Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 40/2013-T
Data da decisão: 2013-10-10  IRS  
Valor do pedido: € 1.702.187,19
Tema: Tributação de mais-valias na alienação onerosa de participações sociais em micro e pequenas empresas
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Acordam os Árbitros Manuel Macaísta Malheiros (Árbitro Presidente), José Pedro Carvalho e Luís Máximo dos Santos, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, na seguinte

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

  1. … e … (de ora em diante os “Requerentes”), contribuintes n.º … e n.º …, respetivamente, com domicílio na Rua …, Bairro da …, Luanda, Angola, e residência fiscal na Rua …, …, …, Santarém, requereram a constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto nos n.º 1 e 2 do artigo 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, previsto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, doravante designado “RJAT”, e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, tendo por objeto a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2012…, relativa ao ano de 2011, e os consequentes atos de liquidação de juros compensatórios n.º 2012… e de acerto de contas n.º 2012…, de que resultou um saldo global a pagar de €1.709.571,14.

 

  1. É requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (adiante designada por AT ou Requerida), que sucedeu à Direção–Geral dos Impostos.

 

  1. O pedido de constituição de tribunal arbitral foi validado e aceite em 15 de março de 2013 pelo Exm.º Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (doravante designado por “CAAD”), tendo sido a AT notificada da apresentação do aludido pedido na mesma data.

 

  1. Os Requerentes não procederam à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT, os signatários foram designados pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente tribunal arbitral, tendo aceite a designação nos termos legalmente previstos.

 

  1. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído no CAAD, no dia 21 de maio de 2013 para apreciar e decidir o objeto do presente processo.

 

  1. Em síntese, os Requerentes sustentam a sua pretensão no seguinte:

 

  • A liquidação impugnada, que tributa a mais-valia resultante da alienação das participações sociais dos Requerentes na sociedade “…, LDA”, terá desconsiderado as circunstâncias de o volume de negócios anual e o balanço total daquela sociedade não exceder os 10 milhões de euros e de a mesma não empregar 10 ou mais pessoas.

  • Face às referidas circunstâncias, entendem os Requerentes estarem preenchidos os requisitos do Anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro, pelo que, nos termos dos números 3 e 4 do artigo 43.º do Código do IRS (CIRS), na redacção dada pela Lei n.º 15/2010, de 26 de julho, a mais-valia por si obtida apenas deveria ser tributada em 50%, já que a sociedade cujas participações foram por si alienadas integraria o conceito de microempresa, à luz daquele Anexo.

  • Consideram, assim, os Requerentes que o n.º 4 do artigo 43.º do CIRS, na redacção dada pela Lei n.º 15/2010, de 26 de julho, remete exclusivamente para o Anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro, e não para a totalidade desse mesmo decreto-lei.

  • A não ter seguido aquele entendimento, entendem os Requerentes que a AT incorre no equívoco de considerar que o regime supra descrito é um regime excecional de tributação das mais-valias, ao qual o contribuinte pode ter acesso, verificadas determinadas condições, já que, continuam os requerentes, o regime resultante da alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º, da alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º, dos n.ºs 1 e 3 do artigo 43º, e do n.º 4 do artigo 72.º, todos do CIRS, não representa, no actual enquadramento jurídico, um regime de exceção que o legislador tenha condicionado à apresentação de um documento emitido por uma terceira entidade.

  • Para além disso, uma vez que o n.º 4 do artigo 43.º do CIRS, na redacção em causa, remete expressamente para o Anexo, não é manifestamente possível invocar que se trata de uma remissão para a aplicação do Decreto-Lei n.º 372/2007, como sugerido pela AT no relatório de conclusões da ação inspectiva que deu origem à liquidação de IRS impugnada.

  • Sustentam os Requerentes que a norma do artigo 43.º do CIRS aplicável visa onerar fiscalmente os ganhos, quando obtidos por pessoas singulares, decorrentes de mais-valias obtidas com a alienação de participações em sociedades que não sejam micro, pequenas e médias empresas, e, inversamente, destinar um ónus fiscal menos gravoso quando tais sociedades possam ser qualificadas como tal.

