Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 404/2022-T
Data da decisão: 2023-01-30  IVA  
Valor do pedido: € 2.514.527,81
Tema: IVA. Taxa reduzida. Reabilitação de prédios urbanos. Operação de reabilitação urbana
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

 

            Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente, designado pelo Conselho Deontológico do CAAD outros Árbitros), Dra. Catarina Belim e Dra. Sofia Ricardo Borges, designados pela Requerente e pela Requerida, respectivamente, para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 15-11-2022, acordam no seguinte:

 

        

         1. Relatório

 

            A..., LDA., com o número único de pessoa colectiva e identificação fiscal ... e sede na Rua ..., n.º ..., ...-... Lisboa, freguesia ... (adiante designada apenas por «Requerente», veio, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), apresentar pedido de pronúncia arbitral, tendo em vista a anulação das liquidações de IVA n.ºs ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ..., bem com do despacho de indeferimento da reclamação graciosa que delas apresentou.

            A Requerente pede ainda reembolso do montante que entende ter pagado em excesso, acrescido de juros indemnizatórios.

            É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 06-07-2022.

Os signatários comunicaram a aceitação do exercício das funções no prazo aplicável.

Em 25-10-2022, as Partes foram notificadas da designação dos árbitros, não tendo manifestado vontade de recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1 alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 15-11-2022.

A AT apresentou Resposta, em que defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 16-12-2022, foi decidido dispensar a realização de reunião e alegações.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT, e é competente.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

Não há nulidades.

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevância para apreciação desta questão:

  1. A Requerente é uma sociedade comercial por quotas de direito português, com sede e residência fiscal em Portugal, cujo objeto é a “Compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para o mesmo fim, construção de edifícios residenciais e não residenciais, promoção imobiliária, consultadoria, gestão e apoio a projetos imobiliários, comercialização de produtos do ramo imobiliário, projetos e montagem de investimentos imobiliários, bem como a gestão de imóveis próprios e alheios; arrendamento, gestão de condomínios, exploração de empreendimentos imobiliárias e turísticos, incluindo alojamento local” (artigo 19.º do pedido de pronúncia arbitral, não questionado);
  2. A Requerente nos períodos entre o 3.º trimestre de 2019 e o 3.º trimestre de 2021 era sujeito passivo de IVA, abrangido pelo regime de períodos trimestrais, com excepção dos períodos do ano de 2020, em que foi abrangida pelo regime de períodos mensais;
  3. A Requerente entendeu proceder à construção, numa parcela correspondente a um lote de terreno para construção, localizada na ..., freguesia de ..., concelho de Lisboa, inscrito na matriz predial sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número ... (doravante “o Imóvel”) de um edifício, ao abrigo de um estudo urbanístico denominado Estudo de Edificabilidade de Iniciativa Municipal que consta do documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
  4. O lote de terreno referido foi adquirido pela Requerente ao Município de Lisboa, no 2.º acto público da Hasta n.º .../DA/CCM/2016 (documento n.º 2 junto pela Requerente no exercício do direito de audição sobre o projecto de decisão da reclamação graciosa, que consta do documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  5. O edifício foi construído pela Requerente com base no «Estudo de Edificabilidade de Iniciativa Municipal» que consta do documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, e foi elaborado pela Divisão de Projetos e Estudos Urbanos da Direcção Municipal de Urbanismo da Câmara Municipal de Lisboa (documento n.º 2 junto pela Requerente no exercício do direito de audição sobre o projecto de decisão da reclamação graciosa, que consta do documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral);
  6. O referido terreno para construção está localizado na Área de Reabilitação Urbana de Lisboa (adiante “ARU”), conforme o Aviso da Câmara Municipal de Lisboa n.º 8391/2015, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 148, de 31 de Julho de 2015 (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  7. No referido Aviso, cujo teor se dá como reproduzido, refere-se, além do mais, o seguinte:

Aviso n.º 8391/2015

Aprovação da Alteração à Delimitação da Área de Reabilitação Urbana de Lisboa

Torna‑se público, nos termos do n.º 4 do artigo 13.º, do n.º 4 do artigo 17.º e do n.º 4 do artigo 20.º­‑B do Regime Jurídico da Reabilitação Urbana, aprovado pelo Decreto­‑Lei n.º 307/2009, de 23 de outubro, alterado e republicado pela Lei n.º 32/2012, de 14 de agosto, e ainda do n.º 2 do artigo 56.º do Regime Jurídico das Autarquias Locais, aprovado pela Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro, que a Assembleia Municipal de Lisboa deliberou, através da Deliberação n.º 190/AML/2015, na sua reunião de 7 de julho de 2015, sob a Proposta n.º 388/2015, aprovada pela Câmara Municipal de Lisboa, na sua reunião de 24 de junho de 2015, aprovar a Alteração à Delimitação da Área de Reabilitação Urbana de Lisboa, incluindo a alteração da planta anexa à Estratégia de Reabilitação de Lisboa 2011/2014, bem como a alteração da respetiva Operação de Reabilitação Urbana Simples, que se publicam em anexo.

Torna‑se ainda público que os interessados poderão consultar os referidos elementos na página eletrónica da Câmara Municipal de Lisboa, na Secção Urbanismo‑ Reabilitação Urbana

(http://www.cm­lisboa.pt/viver/urbanismo/reabilitacao-urbana).

21 de julho de 2015. — O Diretor Municipal, ...

 

  1. A Requerente celebrou com a B... S.A., um contrato de empreitada relativo à construção do edifício no referido lote de terreno (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  2. Em execução do contrato de empreitada referido, a B... S.A. efectuou as obras de construção, com emissão das respectivas facturas que constam do documento n.º 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
  3. As facturas têm descritivos de 4 tipos, variando em cada um dos tipos as referências aos respectivos períodos e autos de medição, como, por exemplo:

– «EXECUÇÃO DE ESCAVAÇÃO E CONTENÇÃO PERIFÉRICA no EDIFICO DE HABITAÇÃO NA ..., LOTE ...: 0-2018-099 AUTO DE MEDIÇÃO N.º ... – JULHO/2019»;

– «CONSTRUÇÃO DO EDIFICIO HABITAÇÃO –...- FASE II AUTO DE MEDIÇÃO DE TRABALHOS CONTRATUAIS Nº 01 DEZEMBRO/20»;

– «EMPREITADA DE HABITAÇÃO E COMÉRCIO ... FASE 2 Auto de Medição nº 20 - Julho/2021»;

«CONSTRUÇÃO DO EDIFICIO DE HABITAÇÃO ... - FASE 2 Auto de Medição Nº 22 - Setembro/2021»;

 

  1. Nessas facturas não foi liquidado IVA, sendo em cada uma delas incluída a referência «I.V.A. Autoliquidação»;
  2. O IVA foi posteriormente autoliquidado pela Requerente, na qualidade de adquirente de serviços de construção civil, colocando os montantes em causa nos campos 3 (base tributável à taxa normal) e 4 (montante de imposto) das suas declarações periódicas, apresentadas com periodicidade trimestral em 2019 e 2021 e com periodicidade mensal no ano de 2020 (com excepção de Março e Novembro, em que não liquidou IVA);
  3. O IVA foi autoliquidado pela Requerente nessas declarações periódicas à taxa normal de 23%, no valor total de € 3.402.008,20, nos termos das declarações cujas cópias foram juntas com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos e se sintetizam no quadro que segue:

