Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 309/2023-T
Data da decisão: 2024-02-29  IRC IRS IVA  
Valor do pedido: € 142.459,13
Tema: IRC – IVA – IRS – RFAI – Dedutibilidade de gastos
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DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Guilherme Waldemar d’Oliveira Martins (árbitro Presidente), António Martins e Rita Guerra Alves (árbitros adjuntos), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o presente Tribunal Arbitral, constituído em 3 de Julho de 2023, acordam no seguinte:

 

  1. RELATÓRIO
  1. Identificação das Partes

Requerente: A... LDA, adiante designada por “Requerente” ou “Sujeito Passivo”, n.º de identificação fiscal..., com sede na Rua ..., s/n, ...,  ..., ...-... ... .

Requerida: Autoridade Tributaria e Aduaneira, doravante designada de “Requerida” ou “AT”.

A Requerente apresentou o pedido de constituição de Tribunal Arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, adiante abreviadamente designado por “RJAT”).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD, em 27.04.2023, e em conformidade com o preceituado no artigo 11.º, n.º 1, alínea c) do
Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei
n.º 66­B/2012, de 31 de dezembro, tendo sido notificada nessa data a AT.

A Requerente, não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto do artigo 6.º, n.º 1 e do artigo 11.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, o Conselho Deontológico, designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, aqui signatários, que comunicaram no prazo legalmente estipulado a aceitação dos respetivos encargos.

Em 14.06.2023, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, e não manifestaram vontade de a recusar, nos termos do artigo 11.º n.º 1, alínea a) e b), do RJAT e artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Desta forma, o Tribunal Arbitral Coletivo foi regularmente constituído em 03.07.2023, com base no disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do RJAT, para apreciar e decidir o objeto do presente litígio, tendo sido subsequentemente notificada a AT para, querendo, apresentar resposta, o que veio a fazer. Por despacho de 09.10.2023, a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT foi agendada para o dia 7 de novembro de 2023, determinando-se a inquirição das testemunhas indicadas.

As partes compareceram no dia agendado, tendo sido ouvidas as testemunhas indicadas. As partes ficaram ainda notificadas para, de modo sucessivo, apresentarem alegações escritas no prazo de 15 dias.

Ambas a partes apresentaram alegações.

As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

  1. Pedido

A ora Requerente deduziu pedido de pronúncia arbitral, tendo sido notificada do Relatório Final de Inspeção e consequentes os atos de Liquidação de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas (de ora em diante “IRC”), com o n.º 2022... e respetivo ato de liquidação de Juros Compensatórios com o n.º 2022..., no montante total de 2.961,44€ (dois mil novecentos e sessenta e um euros e quarenta e quatro cêntimos); ato de Liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (de ora em diante “IVA”), com o n.º 2022..., e respetivo ato de liquidação de Juros Compensatórios n.ºs 2022..., no montante total de 10.585,29€ (dez mil quinhentos e oitenta e cinco euros e vinte e  cêntimos); e Ato de liquidação de IRS n.º 2022... e respetivo ato de liquidação de Juros Compensatórios n.º 2022..., no montante total de 69.780,04€ (sessenta e nove mil, setecentos e oitenta euros e quatro cêntimos), relativos ao ano de 2018, perfazendo o total de 83.326,77€ (oitenta e três mil trezentos e vinte e seis euros e setenta e sete cêntimos), por não se conformar com os mesmos.

 

  1. Causa de Pedir

A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral, a Requerente alegou, com vista à declaração de anulação dos atos de liquidação, e em síntese, o seguinte:

O Sujeito Passivo em cumprimento da ordem de Serviço n.º OI2022..., foi sujeito a um procedimento de inspeção interna, iniciado em 10/05/2022, relativo ao ano de 2018.

Em sede de ação de inspeção tributária e consequente relatório final (cf. Doc. n.º 13 que se junta), a Autoridade Tributária e Aduaneira vem invocar as seguintes correções:

 

                 2018

 

 

Correções à Matéria Tributável

IRC

174.196,73

De natureza meramente aritmética resultante de imposição legal

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Imposto em falta

IRC

59.132,34

IVA

9.200,00

RFIRS

60.405,35

 

Concluindo a Administração Tributária ser de proceder as correções à matéria tributável, em sede de IRC, no valor de 174.196,73€ e estar em falta o pagamento de IRC na quantia de 59.132,34 €, de IVA no valor de 9.200,00 € e ainda de retenção na fonte em sede de IRS no montante de 60.405,35 €.

 

Correções essas que dizem respeito a IRC (relativamente a gastos não aceites e dotação de RFAI), IVA (deduções alegadamente indevidas) e RFIRS (alegada falta de retenção de IRS Categoria E de valores registados na conta de sócios).

 

De forma mais pormenorizada, em sede de IRC, verificaram-se as seguintes correções:

  1. Correções à matéria tributável – gastos não relacionados com a obtenção de rendimentos (Vl.1.1.) – no montante de 40.000,00€, não aceites pelo Sujeito Passivo;
  2. Gastos com Conservação e Reparação (Vl.1.1.2.) - no montante de 1.780,17€, aceites pelo Sujeito Passivo em sede de reunião de regularização parcial com a Autoridade Tributária, nos termos do artigo 58.º-A do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (“RCPITA”);
  3. Gastos com Materiais (Vl.1.1.3.) - no montante de 348,80€, não aceites pelo Sujeito Passivo;
  4. Gastos com Ofertas (Vl.1.1.4.) - no montante total de 14.543,98€, dos quais o Sujeito Passivo apenas aceitou 9.246,46€, não aceitando, assim, as correções na quantia de 5.297,52€;
  5. Outros Gastos (Vl.1.1.5.) - no montante de 9.214,25€, dos quais o Sujeito Passivo não aceita 2.512,06€;
  6. Gastos Imputáveis a outros Períodos de Tributação (Vl.1.2) - no montante de 118.920,00€, não aceites pelo Sujeito Passivo;
  7. Gastos com Deslocações e Estadas (V.1.3) - no montante de 24.701,26€, dos quais o Sujeito Passivo aceitou 18.485,10€, não aceitando correções no valor de 6.216,16€.
  8. Gastos com o Pessoal - Ajudas de Custo (V.1.4. e V.1.4.1) – no montante de 41.457,33€, que o Sujeito Passivo aceitou;
  9. Outros Gastos com o Pessoal (V.1.4.2.) – no montante de 2.042,26€, dos quais o Sujeito Passivo aceitou 668,40€, não aceitando correções no montante de 1.373,86€;
  10. Benefícios Fiscais:
  1. Correções às dotações, tendo em conta as aplicações relevantes para efeitos de RFAI (V.3.3):
  2. RFAI 2014: correções à dotação de RFAI de 2014 na quantia de 1.427,15€, (passando a dotação a ser no montante de 247.358,51€ (25% x 989.434,03€ de aplicações relevantes consideradas pela Administração Tributária para efeitos de RFAI)), tendo o Sujeito Passivo aceite as correções;
  3. RFAI 2015: correções à dotação de RFAI 2015 na quantia de 2.308,40€, (passando esta a ser no montante de 170.448,64€ (25% x 681.794,55€ de aplicações relevantes consideradas pela Administração Tributária para efeitos de RFAI)), tendo o Sujeito Passivo aceite as correções;
  4. RFAI 2016: correções à dotação no montante de 12.726,25€, passando a dotação para 67.423,13€ ((25% x 269.692,53€ de aplicações relevantes consideradas pela Administração Tributária para efeitos de RFAI)), tendo o Sujeito Passivo aceite as correções;
  5. RFAI 2017: correções à dotação na quantia de 38.583,87€, (passando esta a ser no montante de 393.785,45€ (25% x 1.575.141,78€ de aplicações relevantes consideradas pela Administração Tributária para efeitos de RFAI)), dos quais 17.361,82€ o Sujeito Passivo não aceitou.
  6. RFAI 2018: correções à dotação na quantia de 42.516,79€, (passando esta a ser no montante de 141.375,045€ (25% 565.500,18€)), dos quais 41.770,54€ o Sujeito Passivo não aceitou.

 

  1. Correções à dotação de RFAI, tendo em conta os limites máximos aplicáveis aos auxílios aos investimentos com finalidade regional (V.3.4.), artigo 23.º, n.º 5 do Código Fiscal do Investimento – que, no entanto, foram eliminadas após direito de audição do Sujeito Passivo:
  1. Dotação de RFAI 2014: correções no montante de 245.927,15€, não aceites pelo Sujeito Passivo;
  2. Dotação de RFAI 2015: correções no montante de 105.044,93€, não aceites pelo Sujeito Passivo;
  3. Dotação de RFAI 2016: correções no montante de 24.252,70€, não aceites pelo Sujeito Passivo;
  4. Dotação de RFAI 2017: correções no montante de 38.583,88€, não aceites pelo Sujeito Passivo;
  5. Dotação de RFAI 2018: correções no montante de 42.516,79€, não aceites pelo Sujeito Passivo.
  1. Correções em sede de IVA (V.4.) – imposto em falta – no montante de 9.651,55€, dos quais 9.200,00€ não foram aceites pelo Sujeito Passivo;
  2. Correções em sede de alegada falta de retenção de IRS Categoria E – Adiantamento por conta de lucros (V.5.) – no montante de 60.405,35€, não aceites pelo Sujeito Passivo.

 

Sendo que a matéria tributável que resultou das correções aceites pelo Sujeito Passivo no âmbito de reunião de regularização parcial, no montante de 78.339,65€, considerando o saldo existente de Benefícios Fiscais do Sujeito Passivo (RFAI e SIFIDE), foi absorvida/abatida ao saldo existente, conforme exposto no Relatório Final (infra), e nos docs. n.ºs 14 e 15 que aqui se juntam.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ora, por não concordar com todas as correções efetuadas pela Administração Tributária e o entendimento a elas subjacente, o Sujeito Passivo exerceu o seu Direito de Audição Prévia (cf. Doc. n.º 16).

Não obstante, a Administração Tributária manteve o seu entendimento – exceto no que diz respeito às correções à dotação de RFAI, tendo em conta os limites máximos aplicáveis aos auxílios aos investimentos com finalidade regional (V.3.4.) -, dando origem aos atos de liquidação supra melhor identificados.

No entanto, por não se conformar com tal entendimento e com os Atos de liquidação  de IRC com o n.º 2022 ... e, bem assim, o correspondente ato de liquidação de Juros Compensatórios com o n.º 2022 ...; Ato de Liquidação de IVA com o n.º 2022  ... e respetivo ato de liquidação de Juros Compensatórios n.ºs 2022 ...; e Ato de liquidação de IRS com o n.º 2022 ... e respetivo ato de liquidação de Juros Compensatórios n.º 2022 ..., o Sujeito Passivo vem agora exercer, pelo presente, o seu direito a apresentar Pedido de Pronúncia Arbitral.

 

Nesse sentido, foram identificadas as seguintes correções à Matéria Tributável – IRC.

 

1. Quanto aos gastos fiscais em sede de IRC

a) Dos Gastos Alegadamente Não relacionados com a Obtenção de rendimentos – Gastos com Trabalhos especializados;

Em sede de correções à matéria tributável, a Administração Tributária identificou, na subconta “6221112 – Trabalhados Especializados Tx Nr” o movimento contabilístico relativo ao “reconhecimento de um gasto no montante de 40.000,00€ relativo à aquisição, à entidade B... Lda, NIPC ..., de serviços de consultoria e prospeção de mercado na área do café em cápsula na Europa e as novas tendências de consumo suportada pela Fatura n.º FA 2018/30 de 2018-09-21”, conforme doc. n.º 13 já junto e doc. n.º 17 que se junta.

 

b) Gastos Com Materiais;

Em sede de correções à matéria tributável, a Administração Tributária identificou movimentos contabilísticos “cujos documentos de suporte evidenciam tratar-se de aquisição de bens/serviços cuja utilização não é suscetível de ser relacionada com a atividade desenvolvida pela A...”, tratando-se de gastos relativos à aquisição de produtos alimentares e suplementos dietéticos, no montante total de 348,80€.

 

 

 

Considerando que “da consulta aos documentos de suporte não se encontram evidências da existência de uma relação entre gastos e a atividade exercida pelo sujeito passivo, desde logo pela utilização/aplicação do tipo de bens adquiridos”.

 

c) Gastos com Ofertas;

A Administração Tributária identificou vários documentos nas subcontas da classe 6234 – Artigos para ofertas, relativos a aquisição de vestuário, calçado, cartões presente de diversos estabelecimentos comerciais, raspadinhas, joias, vinhos, entre outros, para oferta, no total de 14.543,98€.

Segundo a Administração Tributária, numa conduta de manifesto excesso de zelo, tais despesas afastam-se do uso comercial da oferta “pela sua tipologia e pelo seu valor”, não as considerando relacionadas com a obtenção de rendimentos do Sujeito Passivo.

Alegando ainda que não foram identificados os beneficiários das ofertas e em que medida se encontram relacionados com a obtenção de rendimentos do Sujeito Passivo.

 

d) Outros Gastos;

A este propósito, a Administração Tributária identificou ainda vários gastos no montante total de 9.214,25€, concluindo que a generalidade diz respeito a “aquisições de bens/serviços cuja utilização/natureza não é possível relacionar com a atividade desenvolvida pelo sujeito passivo”.

E que o Sujeito Passivo “não logrou fazer prova da relação entre os referidos fastos e os rendimentos, nomeadamente pela identificação dos seus beneficiários, de que as ofertas estão conforme os usos comerciais e as circunstâncias das mesmas”.

Do total de correções da Administração Tributária a este respeito, o Sujeito Passivo não aceitou as correções na quantia de 2.512,06€, que dizem respeito às despesas da Fatura 18C/7, F 1 2018/235, FR n.º 1800012, FR 2018B/11, FAC 00100420180052/278, FS 07170051801020617/004725, F A18/295, FC A/1853, FT 002/6477 (cfr. doc. n.º 27 que se junta, sublinhadas a amarelo no doc. n.º 28 que se junta.

Ora, a Fatura 18C/7 diz respeito a despesas com candeeiro e pés tabuleiro; a Fatura FAC 00100420180052/278 foi tida com artigos de decoração; a fatura F A18/295 também diz respeito a candeeiros; e a Fatura F 1 2018/235, diz respeito a plantas.

Todas estas despesas se mostram relevantes para a obtenção de rendimentos do Sujeito Passivo, tendo sido realizadas no interesse da empresa, numa ótica comercial, na medida em que serviram para a apresentação das instalações do Sujeito Passivo aos clientes e bem-estar dos trabalhadores, para as respetivas condições de trabalho.

E, portanto, útil e inevitável para a realização dos proveitos, ainda que de forma mediata, e/ou manutenção da fonte produtora do Sujeito Passivo.

 

e) Gastos Imputáveis a outros Períodos de Tributação;

Veio a Administração Tributária identificar vários movimentos contabilísticos relativos a aquisição de bens/serviços efetuados em 2017:

 

Tais aquisições/serviços dizem respeito a contrato com a C... Unipessoal Lda, no montante total de 78.670,00€ (sem iva)[1], que consubstanciam cedência de pessoal nos meses de outubro, novembro e dezembro de 2017, nos termos do contrato celebrado entre aquela entidade e a A... em 15.09.2016, conforme docs. n.ºs 29 e 30 que se juntam.

Quanto aos movimentos contabilísticos no montante total de 700,00€ (350,00€ cada)[2], os mesmos dizem respeito a prestação de serviços de Play-roll – serviços de consultoria em gestão de recursos, nos meses de maio e dezembro de 2017, cujas faturas se juntam como doc. n.º 31.

Relativamente ao movimento contabilístico no montante de 39.550,00€ - fornecedor “D... SL[3] e fatura 173428 “personalização/impressão logo 3 cores” (cfr. doc. n.º 32 que se junta) - referiu a Administração Tributária que o mesmo se encontra suportado “por documento emitido em 2017 pelo que também por este motivo deveria ser contabilizado neste período e não em 2018”.

Tendo a Administração Tributária concluído que estamos perante “serviços que foram prestados em 2017 e, como tal, os gastos correspondentes serão imputáveis a esse período de tributação dado que, por força dos contratos celebrados e em vigor, os mesmos seriam conhecidos no encerramento daquele período.”

 

G) Dos Gastos Indevidamente Contabilizados como Deslocações e Estadas – Das Despesas de Representação;

No período de tributação de 2018, a Administração Tributária identificou ainda movimentos contabilísticos relativos a deslocações e estadas dos funcionários do Sujeito Passivo, que ascende a 24.701,26€ (14.295,93€ + 10.405,33€).

Mediante análise dos documentos de despesa associados a tais movimentos, e do cruzamento com elementos no e-fatura, a Administração Tributária concluiu que:

  1. Tais gastos dizem respeito a aquisição de serviços de alojamento e de refeições em várias localidades do território nacional;
  2. Na generalidade dos documentos não consta qualquer informação sobre quem se deslocou nem a que título, considerando, por isso, não ser possível relacionar o gasto com a obtenção de rendimentos pelo Sujeito Passivo;
  3. Foram identificados gastos que ascendem a 9.131,04€ relativos a aquisição de refeições em estabelecimentos comerciais localizados na área da sede da Empresa, considerando que mesmo que houvessem sido identificados os beneficiários e o âmbito em que ocorreram, as despesas não poderiam ser aceites como gastos com deslocações e estadas tendo em conta o local onde foram consumidas;
  4. Foram identificados vários gastos relativos a aquisição de refeições ao fim de semana/feriados, que ascendem a 7.590,31€, em locais de veraneio, sem identificação dos funcionários que se deslocaram, nem a que título;
  5. Existem gastos sem documento de despesa de suporte (1.833,22€) ou cujo descritivo é insuficiente ou relativos a outro período de tributação (855,10€), em todos os casos sem identificação dos beneficiários, nem respetiva relação com obtenção de rendimentos pelo Sujeito Passivo;
  6. Os funcionários do sujeito passivo foram abonados ou com ajudas de custo ou com subsídio de refeição pelo que o reconhecimento de gasto com deslocações e estadas de tais funcionários, ainda que estivessem devidamente justificadas, consubstancia duplicação de gastos, que não podem ser fiscalmente aceites.

