Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 310/2023-T
Data da decisão: 2023-12-13  IVA  
Valor do pedido: € 239.949,01
Tema: IVA. Direito a dedução. Pro rata
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DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. António Cipriano da Silva e Dr. Jorge Carita, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem Tribunal Arbitral, constituído em 03-07-2023, acordam no seguinte:

 

          1. Relatório

 

A A..., SA (de ora em diante “A...” ou Requerente), com sede na ..., ..., ...-... ..., com o NIF..., apresentou pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”), tendo em vista a declaração de ilegalidade da liquidação de IVA e juros compensatórios n.º 2022..., relativa ao período 2019 12.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 27-04-2023.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 14-06-2023, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 03-07-2023.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, em que defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Em 24-10-2023 e 20-11-2023, realizaram-se reuniões em que foi produzida prova testemunhal e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas simultâneas.

As Partes apresentaram alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é competente.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

  1. A Requerente está registada com o CAE 47540 - Comércio a retalho de eletrodomésticos, em estabelecimentos especializados, e está enquadrada no regime normal mensal de IVA;
  2. A actividade principal da Requerente consiste no comércio de eletrodomésticos e outros artigos (de informática e telecomunicações), enquadrada do regime normal de tributação em IVA:
  3. Para além da sua actividade principal, a Requerente comercializa extensões de garantia (seguros) que proporcionam um prolongamento da garantia original, por conta do fornecedor da marca de eletrodomésticos e outros artigos;
  4. A venda de extensões de garantia ("EG") tem subjacente um contrato de agente na actividade de mediação de venda de apólices de seguro, que consta do documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
  5. No final da venda dos eletrodomésticos e outros artigos e apenas após fecho desta, os vendedores costumam propor a venda de tais extensões de garantias por um valor adicional;
  6. A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma inspecção à Requerente relativa ao ano de 2019, em que foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária (RIT) que consta do documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

 

V. Descrição dos factos e fundamentos das correções/irregularidades

 

V.1. IVA - Imposto Sobre o Valor Acrescentado

V.1.1. Enquadramento legal das extensões de garantia

Conforme já referido, no âmbito da sua atividade, a A... vende extensões de garantia (EG), que vão proporcionar aos adquirentes dos eletrodomésticos uma garantia adicional, para além da que é atribuída pelo fornecedor da marca. Ou seja, uma EG mais não é do que um seguro.

Nessa medida, estas prestações de serviços estão isentas de IVA, nos termos do artigo 9.º, n.º 28 do CIVA (aliás, como muito bem foi entendido pela A...).

Em consequência, o imposto suportado na aquisição de bens ou serviços relacionados com as EG não é dedutível, conforme dispõe o artigo 20.º, n.º 1 do CIVA.

A questão que se coloca é apurar o montante de imposto suportado inerente a esta atividade.

Efetivamente, na A... não há evidência de aquisição de bens e serviços exclusivamente afetos às extensões de garantia (cujo IVA suportado não seria objeto de dedução, na totalidade). Contudo, há outros, designadamente os inerentes ao funcionamento das lojas, que são de utilização mista, isto é, afetos simultaneamente à realização de operações que conferem direito a dedução e às extensões de garantia.

Relativamente aos bens e serviços de utilização mista, o artigo 23.º do CIVA prevê duas formas de determinar o imposto dedutível:

a) Fazendo a afetação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito2;

b) Com base na percentagem (vulgarmente pro rata) correspondente ao montante anual das operações que dão lugar a dedução, a qual é calculada através de uma fração, que comporta no numerador o montante anual, imposto excluído, das transmissões de bens e prestações de serviços que dão lugar a dedução, nos termos do n.º 1 do artigo 20.º, e no denominador o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efetuadas pelo sujeito passivo.

 

Sobre as EG e o artigo 23.º do CIVA, cumpre referir que no âmbito das ações inspetivas efetuadas aos anos de 2014 a 2017, foi invocado pela A... que estas operações são financeiras e, como tal, deveriam ser excluídas do denominador da fração a que se refere o n.º 4 do artigo 23.º do CIVA (pro rata).

Esta posição não mereceu acolhimento por parte da AT, o que motivou as correções em sede de IVA, efetuadas naquelas ordens de serviço.

Tais correções foram objeto de recurso por parte do sp, mediante a apresentação no CAAD (Centro de Arbitragem Administrativa) de um pedido de constituição do tribunal arbitral coletivo.