 

  1. Em 29-10-2021, a Requerente apresentou uma reclamação graciosa das autoliquidações referidas, que teve o n.º ...2021... (documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido e processo administrativo);
  2. Na reclamação graciosa, a ora Requerente alegou que os valores incluídos no campo 3 de cada uma das declarações periódicas deveriam ter sido incluídos no campo 2 dessas mesmas declarações periódicas, o qual é reservado para indicação da base tributável das operações ativas realizadas sujeitas à taxa reduzida, e que, consequentemente, no campo 2 de cada uma das declarações periódicas e respectivas autoliquidações de IVA objeto da reclamação graciosa, deveria ter sido incluído o montante de imposto respetivo, com a aplicação da taxa de 6%, nos termos apresentados na tabela abaixo (totalizando € 887.480,40) :

 

  1. A diferença entre o imposto liquidado e pago à taxa normal (€3.402.008,20) e o imposto que teria sido liquidado se fosse aplicada a taxa reduzida (€ 887.480,39) é no montante de € 2.514 527,81;
  2. A Requerente pagou as quantias liquidadas (documento n.º 9, junto pela Requerente, cujo teor se dá como reproduzido);
  3. A Requerente apresentou com a reclamação graciosa os seguintes documentos:

– cópias das declarações periódicas de IVA referidas;

– cópia do contrato de empreitada que consta do documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;

– cópia do Estudo de Edificabilidade que consta do documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;

– a Memória Descritiva que consta do documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;

–  Parecer emitido pela Senhora Professora Fernanda Paula Oliveira que consta do documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;

– a Declaração de que o imóvel se encontra em Área de Reabilitação Urbana (ARU) que consta do documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;

  1. Por ofício datado de 17-01-2022, a Requerente foi notificada para o exercício do direito de audição prévia sobre o projecto de decisão da reclamação graciosa, nos termos que constam do documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

III.1 - Vem a reclamante na sua petição contestar as liquidações de IVA, por erro na autoliquidação de imposto dos períodos compreendidos entre 2019-09T e 2021-06T, alegando o seguinte.

III.2 - No âmbito da sua atividade, a reclamante desenvolve projetos de reabilitação urbana de imóveis, com vista a requalificar e melhorar o tecido urbano existente.

III.3 -A reclamante é proprietária de um lote de terreno para construção localizado na ..., freguesia de ..., inscrito na matriz sob o artigo ..., com VPT de€ 4.224.392,39, no qual pretende construir um edifício destinado a habitação e terciário, ao abrigo do estudo urbanístico aprovado pelo Município.

III.4- Na sequência da intervenção planeada por parte da reclamante, que se encontra em curso desde 2019, a reclamante incorreu em custos relacionados com a aquisição de serviços de construção civil, pelo que tem autoliquidado imposto (IVA) desde 2019, nos termos do art.º 2.9, n.º 1, alínea j) do Código do IVA (CIVA).

III.5- Conforme é possível verificar nas declarações periódicas submetidas pela reclamante dos períodos de 2019-09T a 2021-09T, foi liquidado IVA à taxa normal, todavia deveria ter sido liquidado IVA à taxa reduzida nos termos da verba 2.23 da lista I anexa ao CIVA.

III.6- Embora a intervenção a realizar pela reclamante consista numa construção nova, entende a reclamante que esta modalidade é suscetível de ser subsumível ao conceito de reabilitação urbana, nos termos da alínea j) do art.º 2.º e art." 3º do RJRU.

III.7- Assim, encontrando-se o imóvel inserido na Área de Reabilitação Urbana, conforme comprovado em documento anexo, procedeu à contratação de um empreiteiro geral", responsável por todos os serviços de necessários à concretização da obra, tendo celebrado um contrato de empreitada com a empresa "B..., S.A.

III.8- Conforme refere o Código do IVA, a verba 2.23 da Lista 1, determina a aplicação da taxa reduzida a empreitadas de reabilitação urbana, em imóveis ou em espaços públicos localizados em áreas de reabilitação urbana, delimitada nos termos legais ou no âmbito de operações de requalificação e reabilitação de reconhecido interesse público nacional.

III.9- Deste modo, entende que preenche os critérios, previstos na referida verba e no RJRU, pelo que deverá ser-lhe concedida a possibilidade de regularizar o IVA por aplicação da taxa reduzida, na autoliquidação proveniente da aquisição daqueles serviços.

(...)

 

IV - DESCRIÇÃO SUCINTA DOS FACTOS

IV.1-A reclamante é uma sociedade por quotas, coletada em sede de IVA, no regime normal trimestral, exceto em 2020 que tinha enquadramento no regime normal mensal para o exercício de atividade principal, CAE - 68100 - "COMPRA E VENDA DE BENS IMOBILIÁRIOS e CAE secundário, 041200-CONSTRUÇÃO DE EDIFÍCIOS (RESIDENCIAIS E NÃO RESIDENCIAIS".

IV.2 - Analisada a documentação constante do processo e consultada a base de dados do sistema informático da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), com referência aos períodos em análise, constatamos o seguinte.

IV.3- Com referência aos períodos compreendidos entre 2019-09T e 2021-09T, a reclamante submeteu as declarações periódicas de IVA (DP), tendo assinalado no quadro 05 da declaração periódica "Inexistência de operações", para os períodos de 202003 e 202011 e para os restantes períodos as declarações periódicas identificadas no anexo II, que faz parte integrante desta informação, tendo inscrito no Campo 102 "serviços de construção civil - alínea j, n.º 1 do art.º 2.º do CIVA" e no campo 3 os mesmos montantes.

 

V- ANÁLISE DO PEDIDO E PARECER      -

V.1- Resumidamente a questão fulcral prende-se com a construção nova de um edifício localizado em Área de Reabilitação Urbana, delimitada pelo respetivo município, se esta tem enquadramento no conceito de reabilitação urbana e consequentemente proceder à regularização decorrente da revisão da taxa de imposto aplicável às empreitadas de reabilitação urbana, de acordo com a verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA

V.2- De acordo com a verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA. estão sujeitos à taxa reduzida as "Empreitadas de reabilitação urbana, tal como definida em diploma específico, realizadas em imóveis ou em espaços públicos localizados em áreas de reabilitação urbana (áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística, zonas de intervenção das sociedades de reabilitação urbana e outras) delimitadas nos termos legais, ou no âmbito de operações de requalificação e reabilitação de reconhecido interesse público nacional".

V.3- Os serviços de construção civil adquiridos enquadram-se na mencionada verba, se cumprirem três condições:

V.3.1 - Têm de ser prestados em regime de empreitada, de acordo com as disposições do Decreto-Lei 41/2015, que estabelece o regime jurídico aplicável ao exercício da atividade da construção.

V.3.2 - O imóvel objeto de intervenção tem de se situar numa área de reabilitação definida pelo Município,

V.3.3 - A empreitada tem de ser qualificada de reabilitação urbana certificada."

