Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 168/2016-T
Data da decisão: 2016-12-13  IRC  
Valor do pedido: € 82.405,00
Tema: IRC – Isenção; Congregação Religiosa; Equiparação a IPSS; Incompetência do Tribunal Arbitral; Erro na forma do processo; Ilegitimidade passiva; Indemnização por garantia indevida
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Acórdão Arbitral

 

Os árbitros Fernanda Maçãs (árbitro presidente), António Sérgio de Matos e Filomena Salgado Oliveira (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 01-07-2016, acordam no seguinte:

           

I - Relatório  

1. A…, com sede na Rua …, nº…, …, … – … …, pessoa colectiva nº … (doravante designada por Requerente) veio, ao abrigo do preceituado pelo artigo 99º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e artigos 2º, nº 1, al. a) e 10º, nº 1, al. a) e nº 2, do Decreto – Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante designado por RJAT), apresentar pedido de constituição de tribunal arbitral coletivo e de pronúncia arbitral, sendo Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira – AT.

2. A Requerente pede que se reconheça que beneficia de isenção de IRC, se revogue a decisão de 18 de Dezembro de 2015 da Chefe de Divisão da Direcção de Finanças de Lisboa, que indeferiu a reclamação interposta pela Requerente, e se anule o acto de liquidação do imposto sobre o rendimento de pessoas colectivas respeitante a 2012, com todas as consequências legais, incluindo o pagamento dos custos respeitantes à garantia bancária prestada e de custas processuais.

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira, em 18-03-2016.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.° 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo a Senhora Juiz Conselheira Maria Fernanda dos Santos Maçãs, o Dr. António Sérgio de Matos, e a Dra. Filomena Salgado Oliveira que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 18-05-2016, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 01-07-2016.

 

4. A Requerente fundamenta o pedido nos seguintes termos:

a)      Sendo a Requerente (…) uma pessoa colectiva canónica que prossegue actividades sociais é equiparada, quanto a essas actividades, a uma IPSS e encontra-se a mesma automaticamente isenta de IRC, de acordo com o preceituado na alínea b), do número 1, do artigo 10.º deste Código, nas actividades enquadráveis no artigo 1º e 1º - A, bem como, artigo 40º do DL 119/83, republicado pelo DL 172-A/2014 - no caso em apreço, actividades de saúde e educação.

b)      Como amplamente mencionado, quer a jurisprudência consolidada ao nível do STA, quer do CAAD, claramente perfilham a posição da Requerente, concordando-se em toda a linha com o itinerário cognoscitivo e valorativo ali seguido, pelo que, não resta alternativa à Requerente que não seja a de, por esta via, fazer valer o seu direito à isenção de IRC na actividade social da Requerente – educação e saúde – ora em apreço e em consequência, seja aquele ato de liquidação anulado, com todas as cominações legais.

c)      Defendendo ainda a Requerente que É uma Congregação Religiosa, canonicamente erecta, que desenvolve, para além da actividade religiosa, uma actividade de promoção e protecção da saúde, num estabelecimento que lhe pertence denominado “B…”.

d)      A ora Requerente encontra-se organizada por Províncias Nacionais, sendo que a Província Portuguesa é a sede internacional da Congregação, a primeira registada em Portugal em 1876 e tem actividades a nível mundial.

e)      As primeiras Constituições da Requerente datam de 18 de Outubro de 1901, das quais resulta como finalidade primeira «tratar de enfermos tanto nos hospitaes, como em casa d’elles», característica que permanece com a aprovação dos seus Estatutos em 21/09/1937 e posteriormente com a celebração da Concordata de 1940 e a respectiva participação, em 6 de Novembro de 1940, ao Governo Civil do Porto, em que releva como finalidade «dedicar-se à assistência sanitária aos doentes e a outros serviços de beneficiência e assistência social». (Doc. 6, já junto no Doc. 3, como documentos 7 e 8 da reclamação)

f)       A Requerente foi assim reconhecida em Portugal, para além dos seus fins religiosos, como uma instituição de beneficência e assistência social.

g)      No estabelecimento “B…”, especialmente preparado e licenciado para esse efeito, são assim prestados pela Requerente cuidados de medicina preventiva, curativa e de reabilitação, pelos quais recebe, naturalmente, o devido pagamento, embora nunca com fins lucrativos. 

h)      Proveitos que a Requerente considera abrangidos pela isenção de IRC prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 10º do Código do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas.

i)       Com efeito, nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 10º do Código do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas (CIRC) são isentas de IRC as Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS) e entidades conexas, bem como as pessoas colectivas àquelas legalmente equiparadas.

j)       A Concordata de 18 de Maio de 2004, celebrada entre a República Portuguesa e a Santa Sé (“Concordata de 2004”), que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2005, veio introduzir profundas alterações ao regime fiscal existente, no que constituiu uma opção clara do legislador de sujeitar a tributação rendimentos que se encontravam anteriormente isentos e de abandonar o conceito de isenção total e abrangente.

k)      Sumariamente, apenas os donativos monetários e em espécie que se destinem à realização de fins religiosos se qualificam como rendimentos não sujeitos, para efeitos do estabelecido na Concordata de 2004.

l)       Todos os outros rendimentos auferidos pelas entidades religiosas poderão beneficiar de isenção de IRC, em virtude do disposto no artigo 10.º do Código deste Imposto, desde que estas entidades se qualifiquem, adicionalmente, como: a) Pessoas colectivas de utilidade pública administrativa; b) Instituições Particulares de Solidariedade Social (“IPSS”) e entidades conexas, bem como as pessoas colectivas àquelas legalmente equiparadas; c) Pessoas colectivas de mera utilidade pública que prossigam, exclusiva ou predominantemente, fins científicos ou culturais, de caridade, assistência, beneficência, solidariedade social ou defesa do meio ambiente.

m)    Tendo a Requerente sido canonicamente erigida, constituída e participada à autoridade competente, em data anterior à da entrada em vigor da Concordata, a sua personalidade é reconhecida pelo Estado nos termos do artigo 10.º, número 2 da Concordata.

n)      Mais, por prosseguir, para além dos fins religiosos, actividades de assistência e solidariedade, nomeadamente na área da promoção e protecção da saúde, sem fins lucrativos, a Requerente é equiparada a uma IPSS, nomeadamente para efeitos fiscais, e no exercício daquelas actividades, conforme o disposto nos artigos 12.º e 26.º, número 5 da Concordata.

o)      A Requerente, enquanto organização ou instituição religiosa que se propõe exercer e que exerce actividades como a protecção e promoção da saúde, assim como na área da educação e formação profissional dos cidadãos, é igualmente equiparada a IPSS nos termos do disposto nos artigos 1.º, n.º 1, alíneas e) e f) e 40.º do Decreto-lei n.º 119/83, de 25 de Fevereiro, que aprovou o Estatuto das IPSS.

p)      Com efeito, desde sempre que aquela desenvolve actividades de carácter social, nomeadamente na área da promoção e da protecção da saúde, em particular na “B…”, desde a sua génese, ou seja, em momento muito anterior ao DL 119/83, prestando cuidados de medicina preventiva, curativa e de reabilitação, pelo que é forçoso concluir que passou a ser considerada uma IPSS, independentemente da forma que tenha adoptado, ex vi do disposto nos citados artigos 1º, alínea e) e 94º, nº 5 do referido diploma - Estatuto Jurídico das IPSS.

q)      A ora Requerente, não sendo formalmente uma IPSS, é, pois, para todos os efeitos, designadamente fiscais, equiparada a uma IPSS nos termos dos artigos 10.º, número 2, 12.º e 26.º, número 5 da Concordata e artigos 1.º, número 1, alíneas e) e f) do artigo 1º e 40.º do Estatuto das IPSS.

r)      É aliás esse o enquadramento da declaração junta com o pedido de certidão em que o próprio Ministério da Saúde reconhece a actividade da B… como legalmente equiparada a IPSS, estabelecimento integrante da Congregação.

s)      Esta mesma conclusão é corroborada, inequivocamente, pelo Supremo Tribunal Administrativo (STA) nos seus Acórdãos de 7 de Janeiro de 2009 (Processo nº 0812/08) e de 18 de Janeiro de 2012 (Processo n.º 725/11).

t)       Aliás, importa referir que a fundamentação da decisão agora em causa é contraditória com os próprios termos da legislação aplicável.

u)      Tal como já se referiu, o artigo 40º do Decreto-Lei n.º 119/83, não se limita, meramente, a sujeitar as entidades aí previstas ao Estatuto das IPSS.

