Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 141/2012-T
Data da decisão: 2014-02-05  IVA  
Valor do pedido: € 53.580,15
Tema: Ofertas de pequeno valor
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DECISÃO ARBITRAL

 

Processo n.º 141/2012 – T/CAAD

 

        

A – Relatório

 

 

Decide, nestes autos, a Juíza Árbitro Professora Doutora Clotilde Celorico Palma:

 

 

1. RELATÓRIO

 

 

1 – A… – …, S.A., com sede na Avenida …, com o Número de Identificação Colectiva … (doravante “A…”), solicitou, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos artigos 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante referido como RJAT), a constituição de tribunal arbitral em matéria tributária, com vista a “requerer Pronúncia Arbitral sobre o indeferimento do recurso hierárquico apresentado contra o indeferimento parcial do pedido de revisão oficiosa submetido ao abrigo do artigo 78.º da Lei Geral Tributária (LGT) e do artigo 98.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA)”, pretendendo a “declaração da ilegalidade do acto de autoliquidação” de Imposto sobre o Valor Acrescentado (de ora em diante IVA) sobre bónus e ofertas a clientes relativamente aos anos de 2006 a 2008.

 

2 – Fundamentando estes pedidos a Requerente alegou, em resumo, que:

 

a) É um sujeito passivo de IVA inscrito no regime normal de periodicidade mensal, registado desde 1 de Janeiro de 1986, cujo objecto social consiste na produção e fornecimento de tintas, vernizes e produtos similares;

 

b) Em conformidade com o previsto na Circular n.º 19/89, de 18 de Dezembro, da Direcção Geral dos Impostos (DGCI), até Dezembro de 2007 inclusive, procedeu à liquidação de IVA sobre o preço de custo do produto entregue sempre que o valor das ofertas que realizava ultrapassasse os 14, 96 euros e, a partir de Janeiro de 2008, sempre que o valor da oferta ultrapassasse os 50 euros;

 

c) Aplicou estas regras às ofertas que efectuava bem como a entregas que se configuravam como bónus;

 

d) É seu entendimento que a aludida Circular era ilegal, conforme vários arrestos no sentido da respectiva inconstitucionalidade, não devendo, enquanto tal, ser aplicada pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), devendo, sim, analisar-se casuisticamente o conceito de “pequeno valor”, termos em que considera ter incorrido em “erro na autoliquidação do imposto”;

 

e) Neste contexto, procedeu à revisão dos seus procedimentos de liquidação do IVA relativamente às ofertas a clientes no tocante aos anos de 2006 a 2008, “tendo identificado e definido critérios de razoabilidade” quanto ao critério de “pequeno valor” aplicável no seu caso concreto, apurando o valor das vendas e das ofertas respeitantes a cada cliente e calculando a proporção das ofertas nas vendas anuais líquidas de descontos para cada um deles, considerando integrarem o conceito de pequeno valor as ofertas cuja proporção nas vendas fosse igual ou inferior a 5%;

 

f) A aludida revisão adoptada pela A… abrangeu igualmente os procedimentos adoptados pela B…, Sociedade Unipessoal, Lda, extinta em resultado da fusão por incorporação na ora Requerente;

 

g) Acresce ainda que entende que parte das entregas consideradas inicialmente como ofertas de pequeno valor se configuram como bónus a clientes, sendo, como tal, excluídos do valor tributável das operações nos termos do estatuído na alínea b) do n.º6 do artigo 16.º do CIVA;

 

h) Nestes termos, a A… apresentou um pedido de revisão oficiosa solicitando autorização à AT para efectuar a “regularização” a seu favor do imposto entregue em excesso no período decorrido entre Junho de 2006 e Junho de 2008, no valor total de 70 422,25 euros (52 514,62 referentes a ofertas e 17 907,63 a bónus a clientes) tendo tal pedido sido indeferido parcialmente a 22 de Agosto de 2001;

 

i) A AT apenas concordou com a regularização dos valores em causa relativos a bónus a clientes, não tendo neste contexto aceite o valor de 1 065,53 euros;

 

j) Relativamente à regularização (a seu favor) do montante indevidamente liquidado, relativamente aos anos de 2006 a 2008, no montante total de € 70.422,25, o pedido de revisão foi indeferido por intempestividade.

 

k) A ora Requerente apresentou recurso hierárquico do indeferimento, no qual, nomeadamente, vem apurar, para além do montante relativo a bónus apurado no pedido de revisão oficiosa, um montante de IVA entregue em excesso que ascende a 35 461,60 euros, adoptando para o efeito um “procedimento exactamente igual ao descrito no ponto 4.3 do pedido de revisão oficiosa”, “procedimento este já validado pela administração tributária”;

 

l) A AT decidiu pelo indeferimento do recurso hierárquico;

 

m) Neste contexto vem, em suma, solicitar a este Tribunal:

 

 - Que declare a ilegalidade do indeferimento do recurso hierárquico apresentado contra o indeferimento parcial do pedido de revisão oficiosa submetido ao abrigo do artigo 78.º da Lei Geral Tributária (LGT) e do artigo 98.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA);

- Que declare a ilegalidade dos actos de autoliquidação de IVA relativos aos anos de 2006 a 2008;

- Que condene a Requerida à restituição à Requerente do IVA entregue em excesso, no montante total de € 53.580,15.

 

Juntou à petição diversos documentos.

 

3 – Cumpridos os necessários e legais trâmites processuais, designadamente os previstos no Decreto-Lei n.º 10/2011 e na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, foi constituído Tribunal Singular em 13 de Fevereiro de 2013, formado pela Professora Doutora Clotilde Celorico Palma, designada nos termos do artigo 11.º, n.º 8, do RJAT.

 

4 – Notificada nos termos do artigo 17.º, n.º 1, do RJAT, veio a AT apresentar resposta na qual, após ter invocado excepções, vem impugnar os fundamentos do pedido, alegando, designadamente e em síntese, a incompetência da jurisdição arbitral em razão da matéria e a inadequação do meio utilizado e erros diversos na apreciação da questão de fundo, nos termos sumários que se seguem:

 

a) O pedido de revisão oficiosa apresentado em 10 de Agosto de 2010 pela Requerente foi o único procedimento que efectuou junto da AT com o objectivo de sanar as situações em causa, tendo sido levado a efeito no limite do prazo de quatro anos, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 78.º da LGT;

 

b) A AT não está vinculada perante os Tribunais Arbitrais à discussão de actos de autoliquidação que não foram precedidos da correspondente reclamação graciosa prevista no artigo 131.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT);

 

c) Neste sentido vai o Acórdão do Tribunal Arbitral proferido no Processo 51/2012-T;

 

d) Ainda que se considere, no que não se concede, que o pedido de revisão oficiosa pode ser equiparado a uma reclamação graciosa, na medida em que, de algum modo, a AT teve possibilidade de se pronunciar previamente sobre a matéria em causa, deveriam ter-se adoptado as regras previstas para este procedimento, facto este que não se verificou no caso concreto;

 

f) De acordo com o disposto no artigo 67.º do CPPT, o recurso hierárquico interposto de um despacho de indeferimento de reclamação graciosa é meramente facultativo com efeito devolutivo, pelo que a Requerente poderia sempre optar por interpor directamente a impugnação das autoliquidações, no prazo de quinze dias a partir da data de deferimento parcial do pedido;

 

g) Não tendo a Requerente adoptado tal procedimento, fica sujeita às regras previstas no n.º2 do artigo 76.º do CPPT, que determina que a decisão do recurso hierárquico é passível de recurso contencioso;

 

h) Termos em que, considerando igualmente o previsto no artigo 191.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) onde se prevê que todas as referências feitas para o recurso contencioso de anulação deverão ser dirigidas à acção administrativa especial, é forçoso concluir que este não é o meio próprio para contestar o que a Requerente pretende, pelo menos no que se reporta à intempestividade;

 

i) A revisão de procedimentos adoptada pela A… abrangeu não só os meios por si utilizados mas também os adoptados pela B…, Sociedade Unipessoal, Lda, extinta em resultado da fusão por incorporação na ora Requerente;