Juntando no Anexo IX do relatório de inspeção, o mapa-resumo de tais deslocações e estadas e cópia de alguns documentos relativos à aquisição de refeições e alojamento.

Concluindo, tendo em conta o exposto, pela correção no montante de 24.575,43€, dos quais o Sujeito Passivo aceitou 18.830,94€.

Restando, assim, correções no montante de 5.744,49€ que o Sujeito Passivo não aceita.

Correções essas que dizem respeito às faturas FT 1B1801/642, FT 20036/2004, FR 1/674, Fatura n.º 1 1800/000006, F 312/006060, FT 1A1801/192, FT 002/432, F1A1801/73, FT 1A1803/224, FT 1A1801/1665, NF T2/3369, NF T2/3360, FT 02007/877, FT 1/3163, NF T2/3475, conforme doc. n.º 36 e 37[4] que se juntam.

Relativamente a estas correções em específico, veio a Administração Tributária alegar, após exercício do direito de audição pelo Sujeito Passivo, que:

  1. Não foi identificada nenhuma Fatura n.º FT 1A1801/192, não se encontrando na listagem dos gastos não aceites;
  2. Começa por enquadrar estas despesas como despesas com deslocações para depois referir que as mesmas dizem respeito a despesas de representação a título de refeições com clientes e profissionais com relação comercial com o Sujeito Passivo;
  3. Quanto à Fatura n.º 1 1800/000006, com o valor de 1.350,00€ - relativamente à qual identificou, no anexo 9 do relatório de inspeção, como não identificando o NIF do adquirente -, refere que a mesma não identifica quem se deslocou, nem a que título, não identifica as datas em que a deslocação ocorreu nem quantifica os bens/serviços “apenas refere no descritivo “alojamento 5 noites no mês de novembro serviços de apoio diversos””.
  4. Para nenhum dos gastos com deslocações e estadas desconsiderados o sujeito passivo remete qualquer informação sobre quem se deslocou e a que título essa deslocação ocorreu.
  5. Em momento algum o Sujeito Passivou logrou suprir a falta de informação sobre quem se deslocou e a que título, limitando-se a elencar exemplos de pretensos beneficiários, sem concretizar para cada um dos gastos quem se deslocou ou o contexto ou objetivo da deslocação.
  6. Parte das despesas foram incorridas aos fins de semana e em locais de veraneio, consubstanciando a ideia de que são despesas da esfera particular dos sócios e familiares e que não estão relacionadas com a atividade económica.
  7. Os funcionários da Requerente “foram abonados ou com ajudas de custo ou com subsídio de refeição pelo que o reconhecimento de gasto com deslocações e estadas de funcionários, ainda que estivessem devidamente justificadas, relativamente às quais, pela mesma deslocação ou por outra em local diverso ou de proximidade, foram pagas ajudas de custo aos funcionários que se deslocaram, ou abonado subsidio de refeição, consubstancia uma duplicação de gastos (…) não podendo, por tal facto ser fiscalmente aceite o gasto com as deslocações e estadas”.

 

G) Outros Gastos com o Pessoal;

A este propósito, vem a Administração Tributária identificar ainda movimentos na subconta 6385 – outros gastos com o pessoal, Outros IVA isento, relativos a aquisição de refeições/artigos de pastelaria, no montante de 2.042,26€.

Sendo que de tal montante, o Sujeito Passivo aceitou os gastos no valor de 668,40€, não aceitando, contudo, o gasto no montante de 1.373,86€, de 31.12.2018, que diz respeito a Fatura relativa à aquisição de artigos de pastelaria, conforme doc. n.º 39 que se junta:

 

 

Relativamente a tal despesa, refere a Administração Tributária que não foram identificados os trabalhadores beneficiários e em que medida está relacionada com a obtenção de rendimentos por parte do Sujeito Passivo, como determina o art.23.º, n.º 1 do CIRC.

 

Referindo ainda que tal despesa é “pós época natalícia”.

Salvo o devido respeito, não pode o Sujeito Passivo conformar-se com o entendimento da Administração Tributária.

Em causa está em causa a aquisição de doces de pastelaria para colocar à disposição dos trabalhadores em contexto de convívio e oferta, no montante de 1.373,86€, de 31.12.2018.

Constituindo ainda ofertas aos mesmos e respetivas famílias, no contexto da época natalícia.

 

2. Quanto Benefício Fiscal RFAI – Aplicações Relevantes Desconsideradas;

 

a) Relativas ao RFAI 2017;

Veio a Administração Tributária desconsiderar dois dos investimentos considerados pelo Sujeito Passivo em sede de RFAI, nos termos e para os efeitos do artigo 22.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro (Código Fiscal de Investimento, de agora em diante “CFI”).

Procedendo à correção da dotação de RFAI de 2017, no montante de 17.361,82€ (11.045,21€ + 6.316,61€).

Designadamente, o Sujeito Passivo, no ano de 2017, realizou investimentos relevantes para efeitos de RFAI, no montante total 1.729.477,26€, tendo a Administração Tributária considerado que:

  1. O item “Moldes” (fatura n.º ...267835A PI, emitida em 29.08.2016, pela entidade E... Ltd, no valor de 44.180,84€, que esteve na origem da atribuição de um benefício fiscal (dotação) de 11.045,21€ (25% x 44.180,84€), não consubstancia uma adição ao período de 2017 porquanto a aquisição diz respeito a outro período de tributação (2016), conforme doc. n.º 41 que se junta, violando o art.22.º, n.º 5 do CFI; e
  2. O item “Robot Servo Motorizado ... W818” (fatura n.º 345 emitida em 06.06.2017, por F..., LDA, NIPC ... no montante de 25.266,45€, conforme doc. n.º 42 que se junta), que esteve na origem de uma dotação de 6.316,61€, “não se encontrava nas instalações do Sujeito Passivo aquando da verificação física efetuada em 16.09.2022 e, na sequência do pedido de elementos justificativos, o Sujeito Passivo remeteu fatura n.º 194 de 28.08.2020, onde não se identificou nenhum robot. Assim, o Sujeito Passivo não logrou demonstrar o destino do equipamento e, assim, da manutenção do mesmo pelo prazo mínimo exigível, de 3 anos (art.22.º, n.º 4, al. c) do CFI), devendo desconsiderar-se a atribuição de um benefício fiscal (dotação) de 6.316,61€ (25% x 25.266,45€)”.

Consequentemente, a Administração Tributária, em sede de RFAI de 2017, desconsiderou dotações no valor de 11.045,21€ e 6.316,61€, reduzindo, assim, a dotação de RFAI de 2017 que o Sujeito Passivo havia declarado.

Ora, Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI) constitui um regime de Auxílio de Estado com finalidade regional que se traduz em incentivo fiscal - sob a forma de dedução à coleta do IRC - ao investimento em ativos fixos tangíveis e ativos fixos intangíveis, adquiridos por sujeitos passivos de IRC que exerçam a sua atividade em determinados setores.

O acesso ao benefício é sujeito ao preenchimento cumulativo de um conjunto de condições enumerados no artigo 22.º do CFI.

Desde logo, para o que releva para o presente caso:

Determina o n.º 5 do artigo 22.º do CFI que “Considera-se investimento realizado o correspondente às adições, verificadas em cada período de tributação, de ativos fixos tangíveis e ativos intangíveis e bem assim o que, tendo a natureza de ativo fixo tangível e não dizendo respeito a adiantamentos, se traduza em adições aos investimentos em curso.”

E, de acordo com o artigo 22.º, n.º 4, al. c) do CFI “4 - Podem beneficiar dos incentivos fiscais previstos no presente capítulo os sujeitos passivos de IRC que preencham cumulativamente as seguintes condições: (…) c) Mantenham na empresa e na região durante um período mínimo de três anos a contar da data dos investimentos, no caso de micro, pequenas e médias empresas tal como definidas na Recomendação n.º 2003/361/CE, da Comissão, de 6 de maio de 2003, ou cinco anos nos restantes casos, os bens objeto do investimento ou, quando inferior, durante o respetivo período mínimo de vida útil, determinado nos termos do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, alterado pelas Leis n.os 64-B/2011, de 30 de dezembro, e 2/2014, de 16 de janeiro, ou até ao período em que se verifique o respetivo abate físico, desmantelamento, abandono ou inutilização, observadas as regras previstas no artigo 31.º-B do Código do IRC;”

Ora, de facto o investimento com o item “Moldes”, supra identificado, foi faturado no período de 2016, conforme doc. n.º 41 já junto.

Não obstante, apesar de ter sido faturado no período de 2016, o mesmo só chegou à posse do Sujeito Passivo em 2017, ou seja, só começou a ser utilizado enquanto ativo fixo tangível, enquanto investimento de RFAI, em 2017, motivo pelo qual foi considerado no RFAI de 2017.

O item “Moldes” (fatura n.º ...267835A PI, emitida em 29.08.2016, pela entidade E... Ltd, no valor de 44.180,84€), enquanto ativo fixo tangível, apenas foi adicionado no período de tributação de 2017 (cf. doc. n.º 43 que se junta), porque só aí chegou à sua posse e entrou em funcionamento.

 

Assim, foi o n.º 5 do artigo 22.º do CFI respeitado, pois o mesmo considera ser o investimento realizado no período de tributação em que se verificou a adição de ativos fixos tangíveis.

Tendo, no caso concreto, o ativo fixo tangível (item “Moldes” (fatura n.º ...267835A PI)) sido adicionado em 2017 pelo Sujeito Passivo, pois só aí chegou à posse do mesmo, só aí se considerou realizado o referido investimento.

Consequentemente, o Sujeito Passivo apenas considerou ter realizado o referido investimento, para efeitos do n.º 5 do artigo 22.º do CFI, no período de 2017, quando o equipamento chegou às suas instalações, respeitando o preceito e a ratio do RFAI.

Devendo, consequentemente, tal investimento ser reconhecido e abrangido pela dotação de RFAI de 2017.

Não obstante, ainda que assim não se entenda – o que por mera cautela de patrocínio se equaciona -, ou seja, ainda que se entenda que o período de tributação em causa, em que se considera realizado o investimento é o ano em que o mesmo foi adquirido (fatura emitida em 2016), sempre se dirá que dúvidas não existem de que tal investimento foi realizado para efeitos de RFAI, devendo o mesmo ser considerado, assim, no respetivo período de tributação, 2016.

Ou seja, a Administração Tributária não coloca em causa a efetiva realização do investimento, nem a elegibilidade do mesmo para efeitos de RFAI.

Apenas desconsiderando o investimento pelo facto de o mesmo ter sido considerado, alegadamente, num período de tributação que não aquele em que foi realizado, por mero lapso do Sujeito Passivo, que julgou dever considerá-lo no ano em que o mesmo chegou à sua posse.

Assim, deveria o mesmo ser considerado na dotação de RFAI de 2016, dado que também no ano de 2016 o Sujeito Passivo realizou investimentos elegíveis para efeitos de RFAI, nos termos do artigo 22.º do CFI.

 

B) Relativas ao RFAI 2018;

Veio a Administração Tributária desconsiderar quatro dos investimentos considerados pelo Sujeito Passivo em sede de RFAI, nos termos e para os efeitos do artigo 22.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro (Código Fiscal de Investimento, de agora em diante “CFI”), relativamente ao período de 2018.

Procedendo à correção da dotação de RFAI de 2017, no montante total de 42.516,79€ (28.597,62€+ 13.172,92€ + 271,25€ + 475,00€).

Tendo o Sujeito Passivo apenas aceite as correções no montante de 271,25€ e 475,00€, não aceitando, assim, as correções na quantia de 28.597,62€ e 13.172,92€ (num total de 41.770,54€).

Designadamente, o Sujeito Passivo, no ano de 2018, realizou investimentos relevantes para efeitos de RFAI, no montante total 735.567,33 €, tendo a Administração Tributária considerado que (no que diz respeito às correções não aceites pelo Sujeito Passivo):

  1. Os itens “Blow Mould 1&1.2” e “Mould ... full hotrunner” (faturas n.º EZ2017121334 e EZ2017114378 – que se juntam como docs. n.ºs 45 e 46 - emitidas em 01.12.2017 e 06.11.2017, respetivamente, nos montantes de 48.523,35€ e 65.867,13€, que estiveram na origem da atribuição de um benefício fiscal (dotação) de 28.597,62€ (25% x (48.523,35€ + 65.867,13€), “não consubstanciam uma adição ao período de 2018 porque a aquisição diz respeito a outro período de tributação (2017), violando o n.º 5 do artigo 22.º do CFI”;
  2. O item “Preform Mould 4 vale gate hotrunner / Preform 8Litter (fatura n.º HH2017622956, emitida em 10.07.2017, no valor de 52.691,67€, cf. doc. n.º 47 que se junta) que esteve na origem da atribuição de um benefício fiscal (dotação) de 13.172,92€ (25% x 52.691,67€, “não consubstancia uma adição ao período de 2018 porque a aquisição diz respeito a outro período de tributação (2017), violando o n.º 5 do artigo 22.º do CFI”.

Salvo o devido respeito, não pode o Sujeito Passivo concordar com a Administração Tributária no sentido de desconsiderar tais investimentos, procedendo à respetiva correção absoluta.

Desde logo, a este propósito, reitera-se o exposto anteriormente nos artigos 250.º a 256.º.

Neste caso, de facto, todos os investimentos supra identificados, foram adquiridos no período de 2017, conforme docs. n.ºs 45, 46 e 47 já juntos.

Não obstante, apesar de terem sido adquiridos no período de 2017, os mesmos só chegaram à posse do Sujeito Passivo em 2018 (cfr. doc. n.º 48 que se junta), motivo pelo qual foram considerados no RFAI de 2018.

Tais investimentos só foram adicionados como ativos fixos tangíveis, pelo Sujeito Passivo, em 2018, pelo motivo supra exposto (cf. doc. n.º 49 que se junta), pois só aí poderiam cumprir o seu papel.

 

 

Respeitando o n.º 5 do artigo 22.º do CFI, que determina ser o investimento realizado no período de tributação em que se verificou a adição de ativos fixos tangíveis.

Assim, tendo-se verificado a respetiva adição em 2018, dúvidas não podem existir de que se encontra respeitado o referido artigo, devendo as respetivas dotações de tais investimentos serem consideradas para efeitos de RFAI de 2018.

Não obstante, caso se entenda que o que se deve ter em conta é o ano em que tais investimentos foram adquiridos – no caso, 2017 – e não o ano em que foram adicionados como ativos fixos tangíveis no Sujeito Passivo por motivos plausíveis – o que por mera cautela de patrocínio se equaciona -, sempre se dirá que dúvidas não existem de que tais investimentos foram realizados para efeitos de RFAI, devendo os mesmo ser considerados, assim, no respetivo período de tributação – que, segundo a Administração Tributária, seria 2017.

A Administração Tributária não coloca em causa a efetiva realização dos investimentos, nem a elegibilidade dos mesmos para efeitos de RFAI.

Apenas desconsiderando os investimentos pelo facto de os mesmos terem sido considerados num período de tributação que não aquele em que foram adquiridos, por mero lapso do Sujeito Passivo, que julgou dever considerá-lo no ano em que o mesmo chegou à sua posse e, portanto, no ano em que foram, efetivamente, realizadas adições de ativos fixos tangíveis para efeitos do art.22.º, n.º 5 do CFI.

Assim, caso não proceda o exposto nos artigos 282.º a 286º. – o que por mera cautela se equaciona -, deveriam tais investimentos ser considerados na dotação de RFAI de 2017, dado que também no ano de 2017 o Sujeito Passivo realizou investimentos elegíveis para efeitos de RFAI, nos termos do artigo 22.º do CFI.

Caso contrário, estará a própria Administração Tributária a violar a ratio do n.º 5 do artigo 22.º do CFI, bem como a ratio do princípio da prevalência da substância sobre a forma, ao desconsiderar investimentos efetivamente adquiridos num período de tributação – no caso, segundo a Administração Tributária, 2017 – pelo Sujeito Passivo e elegível em sede de RFAI, apenas afeto, nesse caso, por lapso do Sujeito Passivo, ao período de tributação errado.

 

3. Correções em Sede de IVA – Imposto em Falta

A Administração Tributária procedeu ainda à correção de IVA deduzido de vários gastos do Sujeito Passivo não aceites por aquela, referidos no ponto V.1.1.1 a V.1.1.5 do Relatório Final (junto como doc. n.º 13), conforme infra se verifica, no montante total de 9.651,55€:

 

 

Em sede de regularização voluntária, o Sujeito Passivo aceitou as correções no montante total de 451,55€, relativo à fatura FT 2017/122, CFP CFP/1579997 (esta, por lapso, como se irá expor), FAC A18/140 (ambas, a de montante de 5,00€ e 137,93€).

Não aceitando a correção no montante de 9.200,00€ a qual diz respeito ao IVA relativo à aquisição pelo Sujeito Passivo, à entidade B... Lda, de serviços de consultoria e prospeção de mercado na área do café em cápsula na Europa e as novas tendências de consumo suportada pela Fatura n.º FA 2018/30 de 2018-09-21 (cf. doc. n.º 15 já junto), no montante de 40.000,00€, cuja dedutibilidade do gasto foi corrigida pela Administração Tributária e que o Sujeito Passivo não aceitou.