Na sequência do pedido de decisão prejudicial, efetuado pelo CAAD ao Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE)6, veio este Tribunal concordar com a fundamentação apresentada pela AT (Acórdão de 2021-07-08), tendo o CAAD, em consequência, decidido no mesmo sentido (Decisão de 2021-07-20).

Portanto, não restam dúvidas que as extensões de garantia não se confundem com as operações financeiras a que se refere o n.º 4 do artigo 23.º do CIVA, pelo que não se excluem do denominador da fração nele indicada.

 

V.1.2. Tratamento contabilístico das extensões de garantia

 

O valor de venda das EG é faturado pela A... aos clientes, na mesma fatura da venda do eletrodoméstico.

Em termos de contabilização, o valor correspondente às vendas de eletrodomésticos é registado na conta 71-Vendas e o valor das EG é registado na conta 7816000007-Outros rendimentos suplementares -ext garantia.

Posteriormente, e de forma periódica, a seguradora, no caso a "B... Plc", com sede em Espanha, emite uma fatura à A... pelo valor global das EG, líquido da correspondente comissão a que a A... tem direito (ou seja, o valor da fatura da seguradora corresponde ao que ela tem a receber).

Esta fatura da seguradora é registada na conta 6228000006 -Outros trabalhos especializados.

O ganho obtido pela A...com a venda de extensões de garantia resulta da diferença entre a conta 7816000007 e a conta 6228000006.

No período de tributação de 2019, aquelas contas registaram os valores de €13.490.726,76 e de € 8.230.300,21, respetivamente, pelo que o ganho bruto obtido com as EG foi de €5.260.426,55 (cerca de 82% do resultado líquido da empresa).

Cumpre referir que, não obstante a A... ser um intermediário entre a seguradora e o cliente, tal forma de faturação e correspondente contabilização impossibilita que estas operações sejam enquadradas, em sede de IVA, como quantias pagas em nome e por conta do adquirente e, por isso, excluídas de tributação, nos termos do artigo 16.º, n.º 6, c) do CIVA.

Com efeito, a exclusão de tributação prevista naquele artigo exige que sejam utilizadas contas de terceiros apropriadas (e não contas da classe 6 e 7) e que as faturas da seguradora fossem emitidas em nome do adquirente da EG (e não da A...), o que não sucedeu.

 

V.1.3. Apuramento do imposto suportado em cada atividade

 

Conforme já referido, perante o exercício de uma atividade sujeita a IVA e dela não isenta em paralelo com uma atividade isenta, cumpre determinar o imposto suportado na aquisição de bens e serviços afetos a uma e a outra, com vista a ser apurado o imposto dedutível (o da atividade não isenta) e o imposto não dedutível (o da atividade isenta).

O apuramento do IVA suportado com cada atividade, requer, numa primeira fase, que se proceda à imputação direta, isto é, identificar o que é diretamente imputável à atividade não isenta e o que é afeto à atividade isenta.

Feita esta primeira distinção, e subsistindo imposto suportado simultaneamente com ambas as atividades, haverá que determinar que parte do imposto cabe a cada uma, recorrendo aos métodos previstos no artigo 23.º do CIVA.

 

V.1.3.1. Distribuição dos encargos e do IVA suportado por tipo de atividade

 

No caso da A..., o IVA suportado e deduzido com a aquisição de bens e serviços de utilização mista estará incluído nos campos 20 e 24 das declarações periódicas de IVA (já que os restantes campos de IVA dedutível dizem respeito unicamente a inventários, ou seja, os correspondentes encargos são imputados diretamente à venda de mercadorias).

Porém, naqueles campos poderá estar também incluído o IVA suportado com a aquisição de bens e serviços afetos unicamente à atividade sujeita e não isenta.

Por esse motivo, foi solicitado à empresa que procedesse à distribuição dos encargos por tipo de atividade (venda de eletrodomésticos e mista), com indicação do correspondente critério utilizadoº.

 

i) Distribuição efetuada pela A...

 

Em resposta ao solicitado, veio a A... apresentar a informação, no documento que se junta como Anexo 11, onde discrimina todos os encargos cujo correspondente imposto foi deduzido nos campos 20 e 24 das declarações periódicas de AT.

Os valores indicados pela empresa foram obtidos com base na contabilidade analítica, a partir da qual foi extraída informação detalhada dos valores dos campos 20 e 24 por natureza, isto é, por tipo de despesa.

