alienação, em 20.04.2011, pelo valor de € 50.000,00 a fracção autónoma designada pela letra G do prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de … sob o artigo…, imóvel que tinham adquirido, em 18.06.96, por € 9.975,96, o que traduziu um ganho com a alienação do imóvel, tributado enquanto mais - valia em sede de IRS, nos termos da alínea nº 1 do artigo 10º do CIRS, no valor de € 17.966,95;

5.20 O mesmo se passa com as correcções aos rendimentos das categorias A, H e F, nos montantes de € 17.458,00, € 58.968,28 e € 37.097,50, que se encontram evidenciados nas Declarações Anuais Modelo 10/Anexo J, que foram comunicados à AT pelas entidades devedoras desses rendimentos e que, em razão dessa qualidade, são responsáveis pela retenção na fonte de IRS sobre aqueles montantes;

5.21 O R. foi efectivamente notificado para o exercício do direito de audição mas as cartas vieram sempre devolvidas porque não as levantou nos CTT, nem as que respeitando já à decisão final acabaram por ser expedidas nos termos do nº 5 do artigo 39º do CPPT;

5.22 Quanto aos juros compensatórios previstos no artigo 35º da LGT e no artigo 91º do CIRS mostram-se os mesmos devidos no caso sub judice em razão do retardamento culposo da liquidação do imposto, sendo que esta culpa é aferida segundo o critério do homem médio.

Conclui pela improcedência do presente pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica o acto tributário de liquidação impugnado.

 

5.22-A Em 4-7-2016 os requerentes juntaram aos autos 4 documentos e pediram a condenação da Requerida no pagamento de despesas e encargos vencidos e vincendos devidos pela emissão de garantias bancárias para suspensão dos trâmites do processo de execução fiscal para cobrança coerciva da liquidação ora sob impugnação.

5.22-B Notificada para exercer o contraditório, a Requerida veio declarar nada ter a opor ao requerido, “(...)na medida em que o pedido aí formulado só poderá ser apreciado aquando da decisão propalada no âmbito do procedimento arbitral (...)”.

 

 

6. Por despacho, de 10-10-2016, dispensou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e fixou-se o prazo de 15 dias para as partes apresentarem alegações escritas de facto e de direito (arts. 29.º do RJAT, 91.º, n.º 5, e 91.º-A do CPTA).

 

7. As Partes apresentaram alegações escritas, mantendo, na essência, os argumentos vertidos nos articulados iniciais.

 

II. Saneamento

 

8. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

8.1.O processo não enferma de nulidades.

8.2. Não se verificam quaisquer circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa. 

 

III. Mérito

 

III.1. Matéria de facto

 

9. Factos provados

 

Como nota preliminar assinale-se que o Tribunal não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamentam o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs. 596.º, nº.1 e 607º, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123.º, nº.2, do CPPT).

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artº. 607.º, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g. força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº. 371.º, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

 

9.1. Com base nos elementos que constam do processo e do processo administrativo junto aos autos, tudo analisado de forma crítica pelo Tribunal, consideram-se provados os seguintes factos:

 

9.1.1. Em 1983, o Estado Português iniciou a construção da denominada “Escola…”, ocupando uma área de, pelo menos, 30.000 m2 do prédio misto denominado “…”, com a área de 80.240 m2, descrito na CRP de …, sob a ficha n.º …/…, da freguesia de …, município de ..., encontrando-se aquela escola concluída e em funcionamento ininterrupto, desde Setembro de 1983 (Docs. 2 e 3, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor aqui se dá por integrado);

 

9.1.2. Em 2003, foi construído um pavilhão gimnodesportivo e um outro campo de jogos no mesmo prédio e na referida área de 30.000 m2 (citados Docs. 2 e 3);

 

9.1.3. O Estado Português ocupou as referidas áreas sem ter pago qualquer preço ou indemnização aos seus proprietários (citados Docs. 2 e 3);

 

9.1.4. Em 2002.10.15, os então proprietários intentaram acção de reivindicação do prédio denominado …, sito em …, município de ..., peticionando a condenação do Estado Português a:

“a)          Reconhecer o direito de propriedade do A. sobre o prédio em causa e restituir o referido imóvel ao A., livre e devoluto de pessoas e bens;

b)  Pagar ao A. a quantia correspondente aos danos provocados nos terrenos ocupados e no prédio em que se integram, nomeadamente os resultantes da sua ocupação, desde 1983, e as desvalorizações resultantes de servidões e restrições administrativas, a liquidar em execução de sentença;

c)  Pagar ao A. a quantia correspondente aos juros que se venceriam sobre o produto da venda do imóvel em causa, ou sobre o montante devido pela expropriação, actualizada desde 1983.03.04 até à presente data, a liquidar em execução de sentença;

d) Pagar ao A. todas as despesas judiciais, extrajudiciais e honorários que este despendeu e despenderá, a liquidar em execução de sentença;

e)  As quantias referidas nas alíneas antecedentes deverão ainda ser acrescidas de juros de mora à taxa legal, com referência a 1983.03.04, acrescidas, a partir do trânsito em julgado da decisão condenatória que vier a ser proferida, de juros à taxa anual de 5%, nos termos do disposto no art. 829º/A do Código Civil” (citados Docs. 2 e 3);

 

9.1.5. Em 2007.04.24, foi celebrado um contrato de cessão de créditos litigiosos com o ora impugnante marido, nos termos do Doc. de fls. 46 e segs. do Proc. 7/2013-T, que aqui se dá por integralmente reproduzido (citados Docs. 2 e 3);

 

9.1.6.     Em 2007.04.26, foi requerida a habilitação do ora impugnante marido na referida acção de reindivicação, “para com ele prosseguirem os termos do processo principal”, face ao contrato de cessão de créditos litigiosos, de 2007.04.24, que “abrangeu todos os créditos do requerente sobre o ESTADO PORTUGUÊS resultantes do litígio objecto dos presentes autos, “incluindo quaisquer indemnizações que vierem a ser liquidadas” e, na audiência de julgamento da referida acção, realizada em 2007.05.14, foi requerida a ampliação do pedido, peticionando-se a condenação do Estado Português, nomeadamente a:

              “a)     Reconhecer o direito de propriedade do A. sobre o prédio em causa e restituir os terrenos ocupados ao A., livres e devolutos de pessoas e bens, no estado em que se encontravam à data da sua ocupação em 1983 ou, no caso de a restituição ou entrega não ser possível, a pagar ao A. a indemnização correspondente ao valor actual dos terrenos ocupados pela Escola Secundária …, de montante não inferior a € 15.840.000,00;

               b)     Pagar ao A. a quantia correspondente aos danos provocados nos terrenos ocupados e no prédio em que se integram, nomeadamente os resultantes da sua ocupação, desde 1983, e as desvalorizações resultantes de servidões e restrições administrativas, de montante não inferior a € 4.583.775,00;

               c)      Pagar ao A. a quantia correspondente aos juros que se venceriam sobre o produto da venda do imóvel em causa, ou sobre o montante devido pela expropriação, actualizada desde 1983.03.04 até à presente data, a liquidar (…)” - (citados Docs. 2 e 3);

 

9.1.7. Na referida audiência de julgamento, de 2007.05.14, foram proferidos os seguintes despachos:

              a)       “Declaro A… como habilitado para prosseguir nos autos como A”; e

              b)      “Uma vez que a ampliação solicitada constitui desenvolvimento e concretização do pedido anteriormente formulado, defere-se a mesma, ao abrigo dos artigos 272.º e 273.º do CPC” (citados Docs. 2 e 3);

 

9.1.8. Por sentença da 2ª Vara Mista de ..., de 2008.05.30, foi decidido, além do mais, o seguinte:

              “-      Reconhe(cer) ao R. o direito de acessão relativamente à parcela ocupada com a construção da Escola Secundária … e respectivos campo de jogos e pavilhão gimnodesportivo, a desanexar do prédio referido em a) supra, denominado “…”, descrito na Conservatória do Registo Predial respectiva, sob a ficha n.º …/…;

              -        A aquisição da propriedade por via da acessão, tem lugar mediante o pagamento ao A. habilitado, A…, da quantia de 8.625.000,00 € (oito milhões, seiscentos e vinte e cinco mil euros) e desde a data em que esse pagamento seja efectuado;