Tendo a Administração procedido à correção deste montante a título de IVA, por não aceitar o respetivo gasto que lhe deu origem, pela Fatura FA 2018/30 de 2018-09-21 (doc. n.º 15 já junto), supra identificada.

Segundo a Administração Tributária “Da análise dos documentos que terão sido produzidos no âmbito desta contratação de serviços não foi possível, pela inexistência de qualquer estudo relacionado com o mercado do café em cápsula na Europa e com as novas tendências de consumo nesta área, concluir que este serviço haja sido adquirido com vista à sua utilização na realização de operações tributáveis, tal como prescreve o n.º 1 do artigo 20.º do CIVA”.

Continuando, refere ainda que – pasme-se! - “não se vislumbra em que medida alertas para a existência de produtos inovadores tais como pão de insetos, de bananas sem casca, ou da utilização de tecnologia classificação óptica para couves de bruxelas (ou qualquer outro alimento) poderá impactar na realização de operações tributáveis”.

Salvo o devido respeito, o Sujeito Passivo relembra, uma vez mais, que a respetiva atividade principal se prende com a indústria de transformação de matérias resinosas plásticas, desenvolvendo e produzindo embalagens, acessórios e componentes em plástico para a Indústria Alimentar, Catering, Médico-Farmacêutica, Cosmética, Auto, entre outras – visível por simples acesso ao site do Sujeito Passivo[5].

Assim, não consegue o Sujeito Passivo compreender em que medida é que o estudo de mercado adquirido à entidade B..., no montante de 40.000,00€, com vista à identificação de novas tecnologias, tipologias de consumo, comportamentos do mercado e do consumidor e novos produtos em geral e identificação dos grandes players internacionais na área de produção de máquinas de café em unidose (cf. doc. n.º 18 já junto), não está relacionado com a atividade do sujeito passivo e não impacta a realização de operações tributáveis, como alega a Administração Tributária.

Quando dúvidas não existem, nem podem existir, de que o estudo permite ao Sujeito Passivo identificar novas tecnologias e tipos de consumo, comportamentos do mercado e consumidor e novos produtos, seja ou não na área do café, permitindo-o, assim, adaptar-se ao mercado e desenvolver novas embalagens para novos tipos de produtos, conforme as novas tendências e tecnologias.

Sendo, consequentemente, necessário à obtenção de rendimentos e impactando a realização de operações tributáveis.

Motivo pelo qual, sendo o gasto com a fatura emitida pela B..., junta como doc. n.º 15, dedutível, conforme o já exposto supra e nos artigos 33.º a 72.º, terá igualmente de ser aceite a dedutibilidade do IVA relativo ao mesmo, no montante de 9.200,00€.

Respeitando o artigo 20.º, n.º 1, al. a) do CIVA, segundo o qual só pode ser deduzido imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização de operações relativas a transmissão de bens e prestação de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas, como é o presente caso.

Ademais, a Administração Tributária refere ainda que tal dedução não cumpre com o disposto no artigo 19.º, n.º 2, al. a) do CIVA e artigo 36.º, n.º 5 do CIVA.

Nos termos do artigo 19.º, n.º 2, al. a) do CIVA “Só confere direito a dedução o imposto mencionado nos seguintes documentos, em nome e na posse do sujeito passivo: a) Em faturas passadas na forma legal”.

E de acordo com o artigo 36.º, n.º 5 do CIVA “As faturas devem ser datadas, numeradas sequencialmente e conter os seguintes elementos: 

a) Os nomes, firmas ou denominações sociais e a sede ou domicílio do fornecedor de bens ou prestador de serviços e do destinatário ou adquirente sujeito passivo do imposto, bem como os correspondentes números de identificação fiscal; 

b) A quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável; as embalagens não efectivamente transaccionadas devem ser objecto de indicação separada e com menção expressa de que foi acordada a sua devolução;

c) O preço, líquido de imposto, e os outros elementos incluídos no valor tributável;

d) As taxas aplicáveis e o montante de imposto devido;

e) O motivo justificativo da não aplicação do imposto, se for caso disso;

f) A data em que os bens foram colocados à disposição do adquirente, em que os serviços foram realizados ou em que foram efectuados pagamentos anteriores à realização das operações, se essa data não coincidir com a da emissão da factura.”

Ora, a fatura ora em causa, FA 2018/30 de 2018-09-21 (doc. n.º 15 já junto), cumpre todos os requisitos formais legalmente exigidos nos artigos supra expostos e, portanto, passada na forma legal, permitindo a respetiva dedução nos termos do artigo 19.º, n.º 2, al. a) do CIVA.

Sendo que a Administração Tributária nem identifica qual dos requisitos legais exigidos no artigo 36.º, n.º 5 do CIVA estaria alegadamente em falta, para concluir que a fatura não cumpre o art.19.º, n.º 2, al. c) do CIVA, ou seja, que a fatura não cumpre, alegadamente, a forma legal.

Conforme facilmente se verifica pela Fatura FA 2018/30 de 2018-09-21 (doc. n.º 15 já junto), bem como pelos respetivos documentos que a compõem (doc. n.º 16 e 17 já juntos), esta cumpre todos os requisitos do artigo 36.º, n.º 5 do CIVA.

Devendo considerar-se cumpridas as condições de que depende o exercício do direito à dedução, como resultará da prova produzida e do enquadramento da situação, incorrido na aquisição de serviços à B..., uma vez que a Requerente:

a) Demonstrou a extensão e natureza dos serviços concretos que foram faturados, a altura em que o foram e a sua quantificação;

b) Incidiu IVA sobre essas operações que foi devidamente liquidado pelo prestador;

c) Os serviços adquiridos contribuíram inequivocamente para a realização de operações da Requerente que conferem o direito à dedução.[6]

Consequentemente, a correção efetuada enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, motivo pelo qual deve ser anulada, bem como os consequentes Atos de Liquidação, devendo aceitar-se a dedutibilidade do gasto no montante de 9.200,00€.

 

4. Da Alegada Falta de Retenção de IRS Categoria E – Adiantamento por conta de lucros (n.º 4 artigo 6.º do CIRS);

Por fim, a Administração Tributária identificou ainda, no período de 2018, débitos no montante de 215.733,40€, na conta de sócios ”268101 –K...”, por contrapartida das contas bancárias da empresa, “através dos quais, foram neste período transferidos, valores em dinheiro e créditos, a favor do sócio gerente da empresa.”,

Conta cujo extrato se junta como doc. n.º 50 (extrato contas).

Concluindo a Administração, pela análise dos vários documentos que suportam tais transferências, que as mesmas dizem respeito “ao pagamento de despesas pessoais do sócio”, também à regularização do saldo devedor da conta de sócios de suprimentos, todas realizadas a favor do sócio-gerente K..., não se encontrando as mesmas “relacionadas com a atividade desenvolvida pelo sujeito passivo”.

E ainda que, o sujeito passivo acumulou lucros no montante de 643.503,75€ “mas não efetuou qualquer distribuição de resultados”.

Em face do exposto, a Administração Tributária aplica o artigo 6.º, n.º 4 do CIRS, segundo o qual “Os lançamentos a seu favor, em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros.”

Presumindo tais montantes como adiantamentos por conta de lucros, de acordo com o n.º 4 do artigo 6.º do CIRS, enquadrando-os, assim, na categoria E de IRS, como rendimentos de capitais, na esfera do sócio, no valor de 215.733,40€.

Por conseguinte, assim entendendo, implicaria a respetiva sujeição à retenção na fonte à taxa liberatória de 28%, nos termos do artigo 71.º, n.º 1, al. a) do CIRS.

Consequentemente, resulta como imposto em falta em sede de retenção na fonte, os seguintes valores:

 

 

 

 

Em face do exposto, a Administração Tributária procedeu à correção em sede de imposto, relativa a retenção na fonte de IRS, a título de adiantamentos por conta de lucros, para o período de tributação de 2018, no montante total de 60.405,35€.

Acontece que, conforme referiu o Sujeito Passivo em sede de direito de audição prévia, foi realizado um contrato de mútuo entre o Sujeito Passivo e o sócio-gerente K..., através do qual se concedeu um empréstimo no valor global de 213.500,00€ ao sócio, pelo prazo de três anos, com data de 20.12.2018, que se junta como doc. n.º 51.

Perante tal contrato, veio a Administração Tributária referir ainda que:

“(…) os empréstimos realizados entre pessoas, coletivas ou singulares, nomeadamente entre a sociedade e os seus sócios, enquadram-se legalmente como contratos de mútuo (…) contudo, tratando-se de um empréstimo de valor superior a 25.000,00€ só é válido o contrato celebrado através de escritura pública ou por documento particular autenticado”.

Sendo o contrato celebrado, ora junto como doc. n.º 51, no valor de 213.500,00€, e não tendo sido realizada escritura pública, a Administração Tributária alega que o contrato não é válido, não o aceitando como justificação da não tributação dos pagamentos realizados ao sócio do Sujeito Passivo.

Adiante, referiu ainda que “os elementos da contabilidade (…) reforçam a falta de credibilidade do contrato de mútuo”, alegando que:

  1. A sociedade não reconheceu contabilisticamente o valor do mútuo (balanços da empresa dos períodos de 2018-2021 não mencionam os empréstimos ao sócio; nem as demonstrações de resultados de tais períodos; nem nas declarações IES desses períodos);
  2. Não há saída de dinheiro da sociedade a favor do sócio, no valor indicado no contrato de mútuo, na data do contrato ou em qualquer outra;
  3. Existem vários registos a débito na conta do sócio, de valor superior a 25.000,00€, nomeadamente 57.617,50€, 55.389,25€ e 32.020,11€, valores que, por si só, teriam de ser comprovados através de contrato elaborado por escritura pública ou documento particular autenticado,
  4. A maioria dos débitos registados na conta de sócios, nos meses de novembro e dezembro de 2018, corresponderam a despesas efetuadas pelo sócio em datas anteriores à celebração do contrato;
  5. Não foi apresentada prova do pagamento de juros, nem reembolso dos capitais mutuados, nas datas indicadas no plano financeiro anexo ao contrato.

Ora, não pode o Sujeito Passivo concordar com o entendimento da Autoridade Tributária.

Conforme já referido pelo Sujeito Passivo, foi celebrado, em 20.12.2018, um contrato de mútuo, entre este e o sócio K..., através do qual se concedeu um empréstimo ao sócio que poderia alcançar o montante de 213.500,00€.

Com a fixação de juros à taxa de 1,75% (cf. doc. n.º 51 já junto).

Tendo o respetivo imposto selo sido pago, conforme doc. n.º 52 que se junta.

Tendo sido acordado que o empréstimo teria um período de carência de 2 anos (2019 e 2020), sendo reembolsados apenas juros (à taxa de 1,75%) durante esse período no valor de 1.868,13€ (mil oitocentos e sessenta e oito euros e treze cêntimos) (cláusula terceira) (cf. doc. n.º 51 já junto).

Juros esses que foram sendo faturados e pagos pelo sócio, apesar de em datas e montantes diversos do que estava previsto no plano financeiro, conforme doc. n.º 53 que se junta, o que foi consentido pelo Sujeito Passivo.

Tendo o capital transferido para o sócio a título de empréstimo - que, na realidade, consubstanciou 213.160,46€ -, sido amortizado pelo mesmo até 2020, designadamente em 31.12.2019, simplesmente não de acordo com as datas do plano financeiro anexo ao contrato de mútuo, conforme se poderá verificar pelo Relatório de Contas de 2018 e 2019, mas conforme cláusula 5ª do contrato, amortizando antecipadamente.

Ademais, apenas um montante de 2.572,94€ não tem efetivamente correspondência com o contrato de mútuo (os débitos contabilizados para a conta do sócio, em 2018, cifraram-se na quantia de 215.733,40€, e o montante mutuado ao sócio correspondeu a 213.160,46€, o qual poderia ir até ao montante previsto no contrato mútuo (213.500,00€)).

Por outro lado, relativamente à existência de movimentos a favor do sócio, anteriores à data do contrato (20.12.2018), os mesmos totalizam o valor de 2.041,34€, infra (vd. doc. n.º 50 já junto): 

 

 

 

 

 

 

 

Encontrando-se os restantes valores debitados – com data posterior a 20.12.2018 - previstos no doc. n.º 50 já junto, abrangidos pelo contrato de mútuo até ao respetivo montante, celebrado em 20.12.2018 e, portanto, justificados.

Sendo que, apesar de não ter sido transferido, na data da respetiva celebração, o valor total de 213.500,00€, o mesmo foi sendo transferido em várias tranches – e, como já exposto, nem chegou a ser no referido montante, tendo sido mutuado, na realidade, 213.160,46€.

Assim, os vários registos a débito verificados pela Administração Tributária “de valor superior a 25.000,00€, nomeadamente 57.617,50€, 55.389,25€ e 32.020,11€”, dizem respeito ao contrato de mútuo ora em causa.

Ademais, cumpre evidenciar que o motivo pelo qual a Administração Tributária não identificou na contabilidade ou na declaração de IES 2018 (nos balanços, demonstrações de fluxos de caixa, etc) o montante transferido para o sócio-gerente, justificado com o contrato de mútuo, prende-se com o facto de o mesmo ter sido alocado à conta “Créditos a Receber” no Balanço, conforme Relatório de Contas de 2018 que se junta como doc. n.º 54.

Por esse motivo, na declaração de IES de 2018, também o sujeito passivo – sob pena de se verificar erro caso colocasse noutra conta que não tivesse correspondência com a do Balanço – englobou o montante transferido ao sócio mediante o contrato de mútuo realizado, no campo A5119 “outras contas a receber que surge com o montante de 350.377,81€ (correspondente a “Créditos a receber” no Balanço de 2018, supra), conforme p. 5 do doc. n.º 55 que se junta.

Ora, o referido montante 350.377,81€ na declaração de IES no campo A5119 “outras contas a receber” encontra-se desdobrado no Relatório de Contas de 2018, já junto como doc. n.º 54, da seguinte forma:

 

Assim, conforme se verifica supra, o montante de 213.160,46€ (apesar de inferior ao montante referido no contrato de mútuo, de 213.500,00€) diz respeito ao referido contrato e está alocado a “acionistas/sócios – outras operações” e, portanto, reconhecido em termos contabilísticos.

O montante mutuado encontrava-se totalmente amortizado pelo respetivo sócio-gerente que dele beneficiou, em 31.12.2019, conforme extrato de contas infra (junto como doc. n.º 50) e relatório de contas de 2019 (doc. n.º 56 se junta).

 

 

 

 

 

 

 

Apesar de não terem sido cumpridas as datas do plano financeiro realizado pela Requerente, anexo ao contrato mútuo celebrado, o montante foi amortizado pelo sócio que dele beneficiou.

Assim, dúvidas não existem de que o montante até 213.500,00€ se encontra justificado por contrato de mútuo – e desse valor, 213.160,46€, porquanto foi esse real montante que foi mutuado ao sócio, encontra-se refletido na contabilidade do Sujeito Passivo.

Verificando-se apenas uma diferença de 2.572,94€[7] relativamente às correções realizadas pela Administração Tributária a este propósito (215.733,40€).

Encontrando-se, assim, o montante até 213.500,00€ justificado.

Conclui ainda que os atos de Liquidação de IRC com o n.º 2022 ... e respetivo ato de liquidação de Juros Compensatórios com o n.º 2022 ..., bem como ato de Liquidação de IVA com o n.º 2022 ... e respetivo ato de liquidação de Juros Compensatórios n.ºs 2022 ..., que constituem o objeto do presente pedido de pronúncia arbitral[8], encontram-se a ser pagos em prestações e/ou já foram pagos (conforme doc. n.º 7, 8 e 9 já juntos).

Sendo os mesmos anulados, atento o erro imputável aos Serviços acima abundantemente demonstrado, tem a ora Requerente direito a ser indemnizada pelos prejuízos resultantes do pagamento indevido dos montantes supra mencionados.

Deste modo, da anulação dos atos de liquidação sub judice, deverá também resultar, nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 43.º e 100.º da LGT, na condenação no pagamento à Requerente de indemnização pelo pagamento indevido da prestação tributária.    

 

 

  1. Da resposta da Requerida

A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua resposta na qual, em síntese, alegou o seguinte:

A – Quanto aos gastos não relacionados com a obtenção de rendimentos

Defende a Requerente que se encontram preenchidos todos os requisitos para a dedutibilidade dos gastos ora em causa, nos termos do artigo 23.º, n.º 1, 3 e 4 do CIRC, incorrendo a AT em vício de lei por violação dos pressupostos de facto e de direito, devendo ser anuladas tais correções e, por conseguinte, também os atos de liquidação ora impugnados, nos termos do artigo 163.º, n.º 1 do CPA.

O artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, na redação após Reforma do IRC, implementada através da Lei

n.º 2/2014) dispõe: “Para a determinação do lucro tributável são dedutíveis todos os gastos e

perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos

sujeitos a IRC”

Procedendo o legislador, em ambas as redações da norma, anterior e atual, a uma enumeração

meramente exemplificativa dos gastos com relevância fiscal para efeitos de apuramento do rendimento tributável em sede de IRC.