 

j) Em Janeiro de 2009 o património da B… foi incorporado pela A… sem que tenha havido liquidação de IVA, ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 3.º e no n.º5 do artigo 4.º, ambos do CIVA, pelo que a A… não tem direito a deduzir qualquer montante de imposto resultante dessa operação dado estarmos perante um caso de não sujeição;

 

k) Acresce que, a AT tem admitido que os sujeitos passivos incorporantes, caso da ora Requerente, possam utilizar os eventuais créditos de imposto existentes nas incorporadas por fusão – através do direito à dedução – obviando que aquelas na altura da cessação da actividade tenham que pedir o reembolso ou restituição do crédito de imposto existente na sua conta corrente, muito embora não haja nenhuma norma no Código do IVA que contemple esta possibilidade;

 

l) Resulta que a situação tributária existente na esfera da sociedade incorporada, para efeitos de IVA, é a que foi reconhecida pela AT na altura da fusão e que está desde essa altura devidamente consolidada;

 

m) Relativamente aos procedimentos e pedido de revisão da sociedade B… (que a ora Requerente nem sequer discrimina), o presente pedido de decisão arbitral é totalmente descabido e não pode proceder se tivermos em conta as normas do CIVA e as da Directiva 112/2006/CE, bem como a natureza do IVA como imposto repercutível e imposto não cumulativo;

 

n) O que a Requerente pretende é a regularização do imposto no montante de €52 514,62, fundamentando a sua pretensão no facto de ter verificado que este montante não se reportava a ofertas a clientes mas, em parte, a bónus concedidos (€35 461,60), sendo o restante (€17 053,02), relativo a “ofertas de pequeno valor”;

 

o) Se o que a A… pretende é a regularização do imposto, devendo, enquanto tal, tê-lo feito no prazo previsto no artigo 78.º, n.º 6, do CIVA, o que não fez;

 

p) Ora, o incumprimento dos prazos especiais de rectificação das facturas, registos contabilísticos e declarações dos contribuintes, quando da rectificação resulte imposto a favor do sujeito passivo, implica a preclusão da possibilidade de o contribuinte obter a revisão oficiosa da autoliquidação com fundamento no erro que deveria ter rectificado dentro desses prazos especiais;

 

q) Nestes termos, a pretensão da requerente não pode a todos os título ser acolhida por manifestamente extemporânea;

 

r) Acresce que, relativamente às amostras de pequeno valor, não colhe o argumento de que a liquidação de IVA foi estruturada atendendo à Circular n.º 19/89, de 18 de Dezembro, tendo esta sido declarada inconstitucional, dado que os Acórdãos citados têm efeitos apenas entre as partes e, por outro lado, o Acórdão n.º 583/2009 do Tribunal Constitucional não confirma tal jurisprudência considerando apenas que a Circular carece de força vinculativa heterónima para os particulares;

 

s) Termos em que a AT conclui que impendia sobre a Requerente a demonstração de que as ofertas em questão eram de pequeno valor de acordo com os usos comerciais, não o tendo feito.

 

5 – Em 11 de Abril de 2013 foi realizada a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, tendo sido ouvidas as partes sobre as excepções invocadas pela AT, nada se tendo acrescentado às peças processuais sobre esta matéria em especial.

 

6- Em 26 de Abril de 2013 foi proferido Acórdão Interlocutório que apreciou as excepções deduzidas pela Requerente quanto à competência do Tribunal Arbitral, decidindo julgar improcedente a excepção de incompetência material do Tribunal para apreciar e decidir o pedido objecto deste litígio, bem como a excepção relativa ao erro na forma de processo e à respectiva intempestividade, devendo seguir-se a demais tramitação processual relativa à apreciação e decisão quanto ao mérito da causa.

 

7- Em 14 de Maio de 2013 realizou-se audiência de produção da prova testemunhal oferecida pela Requerente, nos termos constantes da respectiva acta.

 

8- Ouvidas as testemunhas, decidiu este Tribunal, em 6 de Junho de 2013, pela necessidade de produção de prova pericial a realizar por três peritos, atendendo a estarmos perante factos que não podem cabalmente ser provados por testemunhas ou documentos, extravasando a respectiva natureza e complexidade o âmbito de conhecimentos do julgador, tendo o Relatório pericial, datado de 16 de Outubro de 2013, tendo sido entregue à Juíza Árbitro em 24 de Outubro de 2013.

Foram as seguintes as questões relativamente às quais o Tribunal entendeu como necessária a produção de prova pelos três peritos nomeados:

 

(i) Atendendo às características do mercado das tintas e dos vernizes e dos respectivos operadores, o que deverá ser aceite como razoável para efeitos de delimitação do “conceito de oferta de pequeno valor em conformidade com os usos comerciais”?

(ii) As ofertas em causa no presente processo feitas pela Requerente poderão ser consideradas como “ofertas de pequeno valor de acordo com os usos comerciais”?

(iii) Caso as ofertas em apreço exorbitem o conceito de “oferta de pequeno valor em conformidade com os usos comerciais”, quais os limites que, no caso concreto, deverão ser aceites para o efeito?

 

Em conformidade com o relatório pericial, entenderam os peritos começar por descrever, de forma sucinta, as estratégias comerciais habitualmente adoptadas no sector das tintas e vernizes, notando que são um pouco transversais a muitos sectores. Neste contexto, referem que a empresa produtora/distribuidora, para além de ofertas de pequeno valor, implementa estratégias comerciais com o objectivo de aumentar as suas vendas. Dentro destas é corrente a prática de descontos sobre o preço de tabela, de descontos por rappel, de prémios, de descontos de acordo com a forma de pagamento, sendo diversas as estratégias que possibilitam dar algo ao cliente, sendo que nestes casos as condições estão pré-estabelecidas.

Quanto às respostas dos quesitos, relativamente ao primeiro entenderam que constitui uso comercial a oferta de produtos do próprio produtor/distribuidor aos seus clientes, de forma a garantir a fidelização e satisfação dos clientes.

Relativamente ao segundo quesito entenderam que tais ofertas não representam necessariamente uma fracção dos produtos comercializados a cada cliente. Assim, uma empresa poderá realizar uma oferta do mesmo valor a clientes cujo valor dos produtos adquiridos seja diferente. Por vezes, até poderá acontecer que um cliente com um maior valor de produtos adquiridos, mas que já beneficiou de condições excepcionais em termos de descontos, receba uma oferta de menor valor, enquanto um cliente com menor valor de produtos adquiridos, mas que não tenha beneficiado de condições excepcionais em termos de descontos, receba uma oferta de maior valor.

Neste contexto fizeram questão de referir que, da análise das listas das ofertas anexas ao processo, não se verifica uma correlação directa (% ) entre o valor da oferta e o saldo das vendas a esse cliente. Apenas se constata que o valor da oferta é de reduzido valor e, nalguns casos, de reduzidíssimo valor, quer em termos absolutos, quer relativamente ao valor da venda.

Em relação ao percentual, por referência ao volume de vendas a cada cliente, que deverá ser considerada oferta de pequeno valor, começaram por notar que o termo de “oferta de pequeno valor” é subjectivo, sendo igualmente subjectiva a sua quantificação em termos e valor, pese embora já existam valores previstos no CIVA, e seja comum por determinadas entidades e empresas a atribuição de um valor máximo para caracterizar ofertas de pequeno valor, normalmente dirigido não ao acto de ofertar mas de receber.

No entanto a verdade é que a(s) oferta(s) a um cliente tem um valor e que as vendas efectuadas a esse cliente também tem um valor, e que o quociente entre ambos se traduz na percentagem do valor da oferta relativamente às vendas realizadas ao cliente

Assim, concluem que será razoável considerar-se uma oferta de pequeno valor, neste caso, a oferta de um bem comercializado pela empresa, uma oferta que não exceda 5% do valor da mercadoria vendida.

Esta razoabilidade deve ser aferida em função da margem de lucro (rentabilidade) da empresa que, inserida no sector de fabrico de tintas, é relativamente elevada.