              -        Conden(ar) ainda o R. a pagar ao A. A… a quantia de € 3.819.812,50 (três milhões oitocentos e dezanove mil oitocentos e doze euros e cinquenta cêntimos), correspondente à desvalorização da área sobrante do prédio do A.;

              -        Mais condeno o R. a pagar ao A. A… juros de mora, à taxa legal, desde a data da presente sentença até integral pagamento, incidentes sobre o valor global de € 12.444.812,50” (citados Docs. 2 e 3);

 

9.1.9. Na sequência de recurso desta sentença, em 2009.09.24, foi proferido acórdão pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que “alter(ou) a decisão recorrida” e decidiu essencialmente o seguinte:

              “-      Condena-se o R. a pagar ao A. A… a quantia global de € 12.444.812,50 (doze milhões, quatrocentos e quarenta e quatro mil, oitocentos e doze euros e cinquenta cêntimos), dos quais € 8.625.000,00 (oito milhões, seiscentos e vinte e cinco mil euros) a título de indemnização pela privação da parcela ocupada com a construção da Escola Secundária … e respectivos campo de jogos e pavilhão gimnodesportivo e € 3.819.812,50 (três milhões oitocentos e dezanove mil oitocentos e doze euros e cinquenta cêntimos) correspondente à desvalorização da área sobrante do prédio;

              -        Condena-se, ainda, o R. a pagar ao A. A… juros de mora à taxa legal sobre aquele valor de € 12.444.812,50, contados desde a sentença até integral pagamento, acrescendo os juros à taxa de 5% ao ano mencionado na sentença recorrida;

              -        Declara-se que após o pagamento daquela quantia de € 8.625.000,00 o Estado será titular do direito de propriedade sobre a parcela mencionada em b)” (citados Docs. 2 e 3);

 

9.1.10. Na sequência de recursos interpostos por ambas as partes, em 2010.06.08, foi proferido acórdão pelo Supremo Tribunal de Justiça, já transitado em julgado, que decidiu “confirmar, por inteiro, o douto acórdão recorrido” (citados Docs. 2 e 3);

 

9.1.11. Em 2010.08.23, o Estado Português pagou ao ora impugnante o montante de € 13.483.166,75, em execução do decidido, com trânsito em julgado, no douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 2009.09.24, e no douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 2010.06.08 (citados Docs. 2 e 3);

 

9.1.12. Durante o ano de 2011, o ora impugnante recebeu do Estado Português o montante total de € 602.156,02 (seiscentos e dois mil cento e cinquenta e seis euros e dois cêntimos), a título de indemnização e sanção pecuniária compulsória, em execução do decidido, com trânsito em julgado, no douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 2009.09.24, e no douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 2010.06.08 (citados Docs. 2 e 3);

 

9.1.13. O ora impugnante está colectado e exerce, desde 2004.12.22, a actividade de “compra e venda de bens imobiliários” – CAE … (citados Docs. 2 e 3 e Processo Administrativo Tributário [PA]);

 

9.1.14. O ora impugnante tem contabilidade regularmente organizada e informatizada, competindo a sua execução à Técnica Oficial de Contas, Dra. E…, desde o exercício de 2004, referindo-se no ponto 3.1. do relatório relativo ao “procedimento de inspecção externa” realizada ao ora impugnante, em 2012, que a determinação do seu rendimento tributável foi efectuada “com base na contabilidade, regularmente organizada e informatizada” (citados Docs. 2 e 3 e PA);

 

9.1.15. Em 2012.09.10, o ora impugnante foi notificado da primeira liquidação de IRS n.º 2012…, relativa ao ano de 2010, acompanhada da “nota demonstrativa de liquidação do imposto” a pagar, no valor de 5.882.782,02€ (citados Docs. 2 e 3 e PA);

 

9.1.16. Na sequência de processo instaurado pelos impugnantes neste CAAD, por douta Decisão Arbitral, de 2013.06.17, que aqui se dá por integralmente reproduzida, foi declarada “ilegal, por erro de qualificação e quantificação”, a liquidação relativa a IRS de 2010 do ora impugnante, realizada na sequência do procedimento de inspecção tributária que teve por objecto a contabilidade do ora impugnante marido, realizado em 2012 (citado Doc. n.º 2);