Uma vez feita esta decomposição, a A... procedeu à imputação direta dos gastos que considera terem uma relação exclusiva com a atividade sujeita e não isenta.

Aqui se incluem, entre outros, os transportes de mercadorias e os gastos das instalações unicamente afetas a armazém, perfeitamente identificados, com centro de custo próprio, na contabilidade analítica.

Nos casos em que não está associado um centro de custo, ou em que no mesmo centro de custo possam estar alguns encargos afetos só à atividade de venda de eletrodomésticos e outros afetos à atividade mista, a imputação direta implicou uma análise por documento contabilístico.

De seguida, e para os gastos que a A... considerou de utilização comum em ambas as atividades, procedeu à afetação real de uma parte, com base nos critérios explicitados no Anexo 1.

Destacam-se os critérios utilizados relativamente aos gastos de funcionamento das lojas, que incluem uma parte de armazém e outra de exposição para venda das mercadorias.

Para estes gastos, tais como água, eletricidade, limpeza, rendas, AT., foi feita a repartição com base na área de cada loja, tendo sido considerada a parte estritamente afeta a armazém como inerente à atividade sujeita e não isenta e a restante parte de utilização mista.

A percentagem da área de cada loja assim obtida, foi aplicada aos AT gastos, identificados na contabilidade analítica por centro de custo.

Os valores decorrentes da imputação direta e da afetação real foram indicados, no referido documento, na coluna designada por “Imputado diretamente a mercadorias”.

O remanescente foi considerado pela A... como sendo de utilização mista.

Resumem-se no quadro seguinte os valores indicados pela A...:

 

 

ii) Distribuição aceite pela AT

 

Sobre os critérios utilizados pela A... para a distribuição dos encargos entre atividade exclusivamente de venda de mercadorias e atividade mista, cumpre referir que mereceram a concordância da AT, exceto no que se refere aos gastos com publicidade.

Com efeito, a A... considerou que a publicidade está exclusivamente afeta à venda de mercadorias (imputação direta). Tal entendimento, porém, não pode ser aceite pela AT.

Na verdade, a venda de EG está de tal forma associada à venda de eletrodomésticos, que, na generalidade dos gastos, se torna quase impossível definir os que são apenas de uma ou de ambas as atividades.

Repare-se que as EG são propostas aos adquirentes dos eletrodomésticos pelos próprios vendedores, enquanto se desenrola o processo de venda, ou no momento do pagamento, pelos operadores de caixa.

Ou seja, a venda de EG é efetuada no mesmo espaço e pelas mesmas pessoas que efetuam a venda dos eletrodomésticos.

Portanto, coexistindo as duas atividades e sendo desenvolvidas em conjunto, no mesmo espaço e pelas mesmas pessoas, a generalidade dos encargos da empresa vai ser comum a ambas as atividades.

De facto, ambas as atividades vão aproveitar a generalidade dos gastos suportados pela empresa, sem ser possível distinguir, de forma objetiva, quanto é que a atividade de venda de eletrodomésticos vai usufruir desses gastos e quanto é que a atividade de venda de EG vai usufruir.

Aliás, assim entendeu a A..., que considerou como sendo de utilização mista os gastos com as lojas (água, eletricidade, rendas, etc.), entre outros.

Ora, no caso concreto da publicidade, poderá a A... afirmar que com a publicidade vai conseguir apenas incrementar a venda de eletrodomésticos?

Mais ainda, poderá a A... afirmar que o acréscimo de vendas de eletrodomésticos, proporcionado pela publicidade, não vai dar lugar a um acréscimo de venda de EG?

É evidente que não!

O objetivo da publicidade é atrair clientes, com vista a aumentar a faturação da empresa, ou seja, os seus rendimentos, sendo concretizado quer com a venda de eletrodomésticos, quer com a venda de extensões de garantia!

Não deixa de ser verdade, como foi referido pela A... nos diversos contactos tidos ao longo do procedimento inspetivo, que por vezes a publicidade é dirigida a determinados artigos, com campanhas de descida de preço.

Mas será certo dizer que com essa publicidade a A... pretende apenas atrair clientes para vender os artigos referidos na campanha?

Ou será que a publicidade a esses determinados artigos é uma forma de atrair clientes e de aumentar as vendas da empresa, daqueles e de outros artigos, vendas essas que começam por ser de eletrodomésticos e acabam por dar lugar a extensões de garantia?