v)      Com efeito, são equiparáveis a IPSS as pessoas colectivas religiosas que prosseguem os fins das IPSS a que se refere o artigo 1º do Decreto-Lei nº 119/83, de 25 de Fevereiro, fins esses que, nos termos da lei, justificam que estas entidades se encontrem isentas de IRC, nas actividades referidas.

w)    Para além disso, o facto de a Requerente se encontrar, por força do artigo 40º do mesmo diploma, sujeita ao estatuto previsto no mesmo, não obriga a que a mesma proceda ao registo previsto para as IPSS, facto aliás desproporcionado pois é a actividade que é isenta, sendo que essa mesma actividade, porque claramente não detentora de autonomia e de personalidade jurídica, não pode lograr obter o registo que pretende a recorrida.

x)      Por outro lado, se assim fosse, não existiriam pessoas colectivas legalmente equiparadas a IPSS, ou entidades religiosas que para além dos fins religiosos, prosseguissem actividades sociais, mas antes e apenas IPSS.

y)      Ou seja, as pessoas colectivas – organizações e instituições religiosas - que, não sendo IPSS, prosseguem actividades típicas das IPSS, como é o caso da Requerente, têm, assim, duas opções: ou pretendem ter a natureza de IPSS e podem proceder ao registo que resulta do artigo 7º daquele diploma legal ou não pretendem ter essa natureza e basta-lhes efectuar o registo que a sua natureza determina.

z)      Ora, sendo a Requerente uma entidade religiosa, apenas se encontra a mesma obrigada à comunicação a que se refere o artigo 45º, comunicação essa já há muito feita, enquadrados pelos artigos 10º, 12º e 26, nº 5 da Concordata de 2004.

aa)  Decorre claramente do regime definido, que a adopção da forma de uma das entidades previstas no artigo 10º do CIRC é uma faculdade, e que não fica prejudicada a atribuição às pessoas colectivas religiosas dos direitos legalmente previstos para essas entidades, caso estas não adoptem a forma daquelas.

bb)  Por outro lado, salienta-se que o que está em causa, no que à isenção de IRC está subjacente, tem a ver com a actividade desenvolvida pela recorrente ao nível da prestação de cuidados de saúde através da “B…”, estabelecimento detido por aquela.

cc)  Em cujo contexto, aliás, a Direcção Geral de Saúde considerou já assente a equiparação da actividade da recorrente a uma IPSS.

dd)  Isto tudo significa que a equiparação a IPSS não ocorre apenas por força de legislações específicas como aquela que se aplica às Casas do Povo e Cooperativas de Solidariedade Social, como erradamente a recorrida defende.

ee)  A equiparação a IPSS ocorre mesmo por força do que se encontra estatuído no próprio artigo 40º do Decreto-Lei n.º 119/83, não sendo, por isso, esta norma apenas um meio de sujeitar entidades que não revestem a natureza de IPSS ao estatuto destas últimas.

ff)     Com efeito, não parece fazer sentido que se submetam as pessoas colectivas que desenvolvem as actividades previstas no artigo 1º daquele diploma ao Estatuto das IPSS e que depois se diga que essa não é uma forma de equiparação a essas mesmas IPSS.

gg)  Aliás, neste sentido, importa ter em atenção o entendimento que a Direcção de Finanças de Lisboa já assumiu, nos termos do qual concluiu que a Requerente, no contexto do desenvolvimento da actividade de prestação de cuidados de saúde da “B…”, é uma entidade equiparada a IPSS, fundamentando-se, precisamente, nos referidos artigos 40º e 45º do Decreto-Lei n.º 119/83, nos termos do documento já junto ao presente requerimento.

hh)  E mais concluiu aquela Direcção de Finanças que a isenção de IRC, de acordo com o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 10º do CIRC, é uma realidade automática, que não carece de reconhecimento ministerial!

ii)     O que, aliás, se encontra em linha com o que o Supremo Tribunal Administrativo decidiu em 7 de Janeiro de 2009, em cujo acórdão refere que “ao qualificar a Recorrida como “pessoa colectiva legalmente equiparada a IPSS”, isenta de IRC nos termos da alínea b) do art.º 10.º do CIRC, o acórdão recorrido faz correcta interpretação e aplicação do citado normativo e do artigo 95.º/5 do DL n.º 119/83, de 25 de Fev., já que tal disposição legal equipara a IPSS as pessoas jurídicas canonicamente erectas, juridicamente reconhecidas e que exerçam finalidades subsumíveis ao n.º 1 do seu artigo 1.º, já existentes à data da entrada em vigor desse diploma legal e que não tenham querido usar da faculdade de adoptar uma das formas jurídicas definidas para as IPSS”.

 

5. A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta suscitando as excepções de erro na forma de processo, de ilegitimidade passiva e de incompetência do Tribunal Arbitral, nos termos seguintes:

a)      A respeito do reconhecimento da Requerente como “entidade legalmente equiparada a IPSS”, e a consequência de poder beneficiar automaticamente da isenção fiscal patente no artigo 10.º/1-b), 2.ª parte, do CIRC, é matéria da exclusiva competência do Ministério da Solidariedade, Emprego e da Segurança Social e seus serviços [cfr. artigo 2.º/2-m) do Decreto-Regulamentar 36/2012, de 27 de março, artigo 5.º, alíneas k), l) e m) da Portaria 105/2013, de 13 de março, e alíneas d), e) e f) do Despacho n.º 6147/2013, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 90, de 2013-05-10].

b)      Na sequência do pedido de isenção de IRC formulado pela Requerente, a DSIRC informou que contactada a DGSS, dada a sua competência na área das IPSS, para que se esclarecessem todas as dúvidas quanto à detenção ou não, por parte da A…, da qualidade de IPSS, a mesmo veio esclarecer através de ofício S/… de 2010-10-08 o seguinte:“Não consta nesta Direcção Geral o registo da A…” como Instituição particular de Solidariedade Social, pelo que se presume nunca ter sido feita a participação a que alude o art.º 45.º do estatuto das IPSS (…), ou seja, a referida instituição nunca adquiriu personalidade jurídica na ordem jurídica civil.»

c)      Em consequência a 21.02.2011, foi a Requerente notificada da decisão de indeferimento Subdirectora geral dos Impostos, tendo da mesma vindo a interpor recurso hierárquico em 28.03.2011. A Requerente reclamou do ato de liquidação de IRC de 2012, a qual foi indeferida por Despacho do Chefe de Divisão de Lisboa de 18.12.2015 por considerar que a Requerente não apresentou prova bastante para que possa ser equiparada a uma IPSS e como tal, isenta do pagamento do Imposto sobre o Rendimento das pessoas coletivas.

d)      Estabelece o artigo 10.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas que estão isentas de IRC «As instituições particulares de solidariedade social, bem como as pessoas coletivas àquelas legalmente equiparadas;»

e)      As instituições particulares de solidariedade social estão sujeitas a registo obrigatório, nos termos do n.º 2 do art.º 32.º da Lei de Bases da Segurança Social 4/2007, de 16 de janeiro e demais legislação aplicável.

f)       Para a Requerida resulta evidente que a requerente, enquanto instituição canonicamente erecta está sujeita ao registo junto da Direção Geral de Segurança Social.

g)      Ora, a Requerente não requereu o respectivo registo junto da entidade competente, pese embora não esteja isenta do respectivo registo.

h)      Com efeito, nem a concordata nem o Estatuto das IPSS isentam a Requerente do respectivo registo junto da DGSS.

i)       O que o Estado reconhece às pessoas jurídicas canónicas é a personalidade jurídica civil e que, por esse motivo, estas “gozam dos direitos e benefícios atribuídos às pessoas coletivas privadas com fins da mesma natureza e que ficam sujeitas ao regime fiscal aplicável à respectiva atividade” (art.º 10.º n.º 5 art.º 12.º e art.º 26.º da Concordata)

j)       Não existe qualquer norma legal que conceda o reconhecimento da qualidade de entidade legalmente equiparada a IPSS às entidades canonicamente erectas.

k)      O artigo 10.º da Concordata apenas reconhece personalidade jurídica às entidades religiosas, nos moldes ali previstos, não lhes conferindo qualquer equiparação a Pessoas Coletivas de Mera Utilidade Pública ou Instituições Particulares de Solidariedade Social.

l)       De acordo com informação prestada pela Direção-Geral da Segurança Social a Requerente não constitui “entidade equiparada a IPSS”, pois ela não consta da listagem de instituições registadas como tal ou como “IPSS”.

m)    Sendo certo que não colhe minimamente o argumento de que a Requerente não consta daquela listagem porquanto as instituições canónicas não estão obrigadas a registo.

n)      E tal argumento não colhe na medida em que (como já supra se viu) não só a Requerente está efetivamente sujeita a registo (…).