A redação atual da norma eliminou a menção “comprovadamente sejam indispensáveis” constante da redação anterior, mas tal exclusão não significa uma alteração radical nas regras da dedutibilidade dos gastos;

Porquanto, antes como agora, a relevância de um gasto para efeitos fiscais sempre dependeu da prova da sua necessidade, adequação, normalidade ou da produção do resultado, sendo que a falta dessas características poderá gerar a dúvida sobre se a causa é ou não empresarial, se é um gasto efetivamente incorrido no interesse da empresa ou se respeita a um qualquer outro interesse, ou seja, se estamos perante um gasto aceite fiscalmente ou não.

Importa, pois aferir, à luz do disposto no artigo 23º do CIRC, se existe uma relação justificada com a atividade da empresa, ou seja, se os gastos e perdas incorridos ou suportados pela Requerente visam obter ou garantir rendimentos sujeitos a IRC.

a) Gastos com trabalhos especializados (ponto VI.1.1.1) - € 40.000,00

Os SIT identificaram na subconta 6221112 - Trabalhos Especializados Tx Nr, o movimento

contabilístico 2018-09-21 20 00, diário 20, relativo ao reconhecimento de um gasto no montante de € 40.000,00 relativo à aquisição, à entidade B... Lda, NIPC..., de serviços de consultoria e prospeção de mercado na área do café em cápsula na Europa e de novas tendências de consumo, suportado pela fatura nº FA 2018/30 de 21-09-2018.

Como se referiu no RIT, que a Requerente conscientemente desvaloriza, é que está em causa a falta de correspondência entre o objeto da prestação de serviços contratado e os documentos que suportam tal prestação de serviços.

b) Gastos com materiais (ponto VI.1.1.3) - € 348,80

Nas subcontas 6231112 – Materiais, Ferramentas e Utensílios de Desgaste Rápido, Txa normal e 62381 – Materiais, Outros Materiais, foram identificados movimentos contabilísticos, que totalizam € 348,80, cujos documentos de suporte evidenciam tratar-se de gastos relativos à aquisição de produtos alimentares e suplementos dietéticos à L..., cuja utilização não é suscetível de ser relacionada com a atividade desenvolvida pela Requerente.

Conforme mencionado no RIT, após o exercício do direito de audição: “O sujeito passivo vem contestar as correções propostas neste ponto, alegando que “desenvolveu embalagens para a P (cliente), pelo que, nesse sentido, adquiriu artigos à L... (fornecedor) para testes das referidas emb alagens” , não apresentando prova que corrobore o alegado.

Acresce referir que os SIT não identificaram qualquer relação comercial entre as empresas, para além das compras dos referidos produtos.

É de salientar que, em sede de IVA e relativamente à fatura CFP/1579997, de 10-05-2018, não

foi aceite a dedução do IVA, por não ter sido identificada relação com as operações tributáveis, sendo que a Requerente reconheceu que não lhe assistia o direito à dedução, tendo regularizado voluntariamente o IVA;

Vindo agora afirmar, no art. 97.º do PPA, que “… corrigiu voluntariamente a respetiva dedução de IVA no valor de 8,03€, por lapso, o que não invalida a sua não concordância com a não aceitação, pela Administração Tributária, da dedução do respetivo gasto.”

É também mencionado no RIT que os produtos adquiridos não possuem uma embalagem de

plástico produzida pelas máquinas de injeção da Requerente, mas sim embalagens de utilização única resultantes de processo de fabrico distinto.

c) Gastos com ofertas (ponto VI.1.1.4) - € 5.297,52

No exercício de 2018 foram contabilizados vários documentos nas subcontas da classe 6234 –

Artigos para ofertas, relativos a aquisição de vestuário, calçado, cartões presente de diversos

estabelecimentos comerciais, raspadinhas, joias, vinhos, entre outros, para oferta, no total de

14.543,98€.

Os SIT analisaram documentação de suporte dos gastos tendo verificado “a inexistência de qualquer informação relativa aos beneficiários destas ofertas nem qual a sua relação com a obtenção de rendimentos por parte da A... LDA. Mais, de entre os bens objeto de oferta encontramos na sua generalidade bens que, pela sua tipologia e pelo seu valor, claramente se afastam do uso comercial da mera oferta.

Para além de não terem sido identificadas os beneficiários destas ofertas, também não ficou

demonstrada em que medida estes gastos se encontram relacionados com a obtenção ou garantia dos rendimentos sujeitos a IRC, e, bem assim, da sua dedutibilidade para efeitos de determinação do lucro tributável, tal como prescreve o número 1 do artigo 23º do CIRC”.

Na sequência do exercício do direito de audição, a Requerente concordou com algumas das correções, não aceitando apenas o valor de € 5.297,52, que conforme indicado no RIT, respeita às faturas 002/11228, FT n.º 26/2018, FT 21774, FAP A1/116099, F 189002258, FS0 2018/1288, FR A18/279, FT 901/23000680, FS FS083/0000005091, FR 2018B/248, F S.J n.º 1218, F S.J n.º 1260.

Nestes termos, a prova testemunhal, sendo embora um dos meios de prova admissível para

demonstrar as despesas ou custos, só será atendível se estiver ancorada em outros meios de

prova de natureza objetiva, mormente os documentos registados na contabilidade da empresa, uma vez que, no âmbito da contabilidade e fiscalidade vigora o princípio da documentação, sendo a prova testemunhal meramente complementar.

Assim sendo, não logrou a Requerente contraditar a legalidade da correção efetuada pelos SIT.

d) Outros gastos (ponto VI.1.1.5) - € 2.512,06

Conforme mencionado no RIT, no período de tributação de 2018, foram contabilizados na subconta 626811106 – Serviços Diversos, c/ IVA não dedutível, Outros Custos, gastos que totalizam € 8.543,94 e nas subcontas 626811206 – Serviços Diversos, c/ IVA dedutível, Outros Custos e 626811207 – Serviços Diversos, c/ IVA dedutível, Outros Custos Txa reduzida foram contabilizados, respetivamente, gastos que ascendem a € 599,67 e € 83,30.

Da análise aos documentos de suporte dos débitos lançados nesta conta, os SIT concluíram que “a generalidade diz respeito a aquisições de bens/serviços cuja utilização/natureza não é possível relacionar com a atividade desenvolvida pela Requerente, designadamente, aquisição de ração, equipamentos e cuidados veterinários para animais, cereais, vestuário e calçado, artigos de decoração, plantas, ingressos em espetáculos ou produtos dietéticos”.

Do total corrigido (€ 9.214,25) a Requerente, em direito de audição, aceitou parte das correções, vindo apenas contestar o valor de €2.512,06.

A Requerente reitera a argumentação aduzida em sede de direito de audição, mencionando que se trata de gastos incorridos no interesse da empresa, que devem ser considerados como

despesas de representação, pelo que o que estaria em causa era um mero erro de classificação

das despesas.

Ora, tal argumentação não colhe, devendo, desde já, recordar-se que a Requerente, enquanto

sujeito passivo de IRC, está adstrita ao cumprimento de obrigações contabilísticas, sendo que a contabilidade é elaborada/validada por técnico certificado, com conhecimentos técnicos das regras contabilísticas.

e) Gastos imputáveis a outros períodos de tributação (ponto VI.1.2) - € 118.920,00

Estão em causa vários serviços prestados em 2017, pelas sociedades C..., G... e H..., alegando a Requerente que apesar de terem sido prestados em 2017 apenas foram

pagos integralmente em 2018, pelo que só nesse momento teve conhecimento de tais gastos e, consequentemente, possibilidade de os reconhecer.

Assim, por apelo ao princípio da justiça e invocando não haver prejuízo para a AT, defende a Requerente a não aplicação do princípio da especialização dos exercícios, sustentando a ocorrência de vício de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito.

De acordo com o RIT, os montantes contabilizados na conta 621112032 – Subcontratos Tx ..., C... Unipessoal, Lda., o montante de € 78.670,00 dizem respeito à cedência de pessoal nos meses de outubro, novembro e dezembro de 2017, nos termos do contrato de prestação de serviços celebrado entre aquela entidade e a A..., Lda. em 2016-09-15.

Quanto aos movimentos contabilísticos na conta 6221112 - Trabalhos Especializados ascendem a € 700,00, que dizem respeito a prestação de serviços de Play roll nos meses de maio e de dezembro de 2017.

Já o movimento contabilístico na conta 622121, no montante de € 39.550,00, encontra-se suportado por um documento emitido pela empresa G..., S.L, em 2017 pelo que também por este motivo deveria ser contabilizado neste período e não em 2018.

Os SIT consideraram que a Requerente não cumpriu o disposto no n.º 1 e 2 do art.º 18.º do CIRC, pois as despesas eram do seu conhecimento, uma vez que se encontram tituladas por contrato de prestação de serviços que a mesma não poderia ignorar, para além de que, de acordo com regime do acréscimo ou periodização económica (§ 22 da Estrutura Conceptual do SNC), mesmo nos casos em que não detivesse na sua posse a fatura, deveria ter acrescido o respetivo gasto.

f) Gastos com deslocações e estadas (ponto VI.1.3) - € 5.744,49

Os SIT apuraram que, durante o exercício de 2018, a Requerente contabilizou, na conta 625111 – Deslocações e estadas, Deslocações nacionais, Despesas Alimentação e na conta 625112 - Deslocações e estadas, Deslocações nacionais, Outras Desp. Desl. e Estadas, gastos com deslocações e estadas dos seus funcionários que ascendem a € 24.575,43 (14.248,04 + 10.327,39).

Deste valor, foi objeto de regularização voluntária, o montante de 18.830,94 €, sendo apenas contestadas no PPA as correções de gastos com deslocações estadas no montante de 5.744,49€ relativos às faturas FT 1B1801/642, FT 20036/2004, FR 1/674, Fatura n.º 11800/000006, F 312/006060, FT 1A1801/192, FT 002/432, F1A1801/73, FT 1A1803/224, FT 1A1801/1665, NF T2/3369, NF T2/3360, FT 02007/877, FT 1/3163, NF T2/3475.

A Requerente alega que as despesas em causa dizem respeito a deslocações de funcionários ao serviço da empresa, pelo que correspondem a despesas de representação, devendo as mesmas serem aceites nos termos do n.º 7 do art.º 88.º do CIRC, assistindo-se a um erro de contabilização.

E alega, ainda, que a AT não cumpre com o ónus da prova que lhe incumbe, nos termos do artº 74.º da LGT (cf. mencionado nos arts. 431.º e seguintes do PPA), porquanto deveria ter apresentado mapas com a individualização dos valores em causa (subsídios de refeição, ajudas

de custo e despesas com deslocações e estadas) fazendo a necessária correspondência com os trabalhadores e com os períodos a que respeitam.

Ora, quando ao alegado erro de contabilização, que a Requerente não prova, deverá salientar-se que, por um lado, de acordo com o SNC, a correção de erros contabilísticos em demonstrações financeiras de períodos anteriores, deve ser levada a efeito em conformidade com as regras vertidas na NCRF 4 - "Políticas contabilísticas, alterações nas estimativas contabilísticas e erros".

Portanto, existindo um lapso praticado pela contabilidade, quando o mesmo foi detetado a Requerente teria de ter adotado um dos possíveis procedimentos contabilísticos previstos para a correção do erro.

E quando a Requerente se refere ao alegado pelos SIT de que parte das despesas foram incorridas aos fins de semana e em locais de veraneio, sustentando que a lei não exige que as despesas sejam tidas apenas durante a semana e em locais específicos (cfr. artº 221º do PPA),

tal afirmação é correta, muito embora exija sustentação probatória.

Na realidade a lei não especifica locais e datas em que as despesas tenham de ser realizadas, mas impõe que as mesmas se relacionem com a atividade da empresa, facto que a Requerente não comprovou, tal como lhe competia, nos termos do art.º 74.º da LGT.

No que respeita ao alegado incumprimento pela AT do ónus da prova a que estava adstrita, salienta-se que não cabe de forma alguma à AT substituir-se à Requerente e refazer a sua contabilidade, reclassificando os seus registos contabilísticos.

g) Outros Gastos com o pessoal (ponto VI.1.4.2) - € 1.373,86

No período de tributação de 2018, foram contabilizados, na subconta 6385 - Outros gastos com o pessoal, Outros IVA isento, gastos relativos à aquisição de refeições/artigos de pastelaria, que ascendem a € 2.042,26.

Pese embora tenham sido propostas correções à matéria tributável relativas a outros gastos com o pessoal, neste valor, o sujeito passivo, no exercício do direito de audição do procedimento inspetivo regularizou voluntariamente o valor de € 668,40, pelo que o valor aqui contestado é de € 1.373,86.

A Requerente alega que o montante e causa se refere à aquisição de doces de pastelaria para colocar à disposição dos trabalhadores em contexto de convívio e oferta, em 31-12-2018, constituindo ainda, ofertas aos mesmos e respetivas famílias na época natalícia, acrescentando que as despesas efetuadas nesta época não têm que se verificar, necessariamente, antes de 25-12-2018.

E cita a informação vinculativa n.º 321/2017, de 28-07-2017 para concluir que as despesas com

tais refeições e snacks colocados à disposição dos trabalhadores são consideradas realizações de utilidade social e, consequentemente, são dedutíveis fiscalmente nos termos do artigo 43.º, n.º 1 do CIRC.

Refere, ainda, a Requerente que se tratam de despesas de caráter geral, visando o bem-estar

dos trabalhadores, colocando-se os doces à disposição de todos os trabalhadores.

Ora, in casu , a Requerente, tal como ocorreu em sede inspetiva, não provou nenhuma factualidade que permita enquadrar os gastos no n.º 1 do art.º 43.º do CIRC, porquanto não estão identificadas as pessoas que, efetivamente, beneficiaram da alegada oferta.

 

B) Quanto ao Benefício Fiscal RFAI 2018 – Aplicações relevantes desconsideradas (V.3) – RFAI 2017 no valor de € 17.361,82 (valor inscrito no saldo não deduzido no período anterior) e RFAI 2018 no montante de € 41.770,54

 

Os SIT efetuaram correções às dotações de RFAI, tendo em conta as aplicações relevantes, dos exercícios de 2014 a 2018, contudo no âmbito do exercício do direito de audição, a Requerente aceitou as correções aos exercícios de 2014 a 2016, tendo-as regularizado voluntariamente.

No que respeita às dotações de RFAI, de aplicações relevantes, dos exercícios de 2017 e 2018, a Requerente não aceita as correções à dotação no valor de € 17.361,82, relativa ao RFAI de 2017 e no montante de € 41.770, 54, referente ao RFAI de 2018.

A Requerente invoca ter respeitado o artigo 22.º, n.º 5 do CFI, pois que considerou os investimentos em causa nas dotações de RFAI do período de tributação em que tais adições como ativos fixos tangíveis se verificaram, por defender que foi o ano em que chegaram às instalações, e não o ano da sua aquisição;

Defende, ainda, a título subsidiário, que deve a AT considerar tais investimentos nas dotações dos anos em que foram adquiridos, pois que, de facto, os mesmos foram realizados.

Não lhe assiste razão, como se demostrará de seguida.

Aquisição de bem num exercício (2016 e 2017) e registo ativos fixos tangíveis em ano posterior (2017 e 2018).

Consideram-se aplicações relevantes para efeitos de RFAI, isto é, os investimentos são considerados elegíveis quando observado o "conjunto de elementos que o constituem", nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 2.º da Portaria n.º 297/2015, de 21/09, assumindo particular relevância o conceito de "investimento inicial ", e a sua qualificação como "aplicação relevante" .

Os benefícios fiscais previstos no RFAI respeitam a investimentos que no seu todo, no seu conjunto, possam ser considerados como um "investimento inicial" na definição constante do

RGIC.

Tendo o legislador acautelado no n.º 5 do artigo 22.º do CFI que: "Considera-se investimento realizado o correspondente às adições, verificadas em cada período de tributação, de ativos fixos tangíveis e ativos intangíveis e bem assim o que, tendo a natureza de ativo fixo tangível e não dizendo respeito a adiantamentos, se traduza em adições aos investimentos em curso".

O n.º 6 deste mesmo normativo estabelece que para efeitos do disposto no número anterior, não se consideram as adições de ativos que resultem de transferências de investimentos em curso transitado de períodos anteriores, exceto se forem adiantamentos.

 

RFAI 2017 (correção ao valor do saldo não deduzido no período anterior)

Conforme mencionado no RIT (análise do direito audição) e “relativamente aos investimentos

considerados pelo Sujeito Passivo em 2017, no montante de 1.729.477,26€, e que deram origem

a uma dotação do período de 432.3 69,32€, a AT considerou apenas 1.575.141,78€, correspondente a uma dotação de 393.785,45€ por desconsiderar deste investimento o montante de 154.335,48€, a que corresponde uma correção à dotação do período de 38.583,87€, dos quais o sujeito passivo regularizou voluntariamente 21.222,05€.”

À semelhança do que ocorreu no procedimento inspetivo, a Requerente contesta a desconsideração dos investimentos “Robot Servo Motorizado... W818” e “Moldes”, a que corresponde uma correção à dotação no montante total de € 17.361,82.

Quanto ao item “Moulds”, relativo à fatura n.º ...267835A PI, emitida em 29-08-2016, pela entidade E... CO Ltd, adquirido pelo valor de 44.180,84€, que esteve na origem da atribuição de uma dotação de € 11.045,213 (25% de € 44.180,84), foi desconsiderado pelos SIT uma vez que a fatura de aquisição é referente ao período de 2016, logo não consubstancia uma adição ao período de 2017, porquanto a aquisição diz respeito a outro período de tributação, violando o nº 5 do artigo 22º do CFI.