Não parece haver dúvidas de que a resposta afirmativa é para a segunda questão. Ou seja, a publicidade, ainda que dirigida a determinados artigos, é uma forma de atrair clientes e de aumentar as vendas da empresa, daqueles e de outros artigos, vendas essas que começam por ser de eletrodomésticos e acabam por dar lugar a extensões de garantia.

Acresce que há certas campanhas, designadamente nos canais televisivos, em que a publicidade é institucional, ou seja, à A...  como um todo, e não a artigos específicos.

Os aspetos elencados são por si só suficientes para demonstrar a ligação da publicidade a ambas as atividades.

Ainda assim, e sem prescindir, não podemos deixar de lembrar o peso que os ganhos obtidos com a venda de EG tem no resultado líquido.

Efetivamente, conforme já referido no ponto V.1.2., a venda de EG proporcionou à A.., no ano de 2019, uma margem bruta de €5.260.426,55, representativa de cerca de 82% do resultado líquido da empresa, que ascendeu a €6.376.542,28.

Ora, face a estes valores, e sabendo-se que a venda de eletrodomésticos proporciona venda de EG, será razoável admitir que com a publicidade a A... pretende apenas vender eletrodomésticos?

A decisão da empresa quanto aos gastos a suportar com a publicidade será alheia aos ganhos que vai obter com a venda de EG?

Não podemos aceitar tal absurdo!

Em suma, pelas várias considerações efetuadas, é por demais evidente que os gastos com a publicidade promovem quer a venda de eletrodomésticos, quer a venda de EG, pelo que deverão ser considerados de utilização mista.

Este entendimento foi transmitido à A..., no decurso do procedimento inspetivo, tendo sido referida pela empresa a alteração de posição da AT, face aos anos anteriores (2014 a 2017).

Na verdade, no procedimento inspetivo anterior, dirigido aos anos de 2014 a 2017, a publicidade foi considerada pela A... como afeta exclusivamente à atividade não isenta (venda de eletrodomésticos), não tendo, na altura, o critério sido contestado pela AT.

Tal não obsta, porém, a que se tenha agora adotado outro entendimento. Com efeito, naquele procedimento inspetivo, a questão fulcral foi determinar se as operações de seguro se enquadravam nas operações financeiras, para efeitos de exclusão do denominador da fração a que se refere o n.º 4 do artigo 23.º do CIVA (pro rata).

Feita agora uma análise mais detalhada da repartição dos encargos por tipo de atividade (ainda assim, com recurso a amostragem, dada a infinidade de documentos a analisar), concluiu-se que algumas rubricas de gastos foram indevidamente consideradas como não afetas à atividade mista.

Tal mudança de posição é perfeitamente admissível. Aliás, sobre o critério de cálculo do IVA não dedutível, também a AT questionou a A... quanto à possibilidade de existir outro, diferente do que foi utilizado nos anos anteriores, que melhor se adequasse à realidade da empresa.

E de facto a A... veio apresentar esse critério, ou seja, alterou o entendimento assumido nos anos anteriores.

Conforme a seguir melhor se explicitará, tal critério não mereceu acolhimento por parte da AT, mas apenas e unicamente por não ser considerado objetivo. Não foi pelo facto de o critério ser diferente do que foi utilizado nos anos anteriores que não foi aceite pela AT.

Diga-se, ainda, que a análise mais detalhada da natureza dos gastos, que motivou a inclusão da publicidade nos encargos de utilização mista, também permitiu à AT detetar outros, designadamente com as instalações designadas por Aguda Parque, que não foram, no passado, considerados afetos à atividade mista, mas que deveriam ter sido.

Tal lapso foi reconhecido pela A..., que, no apuramento dos gastos de 2019 de utilização mista, procedeu à sua inclusão.

Portanto, o facto de a AT não ter questionado, nos anos anteriores, a consideração da publicidade como sendo afeta apenas à venda de mercadorias, e de agora vir alterar o seu entendimento, não deverá, nem poderá sequer, servir como fundamento para demonstrar a sua ligação exclusiva à venda de mercadorias.

Face ao exposto, considerando a distribuição dos encargos da A..., evidenciada no anexo 1, e o entendimento da AT quanto à publicidade, apuram-se os seguintes valores de IVA suportado com a aquisição de bens e serviços de utilização mista:

 

V.1.3.2. Critérios de cálculo do IVA inerente a cada atividade

a) Critérios sugeridos pela A...