  • Apontam ainda os Requerentes que a AT desconsidera a circunstância de a entidade com legitimidade para requerer a certificação (ou seja, a própria micro, pequena ou média empresa) é uma entidade completamente diferente do seu ex-sócio (o particular sujeito a IRS), não podendo, na perspectiva dos Requerentes, a tributação ao abrigo do n.º 3 do artigo 43.º do CIRS estar dependente de um ato ou impulso, meramente formal, de um terceiro, manifestamente alheio aos efeitos de uma tal exigência.

  • Notam, também, os Requerentes que a certificação será exigida às empresas na sua relação com as entidades identificadas no n.º 3 do artigo 3.º do referido decreto-lei, e que não será já exigida aos particulares que não se confundem com a empresa e até podem já não ter qualquer relação com a empresa, pelo que a estes últimos será sempre aplicável o regime constante do n.º 3 do art.º 43.º do CIRS, desde que se verifique, no plano substancial, que a empresa cujas participações foram alienadas era uma micro, pequena ou média empresa.

  • Terminam os Requerentes sustentando que a posição da AT na liquidação impugnada será violadora dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, ínsitos nas normas dos artigos 103.º e 104.º da Constituição da República Portuguesa e no n.º 1 do artigo 4.º da Lei Geral Tributária, bem como do princípio da prevalência da substância sobre a forma.

  • Na sua resposta, a AT vem tecer as seguintes considerações:

  • O valor da causa encontra-se erradamente fixado, na medida em que os Requerentes apenas contestam 50% do valor da liquidação impugnada.

  • Os Requerentes mencionam uma reclamação graciosa da qual inexiste qualquer registo.

  • Os Requerentes sufragam uma interpretação da lei que não atende ao elemento sistemático, violando a unidade do regime jurídico aplicável como um todo, bem como, uma interpretação que ignora a ratio do regime consagrado no CIRS, fundando-se numa interpretação estritamente literal da lei.

  • Dos preceitos aplicáveis resultará inequivocamente que, para efeitos de aplicação do regime contido no artigo 43.º, n.º 3, do CIRS, o legislador fiscal exige a verificação de dois requisitos cumulativos: um de natureza material e outro de natureza formal.

  • O requisito material traduzir-se-á em as mais-valias obtidas decorrerem de alienações de participações em sociedades que constituam efetivamente pequenas empresas e o requisito formal traduzir-se-á em as entidades em causa gozarem do referido estatuto certificado, através do Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e à Inovação, I.P. (IAPMEI), nos termos previstos no respectivo Decreto-Lei n.º Decreto-lei n.º 327/2007, de 6 de novembro, válido à data das alienações.

  • O regime previsto no artigo 43.º, n.º 3, do CIRS será uma exclusão tributária, como tal, tratando-se de uma norma de excepção, dado que constitui uma norma de afastamento excepcional do regime regra que seria a tributação em 100% do saldo entre as mais e menos-valias obtidas com alienação de participações sociais, torna-se necessário rodear a referida isenção de particulares cautelas, de forma a evitar situações abusivas, de aplicação a empresas que não comprovem essa qualidade ou a concessão de uma vantagem excessiva face aos objectivos visados, encontrando-se subordinada à verificação de um conjunto de condicionalismos, referentes à finalidade da referida isenção, uns de natureza material e outro de natureza formal.

  • O princípio da prevalência da substância sobre a forma, emanação do princípio da justiça material, não terá a virtualidade de permitir que se faça letra morta das normas jurídicas que consagram pressupostos de natureza formal, quando a lei expressamente os consagrou.

  • Relativamente aos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, não são afectados por exigências relacionadas com a diligência e o cumprimento das obrigações legais dos contribuintes.

  • Realizou-se no dia 8 de julho de 2013, pelas 14.00 horas, a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, da qual foi lavrada a respectiva acta que se encontra junta aos autos. Em tal reunião decidiu-se, no sentido defendido pela AT, o incidente de fixação do valor da causa, por esta suscitado, e procedeu-se à marcação de nova reunião para inquirição da testemunha arrolada pelos Requerentes, bem como para a produção de alegações orais.