 

V.4- O Regime Jurídico da Reabilitação Urbana (RJRU), refere no n.º 1 do seu artigo 7.º que a reabilitação urbana é promovida pelos municípios, resultando da aprovação de operação urbana a desenvolver em áreas delimitadas, através de instrumento próprio ou de um plano de pormenor de reabilitação urbana.

V.5- Não obstante, da análise aos documentos apresentados pela reclamante, verificar-se o cumprimento de algumas das condições definidas para a possibilidade de enquadramento do imóvel nas obras de reabilitação urbana, deve ser ainda elaborado projeto de reabilitação urbana, que permita o controlo prévio e eventual aprovação por parte do Município de Lisboa, dando assim cumprimento às disposições previstas no Regime Jurídico da Reabilitação Urbana (RJRU) e Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE).

V.6- No caso em análise importa ainda atender à definição prevista na alínea j) do art.º 2.º do RJRU, que refere: «Reabilitação urbana» a forma de intervenção integrada sobre o tecido urbano existente, em que o património urbanístico e imobiliário é mantido, no todo ou em parte substancial, e modernizado através da realização de obras de remodelação ou beneficiação dos sistemas de infraestruturas urbanas, dos equipamentos e dos espaços urbanos ou verdes de utilização coletiva e de obras de construção, reconstrução, ampliação, alteração, conservação ou demolição dos edifícios."

V.7- Verifica-se assim, que a reabilitação urbana abrange a demolição de estruturas, pelo que a menção "Obras de construção" inserida no conceito de reabilitação urbana, contempla necessariamente a construção de um edifício num prédio urbano devoluto ou construção após demolição integral de uma construção preexistente, tal significa que há uma obra de construção, se o edifício estiver em ruína física.

V.8- Não obstante, o imóvel objeto de intervenção cumprir o requisito definido pelo Município, estando assim enquadrado na área de reabilitação Urbana, de acordo com a planta da zona de Reabilitação Urbana de Lisboa, não foi apresentado pela reclamante projeto de reabilitação urbana, que permite o controlo prévio e eventual aprovação por parte do Município de Lisboa, nos termos das disposições previstas no Regime Jurídico da Reabilitação Urbana (RJRU) e Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE).

V.9- Assim, a localização de um prédio em área de reabilitação urbana não constitui, por si só, condição suficiente para o enquadramento no conceito de reabilitação urbana, sendo esta certificação da competência da Câmara Municipal.

V.10- Relativamente à pretensão da reclamante no que respeita à anulação dos atos de autoliquidação, por incorreta aplicação da taxa de IVA, cumpre referir que ainda que se mostrassem cumpridos os requisitos para o enquadramento na verba 2.23 da Lista Anexa ao CIVA, caberia à reclamante efetuar as respetivas substituições de declarações e regularizações nos termos do art 78.º n.º 3 do CIVA, substituindo as faturas dando cumprimento às disposições do art. 36.º do mesmo código.

V.11- Nesta sequência, conclui-se que a reclamante não juntou comprovativos suficientes de modo a aferir o que alega, tal como lhe competia, nos termos do n.º 1 do art. 74.º da Lei Geral Tributária.

V.12- Não carreou para os autos elementos que permitam sustentar as suas alegações, nomeadamente projeto de reabilitação urbana e/ou parecer prévio da Câmara Municipal e outros documentos relevantes para a certificação da empreitada de forma a atestar o seu enquadramento no conceito de reabilitação urbana.

 

  1. A Requerente exerceu o direito de audição sobre o projecto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa, nos termos que constam do documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
  2. Com o exercício do direito de audição sobre o projecto de reclamação graciosa a Requerente apresentou os documentos que constam do documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, designadamente:

 – cópia de uma notificação da aprovação do projecto de arquitectura relativo ao prédio referido, cujo teor se dá como reproduzido;

– cópia de uma Informação da Câmara Municipal de Lisboa sobre o pedido de licenciamento do prédio referido, cujo teor se dá como reproduzido;

– cópia de uma proposta de aprovação condicionada do pedido de licenciamento da construção do prédio referido, cujo teor se dá como reproduzido;

– cópia de uma acta de uma reunião da Câmara Municipal de Lisboa, em que foi aprovada a referida proposta, cujo teor se dá como reproduzido;

– cópia de uma licença emitida pela Defesa Nacional, cujo teor se dá como reproduzido;

– cópia de uma informação da Câmara Municipal de Lisboa com despacho de 29-11-2017, cujos teores se dão como reproduzidos;

– cópia de uma informação da Câmara Municipal de Lisboa com despacho de 18-04-2018, cujos teores se dão como reproduzidos;

  1. A reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 30-03-2022, proferido pelo Director Adjunto de Direção de Finanças de Lisboa, ao abrigo de Delegação de competências (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  2. A decisão de indeferimento da reclamação graciosa manifesta concordância com uma informação que consta do documento n.º 1, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

II.1 - Da análise à presente exposição, constatamos que a reclamante vem reiterar o pedido inicial, o enquadramento no conceito de reabilitação urbana relativo à construção nova de um edifício localizado na ..., freguesia de..., inscrito na matriz sob o artigo ..., com VPT de€ 4.224.392,39, destinado a habitação e terciário, ao abrigo do estudo urbanístico aprovado pelo Município e a consequente regularização decorrente da taxa de imposto aplicável às empreitadas de reabilitação urbana, de acordo com a verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA (CIVA).

II.2 - Para o efeito, junta cópia de documento da Câmara Municipal de Lisboa de requerimento de licenciamento da obra de construção solicitado ao abrigo do art.9.º "Requerimento e comunicação" e 14.º "Pedido de informação prévia", do DL 555/99 de 16 de dezembro, que aprovou o REGIME JURÍDICO DA URBANIZAÇÃO E EDIFICAÇÃO.

II.3 - Refere a reclamante que a Câmara Municipal de Lisboa além de dar parecer favorável à operação urbanística, equiparou-a a uma intervenção com impacte relevante, contudo não consta no documento suprarreferido o enquadramento da referida construção no conceito de reabilitação urbana.

II.4 - Conforme já referido, trata-se de uma construção nova de um edifício, pelo que reiteramos, o já mencionado no projeto de decisão:

II.4.1 - "No caso em análise importa ainda atender à definição prevista na alínea j) do art.º 2.º do RJRU, que refere: «Reabilitação urbana» a forma de intervenção integrada sobre o tecido urbano existente, em que o património urbanístico e imobiliário é mantido, no todo ou em parte substancial, e modernizado através da realização de obras de remodelação ou beneficiação dos sistemas de infraestruturas urbanas, dos equipamentos e dos espaços urbanos ou verdes de utilização coletiva e de obras de construção, reconstrução, ampliação, alteração, conservação ou demolição dos edifícios."

II.4.2 - "Verifica-se assim, que a reabilitação urbana abrange a demolição de estruturas, pelo que a menção "Obras de construção" inserida no conceito de reabilitação urbana, contempla necessariamente a construção de um edifício num prédio urbano devoluto ou construção após demolição integral de uma construção preexistente, tal significa que há uma obra de construção, se o edifício estiver em ruína física."

II.5 - Pelo exposto, conclui-se que não foram trazidos aos autos argumentos, que permitam determinar diferente apreciação do pedido, sendo que o parecer constante no ponto V do projeto de decisão, continua a merecer a nossa concordância.