o)      …como ainda a listagem de instituições registadas fornecida pela Direção-Geral da Segurança Social inclui 54 (cinquenta e quatro) instituições canónicas registadas (v.g., C…, D…, E…, F…, G…, H…, I…, J…, K…).

p)      Mais: de acordo com informação prestada pela Direção-Geral da Saúde a Requerente não constitui “entidade equiparada a IPSS”, conforme DOCUMENTOS 5 e 6 ora juntos e que se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais.

q)      Em suma, a Requerente não só não é formalmente uma “IPSS”, não só não é formalmente (ou sequer fiscalmente) uma “entidade equiparada a IPSS”, como também o próprio artigo 10.º/2-b) do CIRC veda ao intérprete fiscal a realização de qualquer raciocínio comparativo sobre a verificação, ou não, de uma situação de equiparação de prosseguimento de fins de solidariedade social por parte de um determinado sujeito passivo, o que redundaria numa interpretação e aplicação da lei por analogia.

r)      Pois que tal verificação não compete ao intérprete da lei fiscal, mas sim e antes de mais ao serviço legalmente competente para apreciar matéria que se prende com o Direito da Segurança Social.

s)      As entidades religiosas reconhecidas nos termos do artigo 10.º da Concordata celebrada entre a Santa Sé e o Estado Português e previstas nos artigos 12.º e 26.º, n.º 5 deste mesmo diploma, poderão beneficiar de isenção de IRC ao abrigo do artigo 10.º do CIRC, desde que se verifiquem os respectivos pressupostos, nomeadamente que revistam a natureza jurídica, ou seja, Pessoa Coletiva de Utilidade Pública Administrativa, Pessoa Coletiva de Mera Utilidade Pública, Instituição Particular de Solidariedade Social e entidades anexas, ou pessoas coletivas àquela legalmente equiparadas.

t)       No caso das entidades previstas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 10.º do IRC a isenção é automática, e dependente de reconhecimento ministerial caso se trate de entidades previstas na alínea c).

u)      Em ambas as situações, têm as entidades de verificar os requisitos formal e material bem como os condicionalismos estabelecidos no já referido artigo.

v)      A isenção constante do artigo 10.º é uma isenção eminentemente pessoal, abrangendo as pessoas coletivas de utilidade pública administrativa, pessoas coletivas de mera utilidade pública que prossigam exclusiva ou predominantemente fins científicos, culturais, de caridade, assistência, beneficência, solidariedade social, entidades anexas, bem como as pessoas coletivas àquelas legalmente equiparadas.

w)    Entendendo que (…) a Requerente não pode usufruir da isenção do artigo 10.º do CIRC por não se tratar de uma qualquer daquelas figuras jurídicas, ou seja, não se verifica o pressuposto de natureza subjetiva a que se refere o n.º 1 do artigo 10.º do CIRC.

6. Tendo o SP respondido à matéria de excepção e não havendo lugar a produção de prova, por despacho de 29-09-2016, foi dispensada a realização da reunião prevista no art. 18.º do RJAT, tendo-se fixado dia 1 de Janeiro de 2017 como data limite para a prolação da decisão arbitral.  

 

7.Ambas as Partes declararam prescindir de apresentar alegações.

 

II-Saneador

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

As Partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e a Requerente tem legitimidade (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

Foram suscitadas as excepções que passamos a analisar.

 

a)      Excepção da incompetência material do Tribunal Arbitral

 

“A excepção da incompetência é de conhecimento prioritário, como resulta do disposto no artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

A Autoridade Tributária e Aduaneira entende que «resulta cristalinamente do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT que se encontra fora da jurisdição da arbitragem tributária a apreciação de quaisquer questões referentes ao reconhecimento de isenções fiscais, uma vez que tal matéria se encontra reservada à jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais» e que «ainda que em sede dos Tribunais judicias se admita que em sede de impugnação judicial pode haver lugar à apreciação de matérias que constituem actos destacáveis, o que é discutível, estes argumentos não valem em sede de Tribunal Arbitral».

A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é definida, em primeira linha, pelo artigo 2.º, n.º 1, do RJAT, que estabelece o seguinte:

1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais;

Em segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é limitada pela vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira que, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, do RJAT, veio a ser definida pela Portaria n.º 112-A/2011, de 12 de Março, que estabelece o seguinte, no que aqui interessa:

Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto -Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes:

a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;

b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;

c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e

d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira.

Como se vê, apenas em relação a matérias aduaneiras a definição de competências é feita tendo em atenção o tipo de tributos a que se dirigem as pretensões. E quanto a estes a Autoridade Tributária e Aduaneira só se vinculou quanto aos impostos por esta administrados.

Quanto ao resto, a competência é definida apenas tendo em atenção o tipo de actos que são objecto da impugnação, não havendo, designadamente, qualquer proibição de apreciação de matérias relativas a isenções fiscais ou quaisquer outras questões de legalidade relativas aos actos dos tipos referidos no artigo 2.º do RJAT. Uma liquidação de imposto que parta da desconsideração de uma isenção não deixa de ser um acto tributário de liquidação. E a apreciação da legalidade ou da ilegalidade dessa desconsideração não deixa, portanto, de ser a apreciação de uma pretensão relativa à declaração de ilegalidade de actos de liquidação.

No caso em apreço, é impugnado um acto de liquidação de IRC, que se insere na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, e cuja apreciação não é excluída por qualquer das normas da referida Portaria.

Por outro lado, foi deduzida reclamação graciosa do acto de liquidação, sendo da decisão que a indeferiu que foi apresentado o recurso hierárquico, que também foi indeferido, por a Autoridade Tributária e Aduaneira ter entendido que a liquidação não enferma de ilegalidade.

No processo arbitral pode, em regra, ser imputada aos actos de liquidação qualquer ilegalidade, como decorre do artigo 99.º do CPPT, subsidiariamente aplicável.

Só não será assim, nos casos em que a lei preveja a impugnabilidade autónoma de actos administrativos que são pressuposto dos actos de liquidação, como pode suceder com os actos de reconhecimento de isenções fiscais, que, nos casos das isenções não automáticas, assumem a natureza de actos destacáveis, para efeitos de impugnação contenciosa.

Mas, neste caso, a isenção que a Requerente entende ter sido indevidamente desatendida pela Autoridade Tributária e Aduaneira ao praticar o acto de liquidação de IRC é uma isenção de reconhecimento automático, como resulta da alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do CIRC, conjugada com o seu n.º 2, em que apenas se refere a necessidade de reconhecimento de isenção relativamente a situações enquadráveis na alínea c) daquele n.º 1. Aliás, não há controvérsia entre as Partes sobre a natureza automática da isenção de que a Requerente pretende beneficiar.

Sendo o acto de liquidação lesivo dos interesses da Requerente, que defende ser ilegal por não aplicar uma isenção automática de que entende beneficiar, tem de ser assegurada a sua impugnabilidade contenciosa com fundamento em qualquer ilegalidade, como decorre do princípio da tutela judicial efectiva, consagrado nos artigos 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da CRP.

Por outro lado, a questão de saber se o acto de liquidação é legal ao não reconhecer uma isenção, tem a ver com a legalidade da liquidação, pelo que deve ser apreciada nos tribunais tributários em processo de impugnação judicial, como decorre da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT.

Assim, conclui-se que não está em causa declarar, com efeitos gerais, se a Requerente deve ser equiparada a instituição particular de solidariedade social e tem direito a uma isenção, mas apenas saber se a concreta liquidação de IRC relativa ao ano de 2011 é ilegal por não ter aplicado uma isenção de que a Requerente poderá beneficiar nesse ano.

Por isso, não tem qualquer suporte legal a tese da Autoridade Tributária e Aduaneira de que «se encontra totalmente fora da competência deste Tribunal Arbitral Singular e do próprio CAAD a emissão de qualquer juízo sobre a questão da equiparação legal da Requerente da Instituição Particular de Solidariedade Social», pois os limites de competência definidos no artigo 2.º, n.º 1 do RJAT baseiam-se exclusivamente no tipo de actos e não com base no tipo de questões de ilegalidade que lhes são imputadas e para usufruir do benefício fiscal previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do CIRC não é necessário qualquer acto administrativo de reconhecimento da isenção ou de reconhecimento de equiparação da Requerente a IPSS.

O que é pedido ao tribunal arbitral é que apure se a liquidação impugnada é ilegal por não ter sido aplicada uma isenção que a Requerente entende beneficiar e esta matéria insere-se manifestamente nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD.