  • No dia 16 de setembro de 2013, pelas 11.30, efetuou-se nova reunião, conforme agendado, tendo sido inquirida a testemunha …, após o que as partes procederam à produção de alegações orais.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

  1. Os Requerentes apresentaram a declaração modelo 3 de IRS, para o ano de 2011, declarando apenas rendimentos da categoria A (trabalho dependente), auferidos pelo titular A, …, sendo a entidade pagadora …, Ldª.

  2. A autoridade tributária realizou um procedimento inspetivo ao sujeito passivo …, SA, NIPC …, tendo sido verificado que, esta empresa, em 09-09-2011, adquiriu a empresa …, Lda.

  3. No dia 9 de setembro de 2011, foi celebrado um contrato de compra e venda de quotas da …, Lda, por efeito do qual os Requerentes declararam vender à sociedade …, SA., as quotas de que eram titulares, pelo preço total de USD 10.000.000,00.

  4. Foi apurado que os sujeitos passivos, e ora Requerentes, eram titulares de duas quotas de valor nominal de €2.500,00 cada uma, as quais representavam a totalidade do capital da referida sociedade.

  5. Do contrato de compra e venda e da ata n.º 23 resulta que as quotas foram transmitidas pelo valor total de USD 10.000.000,00.

  6. No decurso ação realizada pela inspeção tributária à … constatou-se que os Requerentes não declararam o ganho obtido e, em consequência, foi instaurado um procedimento inspetivo, aos ora Requerentes, para efeitos da correção da situação tributária.

  7. Daqui resultou o apuramento do ganho omitido (valor de realização - valor de aquisição atualizado) no montante de €7.114.503,50, o qual foi decidido tributar à taxa especial de 20%, nos termos do artigo 72.º, n.º 4, do CIRS, (€ 7.114.503,50 x 20% = €1.422.900.70).

  8. A sociedade …, Lda., não apresentava, à data da sua transmissão, qualquer volume de negócios.

  9. O balanço total da sociedade …, Lda, era, àquela mesma data inferior a €10.000.000,00.

  10. A sociedade, para além dos seus gerentes, não dispunha, à data, de quaisquer trabalhadores.

  11. A sociedade …, Lda, não requereu, por razões alheias aos Requerentes, a certificação eletrónica prevista no Decreto-Lei n.º 327/2007, de 6 de novembro, por referência ao ano de 2011.

  12. Na sequência da alienação da quota relativa à sociedade …, Lda., os Requerentes não lhe fizeram qualquer referência na sua Declaraçã­o Modelo 3 de IRS, entregue em 24 de Abril do ano seguinte (2012), designadamente no respetivo Anexo G.

  13. Em resultado da omissão em referência, os serviços inspetivos da Direcção de Finanças de Braga encetaram uma acção inspetiva com vista a promover a pertinente correção aritmética na liquidação de IRS que resultara daquela Declaração Modelo 3.

  14. No âmbito dessa acção inspetiva, foram os Requerentes notificados, por ofício datado de 20 de setembro de 2012, ao abrigo dos artigos 60.º da Lei Geral Tributária e 60.º do Regulamento Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária, e em face do projecto de correções do relatório de inspecção relativo ao exercício de 2011, para, querendo, apresentarem o seu direito de audição.

  15. Os Requerentes apresentaram, no dia 8 de outubro de 2012, por escrito, o seu direito de audição.

  16. Em resposta ao direito de audição, veio a AT, através da Direção de Finanças de Braga, notificar os Requerentes do relatório final das conclusões do processo inspetivo e, mais tarde, dos atos de liquidação adicional de IRS n.° 2012 …, de liquidação de juros compensatórios n.º 2012 … e de acerto de contas n.º 2012 ….

A.2. Factos dados como não provados

  1. Todos os serviços necessários à prossecução da sua atividade eram assegurados através do recurso à subcontratação.

  2. Os requerentes omitiram a mais-valia resultante da alienação da sociedade …, Lda., por se encontrarem deslocados do território nacional e os respetivos assuntos fiscais estarem entregues a alguém não suficientemente advertido para os efeitos fiscais da operação em crise.


 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

A matéria de facto dada como provada, que é pacificamente reconhecida e aceite pelas partes, assenta na prova documental apresentada, com exceção do referido nos pontos 8 e 10, que foi dado como provado com base nas declarações da testemunha …, que depôs de forma segura e credível, de modo a não deixar quaisquer dúvidas ao Tribunal.