Saliente-se que a resposta a esta questão por parte do perito do Tribunal não foi totalmente convergente. Tendo concordado com o conteúdo dos dois primeiros parágrafos, considerou, todavia, que a determinação do percentual de ofertas por referência ao volume de vendas a cada cliente é de difícil determinação. Dos usos comerciais do sector das tintas e vernizes, apenas se conseguem aferir valores de percentuais, de descontos relativamente às vendas a clientes, ainda que variáveis em função de vários factores e das estratégias comerciais habitualmente usadas no sector. Existindo no processo aproximadamente 2147 elementos, que constituem uma significativa amostra, correspondentes a clientes, onde pode ser observado o valor de vendas, o valor de oferta e a proporção das ofertas nas vendas, considerou pertinente, ainda que se tenha concluído que não existe uma correlação directa entre o valor da oferta e das vendas aos clientes, estudar as percentagens da proporção das ofertas nas vendas, para o universo da amostra, obtendo-se o representado no quadro seguinte.

 

Quadro

 

 

 

       
   
 
   
 
 
 
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Assim, considera que poderão existir situações pontuais onde esse percentual possa atingir valores na ordem dos 5%, mas, na generalidade dos casos, esse percentual é significativamente inferior, não ultrapassando o valor de 0,5%.

Relativamente ao quarto quesito, no tocante à questão de se saber, face aos usos comerciais, quando é que se considera existir uma “oferta de pequeno valor”, concluíram os peritos ser aceitável que as ofertas cuja proporção nas vendas não ultrapasse 5% sejam consideradas de pequeno valor, fazendo notar que esta percentagem é totalmente coberta pela margem de rentabilidade média do sector das tintas, a qual é elevada.

O perito do Tribunal, na esteira da sua resposta ao quesito anterior, e atendendo ao termo de percentual por referência ao volume de vendas a cada cliente, considera que, para a generalidade dos casos, existe uma oferta de pequeno valor quando esse percentual não seja superior a 0,5%, pese embora, se existir um valor quantificado para o limite de uma oferta de pequeno valor, como por exemplo os actuais 50€ publicados na legislação sobre IVA, esse percentual possa ser superior.

Quanto à questão de saber se as ofertas em causa feitas pela requerente poderão ser consideradas como “ofertas de pequeno valor de acordo com os usos comerciais”, concluíram que podem, de facto, ser consideradas como ofertas de pequeno valor, que objectivamente no caso em apreço são inferiores ao limite que se considera razoável para o sector.

Igualmente o perito do Tribunal, atendendo ao termo de percentual por referência ao volume de vendas a cada cliente, constatou que a maior parte das ofertas são de pequeno valor de acordo com os usos comerciais.

Em consequência, entenderam os peritos que as ofertas em apreço não exorbitam o conceito de “oferta de pequeno valor em conformidade com o uso comercial” no sector em que a requerente se insere. O perito do tribunal considera que a maioria das ofertas em apreço não exorbitam o conceito de “oferta de pequeno valor”.

 

9- Com fundamento na especial complexidade processual, decidiu três vezes o Tribunal, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º2 do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, pela prorrogação por dois meses do prazo de prolação de decisão arbitral no Processo sob epígrafe, a contar do prazo de seis meses previsto no respectivo n.º1.

 

10- Tendo as partes sido notificadas em 28 de Novembro de 2013 para apresentação de alegações sucessivas, foram as mesmas apresentadas pela Requerente em 29 de Novembro e pela Requerida em 4 de Dezembro, reproduzindo, no essencial, os argumentos antes aduzidos.

De relevar que o pedido da Requerente, tal como salientado nas alegações e na petição inicial, se reporta em primeira linha à declaração de ilegalidade por este Tribunal do acto de auto liquidação em apreço e consequente reconhecimento do direito à regularização do IVA suportado em excesso nas entregas consideradas como ofertas de pequeno valor (52 514,62 euros) (n. 42 das Alegações).

Com efeito, como salienta, só a título meramente “subsidiário” vem alegar que “…parte das entregas consideradas inicialmente como de pequeno valor efectivamente configuram bónus a clientes e, portanto, mesmo que, por mera hipótese de raciocínio, se considerasse que não estaríamos perante entregas de pequeno valor as entregas em causa não estariam, de qualquer forma, sujeitas a IVA, na medida em que se tratam de bónus” (n. 43 das Alegações).

Requer-se ainda a declaração de ilegalidade do imposto indevidamente liquidado referente aos meses de Junho e Julho de 2006, no valor total de 300,36 euros, bem como dos bónus não regularizados por alegada falta de correspondência com as vendas, no valor de 765,17 euros.

 

B – Saneamento do Processo

        

O Tribunal é competente.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se regularmente representadas. Não se verificam nulidades e questões prévias que atinjam todo o processo, conforme decidiu este Tribunal no seu Acórdão interlocutório de 26 de Abril de 2013.

 

         C – Fundamentação

 

         1 – Questões decidendas

 

As questões cuja pronúncia se impõe ao Tribunal Arbitral consubstanciam-se, no essencial, em apurar se a A… procedeu adequadamente ao ter procedido, nos termos indicados, à revisão dos seus procedimentos de liquidação do IVA relativamente às ofertas a clientes no tocante aos anos de 2006 a 2008, “tendo identificado e definido critérios de razoabilidade” quanto ao critério de “pequeno valor” aplicável no seu caso concreto.

 

2 – Matéria de facto

 

Em face das posições das partes expressas nos articulados, dos documentos integrantes do processo administrativo anexo e dos depoimentos das testemunhas inquiridas, julgam-se como provados os seguintes factos pertinentes para a decisão da causa:

 

a) A Requerente é um sujeito passivo de IVA inscrito no regime normal de periodicidade mensal, registada desde 1 de Janeiro de 1986, cujo objecto social consiste na produção e fornecimento de tintas, vernizes e produtos similares;

 

b) Durante o período decorrido entre Junho de 2006 e Junho de 2008 procedeu à liquidação do IVA das ofertas e bónus que ultrapassavam os limites previstos na Circular n.º 19/89, de 18 de Dezembro, no valor total de € 70.422,25;

 

c) Sendo entendimento da Requerente que a Circular n.º 19/89, de 18 de Dezembro, da DGCI, era ilegal, devendo analisar-se casuisticamente o conceito de “pequeno valor”, procedeu à revisão dos seus procedimentos de liquidação do IVA relativamente às ofertas a clientes no tocante aos anos de 2006 a 2008, “tendo identificado e definido critérios de razoabilidade” quanto ao critério de “pequeno valor” aplicável no seu caso concreto, apurando o valor das vendas e das ofertas respeitantes a cada cliente e calculando a proporção das ofertas nas vendas anuais líquidas de descontos para cada um deles, considerando integrarem o conceito de pequeno valor as ofertas cuja proporção nas vendas fosse igual ou inferior a 5%;

 

d) A aludida revisão adoptada pela A… abrangeu igualmente os procedimentos adoptados pela B…, Sociedade Unipessoal, Lda, extinta em resultado da fusão por incorporação na ora Requerente;

 

e) A Requerente não apresentou reclamação graciosa tendo em vista sanar as situações em causa;

 

f) Nos termos e para os efeitos previstos no artigo 78.º da LGT, a Requerente apresentou a 10 de Agosto de 2010 um pedido de revisão oficiosa solicitando autorização à AT para efectuar a “regularização” a seu favor do imposto entregue em excesso no período decorrido entre Junho de 2006 e Junho de 2008, no valor total de 70 422,25 euros (52 514,62 referentes a ofertas e 17 907,63 a bónus a clientes), tendo a AT apreciado a legalidade do acto de autoliquidação do IVA indeferido parcialmente tal pedido a 12 de Agosto de 2011 (Documentos n.ºs 3 e 4 juntos com o pedido de pronúncia arbitral), no valor total de 53.580,15 euros;

 

g) A Requerente, em 21 de Setembro de 2011, apresentou recurso hierárquico do indeferimento (Documento n.º5 junto com o pedido de pronúncia arbitral);

 

h) Neste recurso hierárquico do indeferimento, a Requerente vem, nomeadamente, apurar, para além do montante de 17.053,05 euros relativo a ofertas de pequeno valor, o montante de 35 461,60 euros relativo a bónus, (Documentos n.ºs 3 a 5 juntos ao recurso hierárquico);

 

i) A 14 de Setembro de 2012, a AT notificou a A… da decisão de indeferimento do recurso hierárquico (Documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

Não há factos relevantes para decisão que não se tenham provado.