Neste contexto, nem se entende a referência feita pela Autoridade Tributária e Aduaneira a reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República para legislar sobre a organização e competência dos tribunais, pois o que está em causa é a interpretação do artigo 2.º do RJAT, que foi emitido no uso de uma autorização legislativa, que consta do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, em que não se faz qualquer referência a limitação de competência dos tribunais arbitrais relativamente a questão de ilegalidade de liquidações relacionadas com benefícios fiscais.

De resto, é manifesto que com a referida autorização legislativa se pretendeu estender a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a todas as questões que podem ser objecto de processo de impugnação judicial e também não se pode duvidar de que, em processos deste tipo, pode ser apreciado se o Sujeito Passivo tem direito a benefícios fiscais automáticos relacionado com a legalidade de actos de liquidação, como se pode ver pela jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal Administrativo de que são exemplo os seguintes acórdãos, todos proferidos em processos de impugnação judicial: - de 30-05-2012, processo n.º 0949/11; - de 3-7-2013, processo n.º 765/13; - de 17-12-2014, processo n.º 01085/13; - de 11-11-2015, processo n.º 968/13; - de 18-11-2015, processo n.º 1067/15; - de 18-11-2015, processo n.º 575/15; - de 16-12-2015, processo n.º 01345/15.”

Esta a posição jurisprudencial assumida pelo CAAD em decisões anteriores, designadamente no Proc. n.º 547/2015-T, a cujo acórdão pertence a transcrição supra, e que não se vislumbra razão para modificar, pelo que, também aqui e nos termos supra expostos, improcede a excepção da incompetência material suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

b)     Excepção do erro na forma de processo

 

Outrossim quanto a esta excepção não vamos afastar-nos do que foi decido nesse outro processo, porquanto é patente a similitude das situações analisadas, havendo inclusive total identidade das partes envolvidas, donde colher aqui manifesto aproveitamento o seguinte:

“...

De qualquer forma, quanto ao essencial que a Autoridade Tributária e Aduaneira defende sobre esta excepção, que é a ser a acção administrativa especial, e não o pedido de pronúncia arbitral, o meio processual adequado para efectuar a apreciação da matéria em causa, já se referiu a propósito da questão que o processo arbitral (como o processo de impugnação judicial) é meio adequado a apreciar todas as questões de legalidade de actos de liquidação, inclusivamente a não aplicação das regras que prevêem benefícios fiscais, quando automáticos.

De resto, especificamente sobre uma situação substancialmente idêntica à do presente processo, pode ver-se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18-01-2012, proferido no processo n.º 0725/11, em recurso interposto num processo de impugnação judicial.”

Enquanto tal, pelos motivos e em harmonia com a jurisprudência citada, improcede também esta excepção.

 

c)      Excepção da ilegitimidade passiva da Autoridade Tributária e Aduaneira

 

Pelo exposto, continuaremos no trilho do acórdão ante citado donde e sobre este tema se colhe o seguinte:

“A Autoridade Tributária e Aduaneira entende que ocorre a sua ilegitimidade passiva por «o reconhecimento da natureza de “IPSS” ou de “entidade legalmente equiparada a IPSS” é matéria da exclusiva competência do Ministério da Solidariedade, Emprego e da Segurança Social e seus serviços [cfr. artigo 2.º/2-m) do Decreto-Regulamentar 36/2012, de 27 de março, artigo 5.º, alíneas k), l) e m) da Portaria 105/2013, de 13 de março, e alíneas d), e) e f) do Despacho n.º 6147/2013, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 90, de 2013-05-10]» e «considerando que o funcionamento automático da isenção patente no artigo 10.º/1-b), 2.ª parte, do CIRC pressupõe, antes de tudo, uma decisão administrativa que reconheça a natureza de “IPSS” ou de “entidade legalmente equiparada a IPSS” à Requerente».

A alínea m) do n.º 2 do artigo 2.º do Decreto Regulamentar n.º 36/2012, estabelece que cabe à Direcção-Geral da Segurança Social «propor normas integradoras do estatuto jurídico das instituições particulares de solidariedade social, incluindo as associações mutualistas, assegurar o respetivo registo e propor normas aplicáveis a outras entidades com atividades de apoio social».

As alíneas k), l) e m) do artigo 5.º da Portaria n.º 105/2013, de 13 de Março, estabelecem que cabe à Direcção de Serviços da Ação Social e Assuntos Institucionais «propor o reconhecimento das fundações de solidariedade social, pronunciar-se sobre a legalidade dos estatutos e dos actos jurídico-institucionais sujeitos a registo respeitantes às instituições particulares de solidariedade social e às instituições equiparadas», «efectuar a análise formal dos processos de registo e proceder à efectivação dos respetivos registos nos termos da legislação aplicável» e «proceder à organização e actualização de ficheiros das instituições particulares de solidariedade social e das instituições legalmente equiparadas».

O Despacho n.º 6147/2013, proferido por um Director Geral, tem como destinatários os respectivos serviços, não tendo qualquer eficácia normativa externa.

De qualquer forma, não se vislumbra como possa concluir-se com base naquelas normas que àquela Direcção Geral caiba efectuar reconhecimentos da natureza de Instituição Particular de Solidariedade Social para efeitos de isenções fiscais.

Mas, mesmo que isso aí estivesse previsto, em nada relevaria para aferir a legitimidade passiva para intervenção em processos arbitrais tributários, pois trata-se de diplomas de natureza não legislativa que, por força do princípio da hierarquia das normas, não podem afastar a aplicação de normas de diplomas de natureza legislativa (artigo 112.º, n.º 5, da CRP).

E, como é óbvio, há normas legislativas que definem a legitimidade passiva para intervir em processos arbitrais tributários.

Com efeito, a legitimidade para intervir em processos arbitrais tributários cabe sempre ao «dirigente máximo do serviço da administração tributária», como resulta dos artigos 11.º, n.º 3, 13.º, n.ºs 1 e 2, 17.º, n.º 1, e 20.º, n.º 2, do RJAT e está em sintonia com o preceituado no artigo 9.º, n.ºs 1 e 4, do CPPT).

Não há qualquer suporte legal para atribuir legitimidade passiva em processos arbitrais tributários a qualquer outra entidade.

De resto, sendo formulados pedidos de anulação de um acto de liquidação e da decisão de um recurso hierárquico proferida pela Autoridade Tributária e Aduaneira, para além de um pedido de juros indemnizatórios dirigido também à Autoridade Tributária e Aduaneira, é manifesto que esta entidade tem o interesse em contradizer que é fundamento da legitimidade passiva (artigo 30.º, n.º 1, do CPC).

Assim, improcede esta excepção.”

Não existe qualquer motivo para alterar o decido no acórdão que acaba de citar-se, com o qual concordamos integralmente quer na fundamentação, quer na conclusão, pelo que é nesses precisos termos que também nestes autos se julga improcedente a excepção em epígrafe.  

 

III. Matéria de Facto

 

III.1.Factos provados

 

1. A Requerente foi notificada pela Requerida para proceder à apresentação da declaração de rendimentos respeitante ao ano de 2012 e subsequente liquidação de IRC, com a cominação de que, caso não o fizesse, incorreria numa situação susceptível de configurar uma contra-ordenação;

2. Face a essa notificação e embora discordando do teor da mesma, a ora Requerente apresentou a declaração de rendimentos respeitante ao ano de 2012;

3. Em resultado da apresentação dessa declaração, a Requerente foi notificada, da liquidação n.º 2015…, datada de 18-02-2015, e, consequentemente, para proceder ao pagamento da quantia de 82.405,91 euros (oitenta e dois mil quatrocentos e cinco euros e noventa e um cêntimo), a título de IRC, bem como, juros compensatórios (5.291,07 €) e juros de mora (234,23 €) - Doc. 1, junto com o pedido, cujo teor aqui se dá por integrado;

4. Considerando que se encontrava isenta de IRC, a Requerente reclamou desse ato de liquidação de IRC de 2012, juntando para todos os efeitos legais a devida garantia bancária - Doc. 2, junto com o pedido, cujo teor aqui se dá por integrado;

5. Tal Reclamação Graciosa, que recebeu o n.º … 2015…, foi indeferida por despacho de 18 de Dezembro de 2015, proferido pela Chefe de Divisão da Direcção de Finanças de Lisboa - Doc. 3, junto com o pedido, cujo teor aqui se dá por integrado;

6. Na decisão de indeferimento, a Requerida sustentou, basicamente, que a Requerente não é isenta de IRC, por não se encontrar registada como Instituição Particular de Solidariedade Social ou entidade legalmente equiparada na Direcção Geral da Segurança Social;

7. Tal decisão de indeferimento da Reclamação manifesta a concordância com a Informação inserta no Projecto que a precede, cujo teor aqui se dá por integrado e da qual se alcança, entre o mais, o seguinte:

INFORMAÇÃO

14. Vem a ora Reclamante, em sede de reclamação graciosa, contestar a notificação da sua autoliquidação relativa ao exercício de 2012 que, após análise do pedido deduzido, cumpre dizer o seguinte.