A testemunha em causa, esclareceu que, após 2005, a sociedade …, Lda., cessou toda a atividade, incluindo para efeitos de IVA, não tendo volume de negócios nem qualquer trabalhador ao seu serviço.

O ponto 1 dos factos dados como não provados decorre do depoimento referido, já que, não tendo atividade, necessariamente que a sociedade …, Lda., não recorria à subcontratação, não tendo, de resto, sido feita qualquer prova nesse sentido.

O ponto 2 dos factos dados como não provados decorre da inexistência de prova apresentada a seu respeito.

 

B. DO DIREITO

B.1. O quadro legal relevante

Os ganhos obtidos na alienação onerosa de participações sociais, que não sejam considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, constituem mais-valias nos termos do disposto no artigo 10.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRS. Por seu turno, do n.º 4, alínea a), do mesmo artigo resulta que, no caso da alienação onerosa de partes sociais, o ganho sujeito a IRS é constituído pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição.

À data de 31 de dezembro de 2011, o artigo 72.º, n.º 4, do CIRS estabelecia que “o saldo positivo entre as mais e menos-valias, resultante de operações previstas nas alíneas b), e), f) e g) do n.º 1 do artigo 10.º é tributado à taxa de 20%”.

Nos termos do disposto no artigo 43.º, n.º 1, também do CIRS, “o valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano”. E os n.ºs 3 e 4 do referido artigo estatuem:

“3. O saldo referido no n.º 1, respeitante às transmissões previstas na alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º, relativo a micro e pequenas empresas não cotadas nos mercados regulamentado ou não regulamentado da bolsa de valores, quando positivo, é igualmente considerado em 50 % do seu valor.  

4. Para efeitos do número anterior entende-se por micro e pequenas empresas as entidades definidas, nos termos do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro”.  

 

Deste modo, tratando-se de ganhos obtidos na alienação onerosa de participações sociais relativas a micro e pequenas empresas não cotadas na bolsa de valores, o ganho só é considerado por 50% do seu valor, ficando, portanto, os restantes 50% excluídos da tributação.

A origem desta redação dos n.ºs 3 e 4 do artigo 43.º do CIRS é a Lei n.º 15/2010, de 26 de julho, que veio introduzir um regime de tributação das mais-valias mobiliárias, à taxa de 20%, com um regime de isenção para os pequenos investidores.

Tal diploma legal resulta da Proposta de Lei n.º 16/XI, que, contudo, na sua versão inicial, não previa o regime de exclusão tributária agora constante do n.º 3 do artigo 43.º do CIRS. A sua inclusão na versão final resulta da aprovação de uma proposta de alteração que tem origem no Projeto de Lei n.º 257/XI, cujo preâmbulo justificava nos seguintes termos: “Finalmente, porque importa nesta ocasião significar a urgência da recuperação financeira das empresas, em particular das pequenas e médias empresas nacionais, muitas delas de matriz familiar, preconiza-se um regime fiscal mais favorável às mais-valias geradas na alienação onerosa de partes sócias, nos termos definidos no artigo 10.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRS”1.

 

O legislador estabeleceu, assim, um tratamento mais favorável, em sede de IRS, para as mais-valias obtidas na alienação de participações sociais relativas a micro e pequenas empresas2 não cotadas em bolsa, que se consubstancia no disposto no artigo 43.º, n.º 3, do CIRS. Ora, para proceder à aplicação de tal norma, é preciso que saibamos o que entende o legislador por micro empresa e por pequenas empresas. A resposta está no n.º 4 desse mesmo artigo, que, como já vimos, estatui, para efeitos da aplicação do nº 3 do CIRS, que se entende por micro e pequenas empresas “as entidades definidas, nos termos do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro”.

O Decreto-Lei n.º 372/2007 criou a certificação por via eletrónica de micro, pequenas e médias empresas (PME). Nos termos do seu artigo 1.º, n.º 2, tal certificação “permite aferir o estatuto de PME de qualquer empresa interessada em obter tal qualidade” (itálico nosso).