 

3 – Das questões de direito

Encontrando-se a aludida matéria de facto fixada dada como provada, importa seguidamente determinar o direito aplicável aos factos subjacentes, de acordo com as questões supra.

Interessa, em especial, decidir quanto à principal questão a analisar nos presentes autos, a saber: tal como referimos, aferir se a A… agiu correctamente ao ter procedido, nos termos indicados, à revisão dos seus procedimentos de liquidação do IVA relativamente às ofertas a clientes no tocante aos anos de 2006 a 2008, “tendo identificado e definido critérios de razoabilidade” quanto ao critério de “pequeno valor” aplicável no seu caso concreto.

Importa, pois, analisar esta questão tendo em consideração as regras que regem este imposto de acordo com o Direito da União Europeia, com a respectiva transposição a nível interno e com a interpretação administrativa e judicial que sobre as mesmas tem vindo a ser levada a cabo pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) e, em especial, pelos Tribunais nacionais.

3.1 Tratamento das ofertas e amostras de pequeno valor

 

3.1.1 A Directiva IVA

 

A Directiva IVA [1] trata da matéria das amostras e das ofertas de pequeno valor no primeiro e segundo parágrafos do respectivo artigo 16.º, em termos em tudo semelhantes ao que previa o artigo 5.º, n.º6, da Sexta Directiva[2].

No artigo 16.º da Directiva IVA, com pequenas e insignificativas diferenças de formulação relativamente ao acolhido na norma portuguesa, determina-se que os Estados membros equipararem as transmissões gratuitas de bens a transmissões onerosas tributáveis, sempre que tenha havido relativamente aos bens que as constituem dedução do IVA, excluindo-se todavia desse regime as ofertas de pequeno valor e as amostras efectuadas “para os fins da empresa”.

Com efeito, determina esta disposição legal que “É assimilada a entrega de bens efectuada a título oneroso a afectação, por um sujeito passivo, de bens da sua empresa ao seu uso próprio ou do seu pessoal, a transmissão desses bens a título gratuito ou, em geral, a sua afectação a fins alheios à empresa, quando esses bens ou os elementos que os constituem tenham conferido direito à dedução total ou parcial do IVA.

Todavia, não é assimilada a entrega de bens efectuada a título oneroso a afectação a ofertas de pequeno valor e a amostras efectuadas para os fins da empresa.”

À luz do primeiro período do artigo em causa, pode entender-se que é estabelecida uma regra geral, segundo a qual todas as entregas de bens produzidos ou comprados pelo sujeito passivo e entregues a terceiros são equiparadas a entregas efectuadas a título oneroso e por essa razão dever-se-á liquidar IVA, respeitando-se assim o princípio da neutralidade segundo o qual, sempre que tenha sido deduzido IVA pago a montante, tem de ser liquidado IVA a jusante.

O segundo período do artigo abre uma excepção a esta regra, colocando a possibilidade de não ser liquidado IVA quando essas entregas de bens produzidos pelo sujeito passivo são amostras ou quando, sendo esses bens adquiridos pelo sujeito passivo a terceiros, sejam consideradas ofertas de pequeno valor. Em ambos os casos a entrega desses bens terá que ser realizada em benefício da actividade da empresa.

No entanto, não se esclarece qual o significado de “afectação a”, “amostra”, nem de “afectação a ofertas de pequeno valor”.

 

 

3.1.2 A legislação nacional

 

No que concerne ao regime das amostras e das ofertas de pequeno valor, determina o artigo 3.º, n.º 3, alínea f), do CIVA que, ressalvado o disposto no artigo 25.º, é assimilada a transmissão onerosa de bens, sendo enquanto tal tributada, a afectação permanente de bens da empresa a uso próprio, do pessoal, ou, em geral, a fins alheios à mesma, bem como a sua transmissão gratuita (ou seja, o desvio dos bens do seu destino natural a uma outra finalidade), quando, relativamente a esses bens ou aos elementos que os constituem, tenha havido dedução total ou parcial do imposto[3].

Ora, estão expressamente excluídas desta assimilação, nos termos do n.º 7 do referido normativo na sua redacção actual, inexistente à data da prática dos factos que ora nos ocupam, “nos termos definidos por portaria do Ministro das Finanças, os bens não destinados a posterior comercialização que, pelas suas características, ou pelo tamanho ou formato diferentes do produto que constitua a unidade de venda, visem, sob a forma de amostra, apresentar ou promover bens produzidos ou comercializados pelo próprio sujeito passivo, assim como as ofertas de valor unitário igual ou inferior a € 50 e cujo valor global não exceda cinco por mil do volume de negócios do sujeito passivo do ano anterior, em conformidade com os usos comerciais”. Isto é, excluem-se as amostras e ofertas de pequeno valor, em conformidade com os usos comerciais, dado o seu reduzido valor económico.

Partindo da referida acepção de amostra, o n.º 1 do artigo 2.º da Portaria n.º 497/2008, de 24 de Junho, igualmente inexistente à data dos factos, concretiza o conceito genérico de amostra, remetendo, como regra, para réplicas dos bens transaccionados pelo sujeito passivo, mas disponibilizados em formato ou tamanho diferentes dos que constituem as unidades de venda, ou apresentados em quantidade, capacidade, peso ou medida substancialmente inferiores.

Como decorre do n.º 7 do artigo 3.º do CIVA e do n.º 1 do artigo 2.º da Portaria n.º 497/2008, a não sujeição a IVA das transmissões gratuitas de amostras pressupõe sempre a intenção de dar a conhecer ou promover os produtos produzidos ou comercializados pela empresa, não podendo destinar-se a posterior comercialização.

Note-se que o facto de, na acepção geral de amostras, ser exigível que se trate de réplicas em tamanho ou em formato diferentes dos “bens produzidos ou comercializados pelo próprio sujeito passivo”, não significa que a própria produção dos bens destinados a amostras tenha de ser feita pela empresa, podendo a mesma ser encomendada a um terceiro.

Relativamente à exclusão do âmbito de incidência do IVA das ofertas de reduzido valor, para além da referência a valores quantitativos, a remissão para os usos comerciais tem inerente que haja obrigatoriamente um fim empresarial em vista, de modo a não abranger as liberalidades desprovidas de qualquer intenção de divulgação ou promoção da imagem da empresa ou dos seus produtos, na relação que estabelece com outras instituições, com outros agentes económicos ou, em geral, com o público.

De acordo com o previsto no n.º 1 do artigo 3.º da Portaria n.º 497/2008, as ofertas podem ser constituídas quer por bens produzidos ou comercializados pelo sujeito passivo, quer por outros bens adquiridos a terceiros exclusivamente para esse efeito. Isto é, contrariamente às amostras, as ofertas podem respeitar a outras categorias de bens diferentes daquelas que a empresa transacciona no quadro da sua actividade.

Por sua vez, em conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo 3.º da referida Portaria, se uma mesma oferta for constituída por um conjunto de bens, o limite de € 50 aplica-se ao valor global desse conjunto.

Isto é, a lei portuguesa, seguindo a linha da Directiva IVA, recorre a uma cláusula geral ou conceito indeterminado na definição das ofertas não equiparáveis a transmissões onerosas. As ofertas que se hão-de considerar excluídas do regime geral de equiparação das transmissões gratuitas a transmissões onerosas têm de ser de “pequeno valor” e devem estar “em conformidade com os usos comerciais”.