 

  1. A Requerente foi notificada do despacho de indeferimento da reclamação em 04-04-2022 (artigo 14.º do pedido de pronúncia arbitral, não questionado);
  2. Em 04-07-2022, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Não há factos relevantes para decisão da causa que não se tenham provado.

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente e o que constam do processo administrativo.

A Autoridade Tributária e Aduaneira diz no presente processo que «as únicas faturas apresentadas pela Requerente consta a menção “IVA a 0%”» e que a Requerente não demonstrou, «atento o disposto no artigo 44.º do Código do IVA, quais as faturas que foram objeto da devida contabilização em que o imposto calculado e declarado com base nas mesmas é o que pretende ver anulado no presenta ppa, em cada período de tributação», mas deverá tratar-se de equívoco, pois as facturas relevantes são precisamente as que constam do documento n.º 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujos valores coincidem com os declarados nas respectivas declarações periódicas (somando os valores quando há mais que uma no mesmo período), e que contêm a menção «IVA Autoliquidação», em conformidade com n.º 13 do artigo 36.º do CIVA, o que se justifica por ter sido aplicada a regra da inversão do sujeito passivo, de harmonia com a alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA.

De resto, não se verifica insuficiência do descritivo das facturas referidas para as relacionar com a empreitada em causa, uma vez que em todas elas de fazem referências ao edifício em causa e ao tipo de trabalhos executados, bem indicação dos respectivos autos de medição, o que é suficiente para a Autoridade Tributária e Aduaneira poder apurar toda a materialidade subjacente às autoliquidações.

Assim, não há qualquer razão para duvidar de que as facturas referidas se reportam ao contrato de empreitada referido e que relativamente a elas foi autoliquidado pela Requerente o IVA indicado nas declarações periódicas juntas aos autos.

 

 

3. Matéria de direito

 

A Requerente celebrou com a B... S.A., um contrato de empreitada relativo à edificação por esta de um edifício num lote de terreno para construção, localizada na ... .

Sendo a Requerente sujeito passivo de IVA, as facturas relativas às obras englobadas no contrato ao contrato foram emitidas sem liquidação de IVA, sendo a Requerente que, depois, efectuou a autoliquidação, aplicando a taxa de 23%, nas declarações periódicas de IVA que apresentou, entre 3.º trimestre de 2019 e o 3.º trimestre de 2021 (com periodicidade mensal no ano de 2020).

Posteriormente, a Requerente apresentou uma reclamação graciosa das autoliquidações referidas, invocando, em suma, que a empreitada deveria ter sido considerada como sendo de reabilitação urbana, para efeitos da verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA, pelo que deveria ter sido aplicada a taxa reduzida de IVA aí prevista.

A reclamação graciosa foi indeferida, na sequência do que a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

Antes de mais, importa esclarecer qual é o objecto do presente processo.

 

3.1. Objecto do processo

             

         3.1.1. Fundamentação relevante       para apreciação da legalidade em processos arbitrais tributários      

 

         Os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD decidem segundo o direito constituído (artigo 2.º, n.º 2, do RJAT), estando a sua actividade limitada à declaração da ilegalidade de actos dos tipos referidos no artigo 2.º, n.º 1, do mesmo diploma.

         O processo arbitral tributário é, assim, um meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), sendo, como este, um meio processual de mera apreciação da legalidade de actos, em que se visa eliminar os efeitos produzidos por actos ilegais, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 2.º do RJAT e 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele].

         No âmbito de um contencioso de mera legalidade, esta tem de ser apreciada com base no acto impugnado tal como ocorreu, com a fundamentação que nele foi utilizada, não sendo relevantes outras possíveis fundamentações que poderiam servir de suporte a outros actos, de conteúdo decisório total ou parcialmente coincidente com o acto praticado. São, assim, irrelevantes fundamentações invocadas a posteriori, após o termo do procedimento tributário em que foi praticado o acto cuja declaração de ilegalidade é pedida, inclusivamente as aventadas no processo arbitral, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos.

         Neste sentido, pode ver-se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 01-07-2020, processo n.º 309/14.6BEBRG), em que se entendeu que:

I – O tribunal, na apreciação da legalidade de uma decisão administrativa, não pode considerar que esta se alicerça noutros fundamentos que não aqueles que aí foram externados.

II – Assim, não pode julgar improcedente a impugnação judicial da decisão que indeferiu o pedido de revisão de um acto tributário alicerçando-se na não verificação de um requisito se a AT não usou esse fundamento para indeferir aquele pedido.

 

         Por isso, não pode a Administração Tributária, após a prática do acto, justificá-lo por razões diferentes das que constem da sua fundamentação expressa.

         Nos casos de autoliquidação, sujeitos a impugnação administrativa prévia necessária [artigos 131.º do CPPT e 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março], a fundamentação relevante para aferir a legalidade é a da respectiva decisão.

         Na verdade, quando dois actos têm por objecto definir a posição da Administração Tributária sobre a mesma situação jurídica, o segundo, quando não é confirmativo, é revogatório por substituição. ( [1] )

         Os actos que indeferem impugnações administrativas podem ser confirmativos, não alterando a ordem jurídica, quando «se limitem a reiterar, com os mesmos fundamentos, decisões contidas em atos administrativos anteriores» (artigo 53.º, n.º 1, do CPTA).

         Mas, nomeadamente nos casos de reclamação graciosa de actos de liquidação ou autoliquidação, se a respectiva decisão mantém o acto impugnado com diferente fundamentação, deverá entender-se que se opera revogação por substituição daquele acto (que será ratificação-sanação se a fundamentação inicial era ilegal) ( [2] ), passando a subsistir na ordem jurídica um novo acto que, apesar de manter o mesmo conteúdo decisório, terá a nova fundamentação.

         Nos casos em que uma decisão fundamentada da impugnação administrativa aprecia um acto sem fundamentação expressa (como sucede nos casos de reclamação graciosa de autoliquidação), não se está perante uma situação em que o acto seja confirmativo, à face do preceituado no artigo 53.º, n.º 1, do CPTA, pois a autoliquidação não tem fundamentação originária emitida pela Administração Tributária. Por isso, está-se perante uma situação de revogação por substituição, em que o acto subsiste na ordem jurídica após a decisão com a fundamentação que dela consta, como está ínsito no artigo 173.º do Código do Procedimento Administrativo de 2015. ( [3] )

         Mas, também neste caso, não é relevante a fundamentação posterior ao acto que decidir a impugnação administrativa.

         Assim, neste caso, é à face da fundamentação da decisão da reclamação graciosa que há que apreciar a legalidade da auto-liquidação, sendo irrelevantes possíveis motivos de indeferimento que naquela não são invocados, designadamente os que apenas forem invocados na Resposta apresentada no processo arbitral.

         Por isso, não podem ser considerados possíveis fundamentos de indeferimento a reclamação graciosa que não foram invocados na sua decisão, como é o caso da falta de prova de que as declarações de IVA apresentadas se reportam à empreitada referida nos autos ou hipotéticas deficiências do descritivo das facturas que a Autoridade Tributária e Aduaneira refere na Resposta apresentada neste processo arbitral. De resto, como resulta da matéria de facto fixada e sua fundamentação a Autoridade Tributária e Aduaneira não tem razão em qualquer destes hipotéticos fundamentos.