O artigo 3.º, n.º 1, estatui que “a certificação de PME, nos termos do presente decreto-lei, é aplicável às empresas que exerçam a sua actividade nas áreas sob tutela do Ministério da Economia e da Inovação (MEI) e que necessitem de apresentar e comprovar o estatuto de PME no âmbito dos procedimentos administrativos para cuja instrução ou decisão final seja legalmente ou regulamentarmente exigido”, estabelecendo o n.º 2 do mesmo artigo que “decorrido o prazo de um ano a contar da entrada em vigor do presente decreto-lei, a certificação de PME é igualmente aplicável às empresas interessadas, que exerçam a sua actividade em áreas não tuteladas pelo MEI”.

A certificação online das PME pressupõe, pois, o interesse das empresas na sua obtenção, que são as exclusivas titulares do direito de a requererem.

O n.º 3, ainda do artigo 3.º, estatui que a utilização da certificação PME “é obrigatória para todas as entidades envolvidas em procedimentos que exijam o estatuto de PME” contando-se entre elas “os serviços da administração directa do Estado”.

Trata-se, portanto, de uma exigência legal no âmbito de procedimentos que respeitem às empresas e não, por exemplo, aos seus sócios ou ex-sócios.

 

 

B.2. Fundamentação

O objeto do presente litígio é, essencialmente, sobre o alcance do n.ºs 3 e 4 do artigo 43.º do CIRS, sobre a sua interpretação. Vejamos então.

A remissão do n.º 4 do artigo 43.º do CIRS deve considerar-se apenas para o Anexo do Decreto-Lei n.º 372/2007, como alegam os Requerentes, ou para o decreto-lei no seu todo, como alega a Requerida?

Em primeiro lugar, importa ter presente que o artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, dispõe que “na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”.

Ora, a verdade é que o n.º 4 do artigo 43.º do CIRS remete expressamente para o Anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007 e não para o diploma legal no seu todo. Se o legislador tivesse querido que a remissão em causa fosse para o texto do diploma legal, certamente que se teria expresso em conformidade.

Não se trata de hipervalorizar o elemento literal na interpretação da lei. Trata-se, sim, de lhe conferir o relevo que é adequado, pois, é perfeitamente entendível o que o legislador quis ao restringir a remissão ao Anexo.

O Decreto-Lei n.º 372/2007 cria e regula, como vimos, um regime de certificação eletrónica das micro, pequenas e médias empresas, a cargo do Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e à Inovação, I. P. (IAPMEI). Conforme se assinala no seu preâmbulo, a finalidade da certificação é a de permitir “a desburocratização e desmaterialização no relacionamento das empresas com os serviços públicos responsáveis pela aplicação das políticas destinadas às PME” (itálico nosso).

O que o legislador fiscal quis no n.º 4 do artigo 43.º do CIRS foi apenas importar, para efeito da aplicação do n.º 3, os conceitos de micro e de pequena empresa e não importar um meio de prova da condição de PME. O desiderato do legislador é o de que a remissão seja feita especificamente para o Anexo, por ser no anexo que se contêm as definições de micro empresa e de pequena empresa.

Ao contrário do que pretende a Requerida, a lei não exige qualquer requisito formal consistente na apresentação da certificação eletrónica. Desde logo, seria estranho, como notam os Requerentes, que fosse exigido a determinado sujeito passivo um documento que não está na sua disponibilidade obter, nada relevando para o efeito, como é evidente, a pessoa em questão ter sido ou não sócio-gerente de empresa em causa.

Por uma questão de segurança jurídica na aplicação do disposto no artigo 43.º, n.º 3, do CIRS, o legislador podia, é certo, ter feito essa opção, independentemente do escrutínio que a mesma poderia merecer à luz de diversos princípios do nosso ordenamento jurídico. Nesse caso, bastar-lhe-ia dizer no n.º 4 do artigo 43.º do CIRS que para efeitos da aplicação do n.º 3 são micro e pequenas empresas aquelas que se encontrem certificadas como tal nos termos do Decreto-Lei n.º 372/2007. Mas não o fez. E, portanto, impõe-se concluir que para beneficiar da exclusão tributária prevista no artigo 43.º, n.º 3, do CIRS o titular de mais-valias obtidas na alienação de participações sociais de PME não precisa de exibir necessariamente a certificação emitida nos termos do Decreto-Lei n.º 372/2007.