15. A ora Reclamante alega que está isenta de IRC, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art. 10.° do Código do IRC, relativamente à atividade desenvolvida no estabelecimento "B…", referindo que esta se trata de entidade legalmente equiparada a IPSS nos termos dos art. 40.0 e 45.0 do Dec. Lei n.º 119/83 de 25 de fevereiro.

16. As organizações e instituições religiosas que, para além dos fins religiosos, se proponham actividades enquadráveis no artigo 1.º ficam sujeitas, quanto ao exercício daquelas actividades ao regime estabelecido no Estatuto.

17. Podemos dizer que este decreto-lei não equipara as organizações e instituições religiosas a IPSS mas antes sujeita-as ao regime estabelecido no Estatuto das IPSS.

18. A sujeição ao regime estabelecido no Estatuto das IPSS, implica também que as IPSS sejam registadas nos termos do art. 7.º do Dec. Lei n." 119/83 de 25 de fevereiro.

19. Contudo este procedimento foi alterado pela Portaria 139/2007 de 29 de janeiro, ou seja, alterou o Regulamento do Registo das Instituições Particulares de Solidariedade Social do Âmbito da Acção Social do Sistema de Segurança Social.

20. Nos termos desta portaria compete à Direção Geral da Segurança Social (DGSS) o registo das Instituições Particulares de Solidariedade Social. 

21. Este registo, para além do reconhecimento da utilidade pública das instituições, tem como finalidade verificar se se encontram reunidos os requisitos previstos na citada portaria, sem os quais é recusado o registo das entidades.

22. Em relação às organizações e instituições religiosas, neste caso, às instituições canonicamente erectas, uma vez que não existem outros procedimentos a que estejam sujeitas, encontram-se abrangidas pela obrigatoriedade do registo previsto no Decreto-Lei n." 119/833, se pretenderem adquirir a qualidade de IPSS ou se quiserem ser entidades legalmente equiparadas e consequentemente usufruir das isenções fiscais concedidas por lei a essas entidades.

23. O reconhecimento previsto no art. 45.º do Dec. Lei n.º 119/ 83 de 25 de fevereiro, não deve ser confundido com o registo a que se refere o art. 7.º do mesmo diploma, através do qual e nos termos do art. 8.º, as entidades adquirem automaticamente a natureza de pessoas coletivas de utilidade pública, uma vez que o reconhecimento é relativo à sua personalidade jurídica.

24. A ora Reclamante já tinha pedido a isenção prevista no art.º 10.º do Código do IRC, junto da Direção de Serviços de IRC, que a informou do seguinte:

Mais se informa que se contactou a DGSS, dada a sua competência na área das IPSS, para que se esclarecessem todas as dúvidas quanto à detenção ou não, por parte da A…, da qualidade de IPSS. A referida Direcção-Geral, através do ofício S/…, de 2010-10-08, informou-nos o seguinte:

”...não consta nesta Direcção-Geral o registo da "A…" como instituição particular de solidariedade social, pelo que se presume nunca ter sido feita a participação a que alude o art. 45.º do estatuto das IPSS (. . .), ou seja, a referida instituição nunca adquiriu personalidade jurídica na ordem jurídica civil.

Não foi ainda detectada qualquer documentação relativa à "B…", estabelecimento daquela instituição."

25. A ora Reclamante apresentou Recurso Hierárquico da decisão de indeferimento. Este foi analisado pela entidade competente que concluiu o seguinte.

26. "Tendo a DSIRC indeferido o pedido que a requerente lhe apresentou, no sentido de lhe ser emitida certidão comprovativa de IRC, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artº 10.º do CIRC, relativamente à actividade desenvolvida no estabelecimento "B…", referindo que esta se trata de entidade legalmente equiparada a IPSS nos termos dos arts 40.º e 45.º do DL n.º 119/83 de 25.02, indeferimento que se fundou no facto de se ter apurado que a requerente não detém a qualidade de IPSS nem de entidade legalmente equiparada, nem em qualquer uma das outras qualidades exigidas pelo art. 10.º do CIRC, veio a requerente interpor recurso hierárquico onde insiste na equiparação a IPSS por força do art. 40.º do DL n.º 119/83.

27. Sucede que através dessa disposição legal as organizações e instituições religiosas não são equiparadas a IPSS, tem antes como objectivo sujeitá-Ias ao regime estabelecido no Estatuto das IPSS. Só com o registo é que as instituições abrangidas pelo DL n° 119/83, de 25.02, adquirem a natureza de pessoas colectivas de utilidade pública.

28. No caso de instituições que prossigam objectivos no âmbito da promoção e protecção da Saúde e que se enquadrem no DL 119/83 de 25.02, o referido registo é efectuado nos termos da Portaria 466/86 de 25.08.

29. Assim, nos termos do DL 119/83, de 25.02, e da nova Concordata, não existe qualquer disposição legal que equipare as organizações e instituições religiosas e, no caso da recorrente (as entidades canonicamente erectas), às IPSS, tendo estes, para além da participação a que alude o artº 45.º do referido decreto lei, que efectuar o registo nos termos do artº 7.º da mesma norma, junto da Direcção Geral da Segurança Social.

30. Por ser esta a entidade competente, de acordo com a Portaria 466/86 de 25.08, foi contactada essa Direcção Geral que confirmou que a recorrente não detém a qualidade de IPSS nem de entidade a estas legalmente equiparada.

31. Por esse facto e dado que não reúne qualquer outro dos requisitos estabelecidos no art.º 10.º do CIRC não há possibilidade de deferir o pedido.”

 

8. Discordando deste entendimento, a Requerente pretende, com a presente acção, ver anulado o acto de liquidação de IRC de 2012, nos exactos termos e com os fundamentos constantes das decisões já proferidas pelo CAAD nos Processos:

a) N.º 98/2015-T, em que se analisou e decidiu a mesma questão de facto e de direito mas com referência ao exercício de 2009 - Doc. 4, junto com o pedido, cujo teor aqui se dá por integrado;

b) Nº 547/2015 – T, em que se analisou e decidiu a mesma questão de facto e de direito mas com referência ao ano de 2011 - Doc. 5, junto com o pedido, cujo teor aqui se dá por integrado;

9. A Requerente é uma Congregação Religiosa, canonicamente erecta, que desenvolve, para além da actividade religiosa, uma actividade de promoção e protecção da saúde, num estabelecimento que lhe pertence denominado “B…”;

10. A Requerente encontra-se organizada por Províncias Nacionais, sendo que a Província Portuguesa é a sede internacional da Congregação, a primeira registada em Portugal, em 1876, e tem actividades a nível mundial;

11. As primeiras Constituições da Requerente datam de 18 de Outubro de 1901, das quais resulta como finalidade primeira «tratar de enfermos tanto nos hospitaes, como em casa d’elles», característica que permanece com a aprovação dos seus Estatutos em 21/09/1937 e posteriormente com a celebração da Concordata de 1940 e a respectiva participação, em 6 de Novembro de 1940, ao Governo Civil do Porto, em que releva como finalidade «dedicar-se à assistência sanitária aos doentes e a outros serviços de beneficiência e assistência social» - Doc. 6, junto no Doc. 3, como documentos 7 e 8 da reclamação, cujo teor aqui se dá por integrado;

12. A Requerente foi assim reconhecida em Portugal, para além dos seus fins religiosos, como uma instituição de beneficência e assistência social, actividade que exerce no estabelecimento “B…”, especialmente preparado e licenciado para esse efeito, onde presta cuidados de medicina preventiva, curativa e de reabilitação, pelos quais recebe, naturalmente, o devido pagamento, embora nunca com fins lucrativos;

13. É sobretudo do exercício dessa actividade que resultam os proveitos declarados na declaração de rendimentos de 2012 da Requerente e de que resultou a liquidação de IRC de 2012, no valor de 82.405,91 euros;

14. Por entender que se encontrava abrangida pelo artigo 10º do Código do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas (CIRC), quanto à actividade da área de saúde desenvolvida na “B…”, estando, nesse contexto, isenta de IRC, a Requerente havia já solicitado anteriormente a emissão de uma certidão comprovativa da sua isenção de IRC. - Doc. 7, junto no Doc. 3, como documento 1 da reclamação, cujo teor aqui se dá por integrado;

15. Pedido esse que visava melhor documentar o entendimento que a ora Requerida – AT já havia transmitido, em 8 de Novembro de 2007, por “Informação” prestada no âmbito do “Assunto: Pedido de Isenção ao abrigo do art. 10.º do CIRC para a B…”, da qual se alcança, entre o mais, o seguinte:

Suj. Pas.: A…

NIPC: …

Alegações:

Em 18.06.2007, vem o sujeito passivo acima identificado apresentar pedido de isenção nos termos do disposto no artigo 10.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), para a “B…”, propriedade da A… .