 

           

3.1.2. Fundamentação da decisão da reclamação graciosa

 

No projecto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa a Autoridade Tributária e Aduaneira referiu os seguintes obstáculos à pretensão da Requerente, em suma:

– «a reabilitação urbana abrange a demolição de estruturas, pelo que a menção "Obras de construção" inserida no conceito de reabilitação urbana, contempla necessariamente a construção de um edifício num prédio urbano devoluto ou construção após demolição integral de uma construção preexistente, tal significa que há uma obra de construção, se o edifício estiver em ruína física.

– «não foi apresentado pela reclamante projeto de reabilitação urbana, que permite o controlo prévio e eventual aprovação por parte do Município de Lisboa, nos termos das disposições previstas no Regime Jurídico da Reabilitação Urbana (RJRU) e Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE)».

– «a localização de um prédio em área de reabilitação urbana não constitui, por si só, condição suficiente para o enquadramento no conceito de reabilitação urbana, sendo esta certificação da competência da Câmara Municipal»;

– «ainda que se mostrassem cumpridos os requisitos para o enquadramento na verba 2.23 da Lista Anexa ao CIVA, caberia à reclamante efetuar as respetivas substituições de declarações e regularizações nos termos do art 78.º n.º 3 do CIVA, substituindo as faturas dando cumprimento às disposições do art. 36.º do mesmo código»;

– «Nesta sequência, conclui-se que a reclamante não juntou comprovativos suficientes de modo a aferir o que alega, tal como lhe competia, nos termos do n.º 1 do art. 74.º da Lei Geral Tributária»;

– «Não carreou para os autos elementos que permitam sustentar as suas alegações, nomeadamente projeto de reabilitação urbana e/ou parecer prévio da Câmara Municipal e outros documentos relevantes para a certificação da empreitada de forma a atestar o seu enquadramento no conceito de reabilitação urbana».

 

 

No exercício do direito de audição sobre o projecto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa, a Requerente disse, em suma:

– a exigência de certificação pela Câmara Municipal de que determinado projeto tem enquadramento, no âmbito de uma operação de reabilitação urbana, não está prevista na lei;

– a Câmara Municipal de Lisboa para além de dar decisão favorável ao projeto em apreço, nos termos e condições estabelecidas dispõe que a presente operação urbanística é equiparada a uma intervenção com impacte relevante, pelo que entende que se trata de uma reabilitação urbana;

– foi aplicado o regime de aquisição de serviços de construção civil, com inversão do sujeito passivo, nos termos da alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IVA, pelo que não haverá lugar à substituição das faturas.

 

Na sequência do exercício do direito de audição, a Autoridade Tributária e Aduaneira proferiu a decisão de indeferimento da reclamação graciosa em que mantém a posição assumida no projecto sobre a não comprovação dos requisitos de que depende a aplicação da verba 2.23., mas deixou de fazer referência à necessidade de substituição de facturas, inclusivamente na síntese que aí é feita das alegações da ora Requerente no exercício do direito de audição.

Neste contexto, é de interpretar a decisão de indeferimento da reclamação graciosa como mantendo os fundamentos invocados no projecto de decisão da reclamação graciosa a que se alude na informação posterior ao exercício do direito de audição, designadamente com exclusão do relativo à necessidade de substituição de facturas, que, aliás, é manifesto que não existe numa situação em que a liquidação de IVA não foi feita nas facturas, que foram emitidas com a indicação «IVA -Autoliquidação».

           

 

3.2. Questão da taxa a aplicar

 

3.2.1. Posições das Partes

 

No artigo 18.º, n.º 1, alínea a), do CIVA prevê-se a aplicação da taxa de 6% «para as importações, transmissões de bens e prestações de serviços constantes da lista i anexa».

Na referida «Lista I - Bens e serviços sujeitos a taxa reduzida» inclui-se a verba 2.23 em que se refere:

2.23 - Empreitadas de reabilitação urbana, tal como definida em diploma específico, realizadas em imóveis ou em espaços públicos localizados em áreas de reabilitação urbana (áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística, zonas de intervenção das sociedades de reabilitação urbana e outras) delimitadas nos termos legais, ou no âmbito de operações de requalificação e reabilitação de reconhecido interesse público nacional.

 

A Requerente aplicou a taxa normal de 23%, prevista na alínea c) do n.º 1 daquele artigo 18.º, nas autoliquidações que efectuou com base nas facturas relativas a empreitada de construção do prédio na ..., n.º ..., em Lisboa, mas apresentou reclamação graciosa daquelas em que defendeu que era de aplicar esta taxa reduzida.

A Autoridade Tributária e Aduaneira indeferiu a reclamação graciosa por entender, em suma, que

– esta verba 2.23 aplica-se «necessariamente a construção de um edifício num prédio urbano devoluto ou construção após demolição integral de uma construção preexistente, tal significa que há uma obra de construção, se o edifício estiver em ruína física»;

– não foi apresentado pela ora Requerente projeto de reabilitação urbana;

– «a localização de um prédio em área de reabilitação urbana não constitui, por si só, condição suficiente para o enquadramento no conceito de reabilitação urbana, sendo esta certificação da competência da Câmara Municipal»;

– a Requerente não cumpriu o ónus que lhe impunha o n.º 1 do art. 74.º da Lei Geral Tributária de carrear para os autos elementos que permitam sustentar as suas alegações, nomeadamente projeto de reabilitação urbana e/ou parecer prévio da Câmara Municipal e outros documentos relevantes para a certificação da empreitada de forma a atestar o seu enquadramento no conceito de reabilitação urbana;

 

No presente processo, a Requerente defende, em suma:

– o conceito de reabilitação urbana não se confina exclusivamente à reabilitação do edificado existente, e nessa medida as operações de reabilitação urbana incluirão novas edificações, não deixando por esse facto de ser subsumíveis no conceito legal de reabilitação urbana;

– além de poder ter por objecto, não apenas imóveis, mas espaços urbanos, encontramos no novo RJRU a susceptibilidade do conceito de reabilitação urbana compreender a edificação nova numa área vazia ou devoluta, desde que as operações de reabilitação urbana que se integrem em áreas delimitadas de reabilitação urbana;

– uma vez delimitada pelo município a ARU onde se integra a empreitada em causa, afigura-se também preenchido o requisito de aplicação da taxa reduzida, incluindo na perspectiva adoptada pela AT em decisões administrativas;

– o projecto em causa concorre pelo menos para um dos objetivos gerais definidos nessa estratégia (precisamente o primeiro deles): o de “reabilitar a cidade, aumentar a coesão social, rejuvenescer o centro de Lisboa, atrair novas famílias, fixar empresas e emprego”, mas este facto não tem de ser certificado pela câmara municipal, nem dele está dependente a atribuição da taxa reduzida do IVA;

– AT em momento algum logrou provar que os factos não se subsumem à previsão normativa da referida verba determinante da aplicação da taxa reduzida, tendo-se limitado a expressar regras gerais sem a devida subsunção do caso concreto assente na suposta exigência de um “documento” inaplicável para “certificação” da empreitada de reabilitação urbana em causa;

– gozando as declarações do contribuinte e os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade da presunção de veracidade, é sobre a Autoridade Tributária e Aduaneira que recai o ónus da prova, nos termos do artigo 74.º, n.º 1, da LGT;

– a Autoridade Tributária e Aduaneira decidiu de forma diferente do que decidiu relativamente a outros sujeitos passivos, pelo que a decisão da reclamação graciosa viola o princípio da igualdade e da proporcionalidade, enunciado nos artigos 13.º e 266.º da CRP e 55.º da LGT;

– as normas dos artigos 18.º e verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA, interpretadas no sentido de impedir, sem mais, a aplicação da taxa ali prevista, mostra-se inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade, vertente do artigo 2.º da CRP e consagrado no n.º 2 do artigo 266.º da mesma.