Mas precisa, claro está, de demonstrar que a empresa em questão é uma micro empresa ou uma pequena empresa, nos termos definidos no anexo ao referido decreto-lei. É isso que resulta do n.º 4 do artigo 43.º do CIRS.

Ou seja, os Requerentes não precisam, pelas razões supra explanadas, de apresentar a certificação prevista no Decreto-Lei n.º 372/2007. Podem provar a qualidade de PME por qualquer outro meio adequado para o efeito, mas não estão dispensados dessa prova, pois efetivamente o regime previsto no artigo 43.º, n.º 3, do CIRS, como bem nota a Requerida, é um regime de exclusão tributária que afasta o regime regra que consiste na tributação em 100% do saldo das mais e menos-valias obtidas na alienação onerosa de participações sociais.

O Anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007 define o conceito de micro empresa através das disposições conjugadas dos artigos 1.º e 2.º, n.º 3, e o de pequena empresa pela conjugação do disposto nos artigos 1.º e 2.º, n.º 2. O conceito de média empresa, por sua vez, resulta da conjugação dos artigos 1.º e 2.º, n.ºs 1, 2 e 3.

Quer dizer, portanto, que para estarmos perante uma micro empresa ou uma pequena empresa, além da verificação dos pressupostos quanto a efetivos e limiares financeiros previstos no artigo 2.º do Anexo, é também necessária a verificação do pressuposto previsto no artigo 1.º, o qual, sob a epígrafe “empresa”, estatui o seguinte: “entende-se por empresa qualquer entidade que, independentemente da sua forma jurídica, exerce uma actividade económica. São, nomeadamente, consideradas como tal as entidades que exercem uma actividade artesanal ou outras actividades a título individual ou familiar, as sociedades de pessoas ou as associações que exercem regularmente uma actividade económica”.

Os Requerentes alegam que a …, Lda., é suscetível de ser considerada uma pequena empresa, uma vez que: (i) à data da transmissão onerosa da participação social apresentava um volume de negócios inferior a €10.000.000,00; (ii) o seu balanço total, com referência a 31 de dezembro de 2011, ficava também aquém desse montante e (iii) empregava menos de 50 pessoas. Assinala-se mesmo, quanto à questão dos efetivos, que, em rigor, a sociedade, para além dos seus gerentes, não dispunha, à data da alienação da participação, de outros trabalhadores, pois todos os serviços necessários à prossecução da sua atividade seriam assegurados através do recurso à subcontratação (cf. artigos 3.º e 4.º do pedido de pronúncia arbitral).

Uma primeira nota se impõe: a remissão do n.º 4 do artigo 43.º do CIRS para o anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007 é, obviamente, uma remissão para a sua integralidade, pelo que, para emitir o juízo sobre se qualquer empresa preenche os requisitos necessários para que seja considerada como PME, teremos sempre de considerar a totalidade das normas que o compõem o Anexo.

Ora, o artigo 4.º, n.º 1, do Anexo estabelece que “os dados para o cálculo dos efectivos e dos montantes financeiros são os do último exercício contabilístico encerrado”, ou seja, para o que os Requerentes pretendiam, o exercício de 2010. Sucede que sobre este exercício os Requerentes não fizeram qualquer prova, limitando-se a juntar elementos relativos ao exercício de 2011.

Por outro lado, e como já assinalámos, para se concluir se determinada empresa é um micro empresa ou uma pequena empresa é indispensável que se mostre verificado o pressuposto previsto no artigo 1.º do Anexo ao Decreto-Lei n. 372/2007. Aí se estatui, como já vimos, que se entende por empresa “qualquer entidade que, independentemente da sua forma jurídica, exerce uma actividade económica”. E mais se acrescenta que “são, nomeadamente, consideradas como tal as entidades que exercem uma actividade artesanal ou outras actividades a título individual ou familiar, as sociedades de pessoas ou as associações que exercem regularmente uma actividade económica” (sublinhado nosso).