Factos:

- Face à documentação junta aos presentes autos, verifica-se que se trata de uma entidade equiparada a IPSS (art. 40.º e 45.º do dec.-lei n.º 119/83, de 25 de Fev.) conforme Of.º …, de 27-07-99 emitido pelo Ministério da Saúde, enquadrável no disposto do art.º 10.º, n.º1, alínea b), do CIRC, pelo que face à nova redacção do mesmo o pedido não carece de reconhecimento ministerial, sendo a isenção de carácter automático.” - Doc. 8, junto no Doc. 3, como documento 3 da reclamação, cujo teor aqui se dá por integrado;

16. A requerida, Autoridade Tributária e Aduaneira – AT, através da Subdirectora Geral dos Impostos, indeferiu o referido pedido, de emissão de certidão comprovativa da sua isenção de IRC, em 21 de Fevereiro de 2011, razão pela qual a Requerente interpôs dessa decisão recurso hierárquico, em 28.03.2011 - Docs. 9 e 10, juntos no Doc. 3, como documento 3 da reclamação, cujo teor aqui se dá por integrado;

17. A mandatária da Requerente e subscritora do presente requerimento não foi notificada de qualquer decisão sobre o referido recurso hierárquico - Doc. 11, junto no Doc. 3, como documento 4 da reclamação, cujo teor aqui se dá por integrado;

18. Não tendo a Requerente efectuado o pagamento do imposto liquidado, prestou a devida garantia bancária, para a não prossecução do respectivo processo executivo, garantia essa que lhe impôs, até ao momento da entrada do presente pedido de pronúncia arbitral, o custo de 953,35 euros - Docs. 13 a 16, juntos com o pedido, cujo teor aqui se dá por integrado;

19. Na sequência do pedido de isenção de IRC formulado pela Requerente, a DSIRC informou que contactada a DGSS, dada a sua competência na área das IPSS, para que se esclarecessem todas as dúvidas quanto à detenção ou não, por parte da A…, da qualidade de IPSS, a mesma veio esclarecer através de ofício S/… de 2010-10-08 o seguinte:

“Não consta nesta Direcção Geral o registo da A…” como Instituição
particular de Solidariedade Social, pelo que se presume nunca ter sido
feita a participação a que alude o art.º 45.º do estatuto das IPSS (…), ou
seja, a referida instituição nunca adquiriu personalidade jurídica na
ordem jurídica civil.» - docs. 5 e 6, juntos com a resposta da AT, cujo teor aqui se dá por integrado;

20. A reclamação graciosa ante referida foi indeferida por a Requerida AT considerar que a Requerente não apresentou prova bastante para que possa ser equiparada a uma IPSS e, como tal, isenta do pagamento do Imposto sobre o Rendimento das pessoas coletivas;

21. A 17.03.2016 a Requerente deduziu o presente pedido de pronúncia arbitral.

22. A Requerente não consta da listagem de instituições registadas como “IPSS” ou como “entidade equiparada a IPSS”, de acordo com informação prestada pela Direção-Geral da Segurança Social – Docs. 1 e 2, juntos com a resposta da AT, cujo teor aqui se dá por reproduzido;

23. Dão-se aqui por reproduzidos os docs. n.º 3, intitulado “Registo das Instituições Particulares de Solidariedade Social” e nº 4, com a epígrafe “Manual de Procedimentos”, da DGSS, juntos com a Resposta da Requerida – AT.

 

III.2. Factos não provados

A Autoridade Tributária e Aduaneira afirma no artigo 50.º da Resposta que “A 17.08.2015 a Requerente interpôs junto do Tribunal Administrativo de Círculo de Sintra, processo n.º … uma ação administrativa especial onde requer a anulação do despacho de 24.04.2015 da Diretora de Serviços de IRC, que rejeitou liminarmente o recurso hierárquico interposto pela Requerente a 29.12.2014”.

Porém, a AT não apresentou qualquer documento comprovativo quer de que a Requerente tenha interposto a acção referida nem que tenha sido proferido um «despacho de 24.04.2015 da Diretora de Serviços de IRC, que rejeitou liminarmente o recurso hierárquico interposto pela Requerente a 29.12.2014».

 

 

 

III.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente e pela Autoridade Tributária e Aduaneira, bem assim na circunstância de não existir controvérsia quanto à demais factualidade alegada.

 

 

IV. Quanto ao Mérito

 

 

A) Apreciação da questão da aplicação à Requerente da isenção prevista no artigo 10.º, n.º 1, alínea b), do CIRC

 

A questão essencial que é objecto do presente processo é a de saber se a Requerente beneficiava de isenção de IRC, ao abrigo do disposto no artigo 10.º, n.º 1, do CIRC, relativamente ao ano de 2012.

A redacção deste número, em vigor no ano de 2012, que consta da republicação efectuada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, era a seguinte:

Artigo 10.º

Pessoas colectivas de utilidade pública e de solidariedade social

1 — Estão isentas de IRC:

a)  As pessoas colectivas de utilidade pública administrativa;

b) As instituições particulares de solidariedade social, bem como as pessoas colectivas àquelas legalmente equiparadas;

c) As pessoas colectivas de mera utilidade pública que prossigam, exclusiva ou predominantemente, fins científicos ou culturais, de caridade, assistência, beneficência, solidariedade social ou defesa do meio ambiente.

Por outro lado, o n.º 2 do art.º 10.º refere ainda que:

A isenção prevista na alínea c) do número anterior carece de reconhecimento pelo Ministro das Finanças, a requerimento dos interessados, mediante despacho publicado no Diário da República, que define a respectiva amplitude, de harmonia com os fins prosseguidos e as actividades desenvolvidas para a sua realização, pelas entidades em causa e as informações dos serviços competentes da Direcção-Geral dos Impostos e outras julgadas necessárias.

Assim, concluímos que, nos termos da alínea b) do artigo 10.º, beneficiam de isenção de IRC as instituições particulares de solidariedade social, bem como as pessoas colectivas àquelas legalmente equiparadas.

Por outro lado, conclui-se que a isenção tem natureza automática pelo que não está sujeita a reconhecimento. Quanto a esta matéria, tanto a Requerente como a Requerida, estão de acordo. Aliás, a este respeito a própria Autoridade Tributária expressou esse entendimento através de Ofício-Circulado de 2009 dirigido aos Serviços referindo que “Considerando que a isenção das Pessoas Colectivas de Utilidade Pública Administrativa e das Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS) e entidades anexas[1], bem como das pessoas colectivas legalmente equiparadas às IPSS (alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 10.º do CIRC), opera actualmente de forma automática e com efeitos retroactivos à data da verificação dos respectivos pressupostos, devem os Serviços de Finanças esclarecer os sujeitos passivos requerentes que se encontrem abrangidos por tal regime, da desnecessidade do seu pedido a fim de evitar a instauração de processos inconsequentes, (…)”.

No que se refere ao seu enquadramento, as Partes concordam que a Requerente não é uma Instituição Particular de Solidariedade Social, pelo que a aplicação da norma em apreço (alínea b) do n.º 1 do art.º 10.º) apenas poderá ocorrer caso a Requerente seja uma “pessoa colectiva legalmente equiparada a uma instituição particular de solidariedade social”.

Deste modo, assume particular relevância para a matéria trazida aos autos a natureza da Requerente como “pessoa colectiva legalmente equiparada a instituição particular de solidariedade social”.

A este respeito, já no Acórdão proferido pelo STA no processo n.º 0725/11, de 18-01-2012, se concluía que: “As pessoas colectivas de utilidade pública administrativa, as instituições particulares de solidariedade social e as pessoas colectivas a estas legalmente equiparadas, nomeadamente as organizações e instituições religiosas e seus institutos que se proponham, para além dos fins religiosos, outros fins enquadráveis no artigo 1.° do Decreto-Lei n.º 119/83, de 25 de Fevereiro (Estatuto das IPSS), beneficiam de uma isenção automática de IRC nos termos do art.º 10º, nº 1, al. b) e 2 do CIRC e das disposições conjugadas dos arts. 12º e 26º, nº 5 da Nova Concordata, bem como dos arts. 1º, nº 1 al. f), 40 e 41º do referido Estatuto.” 