 

Feita a distribuição dos encargos por tipo de atividade e apurado o IVA suportado com a aquisição de bens e serviços de utilização mista, cumpre determinar o montante do imposto dedutível e, por sua vez, o não dedutível.

Face à possibilidade de opção por um dos métodos previstos no artigo 23.º do CIVA, para determinar o montante de IVA dedutível, foi a A... notificada14 para informar a AT por qual dos métodos optaria.

Admitindo que a opção pudesse ser pelo método da afetação real, foi ainda solicitado à A..., na mesma notificação, para indicar os critérios objetivos, devidamente fundamentados, que em seu entender permitem determinar o grau de utilização dos bens e serviços comuns em cada tipo de atividade.

Em resposta ao solicitado, veio em 2022-07-29 a A... 15 eleger o critério "horas-homem", para determinar o grau de utilização dos bens e serviços comuns em cada tipo de atividade e, assim, apurar o IVA não dedutível, relativo à venda de EG.

A percentagem do tempo gasto na venda de EG, aplicada ao IVA suportado com a aquisição de bens e serviços de utilização mista (apurado com base nos critérios descritos no Anexo 1), determinaria o montante do imposto não dedutível.

Dispensando-se de repetir os fundamentos que a levaram a optar por este critério, remete para a informação prestada relativamente ao ano de 2018, no âmbito da ordem de serviço n.º 0I2021..., tendo, para o efeito, juntado o email que tinha enviado em 2022-04-18.

Assim, a A... fundamenta a opção pelo critério horas-homem alegando que o mesmo está previsto no Ofício-Circulado 30103/2008, de 23 de abril, e que no ponto 18doAcórdão do TJUE, relativo ao procedimento inspetivo dirigido aos anos de 2014 a 2017, "ficou assumido (e reforçando o entendimento do CAAD) que a afetação de recursos de utilização mista à atividade de venda de extensões de garantia era apenas uma percentagem diminuta", estimada em 0,62%.

Informa que esta percentagem de 0,62%, calculada através do critério horas-homem, com referência ao ano de 2017, resultou de uma amostra efetuada pelo departamento de auditoria interna da A..., em novembro de 2018.

Para justificar os cálculos efetuados, remete para o relatório de auditoria, que juntou à resposta (anexo 2).

A referida amostra foi composta por 195 operações, realizadas em 8 lojas, tendo sido apurado que o tempo médio gasto numa venda (incluindo eletrodomésticos e EG) é de 13,43 minutos e que deste tempo 2,78 minutos são gastos a vender ou a tentar vender EG e os restantes 10,65 minutos a vender eletrodomésticos.

Pese embora o cálculo desta percentagem envolva alguns passos, conforme consta do referido relatório de auditoria, no essencial ela resulta da proporção do tempo médio que os colaboradores da A... gastam a vender ou a tentar vender EG (tendo por base a amostra efetuada e extrapolando para o ano todo), no total do tempo de trabalho anual.

Ou seja, sabendo o tempo médio de venda de uma EG e multiplicando pelo número de EG vendidas (número este calculado com base num determinado critério), a A... obtém as horas gastas no ano a vender EG. Dividindo estas horas pelo total de horas trabalhadas, obtém a percentagem de tempo gasto na venda de EG, que em 2017 foi de 0,62%.

A mesma forma de cálculo permitiu apurar que a venda efetiva de eletrodomésticos e EG representa 33,87% do tempo de trabalho anual, sendo que os restantes 66,13% são gastos noutras tarefas necessárias ao funcionamento das lojas e da atividade (tais como atendimento sem venda concretizada, arrumação, limpeza, formação, etc.).

Para comprovar que uma parte significativa do tempo de trabalho não é a vender, a A... remeteu informação da taxa de concretização, que relaciona o número de faturas emitidas numa determinada loja com o total de pessoas que entram nessa loja. O somatório das taxas de cada loja vai determinar a taxa de concretização global da empresa, que em 2019 foi de 17,69%.

Relativamente ao rácio horas-homem de 2019, foi utilizada a mesma forma de cálculo, tendo sido apurada a percentagem de 0,74%, conforme informação remetida por email, em 2022-07-29, e que se indica no quadro seguinte (as letras atribuídas a cada coluna e a correspondente justificação são da responsabilidade da AT):

 

 

 

b) Análise crítica da AT

 

C=B/A

E= (F +G) / D

 

Sobre o critério horas-homem sugerido pela A..., diga-se que a falta de objetividade patente no seu cálculo afasta desde logo a possibilidade de ser aceite pela AT.