 

No presente processo, na parte que não constitui fundamentação a posteriori (irrelevante, como se disse) a Autoridade Tributária e Aduaneira mantém a posição assumida na decisão da reclamação graciosa, dizendo ainda o seguinte, em suma:

– a Requerente pede apenas a anulação parcial das autoliquidações;

– de acordo com o n.º 1 do artigo 7.º do RJRU, a reabilitação urbana em áreas de reabilitação urbana é promovida pelos municípios, resultando da aprovação da (i) delimitação de áreas de reabilitação urbana e da (ii) operação de reabilitação urbana a desenvolver nas áreas delimitadas de acordo com a alínea anterior, através de instrumento próprio ou de um plano de pormenor de reabilitação urbana;

– a execução de operações de reabilitação urbana encontra-se sujeita, entre outros, a licenciamento, admissão de comunicação prévia de operações urbanísticas e autorização de utilização, de acordo com o artigo. 44.º n.º 1, alínea a) do RJRU;

– sendo a respetiva delimitação da área de reabilitação urbana publicada no Diário da República e divulgada na página eletrónica do município, se o seu licenciamento ou comunicação prévia não der lugar a qualquer indeferimento do pedido de licenciamento ou rejeição da comunicação prévia, com fundamento no disposto no artigo 52.º do RJRU, o empreiteiro ou dono da obra não necessitam de efetuar qualquer procedimento especial, para além da prova de que a obra se encontra na área delimitada, devendo mencionar tal facto, na respetiva faturação da empreitada;

– só se a operação em causa se referir a empreitada sobre imóvel situado em zona delimitada pelo município como área de reabilitação urbana e consista numa obra de reabilitação realizada no âmbito e nos termos do Decreto-Lei nº 307/2009 -, é que será de aplicar a taxa reduzida de IVA prevista na verba 2.23 da lista I do Código do IVA;

– não se mostra suficiente o facto de estarmos perante obras ou trabalhos de construção civil em imóveis localizados em áreas de reabilitação urbana;

– a delimitação da «área de reabilitação urbana» é apenas uma das bases do Regime Jurídico da Reabilitação Urbana, sendo complementada com as «operações de reabilitação urbana» que correspondem à concretização do tipo de intervenções a realizar na área de reabilitação urbana;

– nos termos do artigo 15.º do RJRU, que se reporta ao âmbito temporal da delimitação da área de reabilitação urbana, sempre que a aprovação da delimitação de uma área de reabilitação urbana não tenha lugar em simultâneo com a aprovação da operação de reabilitação urbana a desenvolver nessa área, aquela delimitação caduca se, no prazo de três anos, não for aprovada a correspondente operação de reabilitação;

– depreende-se, portanto, que o momento em que a delimitação da área de reabilitação urbana fica consolidada é o momento em que ocorre a aprovação da operação de reabilitação urbana;

– deve, por esse motivo, entender-se que apenas estão em causa empreitadas de reabilitação urbana, quando as mesmas sejam realizadas no quadro de uma operação de reabilitação urbana já aprovada;

– não basta, assim, que esteja em causa uma empreitada realizada numa área delimitada como de reabilitação urbana para que se possa já considerar uma empreitada de reabilitação urbana, se ainda não está em condições de se apurar se a mesma está conforme à estratégia ou ao programa estratégico de reabilitação urbana, o que só fica definido com a aprovação da respetiva operação de reabilitação urbana;

– a intervenção integrada sobre o tecido urbano existente é materializada apenas com a aprovação da operação de reabilitação urbana, sendo esta operação definida, no artigo 2.º alínea h) do diploma em referência, como o conjunto articulado de intervenções visando, de forma integrada, a reabilitação urbana de uma determinada área;

– o artigo 7.º, n.º 1, do RJRU determina que a reabilitação urbana em áreas de reabilitação urbana resulta não só da aprovação da delimitação de áreas de reabilitação urbana, mas também da operação de reabilitação urbana a desenvolver nestas áreas delimitadas, através de instrumento próprio ou de um plano de pormenor de reabilitação urbana, e o n.º 4 da mesma norma estabelece que "(a) cada área de reabilitação urbana corresponde uma operação de reabilitação urbana";

– caso a Câmara Municipal esteja em condições de certificar e certifique que, nos termos do citado diploma legal, o projeto em referência, se integra numa área de reabilitação urbana e consubstancia uma operação de reabilitação urbana, verificados que sejam os restantes condicionalismos (nomeadamente tratar-se de empreitada), será então aplicável a taxa reduzida do imposto, a que se refere a alínea a) do n.º 1 do artigo 18.º do CIVA;

– decorrendo os pressupostos referidos da lei, não se compreende como pode a Requerente invocar a violação do princípio da igualdade e demais princípios constitucionais;

– no que concerne ao ónus de prova, também se tem de concluir que a Requerente carece totalmente de razão, importando não esquecer que está em causa a contestação de autoliquidações apresentadas pela própria Requerente;

 

3.2.2. Apreciação da questão da aplicação da taxa

 

A questão essencial que é objecto do processo é a de saber se, à face da documentação apresentada pela Requerente na reclamação graciosa, esta deveria ter sido deferida, fazendo aplicação da taxa reduzida, por se estar perante uma «empreitada de reabilitação urbana».

Não foi questionado pela Autoridade Tributária e Aduaneira na decisão da reclamação graciosa que as declarações de IVA em que foi feita a autoliquidação respeitassem a uma empreitada de construção do prédio referido e, como se deu como provado, as facturas apresentadas no presente processo respeitam às declarações apresentadas e à empreitada referida.

Por outro lado, também está provado que a construção se insere em área de recuperação urbana.

A verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA remete para o conceito de «reabilitação urbana, tal como definida em diploma específico», pelo que o conceito tem de ser preenchido à face do Regime Jurídico da Reabilitação Urbana, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 307/2009, de 23 de Outubro (RJRU), que é o «diploma específico» sobre esta matéria.

Este diploma, na alínea j) do seu artigo 2.º, de fine «Reabilitação urbana» como «a forma de intervenção integrada sobre o tecido urbano existente, em que o património urbanístico e imobiliário é mantido, no todo ou em parte substancial, e modernizado através da realização de obras de remodelação ou beneficiação dos sistemas de infra-estruturas urbanas, dos equipamentos e dos espaços urbanos ou verdes de utilização colectiva e de obras de construção, reconstrução, ampliação, alteração, conservação ou demolição dos edifícios».