Efectivamente, são consideradas entidades equiparadas a instituições particulares de solidariedade social (IPSS), as instituições religiosas que, para além dos fins religiosos, prossigam outros fins que sejam enquadráveis no artigo 1.º do Estatuto das IPSS, publicado pelo Decreto-lei n.º 119/83, de 25 de Fevereiro, nomeadamente no que à Requerente diz respeito, ao disposto na alínea e) do n.º 1 do art.º 1, o qual refere: “Promoção e protecção da saúde, nomeadamente através da prestação de cuidados de medicina preventiva, curativa e de reabilitação;” o que é o caso da Requerente.

Não obstante não parecer existir quaisquer dúvidas quanto à natureza da Requerente, como entidade equiparada a instituição particular de solidariedade social, o mesmo já não se pode afirmar quanto à obrigatoriedade de registo da Requerente para que esta possa beneficiar da isenção de IRC prevista no art.º 10.º do Código do IRC.

A tese defendida pela Autoridade Tributária, e que esteve na origem da liquidação objecto da presente impugnação, assenta no entendimento de que a Requerente, para ser considerada entidade legalmente equiparada a instituição particular de solidariedade social, estava sujeita, como tal, por falta de norma que a exclua, às regras a que obedece o registo respeitante às instituições particulares de solidariedade social, nos termos do n.º 2 do art.º 32.º da Lei de Bases da Segurança Social n.º 4/2007, de 16 de Janeiro, regulado pela Portaria n.º 139/2007, de 29 de Janeiro, que tem essencialmente por finalidade “a) Comprovar a natureza e os fins das instituições; b) Comprovar os fatos jurídicos especificados neste diploma; c) Reconhecer a utilidade pública das instituições; d) Facultar o acesso às formas de apoio e cooperação” e do art.º 40.º do Estatuto das IPSS, aprovado pelo Decreto-Lei 119/83 de 25 de Fevereiro.

Deste modo, cumpre a este Tribunal analisar a obrigatoriedade de registo da Requerente para que a mesma pudesse beneficiar da referida isenção de IRC.

Tal como proferido na jurisprudência do CAAD, no âmbito do processo n.º 547/2015-T, de 17 de Fevereiro de 2016, com a qual concordamos integralmente quer na fundamentação, quer na conclusão, e que passamos a transcrever: 

“(…) a necessidade de registo, à face das normas invocadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, só pode ter suporte legal no n.º 2 do art. 32.º da Lei de Bases da Segurança Social (Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro), e no artigo 40.º do Estatuto das IPSS, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 119/83 de 25 de Fevereiro.

O artigo 32.º, n.º 2, da Lei de Bases da Segurança Social estabelece que «as instituições particulares de solidariedade social e outras de reconhecido interesse público sem carácter lucrativo, consagradas no n.º 5 do artigo 63.º da Constituição, estão sujeitas a registo obrigatório».

O artigo 40.º do Estatuto das Instituições Particulares de Solidariedade Social, na redacção inicial, vigente em 2011, estabelece que «as organizações e instituições religiosas que, para além dos fins religiosos, se proponham actividades enquadráveis no artigo 1.º ficam sujeitas, quanto ao exercício daquelas actividades, ao regime estabelecido no presente Estatuto».

O artigo 2.º da Portaria n.º 139/2007, indica as finalidades do registo das instituições particulares de solidariedade social.

O artigo 29.º desta Portaria n.º estabelece o seguinte:

Artigo 29.º

Registo das instituições canonicamente erectas

1 - Os actos de registo respeitantes às instituições canonicamente erectas obedecem ao disposto no presente diploma com as adaptações constantes dos números seguintes.

2 - Para efeito de reconhecimento da personalidade jurídica, nos termos do artigo 45.º do Estatuto das Instituições Particulares de Solidariedade Social, a participação da erecção canónica de instituições que prossigam exclusiva ou principalmente objectivos do âmbito da segurança social, é feita pelo Ordinário Diocesano competente ao CDSS da área da sede das instituições.

3 - As instituições que tenham adquirido personalidade jurídica nos termos do número anterior devem requerer o respectivo registo e apresentar os documentos referidos no artigo 19.º com excepção da cópia do acto de constituição.

4 - O disposto na alínea a) do artigo 14.º não se aplica às alterações dos estatutos das instituições canonicamente erectas que sejam aprovadas pela autoridade eclesiástica competente.

Desta norma da Portaria n.º 139/2007 resulta a obrigatoriedade de registo para as instituições canonicamente erectas, que é o caso da Requerente.

Porém, como se refere na alínea m) da matéria de facto fixada, «a participação a que se referem os artigos III e IV da Concordata entre a Santa Sé e a República Portuguesa foi feita ao Governo Civil do … em 19 de Novembro de 1940», antes da revisão da Concordata entre a República Portuguesa e a Santa Sé, assinada em 18 de Maio de 2004 na cidade do Vaticano, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 74/2004, de 30 de Setembro, publicada no Diário da República, I Série, de 16-11-2004, pelo que há que atender ao que nela se estatui sobre os efeitos dessa participação.

Os artigos 3.º e 4.º da versão inicial da Concordata, de 1940, estabeleceram que «o reconhecimento por parte do Estado da personalidade jurídica das associações, corporações ou institutos religiosos, canonicamente erectos, resulta da simples participação escrita à Autoridade competente feita pelo Bispo da diocese, onde tiverem a sua sede, ou por seu legítimo representante» e que «as associações ou organizações a que se refere o artigo anterior» se «se propuserem também fins de assistência e beneficência em cumprimento de deveres estatutários (...) ficam, na parte respectiva, sujeitas ao regime instituído pelo direito português para estas associações ou corporações, que se tornará efectivo através do Ordinário competente e que nunca poderá ser mais gravoso do que o regime estabelecido para as pessoas jurídicas da mesma natureza».”

No caso da Requerente, foi feita a participação escrita referida, pelo que foi reconhecida pelo Estado a personalidade jurídica da Requerente, muito antes da revisão da Concordata que ocorreu em 2004. A Requerente encontra-se organizada por Províncias Nacionais, sendo que a Província Portuguesa é a sede internacional da Congregação, a primeira registada em Portugal em 1876 e tem actividades a nível mundial. As primeiras Constituições da Requerente datam de 18 de Outubro de 1901, das quais resulta como finalidade primeira “tratar de enfermos tanto nos hospitaes, como em casa d’elles”, característica que afirma permanecer com a aprovação dos seus Estatutos em 21/09/1937 e posteriormente com a celebração da Concordata de 1940 e a respectiva participação, em 6 de Novembro de 1940, ao Governo Civil do Porto, em que releva como finalidade “dedicar-se à assistência sanitária aos doentes e a outros serviços de beneficência e assistência social” (vide factos provados 9, 10, 11 e 12).

Por outro lado, e na linha do referido Acórdão, “Os n.ºs 2 e 3 do artigo 10.º da Concordata, na versão de 2004, estabelecem o seguinte:2 - O Estado reconhece a personalidade das pessoas jurídicas referidas nos artigos 1.º, 8.º e 9.º nos respectivos termos, bem como a das restantes pessoas jurídicas canónicas, incluindo os institutos de vida consagrada e as sociedades de vida apostólica canonicamente erectos, que hajam sido constituídas e participadas à autoridade competente pelo bispo da diocese onde tenham a sua sede, ou pelo seu legítimo representante, até à data da entrada em vigor da presente Concordata;3 - A personalidade jurídica civil das pessoas jurídicas canónicas, com excepção das referidas nos artigos 1.º, 8.º e 9.º, quando se constituírem ou forem comunicadas após a entrada em vigor da presente Concordata, é reconhecida através da inscrição em registo próprio do Estado em virtude de documento autêntico emitido pela autoridade eclesiástica competente de onde conste a sua erecção, fins, identificação, órgãos representativos e respectivas competências.

Como resulta deste n.º 3, apenas para as pessoas jurídicas canónicas que se constituírem ou forem comunicadas após a sua entrada em vigor é que o reconhecimento se faz através da inscrição em registo próprio.” (destaque nosso)

Assim, tendo os primeiros Estatutos da Requerente sido aprovados em data muito anterior à celebração da Concordata de 2004, não será de aplicar-se o disposto no n.º 3 do artigo 10.º desta Concordata, que estipula que as pessoas jurídicas canónicas constituídas após a celebração da Concordata terão de estar inscritas em registo próprio do Estado.

No caso em apreço, a Requerente, cuja personalidade jurídica já havia sido reconhecida antes de 2004, continuou a ser reconhecida, independentemente do registo, por força do n.º 2 deste artigo 10.º.