Anteriormente à publicação da aludida Portaria n.º 497/2008, a interpretação dos conceitos de amostra e de oferta de reduzido valor vinha divulgada, em moldes muito idênticos aos actuais acima mencionados, através da Circular n.º 3/87, de 9 de Fevereiro de 1987, posteriormente alterada pela Circular n.º 19/89, de 18 de Dezembro de 1989, da Direcção-Geral dos Impostos, bem como no Ofício-Circulado n.º 67 880, de 19 de Junho de 1995, da Direcção de Serviços do IVA (DSIVA).

De acordo com a Circular n.º 19/89, o conceito de amostra era (e continua a ser) essencialmente qualitativo, entendendo-se como tal os “... bens comercia­lizados e/ou produzidos pela própria empresa, mas de formato ou tamanho diferente daquele que se pretende ‘mostrar’ ou apresentados, em quantidade, capacidade, peso ou medida, subs­tancialmente inferiores aos que constituem as unidades de venda, e que, por esse facto, não serão destinados a posterior comer­cia­lização” (cfr. ponto 1. da circular).

Por sua vez, as amostras eram definidas da seguinte forma (cfr. pontos 2. e 3. da circular):“... poderão ser constituí­das, quer por bens comercializados ou produzidos pela própria empresa, quer por bens adquiridos a terceiros”. Estávamos perante uma oferta de pequeno valor se o seu valor unitário não ultrapassasse 14, 96 euros, IVA excluído, considerando-se ainda, em temos globais, que o respectivo valor não poderia exce­der 5‰ (cinco por mil) do volume de negócios, com referência ao ano anterior, sem qualquer limite em termos absolutos. Esta Circular vigorou até 31 de Dezembro de 2007, tendo-se decidido através da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2008, acolher tais definições na lei, em virtude da jurisprudência emanada de um Acórdão de 21 de Março de 2007 da 2.ª Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (STA), que veio considerar inconstitucional a fixação, por Circular da DGCI, de limites máximos para as amostras e ofertas de pequeno valor.

Como bem notava Xavier de Basto neste contexto antes da alteração do artigo 3.º do CIVA ora vigente, se é certo que o conceito de “amostras” poderá não suscitar dificuldades, já que se tratará de bens objectivamente não destinados ao comércio, dadas as suas próprias características físicas, de apresentação ou de embalagem, apenas permitindo colher uma ideia do bem comercializável que representam, já a noção de “ofertas de pequeno valor em conformidade com os usos comerciais” está aberta a grande indeterminação[4].

Ou seja, estamos perante dois conceitos indeterminados: “pequeno valor” e “conformidade com os usos comerciais”, sendo ambos de difícil delimitação.

Assim, como prossegue o autor, quanto ao valor, a norma não esclarece se se trata de um valor pequeno em termos absolutos ou em termos relativos[5].

Por outro lado, a consideração do que é uma oferta de pequeno valor, naturalmente, varia de sector para sector e não estão obviamente codificados de forma que o sujeito passivo de IVA possa saber até onde pode ir em matéria de ofertas a clientes sem que estas se qualifiquem como operações onerosas[6].

 

3.1.3 Jurisprudência nacional       

 

Em diversas situações os tribunais nacionais se pronunciaram sobre o regime em IVA das amostras e das ofertas de pequeno valor vigente à data da referida Circular n.º 19/89, tendo concluído pela inconstitucionalidade da solução acolhida.

No referido Acórdão de 21 de Março de 2007, o STA veio concluir que era  inconstitucional a fixação, por Circular da DGCI, de limites máximos para que as amostras e ofertas de pequeno valor pudessem ser consideradas como não abrangidas pelo regime das transmissões gratuitas de bens e, como tais, não tributáveis[7]. De acordo com o entendimento do STA, a Circular continha uma regra de incidência objectiva de IVA que não tinha sido criada por diploma emanado da Assembleia da República, em matéria que se insere na reserva relativa de competência legislativa desta, pelo que decidiu pela anulação da liquidação de IVA que a Administração Fiscal tinha efectuado sobre ofertas que excediam os limites fixadas na Circular, cujas normas foram consideradas inconstitucionais.

 

As demais decisões dos Tribunais nacionais estribam-se em fundamentos em tudo idênticos, sendo naturalmente convergentes as respectivas decisões pela inconstitucionalidade[8].

 

 

3.1.4 Jurisprudência do TJUE

 

O alcance da regra do sistema comum do IVA que exclui da tributação as transmissões gratuitas de amostras e as ofertas de reduzido valor para fins empresariais foi analisado pelo TJUE no seu Acórdão de 30 de Setembro de 2010 proferido no Caso EMI Group [9]. Estava em causa o enquadramento de amostras e de ofertas de CD no mercado fonográfico, tendo o TJUE sido chamado a pronunciar-se sobre a margem de livre apreciação facultada aos Estados membros para a delimitação dos aludidos conceitos.

O Tribunal confirmou que o primeiro período do artigo 5.º, n.º 6, tem como objectivo garantir a igualdade de tratamento entre sujeitos passivos e o consumidor final[10], sendo aí estipulado que todos os consumos ou entregas de bens, mesmo aquelas em que o sujeito passivo não recebe qualquer contrapartida real, são consideradas operações a título oneroso, sujeitas a IVA em conformidade com o artigo 2.º, n.º 1, da Sexta Directiva.

Em relação aos termos que figuram no segundo período do artigo 5.º, n.º6, da Sexta Directiva, o Tribunal confirmou constituir uma excepção à regra do primeiro período[11], ao excluir da tributação as transmissões efectuadas para os fins da empresa de amostras e ofertas de pequeno valor, devendo esta excepção ter uma interpretação restrita, isto é, a sua interpretação não pode pôr em causa o exposto no primeiro período do já referido artigo.

Conforme o TJUE constatou, a Sexta Directiva não contêm uma definição do conceito de amostra, sendo impossível dar uma definição uniforme e exaustiva de amostra, tendo em consideração a infinidade de bens de natureza muito variada sujeitos a IVA e o contexto comercial próprio de cada transacção, pelo que foi definido que, em primeiro lugar, se deverá verificar se os bens em questão possuem as características essenciais a qualquer tipo de amostra e em segundo lugar analisar as circunstâncias específicas da transacção em questão.

Quanto à avaliação das características essenciais a qualquer tipo de amostra, o Tribunal assumiu que, para que um bem seja considerado «amostra» não necessita de possuir características especificas que o diferenciem do produto final, podendo até ser exactamente igual, dado ter concluído que para alguns bens a disponibilização do produto final na sua forma definitiva é essencial ao processo de avaliação por parte do destinatário a quem é entregue.

Relativamente à especificidade da transacção, o Tribunal assumiu que o objectivo do segundo período do artigo 5.º, n.º6, da Sexta Directiva, ao referir “…para os fins da própria empresa”, consiste no facto de a entrega de amostras dever reflectir a realidade comercial, segundo a qual tal entrega é efectuada com o fim de promover o produto e a actividade da empresa, permitindo ao seu destinatário avaliar na sua plenitude as qualidades dos bens entregues, pelo que a classificação da transacção será realizada em função do uso que o destinatário irá fazer dos bens recebidos. Isto é, os mesmos não terão que ser entregues forçosamente a entidades que virão mais tarde a comprar esses bens a título oneroso, podendo ser aceites bens entregues a pessoas que, embora se encontrem fora da cadeia comercial da empresa, os recebem com objectivos claros de promoção do produto, como, por exemplo, sujeitos ligados à promoção de divulgação dos produtos nos órgãos de comunicação social e outros.

No tocante às amostras, o TJUE considerou que os Estados membros não podem exigir indiscriminadamente – sem atender à natureza dos produtos e ao respectivo contexto de comercial – que estas se apresentem sempre em tamanhos ou em formatos diferentes dos produtos cuja promoção se pretende, não podendo, sem levar em conta as referidas especificidades, exigir em todos os casos que as amostras se limitem a um único exemplar por destinatário. Contudo, quando estejamos perante amostras que tenham as mesmas características e apresentação que os próprios produtos que são comercializados, os Estados membros podem impor certos procedimentos de controlo, incluindo, por exemplo, obrigações de rotulagem que denotem que estamos em presença de uma amostra, de forma a evitar o risco de ocorrência de utilizações indevidas ou de desvio para outros fins.