Quanto ao bem “Robot Servo Motorizado ... W818”, relativo à fatura 345, emitida em 06-06-2017, pela sociedade F..., Lda., adquirido pelo valor de € 25.266,45, originando uma dotação de € 6.316,61, o mesmo foi desconsiderado porque “não se encontrava nas instalações da A... aquando da verificação física efetuada em 16/09/2022 e, na sequência do n/ pedido de elementos justificativos de tal facto, o sujeito passivo remeteu, através do seu email de sexta-feira, 23 de setembro de 2022 18:32 de N...<....pt> a fatura nº fatura 194 de 28/08/2020 onde não foi identificado nenhum robot. Assim, o sujeito passivo não logrou comprovar o destino deste equipamento e, bem assim, da manutenção deste equipamento pelo prazo mínimo exigível – 3 anos, previsto na alínea c) do nº 4 do artigo 22º do CFI” (cfr. RIT).

 

RFAI 2018

Conforme mencionado no RIT (análise do direito audição) e “relativamente aos investimentos

considerados pelo Sujeito Passivo em 2018, no montante de 735.567,33€, e que deram origem

a uma dotação do período de 183.891,83€, a AT considerou apenas 565.500,18€, correspondente a uma dotação de 141.375,05€ por desconsiderar deste investimento o montante de 170.067,15€, a que corresponde uma correção à dotação do período de 42.516,79€, dos quais o sujeito passivo regularizou voluntariamente 746,25€”.

À semelhança do que ocorreu no procedimento inspetivo, a Requerente contesta a desconsideração dos investimentos de seguida referidos, a que corresponde uma correção à

dotação no montante total de € 41.770,54.

Ora, quanto aos itens “Blow Mould 1&1.2” e “Mould ... full hotrunner” (faturas nº EZ2017121334 e EZ2017114378 emitidas, respetivamente, em 01-12-2017 e 06-11-2017, pela entidade I... LIMITED, nos montantes de € 48.523,35 e de € 65.867,13, que estiveram na origem da atribuição de um benefício fiscal (dotação) de € 28.597,62 (25%*(€ 48.523,35+ € 65.867,13)), não consubstanciam uma adição ao período de 2018 porquanto a aquisição diz respeito a outro período de tributação, violando o nº 5 do artigo 22º do CFI.

De igual forma, o item “Preform Mould 4 vale gate hotrunner / Preform 8Litter” (fatura nº ...2017622956, emitida em 10-07-2017, pela entidade J... LIMITED, no valor de € 52.691,67, que esteve na origem da atribuição de um benefício fiscal (dotação) de € 13.172,92 (25%* € 52.691,67), não consubstancia uma adição ao período de 2018 porquanto a aquisição diz respeito a outro período de tributação, violando o nº 5 do artigo 22º do CFI.

Assim, as correções às dotações de RFAI não padecem de nenhum vício.

 

DA CORREÇÃO EM SEDE DE IVA

A correção controvertida reporta-se à fatura n.º FA 2018/30, que deu origem à dedução de IVA no montante de 9.200,00€, a qual tem como descritivo “Consultoria e prospeção de mercado na área do café em cápsula na Europa e as novas tendências de consumo”, tendo as restantes correções propostas, no montante de 451,55 €, sido objeto de regularização voluntária.

Ora, como bem entenderam os SIT quando analisaram o direito de audição “ o descritivo da fatura “Consultoria e prospeção de mercado na área do café em cápsula na Europa e as novas

tendências de consumo” não permitir conhecer o serviço em causa e, bem assim, em que medida este serviço foi adquirido com vista à realização de operações tributáveis. Nesse sentido da análise dos documentos que terão sido produzidos no âmbito desta contratação de serviços não foi possível, pela inexistência de qualquer estudo relacionado com o mercado do café em cápsula na Europa e com as novas tendências de consumo nesta área, concluir que este serviço haja sido adquirido com vista à sua utilização na realização de operações tributáveis, tal como prescreve o nº 1 do artigo 20º do CIVA.”

Assim, o fundamento legal da correção controvertida está perfeitamente indicado no RIT, onde se refere expressamente que “da análise aos documentos de despesa que suportam a contabilização dos gastos e a respetiva dedução do imposto suportado, não é possível estabelecer uma relação objetiva entre os bens/serviços adquiridos e a realização de operações tributáveis e bem assim, comprovar a conexão deste IVA com a respetiva realização de operações tributáveis, tal como prescreve o nº 1 do artigo 20º do CIVA.”

Sendo ainda expressamente referidas no RIT as normas atinentes ao direito à dedução, mormente o n.º 1 do artigo 19.º do Código do IVA, bem como artigo 168.º da Diretiva IVA, a qual, referem os SIT “condiciona o direito à dedução ao facto de os bens e serviços em causa

serem “…utilizados para os fins das suas operações tributadas (…)”.”

A Requerente contesta a correção limitando-se a sustentar a ocorrência do vício formal de violação do dever de fundamentação, invocando o artigo 77.º, n.º 1, da LGT e o artigo 268.º,

n.º 3 da CRP, o que não é suficiente no entender da Requerida.

 

DA CORREÇÃO EM SEDE DE IRS - RETENÇÃO NA FONTE

Os SIT apuraram que, no período de 2018, foram registados débitos no montante de 220.054,27€ e créditos no montante de 7.323,61€, na conta “268101 – Sócios - Outras Operações –K...”, concluindo da análise aos lançamentos contabilísticos e respetivos documentos de suporte dos registos efetuados nas contas “268101 –K...”, “2532101 –K...” e “278202 – Terceiro Indiferenciado - ND”, “25111601 – BPI”, “25111602 – Novo Banco”, “25111603 – Crédito Agrícola”, “25111604 – BIC”, “25111605 – CGD”, que os montantes contabilizados a débito na conta “268101” dizem respeito à saída de fluxos financeiros da empresa, registados com os descritivos de “Diversos” e “V/Fatura” e descrição de “Tesouraria”, cujo real beneficiário foi o sócio gerente K... .

A Requerente alega que relativamente aos movimentos de débitos verificados na conta de sócios ”268101 –K...”, no montante de 215.733,40€, tais movimentos se encontram justificados pelo Contrato de Mútuo celebrado entre o Sujeito Passivo e o Sócio K..., em 20.12.2018, até ao valor de 213.500,00€.

Quanto ao alegado contrato de mútuo, deve recorde-se que a AT não está sujeita à qualificação

atribuída pelos sujeitos passivos aos seus negócios jurídicos, tal como determina o n.º 4 do artigo 36.º da LGT, o qual dispõe que “a qualificação do negócio jurídico efetuada pelas partes, mesmo em documento autêntico, não vincula a administração tributária”.

Dispõe, ainda, o art.º 36.º da LGT, no n.º 1 que “a relação jurídica tributária se constitui com o

facto tributário” e no n.º 2 que “os elementos essenciais da relação jurídica tributária não podem ser alterados por vontade das partes”

Feita esta ressalva, importa também estabelecer, ainda que ao jeito de súmula, a tipificação do conceito legal de mútuo, seus requisitos e consequências do incumprimento dos mesmos.

No contrato de mútuo, tipificado pelo art.º 1142.º do Código Civil, o elemento essencial é o empréstimo de dinheiro por uma das partes à outra, que fica obrigada a restituí-la.

O mútuo pode ser gratuito ou oneroso;

Sendo oneroso, a retribuição específica do mútuo são os juros, mas nada impede, naturalmente, que se convencione uma outra forma de retribuição.

Mas, em qualquer caso, têm de se encontrar no conteúdo do acordo os elementos típicos do

mútuo: entrega de uma quantia em dinheiro, cuja propriedade se transfere para o mutuário, que fica obrigado. Assim, segundo o critério da forma estabelecido no preceito legal transcrito, o mútuo deverá ser qualificado, ora como contrato consensual, ora como contrato formal ou solene, consoante o valor mutuado.

Já o art.º 220.º do mesmo diploma determina que “[a] declaração negocial que careça da forma legalmente prescrita é nula, quando outra não seja a sanção especialmente prevista na lei”.

Estabelece o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 17/12/2008, Processo n.º 278/08.1TBAVR.C1:

“ I – No contrato de mútuo a entrega da coisa (datio rei) constitui um pressuposto ou elemento constitutivo essencial à formação d o contrato, á luz das normas legais que regem esta figura jurídica – natureza de contrato real (quoad constitutionem).

II – Quem invoca um contrato de mútuo tem o ónus da prova da verificação desse elemento constitutivo do contrato.”

Prova que não foi efetuada, nem na ação inspetiva, nem na presente ação arbitral.

Assim, perante o incumprimento pela Requerente do seu ónus da prova, constante dos artigos 342.º do Código Civil e 74.°, n.º 1, da LGT, só poderá concluir-se que é manifestamente infundada a pretensão de anulação da liquidação controvertida.

Contesta ainda por impugnação quanto aos juros compensatórios, indemnizatórios, e ainda quanto à indemnização por prestação de garantia indevida.

 

  1. SANEAMENTO

 

O Tribunal foi regularmente constituído, é competente, tendo em vista as disposições contidas no artigo 2.º, n.º 1 e artigo 5.º, nºs. 1 e 3 ambos do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, estando ambas regularmente representadas, de harmonia com os artigos 4.º e 10.º, nº 2, ambos do RJAT.

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

Não foi suscitada matéria de exceção.

O processo não enferma de nulidades.

Cumpre apreciar e decidir.

 

  1. FUNDAMENTAÇÃO

III. 1. Matéria de facto

  1. Factos provados

Para a decisão da causa submetida à apreciação do Tribunal, cumpre enunciar os factos relevantes que se julgam provados nos documentos juntos por estas ao presente Processo:

 

  1. O Sujeito Passivo em cumprimento da ordem de Serviço n.º OI2022..., foi sujeito a um procedimento de inspeção interna, iniciado em 10/05/2022, relativo ao ano de 2018.
  2. Em sede de ação de inspeção tributária e consequente relatório final (cf. Doc. n.º 13 que se junta), a Autoridade Tributária e Aduaneira vem invocar as seguintes correções:

 

2018

 

 

Correções à Matéria Tributável

IRC

174.196,73

De natureza meramente aritmética resultante de imposição legal

 

 

 

 

 

Imposto em falta

IRC

59.132,34

IVA

9.200,00

RFIRS

60.405,35

 

  1. Concluindo a Administração Tributária ser de proceder as correções à matéria tributável, em sede de IRC, no valor de 174.196,73€ e estar em falta o pagamento de IRC na quantia de 59.132,34 €, de IVA no valor de 9.200,00 € e ainda de retenção na fonte em sede de IRS no montante de 60.405,35 €.

 

  1. Correções essas que dizem respeito a IRC (relativamente a gastos não aceites e dotação de RFAI), IVA (deduções alegadamente indevidas) e RFIRS (alegada falta de retenção de IRS Categoria E de valores registados na conta de sócios).

 

  1. De forma mais pormenorizada, em sede de IRC, verificaram-se as seguintes correções:
  2. Correções à matéria tributável – gastos não relacionados com a obtenção de rendimentos (Vl.1.1.) – no montante de 40.000,00€, não aceites pelo Sujeito Passivo;
  3. Gastos com Conservação e Reparação (Vl.1.1.2.) - no montante de 1.780,17€, aceites pelo Sujeito Passivo em sede de reunião de regularização parcial com a Autoridade Tributária, nos termos do artigo 58.º-A do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (“RCPITA”);
  4. Gastos com Materiais (Vl.1.1.3.) - no montante de 348,80€, não aceites pelo Sujeito Passivo;
  5. Gastos com Ofertas (Vl.1.1.4.) - no montante total de 14.543,98€, dos quais o Sujeito Passivo apenas aceitou 9.246,46€, não aceitando, assim, as correções na quantia de 5.297,52€;
  6. Outros Gastos (Vl.1.1.5.) - no montante de 9.214,25€, dos quais o Sujeito Passivo não aceita 2.512,06€;
  7. Gastos Imputáveis a outros Períodos de Tributação (Vl.1.2) - no montante de 118.920,00€, não aceites pelo Sujeito Passivo;
  8. Gastos com Deslocações e Estadas (V.1.3) - no montante de 24.701,26€, dos quais o Sujeito Passivo aceitou 18.485,10€, não aceitando correções no valor de 6.216,16€.
  9. Gastos com o Pessoal - Ajudas de Custo (V.1.4. e V.1.4.1) – no montante de 41.457,33€, que o Sujeito Passivo aceitou;
  10. Outros Gastos com o Pessoal (V.1.4.2.) – no montante de 2.042,26€, dos quais o Sujeito Passivo aceitou 668,40€, não aceitando correções no montante de 1.373,86€;
  11. Benefícios Fiscais:
    1. Correções às dotações, tendo em conta as aplicações relevantes para efeitos de RFAI (V.3.3):
      1. RFAI 2014: correções à dotação de RFAI de 2014 na quantia de 1.427,15€, (passando a dotação a ser no montante de 247.358,51€ (25% x 989.434,03€ de aplicações relevantes consideradas pela Administração Tributária para efeitos de RFAI)), tendo o Sujeito Passivo aceite as correções;
      2. RFAI 2015: correções à dotação de RFAI 2015 na quantia de 2.308,40€, (passando esta a ser no montante de 170.448,64€ (25% x 681.794,55€ de aplicações relevantes consideradas pela Administração Tributária para efeitos de RFAI)), tendo o Sujeito Passivo aceite as correções;
      3. RFAI 2016: correções à dotação no montante de 12.726,25€, passando a dotação para 67.423,13€ ((25% x 269.692,53€ de aplicações relevantes consideradas pela Administração Tributária para efeitos de RFAI)), tendo o Sujeito Passivo aceite as correções;
      4. RFAI 2017: correções à dotação na quantia de 38.583,87€, (passando esta a ser no montante de 393.785,45€ (25% x 1.575.141,78€ de aplicações relevantes consideradas pela Administração Tributária para efeitos de RFAI)), dos quais 17.361,82€ o Sujeito Passivo não aceitou.
      5. RFAI 2018: correções à dotação na quantia de 42.516,79€, (passando esta a ser no montante de 141.375,045€ (25% 565.500,18€)), dos quais 41.770,54€ o Sujeito Passivo não aceitou.

 

  1. Correções à dotação de RFAI, tendo em conta os limites máximos aplicáveis aos auxílios aos investimentos com finalidade regional (V.3.4.), artigo 23.º, n.º 5 do Código Fiscal do Investimento – que, no entanto, foram eliminadas após direito de audição do Sujeito Passivo:
    1. Dotação de RFAI 2014: correções no montante de 245.927,15€, não aceites pelo Sujeito Passivo;
    2. Dotação de RFAI 2015: correções no montante de 105.044,93€, não aceites pelo Sujeito Passivo;
    3. Dotação de RFAI 2016: correções no montante de 24.252,70€, não aceites pelo Sujeito Passivo;
    4. Dotação de RFAI 2017: correções no montante de 38.583,88€, não aceites pelo Sujeito Passivo;
    5. Dotação de RFAI 2018: correções no montante de 42.516,79€, não aceites pelo Sujeito Passivo.
  2. Correções em sede de IVA (V.4.) – imposto em falta – no montante de 9.651,55€, dos quais 9.200,00€ não foram aceites pelo Sujeito Passivo;
  3. Correções em sede de alegada falta de retenção de IRS Categoria E – Adiantamento por conta de lucros (V.5.) – no montante de 60.405,35€, não aceites pelo Sujeito Passivo.

 

  1. Sendo que a matéria tributável que resultou das correções aceites pelo Sujeito Passivo no âmbito de reunião de regularização parcial, no montante de 78.339,65€, considerando o saldo existente de Benefícios Fiscais do Sujeito Passivo (RFAI e SIFIDE), foi absorvida/abatida ao saldo existente, conforme exposto no Relatório Final (infra), e nos docs. n.ºs 14 e 15 que aqui se juntam.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

  1. Ora, por não concordar com todas as correções efetuadas pela Administração Tributária e o entendimento a elas subjacente, o Sujeito Passivo exerceu o seu Direito de Audição Prévia (cf. Doc. n.º 16).
  2. Não obstante, a Administração Tributária manteve o seu entendimento – exceto no que diz respeito às correções à dotação de RFAI, tendo em conta os limites máximos aplicáveis aos auxílios aos investimentos com finalidade regional (V.3.4.) -, dando origem aos atos de liquidação supra melhor identificados.
  3. No entanto, por não se conformar com tal entendimento e com os Atos de liquidação  de IRC com o n.º 2022... e, bem assim, o correspondente ato de liquidação de Juros Compensatórios com o n.º 2022...; Ato de Liquidação de IVA com o n.º 2022 ... e respetivo ato de liquidação de Juros Compensatórios n.ºs 2022...; e Ato de liquidação de IRS com o n.º 2022 ... e respetivo ato de liquidação de Juros Compensatórios n.º 2022 ..., o Sujeito Passivo vem agora exercer, pelo presente, o seu direito a apresentar Pedido de Pronúncia Arbitral.

 

  1. Factos não provados e fundamentação e fixação da matéria de facto

Com relevo para a decisão não existem factos não provados.

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.

No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos e nas posições assumidas por ambas as Partes em relação aos factos essenciais, sendo as questões controvertidas estritamente de Direito.

 

III. 2. Matéria de Direito

Atenta a posição das partes, assente nos argumentos apresentados, a questão central que importa analisar reside nos seguintes regimes:

  • Quanto aos gastos fiscais em sede de IRC;
  • Quanto Benefício Fiscal RFAI – Aplicações Relevantes Desconsideradas;
  • Quanto às Correções em Sede de IVA – Imposto em Falta;
  • Quanto à alegada falta de retenção de IRS categoria E – adiantamento por conta de lucros.