Referindo ainda o Acórdão que:

Nos termos do artigo 12.º da Concordata, «as pessoas jurídicas canónicas, reconhecidas nos termos do artigo 10.º, que, além de fins religiosos, prossigam fins de assistência e solidariedade, desenvolvem a respectiva actividade de acordo com o regime jurídico instituído pelo direito português e gozam dos direitos e benefícios atribuídos às pessoas colectivas privadas com fins da mesma natureza».

Na mesma linha, o artigo 26.º, n.º 5, da Concordata refere que «as pessoas jurídicas canónicas, referidas nos números anteriores, quando também desenvolvam actividades com fins diversos dos religiosos, assim considerados pelo direito português, como, entre outros, os de solidariedade social, de educação e cultura, além dos comerciais e lucrativos, ficam sujeitas ao regime fiscal aplicável à respectiva actividade».

Estes artigos 12.º e 26.º, n.º 5, são claramente normas que equiparam as pessoas jurídicas canónicas que desenvolvem actividades de assistência e solidariedade social às instituições particulares de solidariedade social para efeitos fiscais (entre outros).”

Tendo a Requerente sido reconhecida em Portugal, nos termos do artigo 10.º, n.º 2, da Concordata, para além dos seus fins religiosos, como uma instituição de beneficência e assistência social, prestando, assim, no estabelecimento “B…”, especialmente preparado e licenciado para esse efeito, cuidados de medicina preventiva, curativa e de reabilitação, goza dos benefícios atribuídos às pessoas colectivas privadas com fins da mesma natureza, designadamente as instituições particulares de solidariedade social, que, nos termos do artigo 1.º, n.º 1, alínea e), do Estatuto das Instituições Particulares de Solidariedade Social aprovado pelo Decreto-Lei n.º 119/83, de 25 de Fevereiro, incluem as instituições particulares sem finalidade lucrativa que desenvolvem a prestação de cuidados de saúde.

Referindo se ainda que:

“Relativamente às pessoas jurídicas canónicas comunicadas antes da entrada em vigor da Concordata que desenvolvam actividades de assistência e solidariedade, nem o referido artigo 12.º, nem o n.º 5 do artigo 26.º da Concordata fazem depender de registo, mas apenas de reconhecimento nos termos do artigo 10.º, n.º 2, da Concordata, a sua equiparação às pessoas colectivas privadas com fins da mesma natureza, para efeito de gozo de benefícios fiscais.

Por outro lado, a remissão que no artigo 26.º, n.º 5, se faz para o «regime fiscal» reporta-se a normas de natureza tributária e não a normas sobre o registo de pessoas colectivas, que, como decorre do artigo 10.º, n.º 3, da Concordata apenas é necessário para as pessoas jurídicas canónicas que se constituírem ou forem comunicadas após a entrada em vigor da Concordata.

Ainda por outro lado, do n.º 2 do artigo 10.º da Concordata decorre que para as pessoas jurídicas canónicas que tenham sido constituídas e participadas à autoridade competente pelo bispo da diocese onde tenham a sua sede, ou pelo seu legítimo representante, até à data da entrada em vigor da Concordata, o reconhecimento é feito pelo Estado por força dessa própria norma, não dependendo de qualquer acto administrativo de reconhecimento.”

Nos termos do artigo 40º, sob a epígrafe “Organizações e instituições religiosas”, do Decreto-Lei 119/83 (Estatuto das IPSS), na redacção em vigor em 2012 “As organizações e instituições religiosas que, para além dos fins religiosos, se proponham actividades enquadráveis no artigo 1.º ficam sujeitas, quanto ao exercício daquelas actividades, ao regime estabelecido no presente Estatuto.”.

Daqui se conclui que, nos termos conjugados do artigo 40.º do Estatuto das IPSS e do artigo 26.º, n.º 5, da Concordata assinada entre a Santa Sé e a República Portuguesa, as entidades religiosas que, para além dos fins religiosos, prossigam actividades enquadráveis no art.º 1.º desse Estatuto (Decreto-Lei 119/83), como é o caso da Requerente, ficam sujeitas, quanto ao exercício dessas actividades, ao regime nele estabelecido e são equiparáveis a instituições particulares de solidariedade social, para efeitos de aplicação da isenção de IRC prevista no artigo 10.º, n.º 2, alínea b), do CIRC.

Como resulta do disposto no n.º 2 do artigo 8.º da CRP “as normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português”.

Sendo a Concordata de 2004 uma convenção internacional ratificada, aquele artigo 8.º, n.º 2, assegura a sua vigência enquanto vincular o Estado Português, prevalecendo sobre as normas de direito interno.

A Requerente reúne, assim, as condições previstas na alínea b) do n.º 1 do art.º 10.º do Código do IRC, por se enquadrar nas entidades legalmente equiparadas a instituições particulares de solidariedade social, tendo no mesmo sentido se pronunciado o Acórdão n.º 98/2015-T, em que se analisou e decidiu a mesma questão de facto e de direito, embora com referência ao exercício de 2009.

 Termos em que procede o pedido arbitral, concluindo-se pela ilegalidade do acto tributário de liquidação de IRC do exercício de 2012, objecto da presente impugnação, por violação da alínea b) do n.º 1 do art.º 10.º do Código do IRC, conjugado com o n.º 2 do art.º 10.º, art.º 12.º e n.º 5 do 26.º da Concordata assinada entre a Santa Sé e a República Portuguesa, com a alínea e) do n.º 1 do artigo 1.º e artigo 40.º do Estatuto das Instituições Particulares de Solidariedade Social, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 119/83, de 25 de Fevereiro.

 

B) Indemnização por garantia indevida

 

A Requerente solicitou, nos termos do disposto no art.º 43.º da LGT, o pagamento de indemnização por prestação indevida de garantia por considerar “que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento a divida tributária em montante superior ao legalmente devido”, alegando que nos termos do art.º 100.º da LGT também se prescreve “a obrigatoriedade de a AT repor a situação que se verificaria no caso de não ter sido cometida qualquer ilegalidade o que, consoante os casos, implicará o pagamento de juros indemnizatórios.”

Ora, a Requerente apresentou garantia bancária, em 2015-05-06, para a não prossecução do respectivo processo executivo, garantia essa que impôs à mesma, até ao momento da apresentação da petição inicial, um encargo de 953,35 euros.

Por outro lado, no caso sub judice, é manifesto que o erro subjacente à liquidação impugnada é imputável à Requerida, uma vez que as liquidações foram da sua iniciativa, não tendo a Requerente contribuído para que tal erro ocorresse.

Deste modo, ao abrigo do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 53.º da LGT, a Requerente tem direito a indemnização pela garantia prestada indevidamente até ao limite máximo previsto no n.º 3 do referido artigo 53.º.

 Sendo apenas do conhecimento deste Tribunal o valor que consta do processo – euros 953,35€ - pelo pagamento dos encargos com a prestação de garantia indevida, considera-se, desde já, que é devido à Requerente o pagamento desse montante, sem prejuízo do seu direito a ser indemnizada da quantia real que houver despendido ou vier a suportar com a sobredita garantia, até final do pleito, a apreciar no âmbito de execução de julgado, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT.

 

V.DECISÃO

 

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, este Tribunal Arbitral decide:

a)      Julgar improcedentes as excepções suscitadas pela Requerida;

b)        Julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, com a declaração da ilegalidade, pelas razões expostas supra, das liquidações de IRC do ano de 2012 objecto dos autos e respectivos juros compensatórios, com a consequente anulação dessas liquidações por padecerem de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito;

c)        Anular a decisão de 18 de Dezembro de 2015 da Chefe de Divisão da Direcção de Finanças de Lisboa, que indeferiu a reclamação interposta pela Requerente;

d)        Condenar a Requerida ao pagamento dos custos suportados (Euros 953,35) com a garantia bancária, bem como dos que vierem a ser apurados até final do pleito;

e)        Condenar a Requerida ao pagamento das custas do processo.

 

VI. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no art. 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de Euros 82.405, 91. 

 

 

VII. Custas

 

Nos termos do art.º 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em Euros 2.754,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Notifique.

 

Lisboa, 13 de Dezembro de 2016

 

 

 

 

Os Árbitros,

 

 

 

Fernanda Maçãs (Presidente)

 

 

 

António Sérgio de Matos (vogal)

 

 

 

Filomena Salgado Oliveira (vogal)

 



[1] A isenção abrangia até final de 2011 as entidades anexas, cuja isenção foi revogada pelo art.º 115.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro: "São revogadas as isenções concedidas ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do Código do IRC, na redacção anterior, a entidades anexas de instituições particulares de solidariedade social. "