 

9.1.17. A Decisão Arbitral, de 2013.06.17, transitou em julgado, em 2013.07.24 (citado Doc. n.º 2);

 

9.1.18. Em 2014.12.23, os ora impugnantes foram notificados da segunda liquidação de IRS n.º 2014…, de 2014.12.12, relativa ao ano de 2010, acompanhada da “nota demonstrativa de liquidação do imposto” a pagar, no valor de 6.778.549,16€ (citado Doc. 3 e PA);

 

9.1.19. Não se conformando com o referido acto tributário de liquidação, em 2015.04.13, o ora impugnante requereu novamente neste CAAD a constituição de Tribunal Arbitral e formulou pedido de pronúncia arbitral de declaração de ilegalidade da referida liquidação de IRS, relativa a 2010, conforme consta da p.i. do Segundo Processo Arbitral, que aqui se dá por integralmente reproduzida (citado Doc. 3 e PA);

 

9.1.20. Por despacho do Senhor Director de Finanças de Lisboa, de 2015.03.30, foi ordenado o envio à Divisão de Liquidação do Imposto Sobre o Rendimento e Despesa, da informação prestada em 2015.03.24, pela Divisão …, equipa 10, dos Serviços de Informação Tributária (Doc. 4, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor aqui se dá por integrado, e PA);

 

9.1.21. Na referida informação, de 2015.03.24, propunha-se a “correcção da situação tributária” do ora impugnante relativamente ao exercício de 2011, tributando-se os rendimentos auferidos ponderando-se que, “em 17 de Junho de 2013, o Tribunal Arbitral julgou procedente o pedido, considerando que o rendimento em questão não se enquadra na categoria B, mas constitui um rendimento de aplicação de capitais” (citado Doc. 4 e PA);

 

9.1.22. Em 2015.12.21, os ora impugnantes foram notificados “para no prazo de 30 (trinta) dias a contar da notificação, efectuar o pagamento da importância de 334.584,21 €, proveniente da liquidação de IRS do exercício de 2011, com o n.º 2015…”[ qualificação do rendimento na categoria “B” – artigo 3º, do CIRS], de acordo com a respectiva demonstração de liquidação (Doc. 1, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor aqui se dá por integrado);

 

9.1.23. Pela Decisão Arbitral, de 2016.01.12, proferida no Segundo Processo Arbitral, e que aqui se dá por integralmente reproduzida, foi decidido “julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, anulando-se, por manifesta ilegalidade, a liquidação de IRS (…) relativa ao ano de 2010, no valor de € 6.770.549,16, bem como os respectivos juros compensatórios” (citado Doc. 3 e PA);

 

9.1.24.   A Decisão Arbitral, de 2016.01.12, transitou em julgado, em 2016.02.15 (citado Doc. 3 e PA);

 

9.1.25.   Por ofício da Autoridade Tributária recebido, em 2016.03.11, os ora impugnantes foram citados para procederem ao pagamento, requererem dação em pagamento ou deduzirem oposição na execução da “Dívida em Cobrança Coerciva”, constando da respectiva identificação o seguinte:

Identificação da Dívida em Cobrança Coerciva

N.º Certidão

Data Emissão

Entidade Emissora

Inicio Contagem Juros de Mora

N.º Doc. Origem ou

N.º Liquidação

Imposto

Período Imposto

Qt. Exequenda

Juros de Mora

2016…

2016-02-10

AT

2016-01-21

Imp.Cont.Corr.-IRS

2011

€ 334.584,21

€ 1.894,93

                                          Restante(s) dívida(s)

€0,00

€ 0,00

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Valor para efeitos de garantia (válido por 30 dias): € 425.438,05                     

Custas: 1.206,11

                                                                                                                                      

Valor a pagar: € 337.685,25”

(Docs. 5 e 6, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor aqui se dá por integrado);

 

            9.1.26. Em 2016.03.28, os ora impugnantes foram citados da certidão de dívida que terá dado origem ao referido processo de execução, da qual consta o seguinte:

 

NATUREZA DA DÍVIDA

PROVENIÊNCIA: … AT – Impostos englobados na conta corrente

Descrição da dívida conforme anexo

TOTAL DA QUANTIA EXEQUENDA                                                                                                    334.584,21

EXTENSO: Trezentos e Trinta e Quatro Mil Quinhentos e Oitenta e Quatro Euros e Cinte e Um Cêntimos

JUROS DE MORA VENCIDOS

0,00

PAGAMENTO VOLUNTÁRIO ATÉ

Conforme anexo

JUROS DE MORA A PARTIR DE

Conforme anexo

VALOR SUJEITO A JUROS DE MORA

334.584,21

         

(Doc. 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor aqui se dá por integrado);

 

            9.1.27. Da demonstração de valores anexa à referida certidão de dívida consta ainda o seguinte:


QUANTIA EXEQUENDA

Identificação

Documento origem

Data limite pagamento

Data início juros mora

Ano dívida

Período tributação

Tributo

Tipo

Valor

Inicio

Fim

2016-01-20

2016-01-21

2016

2011

 

IRS

Jur C-C/Jmo

38.943,57

2016-01-20

2016-01-21

2016

2011

 

IRS

I/C/T/O-Cjm

295.640,64

 

Total:                     334.584,21

(citado Doc. 7 e PA).

           

            9.1.28  Em 2016.03.11 os Requerentes foram citados em processo de execução fiscal nº…, tendo como título executivo a liquidação objeto desta impugnação (Doc 1, junto com a petição inicial);

            9.1.29 – Para obterem a suspensão da citada execução fiscal, os Requerentes juntaram àquele processo de execução as garantias bancárias nºs …-…-…-…, emitida pelo Banco F…, SA, na importância de €205.438,05 e N…, emitida pelo G…, SA, pelo valor de €220.000,00 (cfr docs juntos com o requerimento apresentado em 4-7-2014 e não impugnados);

            9.1.30 – Pela emissão das sobreditas garantias os Requerentes são devidas aos respetivos bancos comissões, despesas e encargos computados em, pelo menos, €1.219,30 por cada trimestre

 

9.2. Factos não provados

 

Não existem factos não provados com interesse para a decisão da causa.

 

9.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos provados baseiam-se nos documentos existentes nos autos, na cópia do PA (processo administrativo) instrutor junta em 27-9-2016, nos processos arbitrais [nºs 7/2013-T e 248/2015-T] juntos em 10-10-2016 e nos articulados na medida em que estes não revelam controvérsia relativa ao quadro factual essencial para o objeto deste processo mas tão só e apenas quanto ao seu enquadramento jurídico.

 

III.2. Matéria de direito

Está em causa um rendimento obtido em virtude da aquisição de um crédito litigioso, através de uma cessão de créditos, situação que a Autoridade Tributária considerou então integrar-se no art. 3°, nº - l , a) do CIRS.

No entanto e por decisão arbitral colegial e unânime proferida no processo nº 7/2013 constituído no âmbito do CAAD e que, além de estar junta, se encontra publicada no respetivo sítio da internet (www.caad.org.pt), foi declarada ilegal e anulada a liquidação com fundamento na errónea qualificação dos rendimentos.

A AT veio ulteriormente praticar novo ato tributário de liquidação com requalificação jurídica dos mesmos rendimentos no sentido defendido nos fundamentos daquela decisão arbitral anulatória da anterior liquidação.

Na sequência e em consequência desta última liquidação (liquidação de IRS nº 2014 –…, na importância de €6.770.549,16 foi deduzido novo pedido de pronúncia arbitral [Proc nº 248/2015-T – CAAD] que veio a ser julgado procedente com fundamento na preclusão do direito à liquidação (a AT não exerceu o direito à liquidação no prazo de execução do julgado).

A liquidação ora sob impugnação não decorre efetivamente da extemporânea execução dos julgados quer no processo arbitral nº 7/2013 quer no processo nº 248/2015.