 

  1. Quanto aos gastos dedutíveis em sede de IRC

Estão aqui em causa os seguintes gastos:

  • Gastos com Trabalhos especializados;
  • Gastos Com Materiais;
  • Gastos com Ofertas;
  • Outros Gastos;
  • Dos Gastos Indevidamente Contabilizados como Deslocações e Estadas – Das Despesas de Representação;
  • Outros Gastos com o Pessoal.

A análise jurídica em questão foi já objeto de várias decisões do CAAD, as quais naturalmente beneficiam a presente análise pela exposição técnica aportada.

Sem prejuízo do que acima se refere relativamente ao entendimento de ambas as Partes, para efeitos de pronúncia do presente Tribunal, importa saber se do contraditório realizado existe prova bastante de que os gastos em crise determinam a anulação das respetivas liquidações aqui identificadas, com referência à sua dedutibilidade em sede de IRC, respeitante aos períodos de tributação de 2018 da Requerente.

Dispõe o art.º 23.º, n.º 1 do Código do IRC que "são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC".

Se até à introdução da redação do art.º 23.º do Código do IRC dada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, a norma em causa referia expressamente o conceito de indispensabilidade do gasto para efeitos da sua dedução em sede de determinação do lucro tributável, tal conceito deixou de ter expressa previsão legal.

Tal não significa, contudo, que não se deva admitir atualmente o conceito de indispensabilidade para efeitos de apuramento de um gasto como dedutível para efeitos fiscais. Na verdade, volvidos cinco anos da introdução da nova redação do artigo 23.º do Código do IRC, a doutrina e jurisprudência (judicial e arbitral) continuam a defender a presença deste conceito, admitindo como gasto dedutível para efeitos de determinação da matéria coletável, «todo o gasto decorrente da gestão realizado na prossecução do objecto societário, excluindo-se assim todo o gasto que seja estranho a tal prossecução.» [nosso sublinhado]

Neste sentido, pode ler-se na Decisão prolatada no Processo n.º 398/2020-T que «A exclusão, propositada, da menção comprovadamente sejam indispensáveis", não significa uma alteração radical nas regras da dedutibilidade. A doutrina considera que é bastante consensual que a indispensabilidade dos gastos deve, num plano geral, ser entendida como considerando dedutíveis aqueles que sejam incorridos no interesse da empresa, na prossecução das respetivas atividades. De facto, não se eliminou toda a subjetividade que poderia existir com a anterior redação, pois a relevância fiscal de um gasto continuará a depender de uma ponderação de critérios, tais como, a prova da sua necessidade, adequação, ou da produção do resultado, sendo que a falta geral dessas características gera a dúvida sobre se é um gasto efetivamente incorrido no interesse da empresa e, como tal, se estamos perante um gasto aceite fiscalmente ou não.» Conclui assim que «Um dos objetivos destes limites à dedutibilidade dos gastos consiste em impedir eventuais situações de abuso fiscal, daí que o legislador tenha estabelecido uma lista exemplificativa de gastos dedutíveis por forma a limitar as reduções indevidas de impostos, ou estaria aberto o caminho à prossecução de interesses alheios, mormente dos sócios em detrimento dos da empresa, resultando numa violação do princípio da tributação do lucro real.»

Assim, no seguimento do que se refere na Decisão prolatada no Processo n.º 33/2018-T deste Tribunal: «há que concluir que a relevância fiscal de um gasto depende unicamente da sua conexão com a atividade da empresa, independentemente do mérito da opção de gestão empresarial que tenha sido seguida na assunção desse encargo, havendo apenas de afastar-se os gastos que tenham sido determinados por outras motivações.» [nosso sublinhado].

Entendimento que se afigura em linha com o já propugnava o Supremo Tribunal Administrativo [Acórdão de 30 de novembro de 2011, prolatado no processo n.º 0107/11] quando refere, «Os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, por outras palavras, em todos os atos abstratamente subsumíveis num perfil lucrativo. (…) O gasto imprescindível equivale a todo o custo realizado em ordem à obtenção de ingressos e que represente um decaimento económico para a empresa. Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a atividade da empresa.»

No entendimento de MOURA PORTUGAL[9], «Os custos indispensáveis equivalem, assim, aos gastos contraídos no interesse da empresa. A dedutibilidade fiscal do custo deve depender apenas de uma relação justificada com a actividade produtiva da empresa e esta indispensabilidade verifica-se “sempre que – por funcionamento da teoria da especialidade das pessoas colectivas – as operações societárias se insiram na sua capacidade, por subsunção ao respectivo escopo societário e, em especial, desde que se conectem com a obtenção de lucro ainda que de forma indirecta ou mediata”». [nosso sublinhado].

Sendo que, por lucro deverá entender-se «(…) o resultado ou produto líquido de uma actividade produtiva, que tem a natureza de uma compensação líquida, por se tratar de retribuição que já vem depurada de todos os custos correlativos.»[10] Nesta senda, e nas palavras de VÍTOR FAVEIRO, os custos assim apurados apenas poderão «ser objecto de correcção directa, (…) quando se trate de factos que, por natureza e univocidade se evidenciem objectivamente como estranhos ao objecto e ao fim económico e gestionário global da empresa.»[11]

Perante o exposto, é possível afirmar que o regime que decorre atualmente do artigo 23.º do Código do IRC norteia a dedutibilidade de gastos através de dois critérios: um de natureza formal, através do qual se exige que os gastos ou perdas tenham um suporte documental adequado, em conformidade com o disposto no n.º 3 do referido artigo; e outro de natureza material, nos termos do qual se exige que os gastos ou perdas tenham sido «incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC»
[cf. artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC].

A par das conclusões expendidas anteriormente, «só perante normas expressas e uma motivação intrínseca se poderá afastar a dedutibilidade de custos contabilísticos que preencham os requisitos legais do citado artigo 23.º do CIRC»[12] [nosso sublinhado]

Deste modo[13], a não dedutibilidade de um gasto para efeitos fiscais terá de «passar no teste da “motivação”», sendo que para efeitos de consideração da referida não dedutibilidade «tem de ser visível e identificável o interesse fiscal específico que se visa acautelar. Ora se esta exigência recai sobre o legislador, mais se justifica que na tarefa de aplicação do preceito ao facto concreto o julgador tenha presente que está a aplicar uma norma que constitui uma excepção à regra geral de identidade conceptual entre custos contabilísticos e custos fiscais.»

Neste sentido, cabe igualmente acolher o entendimento de acordo com o qual «Só respeitando estes requisitos e fazendo um uso restritivo da limitação à dedutibilidade dos custos para efeitos fiscais se respeitarão o princípio da tributação pelo lucro real e o princípio segundo o qual a conexão dos custos com a actividade do contribuinte justifica a respectiva dedutibilidade.»[14]

Desta forma, exposto o que se deve entender por gasto fiscal para efeitos de apuramento do lucro tributável, em sede de IRC, bem como das exigências que a aplicação do artigo 23.º-A do Código do IRC reclama em sede da própria construção e funcionamento do ordenamento jurídico-tributário, nomeadamente do respeito pelo princípio da tributação pelo rendimento real, importa analisar o caso concreto.

O art.º 23.º-A do Código do IRC tem funcionado como uma espécie de cláusula geral antiabuso invertida, na medida em que não se exige à Administração Tributária um concreto dever de fundamentação quanto à exclusão de dedutibilidade de um determinado gasto para efeitos de apuramento do lucro tributável, que de resto deve pautar toda a sua atuação.

Pretendendo-se aferir da respetiva dedutibilidade, o mesmo é dizer que se se considera ou não que os referidos gastos foram incorridos no interesse da empresa e na prossecução da respetiva atividade.

Ora, da análise efetuada aos factos apresentados, e atentos os requisitos de aplicação do artigo 23.º do Código do IRC, não se revela possível o afastamento de que os mesmos foram incorridos no interesse da empresa, sendo manifesta a sua adequação atendendo à regular prossecução do objeto societário (e portante à atividade económica desenvolvida pela Requerente), não tendo ficado comprovada qualquer outra motivação.

No que respeita ao gasto com amortizações, questiona-se a aceitação do gasto pelo facto de o contrato de licenciamento ter caducado em 2017, sendo assim suscitadas dúvidas sobre a adenda contratual apresentada.

Atendendo à natureza da argumentação suscitada pela Requerida, entende este Tribunal, na senda do entendimento exposto na Decisão prolatada no Processo n.º 102/2020-T do CAAD, que «O artigo 23.º do CIRC não se reconduz a uma norma antiabuso, que pudesse ser utilizada em substituição do artigo 38.º, n.º 2, da LGT (…)» Na sequência da análise realizada ao caso, concluiu então o Tribunal, com o qual se concorda, que «Cada norma tem um conteúdo prescritivo diverso – e o art. 23.º do CIRC não funciona como uma norma anti abuso substitutiva daqueles outros preceitos.»

Pelo que, «Continuando na mesma linha de raciocínio do Acórdão 4/2/2020, emitido no processo 191/2019, deste Centro “O art. 23.º do CIRC limita o seu raio de ação à não dedução fiscal dos gastos assim contabilizados, mas que, quando contraídos (ou os investimentos efetuados) não se inserem no interesse económico da Sociedade, mas servem interesses extra societários, dos administradores ou de terceiros. Suponhamos que uma Sociedade suporta os juros de um financiamento por si contraído para efetuar um investimento apenas em benefício privado de um sócio ou administrador (e isso não é reconduzido a um rendimento em espécie da pessoa singular). Ou que se financia na banca para entregar essa quantia financeira a terceiro, sem qualquer contrapartida, fora do grupo ou fora do seu objeto social. Nesses casos, os juros que vier a suportar com esses fundos não são fiscalmente dedutíveis porque não foram (ab initio e para sempre) aplicados na exploração da Sociedade.”

Sobre o caso dos autos, não há convicção deste Tribunal de que as operações económicas subjacentes se reconduziram a esquemas abusivos para obtenção de ganho fiscal. Sendo este o entendimento da Requerida, a fundamentação deveria recair no artigo 38.º, n.º 2 da LGT e não no art.º 23.º do Código do IRC.

Não se atribui ao insucesso financeiro assinalado, bem como aos restantes apresentados, prova suficiente para desconsiderar os gastos efetivamente incorridos em publicidade ou com a plataforma para utilização nos serviços de informática.

Assume uma natureza subjetiva o entendimento da Requerida quando expressa que a Requerente já sabia, no momento do dispêndio do gasto, que não conseguiria revender os conteúdos adquiridos.

No que concerne ao documento apresentado para comprovação da vigência dos gastos associados à Plataforma, refere-se ainda o entendimento exposto na Decisão prolatada no Processo n.º 793/2021-T: “(…) Como ficou consignado nas Decisões arbitrais proferidas nos processos 510/2020-Te 534/2021-T,“(…) para efeitos de dedutibilidade de um custo entendia a doutrina e a jurisprudência que aquele requisito se demonstra através de documentos que comprovem os custos realizados, sendo que esses documentos podem consistir em meros documentos, faturas, recibos ou até uma nota interna da empresa, conquanto se revelem credíveis e consistentes. (…).” Tendo sido apresentado um documento contendo os termos contratuais da extensão de vigência temporal referente à utilização da plataforma, não se extraí da argumentação apresentada pela AT elementos suficientes que provem que não se trata de um documento válido.

Conclui-se assim do exposto que procede parcialmente o pedido de anulação das respetivas liquidações de IRC aqui identificadas e quanto aos gastos identificados, com referência aos períodos de tributação de 2018 e 2019 da Requerente.

 

Há, contudo, uma exceção desta componente da anulação, que respeita aos gastos imputáveis a outros períodos de tributação, no valor de 118.920,00€.

Diz-se na petição:

“147.º Tendo a Administração Tributária concluído que estamos perante “serviços que foram prestados em 2017 e, como tal, os gastos correspondentes serão imputáveis a esse período de tributação dado que, por força dos contratos celebrados e em vigor, os mesmos seriam conhecidos no encerramento daquele período.”

 148.º Referindo ainda que “o sujeito passivo não apresentou qualquer prova da imprevisibilidade do gasto, nem tão pouco do prejuízo efetivo do sujeito passivo e de não ter lesado o Estado, nomeadamente a demonstração de que os mesmos gastos não foram também reconhecidos em 2017, quer por via da contabilização da fatura, quer por via do acréscimo, pois da análise da fatura, constata-se que o fornecedor C... emitiu 2 notas de crédito em janeiro de 2018, as quais anularam duas faturas emitidas em novembro de 2017 que terão sido contabilizadas pelo sujeito passivo em 2017 (...).

153.º Não obstante, o Sujeito Passivo, julgando atuar de boa-fé, considerou apenas ter incorrido no gasto em 2018, por aí ter procedido ao pagamento dos mesmos.

154.º No caso em apreço, está em causa um problema de periodização, isto é, gastos suportados/incorridos no período de 2017, que o Sujeito Passivo está a considerar em 2018.

155.º Sendo que, em regra, aplica-se, a este propósito, o artigo 18.º, n.º 1 do CIRC, segundo o qual “Os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica.”

156.º Contudo, excecionalmente, em nome do princípio da justiça, pode aplicar-se o artigo 18.º, n.º 2 do CIRC, que permite a dedução de gastos de períodos anteriores, no período de tributação seguinte, se na data de encerramento das contas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidos.”

Está aqui em causa o artigo 18, n.º 2 do CIRC. A Requerente aponta para um critério de reconhecimento dos gastos aqui em causa com base no momento do seu pagamento, o que não está de acordo com as regras contabilísticas, que determinam o reconhecimento dos gastos segundo um critério de periodização económica.

O princípio da justiça material opera quando não existe motivação para transferência ou gestão de resultados fiscais entre exercícios.  Nesta conformidade, acompanha-se a posição sustentada pela Requerida, que aponta no sentido de que os encargos só não foram considerados pela Requerente no período de 2018 por opção sua, não ocorrendo nenhuma situação manifestamente desconhecida ou imprevisível suscetível de ser enquadrada na exceção ao princípio da especialização dos exercícios a que se refere o n.º 2 do artigo 18.º do CIRC e que prevê uma exceção apenas nos casos em que as componentes positivas ou negativas do lucro tributável sejam, à data de encerramento das contas de determinado exercício, imprevisíveis ou manifestamente desconhecida. O adiamento do reconhecimento dos gastos em causa neste ponto não é indiferente no plano tributário, pois como sustenta a Requerida:

"É, pois, inequívoco que a violação do princípio da periodização do lucro tributável não constitui uma atuação de somenos importância, sem qualquer relevância material, porquanto tal circunstância poderá ter consequências prejudiciais em vários aspetos da atividade, seja ela económica e/ou fiscal, atinentes a situações voluntárias e objetivas de distorção da imagem da empresa traduzida nas demostrações financeiras e a consequente manipulação de resultados, para mais ou para menos.

E também não é indiferente tributar num período ou noutro, pois a coleta apurada quer em 2017, quer em 2018, foi totalmente absorvida pela dedução de benefícios fiscais, designadamente SIFIDE e RFAI, sendo que para parte dos saldos deduzidos, nomeadamente de 2014, caso a sua dedução não fosse maximizada, correm maior risco de caducar por inexistência de coleta suficiente"

Este entendimento é, de resto, o que tem vindo a ser seguido pela jurisprudência do CAAD, conforme se pode verificar pelo conteúdo do acórdão proferido no âmbito do processo n.º 582/2017-T e que de seguida se evidencia:

«O ponto é que a aplicação do critério de periodização dos rendimentos não pode ficar dependente de decisões de gestão empresarial que a Administração Tributária não pode controlar. A periodização do rendimento tributável permite definir o momento em que o rendimento deve ser efetivamente levado à tributação e destina-se a facilitar a obtenção de informação, não só por parte do Estado, mas também das empresas, que poderão calcular os seus custos e proveitos, numa base anual, para efeitos financeiros e fiscais. Apesar da maior flexibilidade do princípio da periodização no direito contabilístico quanto ao momento do reconhecimento dos réditos (cfr. nomeadamente, parágrafos 18 e 22 da NCRF 20), o certo é que tal não pode justificar, no plano fiscal, o uso de um critério aleatório em que a imputação dos gastos ou dos proveitos a um certo ano económico é determinada com base em meras opções de gestão do empresário.

Como antes se anotou, o princípio da periodização dos rendimentos, em IRC, pode ser flexibilizado, em certas circunstâncias, por razões de justiça material. Mas não é essa a situação do caso. Se o sujeito passivo entende que deverá prescindir da cobrança dos juros de mora debitados a certos clientes, os montantes correspondentes poderão ser levados a custos no ano económico em que perdeu a vantagem patrimonial. Não há aí um qualquer agravamento fiscal ou a desconsideração de proveitos de que o contribuinte deixou de beneficiar. O que sucede é que os rendimentos e os custos são imputados aos anos económicos em que contabilisticamente foram obtidos ou suportados.».

Assim, quanto aos gastos imputáveis a outro período de tributação, o pedido não procede.

 

  1. Quanto aos gastos no âmbito do RFAI

Verificou-se que certos equipamentos aos quais correspondem faturas de um dado exercício foram registados como investimentos geradores de benefícios fiscais no âmbito do RFAI no exercício seguinte.