Repare-se que, de acordo com o relatório de auditoria, a amostra efetuada pela empresa contemplou apenas 8 lojas e 195 registos (isto é, faturas de venda), num total de 1.655.887 registos. Ou seja, a amostra representa apenas 0,01%, pelo que dificilmente poderia ser aceite.

De qualquer forma, ainda que aquela amostra contemplasse um número substancialmente superior, sempre seria de questionar a sua objetividade.

Na verdade, resultando a venda de EG de uma conversa de um funcionário (mais ou menos expedito), e dependendo do cliente (mais ou menos indeciso), nunca se pode quantificar, com objetividade, o tempo despendido para a venda de EG.

Sendo certo que há situações em que o cliente solicita a ajuda do vendedor para a escolha do artigo que procura, há outras em que ele entra na loja sabendo aquilo que quer e faz a compra sem qualquer apoio do vendedor, sendo apenas no momento do pagamento que lhe é proposta a EG.

Ora, num caso destes, a percentagem de tempo gasto pelo funcionário a vender a EG seria substancialmente superior à da venda do eletrodoméstico.

É verdade que o Ofício-Circulado 30103/2008, de 23 de abril, admite, como critério para determinar o grau de utilização dos bens e serviços de utilização mista em cada tipo de atividade, as horas-homem ou horas-máquina, mas desde que calculadas de forma objetiva.

De facto, tratando-se de uma máquina que trabalha 12 horas por dia e que nesse tempo produz x unidades do produto A e y unidades do produto B, então é possível quantificar, de forma objetiva, o tempo despendido pela máquina na produção de cada produto.

Ou mesmo se falarmos de determinadas tarefas executadas por um trabalhador, desde que essas tarefas demorem sempre o mesmo tempo e sejam determinadas com objetividade.

E é a essa situação que o Ofício-Circulado 30103/2008, de 23 de abril, se refere, isto é, quantificação do tempo despendido, apurado de forma objetiva!

Quanto à pretensão da A... de dar como validada pelo TJUE a percentagem de 0,62% (tempo gasto com a venda de EG em 2017), é totalmente descabida.

Na verdade, no ponto 18 do Acórdão referente ao processo inspetivo anterior, o TJUE não se está a pronunciar sobre a sua concordância ou não com o valor apresentado, mas tão só a descrever o que o órgão jurisdicional de reenvio defende, relativamente à natureza acessória das extensões de garantia.

A análise do caso, que culminou na decisão, é feita pelo TJUE a partir do ponto 21 do Acórdão. E o facto é que o TJUE não se pronunciou sobre aquela percentagem, até porque não era esta a questão em causa.

De qualquer modo, diga-se que aquela percentagem foi apresentada pela A..., na petição que entregou no CAAD, unicamente para demonstrar o carater acessório das operações de seguro (extensões de garantia), face à atividade global

Nunca em momento algum, nem durante o procedimento inspetivo, nem na fase de recurso jurisdicional, foi manifestada pela A... discordância quanto à utilização do pro rata, nem foi sugerido que deveria ser utilizado o critério horas-homem como alternativa ao pro rata.

E foi nessa temática, a de definir se a atividade de venda de extensões de garantia era ou não acessória, que o CAAD se refere ao reduzido peso que o tempo de venda das EG representa no total do tempo dos colaboradores da A... .

Portanto, no que toca à utilização do critério horas-homem para determinar o montante do IVA afeto à atividade de venda de EG, nunca o CAAD ou o TJUE se pronunciaram.

Não obstante não se poder aceitar este critério, face à manifesta falta de objetividade inerente ao cálculo do tempo gasto na venda de EG, não queremos prescindir de comentar os restantes cálculos efetuados.

Assim, a percentagem de 0,62% foi apurada pela A... por comparação do tempo médio de venda de EG com o tempo total de trabalho, que inclui outras tarefas, necessárias ao funcionamento das lojas e da atividade, para além do ato da venda efetiva de eletrodomésticos e EG.

Ora, isto não faz qualquer sentido. É verdade que estas tarefas fazem parte do desenvolvimento da atividade da A..., que engloba venda de eletrodomésticos e venda de EG. Por isso mesmo, elas devem ser equiparadas a gastos comuns.