Tão pouco existe violação de caso julgado na medida em que, como parece óbvio, pese embora a identidade dos sujeitos processuais, tal identidade já não ocorre quanto ao pedido (anulação de ato tributário diverso dos anteriores) e causa de pedir (liquidação de 2011) – Cfr artigos 580º e 581º, CPC, aplicáveis ex vi artigo 29º, do RJAT.

 O que esta liquidação verdadeiramente espelha é antes a tributação do rendimento auferido em 2011 traduzido no pagamento pelo Estado do remanescente da indemnização e sanção pecuniária compulsória emergentes da execução dos supra citados acórdãos da Relação de Lisboa de 24-9-2009 e do STJ de 8.6.2010 (Cfr docs 2 e 3 juntos pelos demandantes).

 Ou seja: os atos de liquidação sub juditio complementam, por assim dizer, a indemnização paga em 2010, que fundamentou as liquidações anteriores e que foram objeto dos mencionados acórdãos arbitrais proferidos nos processos nºs 7/2013-T e 248/2015-T que anularam as liquidações respetivas: a primeira, por errónea qualificação do facto tributário e a segunda por ilegalidade derivada da preclusão processual do direito da AT a nova liquidação em substituição da anterior.

O acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstrata e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. É essa situação factual e concreta que se qualifica como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal.

No caso, o facto tributário ocorre em 2011 – e é esta, reafirma-se, a diferença essencial relativamente aos anteriores que estiveram na base das liquidações objeto das impugnações nos processos arbitrais mencionados nº 7/2013-T e 248/2015-T -, com o pagamento pelo Estado ao demandante do remanescente da indemnização (e sanção pecuniária compulsória) na sequência e em consequência de decisão judicial transitada em julgado.

A liquidação sub juditio decorre assim e também (tal como no caso objeto do processo nº 7/2013-T), da qualificação do rendimento [indemnização e sanção pecuniária compulsória] como rendimentos empresariais e/ou profissionais do impugnante à luz do artigo 3º, do CIRS.

Dispõe esse normativo que se consideram rendimentos empresariais e profissionais "os decorrentes do exercício de qualquer actividade comercial, industrial, agrícola, silvícola ou pecuária" .

Na opinião da Autoridade Tributária, o Requerente dedica-se profissionalmente à compra e venda de bens imobiliários e, ao assumir obrigações para com terceiros e ao diligenciar junto da Câmara Municipal para obter informações, pareceres e decisões, desenvolvia uma actividade empresarial.

Não parece, porém, tal como se ponderou na decisão proferida no processo nº 7/2013-T, que a aquisição do crédito a uma indemnização tenha algo a ver com a compra e venda de bens imobiliários, e muito menos se pode entender que a realização de diligências junto da Câmara Municipal ou a obtenção de informação, pareceres e decisões tenha alguma coisa a ver com a actividade empresarial.

Efectivamente e tal como ficou espelhado nas anteriores decisões arbitrais, o requerente limitou-se a adquirir um crédito, celebrando um negócio de cessão de créditos, tal como previsto nos arts. 577º e ss. do Código Civil. Poderia esse negócio jurídico consistir numa compra e venda (art. 874° CC), numa doação (art. 940° CC), numa sociedade (cfr. art. 984º c) CC), num contrato de factoring, numa dação em cumprimento (art. 837° CC) ou pro solvendo (cfr. art. 840º, nº2 CC) ou num acto de constituição de garantia (cfr. por todos MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, II, 8ª ed., Coimbra, Almedina, 2011, pp. 15 e ss., e Cessão  de créditos, Coimbra, Almedina, 2005, passim).

Analisado o contrato, verifica-se que o Requerente se comprometeu (cláusula 4.2.) a custear todas as despesas e encargos que sejam devidos no referido processo judicial, incluindo custas judiciais e honorários de advogados e outros  sujeitos processuais.

Ou seja: a cessão tem assim claramente uma contrapartida económica, resultante de o cedente ficar liberto de todos os custos judiciais de um processo de valor consideravelmente elevado. Tendemos por isso a qualificar o contrato como uma compra e venda de um crédito.