É o caso de:

  1. “Moldes” (fatura n.º ...267835A PI, emitida em 29.08.2016, pela entidade E... Ltd, no valor de 44.180,84€), enquanto ativo fixo tangível, apenas foi  adicionado pela Requerente aos ativos relevantes para efeitos de RFAI  no período de tributação de 2017;
  2. “Blow Mould 1&1.2” e “Mould Lid ... full hotrunner” (faturas n.º  ...2017121334 e ...2017114378 –juntas como docs. n.ºs 45 e 46 - emitidas  em 01.12.2017 e 06.11.2017, respetivamente, nos montantes de 48.523,35€ e  65.867,13€, que estiveram na origem da atribuição de um benefício fiscal  (dotação) de 28.597,62€ (25% x (48.523,35€ + 65.867,13€), foram  adicionadas pela Requerente aos ativos relevantes para efeitos de RFAI   no período de 2018;
  3. “Preform Mould 4 vale gate hotrunner / Preform 8Litter (fatura n.º  HH2017622956, emitida em 10.07.2017, no valor de 52.691,67€, cf. doc. n.º 47 que junta) que esteve na origem da atribuição de um benefício fiscal (dotação) de  13.172,92€ (25% x 52.691,67€, foram  adicionadas pela Requerente aos ativos relevantes para efeitos de RFAI  no período de 2018.

Ademais, para a requerente, o  Robot Servo Motorizado ... W818 cumpriu o prazo mínimo de três anos exigidos  no artigo 22.º, n.º 4, al. c) do CFI, pois foi alienado em 28.07.2020, conforme  fatura (que junta como doc. n.º 44), à entidade M..., S.L. Já a AT entende, sobre este robot, que a documentação junta não satisfaz os requisitos de prova, e eventuais declarações testemunhas não são bastantes para desfazer as inconsistências das prova documental exibida.

Vejamos, pois.

 

b.1. Análise do Tribunal

A) Sobre a existência de faturas de aquisição de ativos fixos tangíveis num exercício e afetação contabilístico-fiscal dos bens, para feitos de RFAI, ao exercício seguinte (situações i, ii e iii, do ponto anterior)

 

Comece por referir-se que no pedido de pronúncia arbitral (PPA) a requerente reconhece que as faturas relativas aos bens em causa foram emitidas no ano anterior ao do seu registo como ativos e consequente possível dedução à coleta do IRC para efeitos de RFAI. A justificação para tal procedimento é a de que, em seu entender, só aquando da posse dos bens devem tais ativos ser tomados como adições ao investimento realizado.

Não tem razão a Requerente. Vejamos os motivos.

 

Em primeiro lugar, porque o artigo 22.º , nº 5 e 6 do CFI dispõe:

“5 - Considera-se investimento realizado o correspondente às adições, verificadas em cada período de tributação, de ativos fixos tangíveis e ativos intangíveis e bem assim o que, tendo a natureza de ativo fixo tangível e não dizendo respeito a adiantamentos, se traduza em adições aos investimentos em curso.

6 - Para efeitos do disposto no número anterior, não se consideram as adições de ativos que resultem de transferências de investimentos em curso transitado de períodos anteriores, exceto se forem adiantamentos.”

 

Ora, segundo as regras contabilísticas em vigor, a passagem da fatura pelo fornecedor cria na Requente uma obrigação de pagamento. Daí que, num plano económico, o investimento devesse implicar adições aos investimentos na conta 43- Ativos fixos tangíveis do SNC; ou,  no mínimo, de ser considerado “investimento em curso” (conta 45 do SNC) e ser afeto, no âmbito do RFAI,  a 2016 e 2017, exercícios nos quais  os bens foram faturados, pois que quer o registo na conta 43 quer na conta 45 implicam a dedução à coleta do IRC (havendo coleta suficiente), por via do RFAI, em 2016 e 2017, ou o seu reporte para diante nos termos do CFI.

Acresce que o reconhecimento como ativos tangíveis na requerente cf. quadros que apresenta no PPA, se dá num caso em 2 de janeiro de 2017, e nos outros e 15 de fevereiro de 2018. Ora não é plausível que provindo os bens de países estrangeiros, com tempos de transporte, desalfandegamento, tramitação administrativa e deslocação para as instalações da requerente, não existisse factualidade suficiente para considerar tais bens ou como elementos integrantes dos ativos fixos tangíveis ou, no mínimo, como investimento em curso, e afetá-los ao RFAI no período da referida faturação.

 

Em consonância com tal perspetiva está o § 21 da NCRF 7 que estabelece:

 

“21 — O reconhecimento dos custos na quantia escriturada de um item do ativo fixo tangível cessa quando o item está na localização e condição necessárias para que seja capaz de funcionar da forma pretendida (…).”

 

Ou seja, esta norma não afirma que o reconhecimento se deva fazer pela totalidade apenas e só quando o item do ativo está capaz de funcionar. Refere, ao invés, que tal reconhecimento cessa nesse momento. Daqui decorre que ao tomar conhecimento de diversos custos à medida que o ativo vai passando por diversas fases se deve dar a tais custos de aquisição (maxime, faturas relativas ao bem) o tratamento contabilístico apropriado, que não é o que a requerente seguiu. Disso dá também conta o § 17 da NCRF 21 que dispõe:

 

"17 — O custo de um item do ativo fixo tangível compreende:

a) O seu preço de compra, incluindo os direitos de importação e os impostos de compra não reembolsáveis, após dedução dos descontos e abatimentos;

b) Quaisquer custos diretamente atribuíveis para colocar o ativo na localização e condição necessárias para o mesmo ser capaz de funcionar da forma pretendida; e

c) A estimativa inicial dos custos de desmantelamento e remoção do item e de restauro do local no qual este está localizado, em cuja obrigação uma entidade incorre quando o item é adquirido ou como consequência de ter usado o item durante um determinado período para finalidades diferentes da produção de inventários durante esse período".

Em suma, a fatura emitida pelo fornecedor dos equipamentos, fazendo parte do custo de aquisição um ativo fixo tangível, será já parte do investimento. Mesmo que assim se não proceda, seria, indubitavelmente, parte de "investimentos em curso", não sendo correta a decisão de adiar o reconhecimento dos bens em causa para o início (janeiro e fevereiro) do ano seguinte, como antes se mostrou.

Como afirmam António Borges et al., Elementos de Contabilidade Geral, Áreas Ed., 2010, p. 801 e segs. os investimentos em curso abrangem, “investimentos de adição, melhoramento ou substituição enquanto não estiverem concluídos”. Além das disposições técnicas do SNC, a doutrina é assim clara ao afirmar que ao longo de um processo de investimento, que envolva ativos tangíveis, este deve ter reflexo se não na conta 43 do plano de contas do SNC, ao menos na conta 45- Investimentos em curso. Ora ambos são relevantes para efeitos de RFAI, como estabelecem o nº 5 e 6 do art.º 22 do CFI.

Em segundo lugar, uma coisa é o momento do reconhecimento ou registo como ativo do bem (numa conta da classe 4 do plano de contas do SNC), outra o momento em que está disponível para uso. Conforme estabelece o artigo 29º , n.º 4 do CIRC:

 

"4 — Salvo razões devidamente justificadas e aceites pela Autoridade Tributária e Aduaneira, os elementos do ativo só se consideram sujeitos a deperecimento depois de entrarem em funcionamento ou utilização."

 

Esta norma trata de uma das condições a verificar para a aceitação fiscal das depreciações, não resultando dela que um bem só será considerado ativo fixo a partir do momento em que se encontra na posse de certa entidade e podendo iniciar a sua atividade produtiva.

 

Em terceiro lugar, há um claro desfasamento entre o que se expõe no Pedido de pronúncia arbitral e o que se afirmou em audiência de testemunhas.

No PPA dá-se como adquirido que existiu faturação pelo fornecedor, mas que o que a requerente tomou como critério basilar do reconhecimento foi o momento em que os bens chegaram à sua posse e se integraram por isso no conjunto dos seus meios produtivos para laboração.

Ora, várias testemunhas designadas pela requerente (designadamente N...) afirmaram que os valores em causa dizem respeito a adiantamentos, não elegíveis para efeitos de RFAI. E que na Ásia (em diversos países, mormente na China) o adiantamento de meios monetários ao fornecedor tem como contrapartida uma fatura definitiva, pois seria essa  a prática necessária dos negócios.

Se assim for, teria a requente de apresentar algum tipo de prova documental que o mostrasse ou, pelo menos, indiciasse.  Quer dizer: se no PPA existe uma determinada fundamentação e as testemunhas afirmam uma razão principal diversa para que se não tenham reconhecido contabilisticamente os bens em 2016 e 2017, e sim nos anos seguintes, então o ónus de provar que as ditas práticas negociais implicariam a passagem de uma fatura por uma verba monetária a que é atribuída, testemunhalmente, a natureza de adiantamento, caberia à aqui requerente.

E não há nos autos sequer um e-mail do fornecedor (em reposta a um possível pedido de clarificação de prática negocial por parte do sujeito passivo) a comprovar a necessidade de passagem da fatura aquando do suposto adiantamento. Não há nenhum outro tipo de documento alternativo (contato de fornecimento, contactos escritos no âmbito da adjudicação e condições de pagamento e respetivo documento de suporte, pedido ao fornecedor que envie um documento que afirme uma certa prática comercial e de faturação, ou outro julgado relevante como meio de prova).[15]

Não cabe ao tribunal obter provas que validem uma tese ou outra.  Cabe à parte que alega uma determinada a tese (a correta aplicação das normas do RFAI e a natureza de adiantamento dos montantes aqui em causa) apresentar provas bastantes, que dissipem dúvidas.

O que aqui se observa é que no PPA se sustente uma tese (o momento do registo é adiado para 2017 e 2018 porque só então se estaria na posse dos bens) e em sede de audiência de testemunhas se sustenta outra tese não coincidente (que as verbas que constam da faturas de 2016 e 2017 são, realmente, adiantamentos). Perante tais discrepâncias não se podem validar os argumentos da requerente.

 

Em quarto lugar, e esta é uma razão essencial para que também não se acolha a tese da requerente, existe, no dizer das testemunhas e como se expressa ano RIT, o que se designou por ”bolsa fiscal” da requerente. Em que consiste?

Como se extrai da p. 35 do RIT, em finais de 2018, a requerente, em face de investimentos elegíveis para o RFAI realizados em anos anteriores, detinha mais de 1 milhão de euros (1.043.529,25 euro) para deduções futuras. (Quadro seguinte, extraído da p. 35  do RIT e não contestado pela requerente).

 

 

 

Ora esta "bolsa fiscal" - ou seja, o montante de deduções futuras, caso a coleta de exercícios posteriores o permita - implica que, contrariamente ao afirmado pelas testemunhas, não seja indiferente ou inócuo o registo dos bens num exercício ou no outro; ou que "a AT não sai prejudicada".

Em virtude do saldo existente ser de montante avultado e do facto de existir um prazo legal de 10 anos para reporte de deduções do RFAI não usadas, o adiamento do reconhecimento dos ativos como investimentos tem impacto na gestão fiscal da requerente e da sua tributação efetiva.[16]

Com efeito, a realização e registo de um investimento em 2016 é, no caso concreto, desvantajosa face ao seu registo em 2017 e consideração para RFAI neste último ano. É que assim procedendo está-se a aumentar a probabilidade de dedução futura total do beneficio, pois que se incrementa em um ano o período  de reporte e a possibilidade de geração de coletas  positivas também em mais um ano, face ao que aconteceria se o bem fosse registado e contasse para efeitos do benefício em 2016. Idem para os casos de faturação pelo fornecedor em 2017 e registo pela requerente para efeitos de RFAI em 2018.

Em suma, há, no caso concreto, em que os saldos acumulados do RFAI (“bolsa fiscal”) esgotam a coleta de um certo ano, uma vantagem fiscal no adiamento do registo dos bens, pelo que não é a mesma coisa registar num ano ou no seguinte.

Como evidenciam as demonstrações financeiras da requerente, e foi corroborado por testemunhas, a tributação em IRC da requerente consistiu, nos anos em causa, essencialmente em tributações autónomas.  Uma vez que estando a dedução à coleta derivada do RFAI excluída da limitação prevista no art.º 92º, nº 1 do CIRC, o então IRC liquidado é nulo e o imposto a pagar resulta das tributações autónomas. Ora, em tal cenário, de absorção total da coleta da requerente por benefícios fiscais ao investimento, o exercício de reconhecimento dos investimentos tem relevo tributário, não tornando  inócua ou equivalente a escolha do período desse registo.

Não é pois aceitável a tese da requerente segundo a qual seria indiferente – no seu concreto caso -  o ano de registo, porque  sempre haveria dedução coleta para anular o IRC liquidado. E não é assim porque o prazo de reporte do benefício não é ilimitado e sim de 10 anos. (Sublinhe-se que num plano concetual de pura racionalidade, quanto mais cedo se deduzisse o benefício fiscal melhor, devido à questão do valor do dinheiro no tempo ser variável. Isso pressupõe que exista imposto a liquidar em todos os períodos. Todavia, o que aqui sucede é que sendo o IRC liquidado nulo por via dos benefícios reportáveis de 2014 em diante, vale a pena maximizar – adiando - o período de reporte dos benefícios derivados do RFAI).

In casu, com um montante por deduzir de mais de 1 milhão de euro em 2018, o ano de reconhecimento dos bens como ativos fixos tem implicações óbvias fiscais futuras.

Complemente-se o que se vem de dizer com um pequeno exemplo, constante do quadro seguinte.

 

 

 

Ano N

Coleta de IRC

1.000

Benefício alocado do RFAI

1.000

IRC liquidado

0

Total de benefícios  do RFAI para deduzir em anos futuros originados em investimentos realizados até N-1

10.000

Investimentos realizados em N

800

 

 

Se consideramos que a dedução à coleta do IRC, via RFAI, é de 25% do investimento, então  investimento o realizado em N (800) gerará uma dedução de 200. Porém, tal dedução, será, nas condições expressas no quadro,  apenas passível de  dedução entre N+1 e N+10, supondo 10 nos de reporte do montante ainda não deduzido.

A deslocação ou adiamento do registo dos investimento de 800 para N+1, implica que o reporte se faça agora entre N+2 e N+11, incrementando a probabilidade de uso efetivo da dedução.

Trata-se, pois,  de gestão fiscal, com uma deslocação intencional do período de registo do bem, que no caso que aqui nos ocupa se fez desrespeitando as regras contabilístico- fiscais que subjazem ao RFAI. O efeito fiscal do registo em N ou N+1 do investimento não é assim inócuo ou indiferente.

Claro que o tribunal não desconhece que o investimento empresarial constitui variável central no crescimento económico. Mas o Estado tem vindo a outorgar a tal investimento um vasto conjunto de benefícios fiscais, precisamente por que aceita e premeia essa importância fulcral do investimento.

Não é exigir de mais que as regras de imputação dos bens aos exercícios a que  o devem ser sejam respeitadas.

Em suma, o tribunal convalida o procedimento da AT ao desconsiderar os bens em causa nos exercícios de 2017 e 2018; e perante a factualidade apurada (e a possibilidade, que a requerente não usou, de corrigir as demonstrações contabilísticas ao abrigo da CNRF nº 4 e as declarações fiscais em sede de IRC) e os traços de gestão fiscal maximizadora de deduções por vias intencionais que, como antes se mostrou,  se não podem validar, julga que não há lugar à reafectação dos investimentos aos anos que requente peticiona (2016 e 2017)  caso seja acolhida, como o tribunal acolhe, a sua não relevância em 2017 e 2018.

 

B) Sobre o período de permanência do Robot Servo Motorizado ... W818 por um  prazo mínimo de três anos na esfera da requerente

 

A requente entende que a documentação junta aos autos é prova bastante para que se conclua que o Robot ... permaneceu na sua esfera por  um período mínimo de três anos. A AT entende que a prova não é suficiente e alega que que em nenhuma das faturas apresentadas existe qualquer código ou descrição que permita um cruzamento com o bem considerado pela Requerente no RFAI de 2017 e que permita, sem dúvidas, provar que estamos perante o mesmo bem.

Ora, compulsados os autos, o documento 42 – fatura da aquisição do Robot - é o que a  seguir se apresenta:

Documento 42-

 

Por seu turno, o documento 44, fatura relativa à alienação do robot, é o que a seguir se evidencia:

 

 

Documento 44-

 

 

 

Na apreciação  do  tribunal, os elementos de ambas as faturas permitem concluir que se trata, num caso, da compra de um Robot ... e, no outro, da venda de um Robot ... .

É certo que no caso da fatura de compra existe uma referêcia “Robot ... W818”, que não existe na fatura de venda. Segundo declaração de testemunhas, a fatura de venda contém maior detalhe na alenação do dito equipamento.

Há, assim, elementos para que se conclua se o robot foi adquirido, não estava já nas instalações da requerente aquando da inspeção, e que a fatura de alienação  tem indicações que mostram um grau de semelhança muito  elevado com o ativo adquirido,  se deem tais elementos como prova bastante segundo a qual o robot cumpriu o prazo mínimo de três anos de permanência na esfera da requerente, decidindo-se este ponto em favor dela.

 

  1. Quanto às correções em sede de IVA

É entender deste Tribunal que aquilo que se argumentou em a. tem impacto também na dedução de IVA. Assim, se, em sede de IRC, se considerou que os gastos em causa são fiscalmente dedutíveis, então em sede de IVA – terão as mesmas consequências, a saber:

a) Existência de direito à dedução do IVA em relação aos gastos identificados: são totalmente empresariais, com absoluta destinação aos interesses societários da Requerente – e assim sendo, preenchem-se os requisitos do art. 19.º e 20.º do CIVA. Se um gasto é empresarial, o IVA nele contido é dedutível, segundo as regras legais e o princípio da neutralidade do imposto.

b) do mesmo modo, os gastos estão devidamente documentados, no sentido da aceitação da dedução do IVA neles contido, nos termos e na esteira do decidido no Acórdão do TJUE C-516/14, de 15/9.