A Autoridade Tributária e Aduaneira interpreta esta definição com o sentido de que «a reabilitação urbana abrange a demolição de estruturas, pelo que a menção "Obras de construção" inserida no conceito de reabilitação urbana, contempla necessariamente a construção de um edifício num prédio urbano devoluto ou construção após demolição integral de uma construção preexistente, tal significa que há uma obra de construção, se o edifício estiver em ruína física».

No entanto, não resulta desta definição que a construção de novos edifícios esteja excluída do conceito de «reabilitação urbana», como bem se refere no Parecer junto aos autos:

 

«Na medida em que a reabilitação urbana ocorre dentro de uma ARU, para a qual deve ser aprovada uma ORU, é a área daquela que deve ser tomada como referência para a determinação do sentido do respetivo conceito, o que significa, se partirmos dele, que se bem que na sua globalidade (isto é, para a totalidade da ARU e da ORU que para ela for aprovada assumida esta como uma intervenção integrada isto é, a intervenção constituída por várias operações urbanísticas devidamente articuladas entre si a reabilitação urbana pressuponha a manutenção do património urbanístico e imobiliário, tal não significa, muito pelo contrário, que não se admitam, nessas áreas, operações de nova construção, de demolição ou de substituição de edifícios por outros por isso se refere a lei à “manutenção substancial” no todo ou em parte (e não à manutenção integral) do património urbanístico e imobiliário (e não dos edifícios). E por isso se refere, também, à modernização daquele património (e não apenas dos edifícios isolados), designadamente por via de distintas operações (onde se inclui expressamente a nova construção e a demolição).

Portanto, na ARU, podem ser admitidos vários projetos, nada impedindo que em determinados espaços estes projetos correspondam à construção de novos edifícios, noutros espaços à demolição de edifícios existentes e noutros, ainda, à substituição de edifícios (obsoletos ou menos adequados para os usos pretendidos) por edifícios material e funcionalmente distintos: fundamental é que parte substancial do tecido urbano da ARU (da totalidade da sua área de abrangência) seja mantido, o que deve ser salvaguardado na ORU, em especial nos seus instrumentos estratégicos (estratégia ou programa estratégico de reabilitação urbana, consoante a ORU seja, respetivamente, simples ou sistemática).

(...)

Assim, o conceito de reabilitação urbana, apesar de assentar na conservação substancial do edificado (globalmente considerada a ARU) admite todo um conjunto de intervenções que tanto pode consistir na alteração e na demolição do existente, em especial quando destinado a ser substituído por novos edifícios destinados aos mesmos usos ou a novos usos, desde que pretendidos pela (alinhados com a) estratégia em vigor.

 

Assim, é de considerar errado o primeiro fundamento invocado na decisão da reclamação graciosa, em que é afirmado que a «reabilitação urbana, contempla necessariamente a construção de um edifício num prédio urbano devoluto ou construção após demolição integral de uma construção preexistente, tal significa que há uma obra de construção, se o edifício estiver em ruína física».

 Mas, essa mesma característica da «reabilitação urbana» consubstanciar uma «intervenção integrada sobre o tecido urbano existente» obstará a que possa ser enquadrada em tal conceito qualquer construção de edifício novo não inserida num «conjunto articulado de intervenções visando, de forma integrada, a reabilitação urbana de uma determinada área», isto é, que não se integre numa «operação de reabilitação urbana», à face da definição deste conceito que fornece a alínea h) do artigo 2.º RJRU.

Ora, como resulta do artigo 7.º, n.ºs 2 e 3 do RJRU, «a aprovação da delimitação de áreas de reabilitação urbana e da operação de reabilitação urbana pode ter lugar em simultâneo» ou aquela delimitação pode preceder esta operação, podendo mesmo suceder, nos termos do artigo 15.º do mesmo diploma, que caduque a delimitação da área de recuperação urbana «se, no prazo de três anos, não for aprovada a correspondente operação de reabilitação», como pertinentemente refere a Autoridade Tributária e Aduaneira no presente processo.

Por isso, tem razão a Autoridade Tributária e Aduaneira ao defender que o mero licenciamento de uma construção através de empreitada em local inserido numa área de reabilitação urbana, sem que haja a prévia aprovação de uma operação de reabilitação que o enquadre, não permite qualificar uma empreitada como sendo de reabilitação urbana para efeitos da verba 2.23 referida.

Sucede, porém, que no caso em apreço foi aprovada a operação de reabilitação urbana correspondente à delimitação da área de reabilitação em causa e a aprovação foi concomitante com a aprovação dessa delimitação, como se conclui do Aviso n.º 8391/2015 referido na alínea G), da matéria de facto fixada.

Na verdade, como aí se refere, «a Assembleia Municipal de Lisboa deliberou, através da Deliberação n.º .../AML/2015, na sua reunião de 7 de julho de 2015, (...) aprovar a Alteração à Delimitação da Área de Reabilitação Urbana de Lisboa, incluindo a alteração da planta anexa à Estratégia de Reabilitação de Lisboa 2011/2014, bem como a alteração da respetiva Operação de Reabilitação Urbana Simples».

 Por outro lado, estando aprovada essa operação de reabilitação urbana para a área em que foi efectuada a construção, não há qualquer razão para crer que o licenciamento não foi efectuado no seu âmbito, de acordo com a «Estratégia de Reabilitação de Lisboa 2011/2014» ( [4] ) a que corresponde a respetiva «Operação de Reabilitação Urbana Simples».

Na verdade, para além de ter sido emitida pela Câmara Municipal de Lisboa a certidão que consta do documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, em que se faz referência a esse Aviso como «condicionante», a construção em causa assume características que não permitem duvidar da sua sintonia com a referida operação de reabilitação urbana simples, que são o facto de a construção ter sido levada a cabo num terreno vendido pela Câmara Municipal de Lisboa em hasta pública e de a construção ter sido efectuada com base no «Estudo de Edificabilidade de Iniciativa Municipal» que consta do documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, elaborado pela Divisão de Projetos e Estudos Urbanos da Direcção Municipal de Urbanismo da Câmara Municipal de Lisboa.

Neste contexto é convicção dos Árbitros, baseada nas regras da experiência e em presunção assente em critérios de normalidade, que a construção do imóvel foi efectuada em consonância com a referida «Estratégia de Reabilitação de Lisboa» e no âmbito da correspondente «operação de reabilitação urbana» que se referem no Aviso n.º 8391/2015, pois é manifestamente inverosímil que a própria Câmara Municipal de Lisboa tivesse efectuado o referido Estudo de Edificabilidade de Iniciativa Municipal à margem da Operação de Reabilitação Urbana Simples que ela própria decidira levar a cabo naquele local.

Por outro lado, esta conclusão, como juízo de facto baseado na prova documental, poderia também ter sido retirada pela Autoridade Tributária e Aduaneira com base naquela prova, pois ela foi apresentada pela Requerente na reclamação graciosa.

Pelo exposto, a decisão da reclamação graciosa enferma de vício por erro sobre os pressupostos de facto e de direito sobre a interpretação da verba 2.23. da Lista I anexa ao CIVA, que justifica a sua anulação, bem como a anulação das autoliquidações nas partes impugnadas pela Requerente.