Também relativamente à expressão de “oferta de pequeno valor”, se constatou que os termos, o contexto e a finalidade do artigo 5.º, n.º6, segundo período, da Sexta Directiva, não contém as indicações necessárias para uma definição da dita expressão, sendo que, cada Estado membro já possui uma certa margem de interpretação, no que se refere a esta definição, desde que não desvirtue conceitos estabelecidos noutros pontos da Sexta Directiva[12].

Segundo o Tribunal, é da responsabilidade de cada um dos Estados membros estabelecer os limites a observar para se que uma oferta seja considerada de pequeno valor, devendo esses limites ser estabelecidos pelos estados de acordo com a sua realidade económica. Ou seja, interessa em particular salientar que, relativamente às ofertas de pequeno valor, o TJUE entendeu que a definição de “pequeno valor” é implicitamente remetida para critérios a definir pelas legislações internas dos Estados membros, pelo que não estão impedidos de fixar um valor máximo admitido para aquele efeito, seja ele aplicado a cada unidade oferecida ou ao cômputo das ofertas feitas anualmente à mesma pessoa.

Como adequadamente nota Rui Laires a este propósito, em linhas gerais esta decisão do TJUE não põe em causa as soluções adoptadas na legislação interna portuguesa[13].

Note-se que neste processo o TJUE não foi chamado a pronunciar-se sobre a eventual fixação pelos Estados membros de um limite máximo para o valor total das ofertas realizadas por um sujeito passivo ao longo de cada ano – seja esse um montante definido em valor absoluto ou, como sucede no caso português, numa proporção do volume de negócios do sujeito passivo –, tendo esta questão ficado em aberto.

 

3.2 Tratamento dos bónus

 

Em conformidade com o disposto na alínea b) do artigo 87.º da Directiva IVA, o valor tributável não inclui os abatimentos e bónus concedidos ao adquirente e obtidos no momento em que se efectua a importação.

Em consonância com esta disposição, no CIVA, regra geral, os bónus concedidos também não se incluem no valor tributável das transmissões de bens e das prestações de serviços, nos termos da alínea b) do n.º 6 do respectivo artigo 16.º, pelo que não são objecto de tributação em IVA.

Por outro lado, em conformidade com o disposto no artigo 3.º, n.º 3, da Portaria 497/2008, de 24 de Junho, excluem-se do conceito de oferta os bónus de quantidade concedidos pelo sujeito passivo aos seus clientes.

Importa, contudo, aferir o que se deve considerar como bónus.

De acordo com o entendimento da AT, os bónus deverão consubstanciar situações em que está em causa a entrega gratuita de produtos iguais aos vendidos pelo sujeito passivo. Assim, de acordo com o disposto no Ofício Circulado n.º 1353, de 15 de Junho de 1985, do Núcleo do IVA, consideram-se como tal os bens que são atribuídos mediante a aquisição de outros produtos e que são da mesma natureza destes. Caso se trate de oferta de determinado produto quando for adquirido certo número de unidades de outro, estar-se-á perante uma oferta que será ou não tributada em IVA consoante se considere ou não como oferta de pequeno valor.

Assim, na Informação relativa ao Proc. n.º 731, com despacho do Director – Geral de 15 de Junho de 2010[14], por exemplo, questionava um cabeleireiro se poderia, em função das quantidades vendidas de um produto, atribuir como bónus um produto diferente do vendido (por ex.: na compra de determinadas unidades de champô, atribuir como bónus uma embalagem de laca). A AT reiterou o entendimento supra salientando que, “Em conformidade com o entendimento destes Serviços, osbónus concedidos em quantidade (rappel) têm enquadramento na norma anteriormente citada[15]. Assim, a atribuição de determinados produtos a título gratuito - bónus em espécie - pela quantidade de compras efectuadas pelo cliente (e desde que os bónus sejam da mesma natureza dos bens adquiridos), fica excluída da base tributável da operação, nos termos da alínea b) do n.º 6 do art.º 16.º do CIVA.

Depreendendo-se que a consulente procede à atribuição dos bónus em espécie posteriormente à emissão das facturas referentes às transacções a que respeitam, deve, a fim de permitir o controlo eficaz por parte dos agentes fiscalizadores e para dar cumprimento ao disposto na alínea e) do n.º 5 do art.º 36.º do CIVA, fazer constar nas facturas ou documentos equivalentes a emitir aquando da sua atribuição, o motivo da não liquidação do imposto, apondo a menção "alínea b) do n.º 6 do art.º 16.º do CIVA", devendo ainda, fazer referência às facturas (número, data, valores) relativas às operações anteriormente efectuadas e que estiveram na base da atribuição do respectivo bónus.

6. Decorre do anteriormente referido que, quando se trate da entrega de produtos diferentes dos facturados ao cliente, se está perante uma oferta, que será tributada ou não em IVA, consoante o seu valor unitário.”

 

4. Aplicação ao caso concreto

 

Vista a matéria de facto e de direito, são as seguintes as nossas conclusões:

 

4.1. As excepções invocadas pela AT não procedem, conforme Acórdão Interlocutório proferido por este Tribunal em 26 de Abril de 2013.

 

4.2 Quanto ao procedimento adoptado pela Requerente, importa desde logo salientar que, como é sabido, uma Circular da DGCI se consubstancia como um mero regulamento interno, que, como é invocado pela AT, vincula a actuação dos Serviços, mas não pode criar obrigações para os sujeitos passivos que não estejam previstas na lei.

As interpretações da lei efectuadas nas Circulares não se impõem aos particulares ou aos tribunais.

Ora, como vimos, foi através de uma Circular que a DGCI completou a definição da incidência do IVA sobre as amostras e ofertas vigente à data dos factos, fornecendo um conceito de “amostras” para este efeito e estabelecendo, por outro lado, que só são consideradas de pequeno valor aquelas cujo valor unitário não exceda € 14,96 (IVA excluído) e não ultrapassem anualmente 5 por mil do volume de negócios do sujeito passivo.

A incidência do imposto quanto às ofertas de pequeno valor passou, assim, a ser definida por um regulamento administrativo, e não por Lei ou Decreto-Lei emitido ao abrigo de autorização legislativa.

Ora, a matéria sobre a qual a Circular veio decidir, reporta-se a regras de incidência real do imposto, cobertas pelo princípio constitucional da legalidade, pelo que muito facilmente se compreendem as decisões dos tribunais nacionais ao concluírem pela inconstitucionalidade daquela regulamentação, por violação clara do princípio da legalidade tributária, garantida na Constituição da República.

Acresce que, como o aludido Acórdão do STA também observou, a segunda parte da já referida alínea f) não remetia a definição do recorte exacto do que fossem “ofertas de pequeno valor, em conformidade com os usos comerciais” para qualquer outra regulamentação, como acontece com várias disposições fiscais. O Código, como observa o Acórdão, não dotava a administração de poderes para fixar “limites razoáveis”, para o valor das ofertas.

 

4.3 Acresce que, relativamente às amostras de pequeno valor, não colhe o argumento de que a liquidação de IVA foi estruturada atendendo à Circular n.º 19/89, de 18 de Dezembro, tendo esta sido declarada inconstitucional, invocando-se que os Acórdãos citados têm efeitos apenas entre as partes e, por outro lado, o Acórdão n.º 583/2009 do Tribunal Constitucional não confirma tal jurisprudência considerando apenas que a Circular carece de força vinculativa heterónima para os particulares.

Com efeito, pode e deve este Tribunal decidir sobre tal matéria no caso controvertido.

 

4.4 De salientar que, atendendo ao mercado muito particular das tintas e dos vernizes, o procedimento adoptado pela Requerente se afigura como correcto, configurando-se em substância as situações em causa “como ofertas de pequeno valor em conformidade com os usos comerciais”.

Tal como os peritos nomeados pelas partes concluíram, será razoável considerar-se uma oferta de pequeno valor, neste caso, a oferta de um bem comercializado pela empresa, uma oferta que não exceda 5% do valor da mercadoria vendida.