Perante as provas dos autos, consegue-se comprovar a verificação do cumprimento dos requisitos substantivos da dedução do IVA. E é isso o que se provou nos presentes autos: ocorreram os fornecimentos e serviços externos – de empresas terceiras contratadas pela Requerente para lhe prestarem serviços – tal e como identificadas nas faturas. Assim, anulam-se na totalidade as liquidações do IVA, nas partes contestadas pela Requerente.

 

  1. Quanto à alegada falta de retenção de IRS categoria E – adiantamento por conta de lucros

 

A última questão material que importa dilucidar respeita à qualificação, como rendimentos de capitais, das quantias colocadas pela Requerente à disposição dos sócios e lançadas em contas correntes com o descritivo “empréstimos a sócios”.

A norma geral de incidência dos rendimentos de capitais (categoria E) consta do artigo 5.º, do Código do IRS que dispõe, para o que aqui releva, o seguinte:

 

“Artigo 5.º - Rendimentos da categoria E

 

1 – Consideram-se rendimentos de capitais os frutos e demais vantagens económicas, qualquer que seja a sua natureza ou denominação, sejam pecuniários ou em espécie, procedentes, direta ou indiretamente, de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas, de natureza mobiliária, bem como da respetiva modificação, transmissão ou cessação, com exceção dos ganhos e outros rendimentos tributados noutras categorias.

2 – Os frutos e vantagens económicas referidos no número anterior compreendem, designadamente:

[...]

h) Os lucros das entidades sujeitas a IRC colocados à disposição dos respetivos associados ou titulares, incluindo adiantamentos por conta de lucros, com exclusão daqueles a que se refere o artigo 20.º; […]”

 

Acresce que o artigo 6.º do mesmo Código, sob a epígrafe “Presunções relativas a rendimentos da categoria E “, institui um conjunto de presunções relativas a rendimentos de capitais, e determina, em concreto no seu n.º 4 que “[o]s lançamentos a seu favor, em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros.”

 

Como salienta a jurisprudência, “com esta presunção o legislador quis resolver a qualificação das quantias escrituradas nas contas correntes dos sócios, cuja «causa» jurídica não tenha sido expressamente declarada, assim conduzindo a que tais montantes tenham o tratamento dos lucros distribuídos” – cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo (“TCA”) Sul, de 5 de fevereiro de 2015, processo n.º 8216/14.

 

No mesmo sentido, refere a doutrina que “[a] previsão de presunções deriva da própria natureza dos rendimentos de capitais, alguns deles de fácil sonegação” e “[o] que a lei, com aquela presunção, quis resolver foi a qualificação das quantias escrituradas cuja «causa» jurídica não foi expressamente declarada” – cf. José Guilherme Xavier de Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, p. 338 e 340).

 

O mérito da solução legal é fácil de explicar. Como assinala Sérgio Vasques: “A experimentação dos novos impostos sobre o rendimento mostrou-nos ao longo dos últimos anos os vícios que podem rodear o modelo da tributação de rendimentos reais e a necessidade que há de o temperar quando se trata de gerir uma fiscalidade de massas. Ainda que tenham uma função residual no sistema, as presunções tributárias são empregues hoje como ferramenta elementar na simplificação do sistema, no combate à evasão mais grosseira e no tratamento dos esquemas mais sofisticados de planeamento abusivo. 

A doutrina ultrapassou também a glorificação do rendimento real e reconhece agora que o uso de presunções, absolutas ou relativas, não contraria por definição o princípio da capacidade contributiva, sendo por vezes o que lhe garante eficácia mínima. […] A tributação do rendimento real, diz-nos Xavier de Basto, é compatível com alguma «normalização» do apuramento da matéria coletável.”, relembrando que o Tribunal Constitucional se pronunciou, no Acórdão 452/2003, sobre a não inconstitucionalidade da presunção prevista no artigo 6.º, n.º 4 do Código do IRS – cf. Sérgio Vasques, IVA, Direito à Dedução e Presunções Tributárias: a Jurisprudência do CAAD, Cadernos IVA 2017, Almedina, 2017, p. 481-483.

Deste modo, estando assegurado, como está, que a norma constante no artigo 6.º, n.º 4 do Código do IRS não consagra uma presunção inilidível, é manifesta a improcedência da pretensa ofensa deste preceito a princípios constitucionais, como o da capacidade contributiva (ínsito no princípio da igualdade), da justiça ou da proporcionalidade. Pelo contrário, é através de presunções desta natureza que é viável alcançar, na verdade, a igualdade e justiça na tributação, pois permitem de forma efetiva e praticável, em certas áreas mais propícias à evasão, como sucede com os rendimentos de capitais, a imposição do dever fundamental de pagar impostos[1] que impende sobre os contribuintes relativamente à generalidade das manifestações de capacidade contributiva e não apenas sobre os exauridos rendimentos do trabalho, porque (tão-só) mais fáceis de capturar.

O juízo presuntivo em que assenta a norma do artigo 6.º, n.º 4 do Código do IRS, depende da comprovação do facto base que é, neste caso, o de serem (terem sido) lançados valores em contas correntes dos sócios sujeitos à condição negativa de não resultarem (terem resultado) de outra causa jurídica, especificamente não derivarem de “mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais”.

O artigo 349.º do Código Civil define as presunções como “ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido” e estas consubstanciam um meio de prova, pois invertem o ónus que resultaria da previsão do artigo 342.º do mesmo Código, segundo o qual “àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”. Assim, demonstrado que esteja o facto base, o facto presumido não tem de ser comprovado, como atesta o disposto no artigo 350.º, n.º 1 do Código Civil que prescreve que “[q]uem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que a ela conduz”. Não obstante, as presunções legais podem ser ilididas mediante prova em contrário (n.º 2 do artigo 350.º do Código Civil), o que em matéria de incidência fiscal resulta não só do artigo 73.º da LGT, como da própria conformação constitucional do princípio da igualdade tributária na sua manifestação de capacidade contributiva, como reiteradamente afirmado pelo Tribunal Constitucional.

Desta forma, e como sufragado no Acórdão do TCA Norte, de 27 de novembro de 2014, no processo n.º 279/09.2BEPRT, “quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz (art. 350º/1 do Código Civil). Mas para que o beneficiário de uma presunção legal a possa invocar - e assim ficar dispensado de provar o facto a que ela conduz –, tem previamente de provar determinado facto – o facto base”.

No caso dos autos, é pacífico que foram lançados, no período de 2018, débitos no montante de 215.733,40€, na conta de sócios ”268101 –K...”, por contrapartida das contas bancárias da empresa, “através dos quais, foram neste período transferidos, valores em dinheiro e créditos, a favor do sócio gerente da empresa.”, pelo que está preenchida a primeira condição do facto base.

Surge, porém, a divergência a propósito da segunda condição, respeitante à causa jurídica dos mesmos. Para a Requerente, a existência de contratos de mútuo assinados e a contabilização dos referidos valores em contas de sócios não deixam dúvidas de que na origem das transferências para a esfera patrimonial dos sócios estão esses contratos de mútuo, ficando, portanto, afastada a presunção, por não estarem verificados ou reunidos os respetivos pressupostos de aplicação. Assim na perspetiva da Requerente, a AT não logrou fazer a demonstração do facto base, alicerce constitutivo da presunção do artigo 6.º, n.º 4 do Código do IRS.

 

No entanto, a análise contextual e circunstanciada do quadro factológico demonstra que:

  1. Foi celebrado, em 20.12.2018, um contrato de mútuo, entre este e o sócio K..., através do qual se concedeu um empréstimo ao sócio que poderia alcançar o montante de 213.500,00€.
  2. Com a fixação de juros à taxa de 1,75% (cf. doc. n.º 51).
  3. Tendo o respetivo imposto selo sido pago, conforme doc. n.º 52.
  4. Tendo sido acordado que o empréstimo teria um período de carência de 2 anos (2019 e 2020), sendo reembolsados apenas juros (à taxa de 1,75%) durante esse período no valor de 1.868,13€ (mil oitocentos e sessenta e oito euros e treze cêntimos) (cláusula terceira) (cf. doc. n.º 51 já junto).
  5. Juros esses que foram sendo faturados e pagos pelo sócio, apesar de em datas e montantes diversos do que estava previsto no plano financeiro, conforme doc. n.º 53, o que foi consentido pelo Sujeito Passivo.
  6. Tendo o capital transferido para o sócio a título de empréstimo - que, na realidade, consubstanciou 213.160,46€ -, sido amortizado pelo mesmo até 2020, designadamente em 31.12.2019, simplesmente não de acordo com as datas do plano financeiro anexo ao contrato de mútuo, conforme se poderá verificar pelo Relatório de Contas de 2018 e 2019, mas conforme cláusula 5ª do contrato, amortizando antecipadamente.
  7. Assim, conforme se verifica supra, o montante de 213.160,46€ (apesar de inferior ao montante referido no contrato de mútuo, de 213.500,00€) diz respeito ao referido contrato e está alocado a “acionistas/sócios – outras operações” e, portanto, reconhecido em termos contabilísticos.
  8. O montante mutuado encontrava-se totalmente amortizado pelo respetivo sócio-gerente que dele beneficiou, em 31.12.2019, conforme extrato de contas infra (junto como doc. n.º 50) e relatório de contas de 2019 (doc. n.º 56 se junta).

 

É comummente aceite que quando os lucros distribuídos ou adiantamento por conta de lucros são devidamente escriturados, estamos perante um rendimento sujeito a impostos sobre o rendimento das pessoas singulares. Porém, o mesmo não acontece quanto uma parte do património das sociedades é afetado ou onerado, por contrapartida da transferência duma parte deste, de modo permanente e definitivo, para a esfera jurídica de um associado ou titular, sem que às mesmas operações lhes sejam dados os qualificativos de «lucros distribuídos» ou «adiantamentos por conta dos lucros». 

Tal situação ocorre quando os montantes, que deviam ter sido reconhecidos como proveitos das sociedades, acabam por não ser registados nas contabilidades destas e vão acrescer ao património individual dos respetivos associados ou titulares e, ainda, quando o registo, apesar de efetuado na contabilidade da sociedade, não foi relevado numa conta de proveitos, mas sim numa qualquer conta de passivo que confira ao associado ou titular o direito de, como qualquer normal credor, vir a exercer a respetiva exigibilidade - vide Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 27/01/2009, proferido no âmbito do processo n.º 02479/08.”

Acresce que, para além de as apropriações continuadas de fundos (pelo sócio) ocorridas no caso dos autos não serem passíveis de configurar verdadeiros mútuos, atentas as circunstâncias descritas, se o fossem estariam feridos de invalidade (nulidade), pois não se alcança que a Requerente tivesse capacidade para celebrar negócios jurídicos com essa configuração, atento o disposto no artigo 6.º do Código das Sociedades Comerciais (“CSC”) que limita a capacidade das sociedades à prossecução do seu fim e interesse social (e não estritamente pessoal dos seus sócios).

Essa invalidade, sob a forma de nulidade, também deriva da violação da forma legalmente prescrita no artigo 1143.º do Código Civil, nos casos (a expressiva maioria) em que os valores em causa foram superiores a € 25.000,00, não podendo ser sanada por documento particular.

Neste sentido, acompanhamos o entendimento das decisões arbitrais n.ºs 130/2012-T, de 14 de junho de 2013, e 131/2012-T, de 25 de junho de 2013 e ainda a declaração de voto no processo n.º 165/2013-T, de 6 de janeiro de 2014, segundo o qual o princípio da legalidade impõe que nestes casos se faça atuar a presunção que determina que a disponibilização de fundos se presume feita a título de lucros ou adiantamento de lucros.

Assim, confirma-se que a AT demonstrou os pressupostos de aplicação da presunção prevista no artigo 6.º, n.º 4 do Código do IRS, dado que para além de terem sido efetuados lançamentos em contas de sócios, estes não têm uma causa jurídica que a afaste, pois não resultam de mútuos (nem podem), da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais.

Pelo que neste ponto improcede o pedido arbitral.

 

  1. Quanto aos juros indemnizatórios e indemnização pelos prejuízos decorrentes por prestação de garantia indevida

A Requerente pede ainda a condenação da AT no reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

Nos termos do artigo 24.º, n.º 5 do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, implicando o pagamento de juros indemnizatórios nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, calculados sobre a quantia que a Requerente pagou indevidamente, à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).

Julgando-se procedente parcialmente o pedido principal quanto aos gastos dedutíveis em sede de IRC e IVA, procede o pedido de juros indemnizatórios quanto àquela parte.

Por último, resta abordar a questão de saber se o Requerente tem direito a receber uma indemnização pelos prejuízos decorrentes de prestação de garantia indevida.

A indemnização pelo pagamento de garantia indevida encontra-se prevista no artigo 53.º nº 1 da LGT, que prevê que “o devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida.”, prescrevendo o nº 2 do mesmo preceito que “o prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo”.

Do exposto resulta claro que o direito a tal indemnização pelos prejuízos implica a montante não só a instauração de um processo de execução fiscal, bem como a inerente prestação de garantia na sequência da instauração desse mesmo processo.

No caso dos autos, não foi paga pelo Requerente a quantia respeitante ao IRS, tendo sido, em consequência, instaurado processo de execução fiscal e tendo o Requerente, com vista sua suspensão, prestado garantia bancária.

Verificando-se, contudo, que improcede o pedido na parte concernente ao IRS, em concreto ao imposto devido por conta de adiantamento de lucros, dúvidas não restam de que o Requerente não tem direito a ser indemnizado pelos prejuízos resultantes da prestação de garantia para suspensão do processo de execução fiscal instaurado para cobrança desta liquidação oficiosa, quanto àquela parte.

 

 

  1. DECISÃO

Termos em que se decide:

  1. Julgar procedente parcialmente o pedido arbitral, com a consequente anulação dos seguintes atos:
    1. Ato de Liquidação de IRC com o n.º 2022 ... e bem assim, respetivo ato de liquidação de Juros Compensatórios com o n.º 2022 ..., no que concerne aos gastos dedutíveis em sede de IRC;
    2.  Ato de Liquidação de IVA, com o n.º 2022 ... e bem assim, respetivo ato de liquidação de Juros Compensatórios n.ºs 2022 ..., no que concerne ao montante de 9.651,55€.
  2. Julgar improcedentes os seguintes pedidos de anulação:
    1. Ato de Liquidação de IRC com o n.º 2022 ... e bem assim, respetivo ato de liquidação de Juros Compensatórios com o n.º 2022..., no que concerne aos gastos imputáveis ao outros períodos de tributação e aos gastos dedutíveis em sede de RFAI, no valor de 118.920,00€ e 59.132,36€, respetivamente;
    2. Ato de liquidação de IRS n.º 2022... e, bem assim, respetivo ato de liquidação de Juros Compensatórios n.º 2022..., no que concerne às quantias não aceites no montante de 60.405,35€.
  3. Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios na parte concernente à procedência do pedido principal;
  4. Julgar improcedente o pedido de indemnização por prestação de garantia indevida;
  5. Condenar a Requerente e Requerida no pagamento das custas do processo, consoante a sucumbência.

 

  1. VALOR DO PROCESSO

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 142.459,13, que a AT não questionou e corresponde ao valor da liquidação de imposto a que se pretendia obstar, para efeitos do disposto no art.º 3.º, n.º 3 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

 

  1. CUSTAS

Custas a cargo da Requerente e Requerida, no montante de € 2 500,00 (81,70%) e € 560,00 (18,30%), respetivamente, nos termos do art.º 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento.

Notifique-se.

Lisboa, 29 de fevereiro de 2024

 

O Presidente do Tribunal Arbitral

 

 

 

Guilherme Waldemar d’Oliveira Martins

 

O Árbitro vogal

 

António Martins

 

A Árbitro vogal

 

Rita Guerra Alves



[1] Correspondente às três primeiras linhas do quadro supra do artigo 143.º.

[2] Correspondente às duas últimas linhas do quadro supra do artigo 143.º.

[3] Correspondente à quarta linha do quadro supra do artigo 143.º.

[4] Corresponde ao Anexo 9 do relatório de inspeção, encontrando-se tais faturas destacadas a amarelo.

[6] Neste sentido, conferir a Decisão Arbitral do processo n.º 852/2021-T, de 27.09.2022.

[7] 215.733,40€ - 213.160,46€

[8] Bem como os atos de liquidação ora em causa relativos a IRS e respetivos juros compensatórios, que não foram pagos, mas relativamente aos quais é constituída garantia bancária.

[9]      Cfr. MOURA PORTUGAL, ANTÓNIO, in «A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa», Coimbra Editora, 2004, p. 116.

[10]   Cfr. MOURA PORTUGAL, ANTÓNIO, in «A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa», Coimbra Editora, 2004, p. 63.

[11]   Cfr. VÍTOR FAVEIRO, in «O Estatuto do Contribuinte: A Pessoa do Contribuinte no Estado Social de Direito», Coimbra, 2002, pp. 847-848.

[12]   Cfr. MOURA PORTUGAL, ob.Cit., p. 104.

[13]   Cfr. MOURA PORTUGAL, ob.Cit., p. 302.

[14]   Cfr. MOURA PORTUGAL, ob.Cit., p. 350.

[15] Não há sequer evidência de registo em contas de adiantamentos; seja a 45.5 ou a 27.13. ambas relacionadas com adiantamentos sobre investimentos.

[16] De notar que na inspeção realizada a AT corrigiu - uma parte dessas correções foi aceite pelo sujeito passivo, outra foi anulada após direito  de audição, c.f PPA p. 5 a 7-  – o valor dos benefícios advindos do RFAI. Porém, à data de 2018, era o valor da "dita bolsa fiscal" o relevante para efeitos de decisão de gestão empresarial.