No entanto, a simples compra e venda de um crédito por parte de uma pessoa singular que não exerce essa actividade não pode ser considerada um rendimento de natureza empresarial. Efetivamente, a compra deste crédito não constitui uma compra para revenda, prevista no art. 463° CCom, nem o Requerente exerce habitualmente a atividade de compra e venda de créditos, ou se dedica ao factoring ou à titularização de créditos, exercendo antes a actividade de compra e venda de bens imobiliários, o que não é manifestamente o caso de um crédito a uma indemnização.

No caso específico da títularização de créditos, o seu enquadramento fiscal resulta do Decreto-Lei 219/2001, de 4 de Agosto, alterado pelo Decreto-Lei  303/2003,  de 5 de Dezembro.

É manifesto que o ganho em questão não constitui uma mais-valia pois não se enquadra em nenhuma das alíneas do art. 10º do CIRS. Constitui antes, no entanto, o pagamento de uma indemnização, pelo que se poderia enquadrar no art. 9° b) do CIRS.  No entanto, esta norma apenas tributa "as indemnizações   que visem a reparação de danos não patrimoniais, exceptuadas as fixadas por decisão judicial ou arbitral ou resultantes  de  acordo  homologado judicialmente, de danos emergentes não comprovados e de lucros cessantes, considerando-se neste último caso como tais apenas as que se destinem a ressarcir os benefícios líquidos  deixados  de  obter  em  consequência  da lesão".

Ora a indemnização e sanção pecuniária compulsória [enquadrável fiscalmente à luz do artigo 5º-1/g), do CIRS/2010] que recebeu não constitui uma indemnização por lucros cessantes, mas antes uma indemnização por danos emergentes, pois está em causa a  impossibilidade de restituição pelo Estado do imóvel que ocupou. Efetivamente, o dano ou prejuízo emergente corresponde à situação em que alguém em consequência da lesão vê frustrada uma utilidade que já tinha adquirido.

O lucro cessante corresponde àquela situação em que é frustrada uma utilidade que o lesado iria adquirir, se não fosse a lesão (cfr. MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, I, 10ª ed., Coimbra, Almedina, 2013, p. 301).

Esteve em causa na sobredita ação cível, a perda da propriedade de uma parcela de um terreno e a privação do seu uso durante muitos anos.

Ora, mesmo a privação do uso constitui um dano emergente e não um lucro cessante. Não estamos aqui por isso perante um incremento patrimonial objecto de tributação na categoria G. Se esta indemnização tivesse sido obtida pelo titular originário não seria sujeita a qualquer tributação.

Tratando-se, no entanto, de um cessionário, o rendimento é objecto de tributação, em virtude do negócio de cessão de créditos, mas em termos completamente diferentes dos que foram então enquadrados, quer pelo Requerente [na impugnação objeto do processo arbitral nº 7/2013-T], quer pela Autoridade  Tributária. 

Efectivamente, o rendimento em questão, resultante de uma cessão de créditos litigiosos, constituirá um rendimento de aplicação de capitais, nos termos do art. 5º - 1 e 2/a), do Código do IRS, sendo o rendimento sujeito a imposto constituído pela  diferença positiva entre o valor  da cessão e o valor  nominal  do crédito  (art. 5°,  n°9  CIRS)  e objecto  de  tributação  pela  taxa  liberatória  prevista  no artº71º-1/ b), do CIRS.

Não tendo sido efetuado pela Autoridade Tributária o enquadramento jurídico correto do facto tributário, naturalmente que não pode manter-se a liquidação objeto de impugnação, verificando-se o vício de errónea qualificação e quantificação de rendimentos [art. 99º/a) CPPT].

Assinale-se, en passant, que ao contrário do que alega a AT, a decisão arbitral proferida no processo nº 7/2013-T, não decidiu requalificar o rendimento de “B” para “E” pela simples e óbvia razão que se o fizesse invadiria a esfera de competência da AT. O que fez foi assinalar ou aventar que esse deveria ser o enquadramento legalmente adequado a seguir pela AT no momento da qualificação do rendimento.

 

Relativamente à liquidação de juros compensatórios à luz dos artigos 35º, da LGT e 91º, do CIRS/2010, esta revela-se óbvia e igualmente ilegal, considerando a ilegalidade da liquidação que lhe deu causa.