 

3.3. Questões de conhecimento prejudicado

 

Resultando do exposto a declaração de ilegalidade das liquidações que são objecto do presente processo, por vício que impede a renovação dos actos, fica prejudicado, por ser inútil (artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC), o conhecimento dos restantes vícios que lhes são imputados pela Requerente.

 Na verdade, o artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT, ao estabelecer uma ordem de conhecimento de vícios, pressupõe que, julgado procedente um vício que assegura a eficaz tutela dos direitos dos impugnantes, não é necessário conhecer dos restantes, pois, se fosse sempre necessário apreciar todos os vícios imputados ao acto impugnado, seria indiferente a ordem do seu conhecimento.

 Pelo exposto, não se toma conhecimento dos restantes vícios imputados pela Requerente.

 

4. Reembolso de quantias pagas e juros indemnizatórios         

 

A Requerente pagou as quantias liquidadas e pede reembolso das quantias pagas em excesso, com juros indemnizatórios desde as datas dos respectivos pagamentos ou, pelo menos desde a data em que a Autoridade Tributária e Aduaneira foi alertada para a situação de pagamento indevido através a reclamação graciosa.

A Requerente pede a anulação parcial das liquidações, na parte em que ocorreu pagamento em excesso, o que perfaz o montante de € 2.514.527,81, correspondente à diferença entre o IVA liquidado à taxa de 23% e o que deveria ter sido liquidado à taxa de 6% [alínea P) da matéria de facto fixada].

No que concerne a juros indemnizatórios, de harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.».

O n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Como consequência da anulação parcial das liquidações impugnadas, a Requerente tem direito ao reembolso das quantias pagas indevidamente, naquele montante de € 2.514.527,81, por força dos referidos arts. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT.

O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

 

Artigo 43.º

Pagamento indevido da prestação tributária

 1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

A ilegalidade da decisão da reclamação graciosa é imputável à Administração Tributária, que a indeferiu por sua iniciativa.

No entanto, os erros que afectam as autoliquidações nas partes em que não foi aplicada a taxa de 6% são imputáveis à Requerente, que apresentou as declarações periódicas por sua iniciativa.

Por isso, quanto aos actos de autoliquidação, não ocorreu erro imputável aos serviços, não havendo, consequentemente direito a juros indemnizatórios derivado da sua prática.

No entanto, o mesmo não sucede com a decisão da reclamação graciosa, pois deveria ter sido deferida a pretensão da Requerente e o erro de que enferma aquela decisão é imputável a Autoridade Tributária e Aduaneira.

Esta situação de a Autoridade Tributária e Aduaneira manter uma situação de ilegalidade, quando devia repô-la deverá ser enquadrada, por mera interpretação declarativa, no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, pois trata-se de uma situação em que há nexo de causalidade adequada entre um erro imputável aos serviços e a manutenção de um pagamento indevido e a omissão de reposição da legalidade quando se deveria praticar a acção que a reporia deve ser equiparada à acção. ( [5] )

Neste sentido tem vindo a decidir uniformemente o Supremo Tribunal Administrativo como pode ver-se pelos seguintes acórdãos:

– de 28-10-2009, proferido no processo n.º 601/09;

 – de 18-11-2020, proferido no processo n.º 2342/12.3BELRS;

 – de 28-04-2021, proferido no processo n.º 16/10.9BELRS 0884/17;

 – de 09-12-2021, proferido no processo n.º 1098/16.5BELRS;

 – do Pleno de 29-06-2022, proferido no processo n.º 93/21.7BALSB;

 – de 13-07-2022, proferido no processo n.º 1693/09.9BELRS.

 

No caso em apreço, a reclamação graciosa foi apresentada em 29-10-2021 e decisão de indeferimento foi proferida em 30-03-2022, mas deveria ter sido decidida favoravelmente à Requerente até 28-02-2022 (termo o prazo de 4 meses previsto no artigo 57.º, n.º 1, da LGT).

Por isso, a partir de 01-03-2022, a manutenção das autoliquidações ilegais é imputável a Autoridade Tributária e Aduaneira, começam a contar-se juros.

Os juros indemnizatórios serão calculados com base na quantia de € 2.514.527,81 e devidos, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º, n.º 5, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, à taxa legal supletiva, e contados desde a data em que o erro passou a ser imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira (01-03-2022) até à data do processamento da respectiva nota de crédito.

 

 

5. Decisão

 

Nestes termos acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

  1.  Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
  2.  Anular a decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2021...;
  3.  Anular parcialmente as autoliquidações de IVA n.ºs ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ..., nas partes em que os valores autoliquidados excedem o que resulta da aplicação da taxa de 6% à matéria tributável;
  4.  Julgar procedente o pedido de reembolso e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente a quantia de € 2.514.527,81;
  5.  Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagá-los à Requerente nos termos indicados no ponto 4 do presente acórdão.

 

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 2.514.527,81, valor indicado pela Requerente, sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 30-01-2023

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(relator)

 

 

(Catarina Belim)

 

 

 

(Sofia Ricardo Borges)



[1] Na terminologia do art. 79.º da LGT, como sucedia nos arts. 138.º e seguintes do CPA de 1991, a «anulação» administrativa tem a designação de «revogação».

O art. 165.º do CPA de 2015, precisou a terminologia distinguindo entre «revogação». que «é o acto administrativo que determina a cessação dos efeitos de outro ato, por razões de mérito, conveniência ou oportunidade, e a «anulação administrativa», que «é o ato administrativo que determina a destruição dos efeitos de outro acto, com fundamento em invalidade».

No entanto, no procedimento tributário e contencioso tributário não houve qualquer alteração.

[2] A «ratificação» (ou «ratificação-sanação») é o acto administrativo pelo qual o órgão competente decide sanar um acto inválido anteriormente praticado, suprindo a ilegalidade que o vicia (FREITAS DO AMARAL, Direito Administrativo, 1989, Volume III, página 414, e Curso de Direito Administrativo, Volume II, página 475).

[3] Essencialmente neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 06-10-1999, processo n.º 023379, publicado em Apêndice ao Diário da República de 30-09-2002, página 3102; de 29-05-2002, processo n.º 047541, publicado em Apêndice ao Diário da República 10-02-2004, página 4047; de 12-12-2002, processo n.º 047699; de 18-12-2002, processo n.º 048366; de 06-05-2020, processo n.º 512/10.8BEPRT.

[4] Afigura-se que se tratará de um lapso material a referência no 8391/2015 ao ano de 2014 como termo da aplicação da «Estratégia de Reabilitação de Lisboa», pois esta referência consta de uma deliberação de 2015, destinada a produzir efeitos no futuro.

Por outro lado, a existência desse lapso afigura confirmar-se pelo próprio diploma no qual se define a «Estratégia de Reabilitação de Lisboa» reporta-se aos anos 2011 a 2024, como se pode ver no site da Câmara Municipal de Lisboa, em

https://www.lisboa.pt/fileadmin/cidade_temas/urbanismo/reabilitacao_Urbana/documentos/estrategia_reabilitacao.pdf.

 

( [5] )        ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, 10.ª edição, página 528:

«A omissão, como pura atitude negativa, não pode gerar física ou materialmente o dano sofrido pelo lesado; mas entende-se que a omis­são é causa do dano, sempre que haja o dever jurídico especial de praticar um acto que, seguramente ou muito provavelmente, teria impedido a consumação desse dano».