Quer dizer, portanto, que se tem de provar que a entidade em causa exerce uma atividade económica. E os Requerentes não fizeram essa prova. Pelo contrário, da prova produzida resulta que a sociedade em causa estava inativa, pois não exercia qualquer atividade, por isso mesmo não apresentando qualquer volume de negócios. Conforme referimos na apreciação da matéria de facto, a testemunha … esclareceu, sem margem para dúvidas, que, após 2005, a sociedade …, Lda., cessou toda a atividade, incluindo para efeitos de IVA, não tendo volume de negócios nem qualquer trabalhador ao seu serviço. E, não tendo actividade, necessariamente que a sociedade …, Lda., não recorria à subcontratação, não tendo, de resto, sido feita qualquer prova nesse sentido.

Não se mostra, pois verificado o pressuposto previsto no artigo 1.º do anexo ao Decreto-Lei n.ª 372/2007, de 6 de novembro, pelo que a …, Lda., não reúne os requisitos para poder ser considera PME à luz do referido decreto-lei e, consequentemente, não se mostram verificadas as condições exigidas para que possa ser aplicada, no caso concreto, a exclusão tributária prevista no artigo 43.º, n.º 3, do CIRS.

E bem se compreende que o legislador, para este efeito, tenha consagrado a exigência do exercício de uma atividade económica. O que se pretendeu com tal exclusão tributária prevista no artigo 43.º, n.º 3, do CIRS foi incentivar o investimento de carteira em PME, beneficiando os investidores no que toca à tributação das mais-valias que eventualmente venham a auferir. De facto, só se justifica a renúncia do Estado à receita fiscal decorrente da exclusão tributária em causa em virtude de motivos extra-fiscais, que se entendeu superarem o interesse da tributação pela totalidade do ganho. Este regime facilita o processo de capitalização das empresas e, nessa medida, contribui para reforçar as condições do exercício da sua atividade económica, com potencias efeitos positivos, por exemplo, no emprego.

Sem essa exigência, sem a exigência do efetivo exercício de uma atividade económica, pura e simplesmente o regime do artigo 43.º n.º 3, do CIRS não se entenderia, estando a favorecer-se a tributação de mais-valias em sociedades inativas em vez de, como de facto se pretendeu, favorecer, indiretamente, as condições de exercício da atividade económica por parte de PME.

 

C. Decisão

 

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

a) Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, não declarar ilegal a liquidação adicional de IRS n.º 2012 …, relativa ao exercício de 2011, e os consequentes atos de liquidação de juros compensatórios n.º 2012… e de acerto de contas n.º 2012…, de que resultou um saldo global a pagar de €1.709.571,14;

b) Absolver a Requerida do pedido; e

c) Condenar os Requerentes nas custas do processo, no montante de €10.404,00, devendo ter-se em conta os pagamentos entretanto efetuados.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 711.450,35, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força do das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €10.404,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar integralmente pelos Requerentes, uma vez que o seu pedido foi integralmente indeferido, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 10 de outubro de 2013

 

 

Os Árbitros

 

 

(Manuel Macaísta Malheiros)

(Presidente)

 

 

(José Pedro Carvalho)

 

 

(Luís Máximo dos Santos)


 

 

A decisão arbitral foi redigida em conformidade com as regras do Acordo Ortográfico de 1990.

 

Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 138.º, n.º 5, do Código de Processo

Civil, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

1 Refira-se que o projeto de lei em causa previa um benefício maior do que aquele que ficou consagrado, visto que se previa que, tratando-se da alienação onerosa de participações sociais relativas a pequenas e médias empresas, o saldo apurado fosse apenas considerado em 25% do seu valor em vez dos 50% agora estabelecidos pela lei.

2 O artigo 43.º, n.º 3, do CIRS refere-se a”micro e pequenas empresas” enquanto o Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro, se refere a “micro, pequenas e médias empresas”. Embora sob a designação comum de PME, resulta claro do artigo 2.º do Anexo ao Decreto-lei n.º 372/2007, de 6 de novembro, que são diferentes os conceitos de micro empresa, de pequena empresa e de média empresa. Assim sendo, fica claro que as mais-valias resultantes da alienação onerosa de participações sociais de médias empresas não podem beneficiar disposto no n.º 3 do artigo 43.º do CIRS. Aliás, a expressão “média empresa” constava do Projeto de Lei n.º 257/XI mas não ficou a constar da versão final da Proposta de Lei n.º 16/XI, o que mais reforça tal entendimento.