 

IV Prestação de garantias bancárias

Os Requerentes prestaram garantias bancárias destinadas a assegurar o pagamento e suspender a execução da liquidação sob impugnação.

 Da procedência total do pedido resultará a eliminação da ordem jurídica da liquidação.

 Dispôe a LGT:

 Artigo 53.º

Garantia em caso de prestação indevida

1 - O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.

2 - O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

3 - A indemnização referida no n.º 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

4 - A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.

 

Entende este Tribunal que a liquidação enferma, nesta parte, de ilegalidade por errónea qualificação dos rendimentos.

 Sendo público e notório que pelo serviço de prestação de garantia bancária são pagos encargos/comissões aos Bancos em função, designadamente, do risco, valor e prazo da garantia, há que concluir que os Requerentes suportaram [e certamente continuam a suportar] encargos pela manutenção das garantias.

Tendo prestado as garantias pelo valor total da liquidação objeto desta impugnação, juros, custas e demais acréscimos (Cfr artigo 199º-6, do CPPT) e indo obter vencimento total nesta ação, os encargos e demais despesas emergentes da prestação ou obtenção das garantias bancárias terão de lhes ser reembolsados.

Ou seja: reconhecem-se reunidos os pressupostos que conferem aos Requerentes o direito a indemnização nos termos do citado artigo 53º, da LGT.

Daí que proceda o pedido formulado pelos Requerentes de condenação da AT no pagamento de despesas e encargos vencidos e vincendos devidos pela emissão e manutenção das garantias bancárias prestadas na execução fiscal nº …2016…para obstar ao pagamento coercivo da liquidação objeto deste processo arbitral.

Certo que não foi expressamente formulado um pedido de reembolso de um valor concreto e líquido.

Tal, porém, não teria obrigatoriamente de ser alegado porquanto quem exige indemnização não necessita de indicar a importância exata dos danos – Cfr artigo 569º, do C. Civil.

A liquidação da indemnização terá assim de se processar em sede de execução de julgado e tendo presente as limitações do seu quantum previstas no artigo 53º-3, da LGT.

 

Não se justifica apreciar as outras questões suscitadas pelos Requerentes, as quais ficam prejudicadas pela decisão que se irá proferir de declaração de ilegalidade da liquidação objeto dos autos por errónea qualificação.

 

V Decisão

Termos em que acordam neste Tribunal Arbitral em:

a) Julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, anulando-se, por ilegalidade, derivada de erro de qualificação, a liquidação de IRS e juros compensatórios n.º 2015…, de 2015.12.15, no montante de € 334.584,21€ (trezentos e trinta e quatro mil quinhentos e oitenta e quatro euros e vinte e um cêntimos), realizada em 15-12-2015 pelo Serviço de Finanças de ...-…, relativa ao ano de 2011;

b) Julgar procedente o pedido de indemnização pelos prejuízos resultantes da prestação das sobreditas garantias bancárias prestadas;

 c) Condenar a Administração Tributária e Aduaneira no pagamento de indemnização aos Requerentes, nos termos e com os limites previstos no artigo 53º, da LGT e a liquidar em execução de julgado, decorrente da procedência do pedido a que alude a alínea anterior;

d) Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira nas custas deste processo atento o seu total decaimento e

d) Julgar prejudicadas as demais questões suscitadas nos autos.

 

Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 334.584,21 nos termos do artigo 97º -A, nº 1, alínea a) do Código de Procedimento e do Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do nº1 do artigo 29º do RJAT e do nº2 do artigo 3º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

Custas

Fixa-se o valor das custas do processo em € 5.814,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar integralmente pela Requerida (Autoridade Tributária e Aduaneira), uma vez que os Requerentes obtiveram deferimento integral do pedido, nos termos nº 2 do artigo 12º e do nº 4 do artigo 22º do RJAT e do nº3 do artigo 4º do citado Regulamento.

 

§  Registe e notifique

 

Lisboa, 9 de dezembro de 2016

 

O Tribunal Arbitral,

 

José Poças Falcão

(Árbitro Presidente)

 

 

 

António Alberto Franco

(Árbitro Adjunto)

 

 

 

António Sérgio de Matos

(Árbitro Adjunto)