Como notou o perito nomeado pelo Tribunal, poderão existir situações pontuais onde esse percentual possa atingir valores na ordem dos 5%, mas na generalidade dos casos, esse percentual é significativamente inferior, não ultrapassando o valor de 0,5%.

Relativamente ao quarto quesito, no tocante à questão de se saber face aos usos comerciais, quando é que se considera existir uma “oferta de pequeno valor”, concluíram os peritos ser aceitável que as ofertas, cuja proporção nas vendas não ultrapasse 5%, sejam consideradas de pequeno valor, fazendo notar que esta percentagem é totalmente coberta pela margem de rentabilidade média do sector das tintas, a qual é elevada.

O perito do Tribunal na esteira da sua resposta ao quesito anterior, e atendendo ao termo de percentual por referência ao volume de vendas a cada cliente, considera que, para a generalidade dos casos, existe uma oferta de pequeno valor quando esse percentual não seja superior a 0,5%, pese embora, se existir um valor quantificado para o limite de uma oferta de pequeno valor, como por exemplo os actuais 50€ publicados na legislação sobre IVA, esse percentual possa ser superior.

Quanto à questão de saber se as ofertas em causa feitas pela requerente poderão ser consideradas como “ofertas de pequeno valor de acordo com os usos comerciais”, concluíram os peritos que podem, de facto, ser consideradas como ofertas de pequeno valor, que objectivamente no caso em apreço são inferiores ao limite que se considera razoável para o sector.

Igualmente o perito do Tribunal, atendendo ao termo de percentual por referência ao volume de vendas a cada cliente, constatou que a maior parte das ofertas são de pequeno valor de acordo com os usos comerciais.

Em consequência, entenderam os peritos que as ofertas em apreço não exorbitam o conceito de “oferta de pequeno valor em conformidade com o uso comercial” no sector em que a requerente se insere. O perito do tribunal considera que a maioria das ofertas em apreço não exorbitam o conceito de “oferta de pequeno valor”.

 

4.5 A título meramente subsidiário a Requerente invoca, tal como vimos, que, parte das entregas consideradas inicialmente como de pequeno valor efectivamente configuram bónus a clientes e, portanto, mesmo que, por mera hipótese de raciocínio, se considerasse que não estaríamos perante entregas de pequeno valor as entregas em causa não estariam, de qualquer forma, sujeitas a IVA, na medida em que se tratam de bónus.

De acordo com o disposto no CIVA, regra geral, os bónus concedidos não se incluem no valor tributável das transmissões de bens e das prestações de serviços, nos termos da alínea b) do n.º 6 do respectivo artigo 16.º, pelo que não são objecto de tributação em IVA.

Segundo o entendimento da AT, deverão consideram-se como bónus os bens que são atribuídos mediante a aquisição pelo cliente de outros produtos e que são da mesma natureza e espécie destes.

Os bónus, pelas suas características, não se confundem com as ofertas de pequeno valor: estamos, no caso dos bónus, no âmbito de uma operação de transmissão de bens ou prestações de serviços a um cliente em que lhe são atribuídos gratuitamente bens ou serviços de igual natureza; no caso das ofertas de pequeno valor, como supra descrito, (i) o âmbito é mais alargado quanto aos seus destinatários, que podem ser clientes ou terceiros, (ii) não há uma conexão directa com uma operação de venda concreta e o (iii) seu valor deve, segundo as práticas comerciais ou ditames legais, ser reduzido.

Apesar da existência de uma relação entre o bónus e uma operação concreta, poderá não existir uma correlação directa entre o seu valor e o saldo de vendas dos clientes. Com efeito, razões de natureza comercial poderão ditar, por exemplo, a necessidade de uma política comercial mais agressiva relativamente a um cliente ou grupo de clientes específicos.

 

Sem prejuízo, é comum às duas figuras o objectivo de promoção de um produto e o incremento das vendas ou prestações de serviços. Caberá ao sujeito passivo, na liberdade do exercício de uma actividade comercial, optar pelos meios que considere mais idóneos e eficazes para atingir aqueles objectivos.

No caso concreto, é assumido pela Requerente que, por questões de simplificação, não era feita a distinção entre ofertas e bónus até ao limite de 5% das vendas efectuadas a um cliente. Aferido o critério e procedimento   aceite pela Administração Tributária para qualificar como bónus, verificou a Requerente que do total do IVA a regularizar 35.461,60 euros cumprem os requisitos da qualificação como bónus.

Conforme referimos, os conceitos de bónus ou ofertas de pequeno valor, apesar do enquadramento em sede de IVA ser similar, não são sinónimos e devem atender ao “animus” subjacente: foi intenção do sujeito passivo atribuir gratuitamente bens de igual natureza no âmbito de uma operação determinada ou, em sentido diverso, tratou-se de uma oferta de reduzido valor destinada a promover um determinado produto, sem qualquer relação de dependência directa com os produtos vendidos ao destinatário da oferta? Ora, da documentação junta ao pedido de pronúncia arbitral (Doc. 11) resulta provada a conexão entre as ofertas gratuitas e as vendas efectuadas aos clientes, pelo que não podemos deixar de concluir que se encontram verificadas os requisitos para a qualificação como bónus.

 

4.6 De referir ainda que a AT invoca que em Janeiro de 2009 o património da B… foi incorporado pela A… sem que tenha havido liquidação de IVA, ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 3.º e no n.º5 do artigo 4.º, ambos do CIVA, pelo que a A… não tem direito a deduzir qualquer montante de imposto resultante dessa operação dado estarmos perante um caso de não sujeição.

A existência desta operação em nada interfere nas nossas conclusões. Desde logo, tal como este Tribunal teve ocasião de se pronunciar no Processo n.º 18/2013 – T/CAAD, as fusões estão abrangidas pela regra de não sujeição constante do n.º 4 do artigo 3.º do CIVA (cuja base jurídica é o artigo 19.º da DIVA), que prescreve que não são consideradas transmissões de bens “as cessões a título oneroso ou gratuito do estabelecimento comercial, da totalidade de um património ou de uma parte dele que seja susceptível de constituir um ramo de actividade independente, quando, em qualquer dos casos, o adquirente seja, ou venha a ser, pelo facto da aquisição, um sujeito passivo do imposto de entre os referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º” (transfer of business as going concern rule).

Considerando-se que a transmissão do estabelecimento constitui em si mesma uma actividade económica, mantêm-se o direito à dedução do IVA suportado a montante.

Com efeito, embora a aquisição ou transmissão da totalidade de um património / fusão por incorporação configure uma operação não sujeita a IVA nos termos do artigo 19.º da DIVA, considera-se que tal operação mantém uma relação directa e imediata com a actividade económica do sujeito passivo, assistindo-lhe, nomeadamente, o direito de deduzir o IVA incluído nas despesas suportadas para efeitos daquela operação, ainda que não haja lugar a liquidação de imposto ao abrigo daquele normativo.

Como nota Cidália Lança a este propósito, “A não sujeição da transmissão da universalidade de bens não invalida que as despesas efectuadas pelo transmitente para permitir a realização dessa operação confiram direito à dedução, uma vez que fazem parte das despesas gerais desse sujeito passivo, mantendo uma relação directa e imediata com o conjunto da actividade económica por si desenvolvida (cf. acórdão do TJUE de 22 de Fevereiro de 2001, Abbey National, C-408/98, Colect., p. I-1361, n.ºs 35 e 36)[16].

Mas importa especialmente salientar que, do princípio de continuidade subjacente à operação de fusão[17], decorre que a sociedade resultante da fusão assume os direitos e obrigações das sociedades fundidas, incluindo, como reconhecido pela doutrina e acolhido genericamente na jurisprudência, os respeitantes a matérias fiscais. Como vem afirmando o STA em várias decisões[18], “independentemente da posição que se assuma acerca da natureza jurídica da fusão (…), a extinção da personalidade jurídica própria da sociedade incorporada por fusão não tem por efeito a extinção dos seus direitos e deveres, antes, por expressa disposição legal estes se “transmitem” para a sociedade incorporante, seja porque esta sucede aquela, em conformidade com a teoria da sucessão universal, seja porque as situações jurídicas de que era titular a sociedade incorporada permanecem inalteradas ao longo do processo de fusão para se reunirem numa nova entidade, em conformidade com a teoria do acto modificativo”. Neste sentido, conclui que, “ (…) por força da alínea a) do n.º 1 do artigo 112.º do CSC, para a sociedade incorporante “se transmitem” ou nela “se reúnem”, como efeito da inscrição da fusão no registo comercial, os direitos e obrigações da sociedade incorporada, não sendo as obrigações fiscais excepção a essa regra (…)”[19].

No que respeita especificamente ao IVA, note-se que a assunção pela sociedade resultante da fusão dos direitos e obrigações das sociedades fundidas implica passar a incumbir-lhe dar cumprimento às obrigações impostas pela legislação deste imposto pela actividade que desenvolve, ainda que tais obrigações respeitem a factos tributários ocorridos na esfera das sociedades fundidas antes da fusão, bem como responder pelas dívidas fiscais daquelas[20].

 

4.7 Nestes termos e merecendo a doutrina do Acórdão do STA de 21 de Março toda a nossa concordância, conclui-se, nas condições enunciadas pelo perito nomeado por este Tribunal, pela ilegalidade das liquidações de IVA, na parte respeitante às ofertas, com o valor de 17 053,02 euros, a que a DGCI procedeu relativamente à A… com o fundamento no facto de terem ultrapassado os limites da Circular, dado não ter respeitado a norma de incidência válida, substituindo-a por uma norma inconstitucional.

 

4.8 Conclui-se ainda pela ilegalidade das liquidações de IVA na parte respeitante ao bónus concedidos, no valor de 35 461,60 euros, por cumprirem os requisitos previstos na alínea b) do n.º 6 do artigo 16.º do Código do IVA.

 

4.9 Conforme decidido no acórdão interlocutório, o pedido de revisão oficiosa é tempestivo, pelo que se declara a ilegalidade da autoliquidação de IVA, na parte referente aos meses de Junho e Julho, no valor de 300, 36 euros.

 

 

 

D. DECISÃO

 

Em face do exposto, decide o Tribunal Arbitral em julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, pelo que anula os actos tributários relativos às liquidações de IVA ilegalmente efectuadas.

 

Valor da causa: € 53.580.15 (cinquenta e três mil, quinhentos e oitenta euros e quinze cêntimos).

 

Custas no montante de € 2.142.00 (dois mil, cento e quarenta e dois euros), a suportar pela Requerida, de acordo com o artigo 12.º, n.º 2, do Regime de Arbitragem Tributária, do artigo 4.º, n.º 3, do RCPAT, e da Tabela I anexa a este último.

Custos incorridas com a nomeação dos peritos a suportar pela Requerida.

Notifique-se.

 

Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 5 de Fevereiro de 2014

 

Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 138.º, n.º 5, do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do Regime de Arbitragem Tributária, com versos em branco e por nós revistos.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.

* * *

A Juíza Árbitro

Clotilde Celorico Palma

 



[1] Directiva 2006/112/CE, de 28 de Novembro, publicada no JO n.º L 347, de 11 de Dezembro de 2006. Essencialmente, esta Directiva veio reformular o texto da Sexta Directiva revogando-a (trata-se de uma reformulação basicamente formal, atendendo ao facto de o seu texto se encontrar excessivamente denso, dadas as sucessivas alterações que lhe foram introduzidas desde a sua aprovação). Com a reformulação passou a ter 414 artigos (tinha 53). Note-se, todavia, que foram revogadas várias directivas de IVA, pelo que poderemos passar a designar a “nova” Directiva, abreviadamente, como Directiva IVA (a Directiva base do sistema comum vigente).

 

[2] Directiva n.º 77/388/CEE, do Conselho, de 17 de Maio de 1977, publicada no JO n.º L 145, de 13.6.77.

[3] Como explicamos no nosso Manual Introdução ao Imposto sobre o Valor Acrescentado, Almedina, 5.ª Edição, Julho de 2012, p. 61, trata-se, neste normativo, da situação de tributação de auto consumo externo de bens. Pretende-se evitar casos de evasão, nos quais bens adquiridos para fins produtivos em relação aos quais tenha havido dedução do imposto são desviados, por exemplo, para consumo privado (como é sabido, os particulares não têm direito à dedução do IVA). Caso assim não se procedesse não se tributaria o acto de consumo, o que violaria o princípio da neutralidade, dado que as mesmas operações realizadas por terceiros sujeitos passivos do imposto são tributadas.

Este dispositivo só se justifica caso tenha sido exercido o direito à dedução do IVA. Caso o imposto não tenha sido deduzido, a operação não é tributável.

 

 

[4] Xavier de Basto, “Sobre o regime das amostras e ofertas de “pequeno valor”, Revista da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas n.º 90, Setembro 2007.

[5] Xavier de Basto, ibidem. Como nota, a oferta de um bom relógio a um cliente que acaba de adquirir um automóvel de luxo ou uma embarcação de alto preço não representará senão uma percentagem ínfima da contrapartida recebida e provavelmente nem será estranha aos usos comerciais.

[6] O problema nunca se suscita se o sujeito passivo, relativamente aos bens que são objecto da oferta, não exerceu o direito de deduzir o imposto a montante. Está sempre pois pressuposta a hipótese que o IVA contido nos bens oferecidos foi deduzido pelo sujeito passivo oferente.

[7] Sobre esta questão, veja-se Xavier de Basto, “Sobre o regime das amostras e ofertas de “pequeno valor”, op. cit., e RUI LAIRES, "O Regime do IVA das Amostras e das Ofertas de Valor Reduzido", Revista da Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas, n.º 130, Janeiro de 2011.

 

[8] Nomeadamente nos arrestos proferidos pelo STA nos Processos nº. 0563/07, de 17 de Outubro de 2007, n.º 01167/06, de 16 de Maio de 2007, nº. 0204/08, de 14 de Julho de 2008 e nº. 0470/08, de 15 de Outubro de 2008.

[9] Proc. C-581/08, Caso EMI Group, Colect. p. 08607.

[10] Acórdão de 31 de Julho de 2007, Caso Hotel Scandic Gäsabäck, Proc. C-412/02, Colect., p. I-743, n.º23 e jurisprudência referida

[11] Acórdão de 27 de Abril de 1999, Caso Kuwait Petroleum, Proc. C-48/97, Colect., p. I-2323, n.º23.

[12] Acórdão de 14 Setembro de 2006, Caso Wollny, Proc. C-72/05, Colect., p. I-8297, nº 28.

[13] RUI LAIRES, "O Regime do IVA das Amostras e das Ofertas de Valor Reduzido", op cit.

[14] Disponível no site da AT em Informações vinculativas.

[15] Artigo 16.º, n.º6, alínea b), do CIVA.

[16] CIDÁLIA LANÇA, “O tratamento em IVA da fusão de sociedades”, in Fiscalidade, n.º 46, Abril-Junho de 2011, pp. 91-103.

[17] Conforme o previsto nos artigos 97.º e 112.º do CSC.

[18] Veja-se, nomeadamente, os Acórdãos de 16 de Setembro de 2009, processo 0372/09, e de 10 de Fevereiro de 2010, processo 0925/09, disponíveis no sitio web www.dgsi.pt .

[19] Conforme Acórdão de 16 de Setembro de 2009, já cit., e Acórdão de 23 de Setembro de 2009, processo 0370/09.

[20] Veja-se, designadamente, entre vários, o Acórdão de 10 de Fevereiro de 2010, processo 0925/09, no qual o STA se pronunciou no sentido de que a extinção da personalidade jurídica da sociedade incorporada por fusão não tem por efeito a extinção dos seus direitos e deveres, que se transmitem para a sociedade incorporante, pelo que pode a Administração Fiscal exigir a esta última o pagamento de uma dívida fiscal quando munida de título executivo em que figure como devedora a sociedade extinta.