Se a A... pretendia utilizar o critério "tempo de venda" (e ignorando o facto de este critério não ser objetivo), então faria sentido calcular a proporção do tempo de venda de EG no tempo total efetivo de venda e a proporção do tempo de venda de eletrodomésticos no tempo total efetivo de venda.

Portanto, a ser utilizado este critério, teríamos que considerar que do tempo total efetivo de venda (13,43 minutos), a venda de eletrodomésticos (10,65 minutos) representa 79,3% e a venda de EG (2,78 minutos) ocupa 20,7%.

Tendo em conta que a percentagem atribuída à venda de EG seria a que determinaria o IVA não dedutível, pergunta-se: pretenderá a A...  utilizar a percentagem de 20,7% em vez da que decorre do pro rata, que é de 6%?

 

Em síntese, tendo em conta os vários aspetos referidos, tais como:

• O facto de o tempo de venda ser muito relativo e variável, não podendo ser calculado com objetividade;

• A reduzida amostra (representativa de apenas 0,01%) efetuada com vista a calcular esse tempo;

• Ainda que o tempo médio de venda fosse calculado de forma objetiva (o que não é!), não faz qualquer sentido compará-lo com o tempo total de trabalho, mas sim com o tempo efetivo de venda.

É por demais evidente que o critério horas-homem, proposto pela A..., não pode ser aceite.

Por fim, diga-se que não foram apresentados outros critérios pela A..., para além do já referido, apesar de lhe ter sido dada a oportunidade para tal, depois de lhe ter sido comunicado que não seria aceite o critério proposto.

 

e) Critérios a utilizar pela AT

Não tendo o critério sugerido pela A... merecido acolhimento por parte da AT, e não sendo conhecidos outros critérios objetivos, resta aplicar a fórmula de cálculo prevista no n.° 4 do artigo 23.º do CIVA, já explicitada no ponto V.1.1.

Tal faculdade está prevista no próprio artigo 23.º, no n.º 2 do CIVA, que concede o direito à AT de fazer cessar a opção pelo método da afetação real, caso o mesmo provoque distorções significativas na tributação, como é o caso.

Ora, conforme ficou explicitado, não cumprindo o critério horas-homem o requisito basilar previsto no n.º 2 do artigo 23.º do CIVA, isto é, a objetividade, não pode ser aceite, tanto mais que a sua utilização determinaria um imposto a regularizar substancialmente inferior.

Sobre esta matéria, da possibilidade de a AT fazer cessar o método da afetação real, já se pronunciou a jurisprudência favoravelmente à AT, dando-se como exemplo o Acórdão do TCAS relativo ao processo n.º 209/14.0BEBJA.

 

V.1.4. Cálculo do imposto não dedutível

 

V.1.4.1. Cálculo do pro rata

 

Com base nos valores constantes do balancete remetido pela A..., foi apurada a seguinte percentagem (que, colocada à consideração da A..., mereceu a sua concordância):

 

 

V.1.4.2. IVA a regularizar

Considerando o IVA suportado com a aquisição de bens e serviços de utilização mista, apurado pela AT no ponto 1.3.1. (vide quadro n.º 5), que o sp deduziu na totalidade, e o pro rata calculado (vide quadro n.º 7), que determina o IVA dedutível, resultam os seguintes valores de imposto a regularizar a favor do Estado:

 

 

Refira-se que as correções deveriam ser efetuadas em cada período de imposto, ou seja, em cada um dos 12 meses do ano. Tal exigiria informação mensal do IVA suportado, detalhada por natureza.

Porém, uma vez que a A... remeteu informação relativa ao total anual, por uma questão de simplificação (e porque tal não prejudica o contribuinte), a correção será efetuada na declaração periódica de IVA do último período do ano.

  

  1. Na sequência da e a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a liquidação de IVA n.º 2022..., no valor a pagar de € 215.891,56, e a liquidação de juros compensatórios n.º 2022..., no valor de € 24.061,14 (documento junto com o pedido de pronúncia arbitral cujo teor se dá como reproduzido);
  2. A actividade principal da Requerente é a venda a retalho de electrodomésticos (depoimentos das testemunhas C... e D...);
  3. No final de cada venda de electrodomésticos, após fecho desta, o vendedor que a efectuou propõe ao comprador a compra de extensões de garantias por um valor adicional (depoimentos das testemunhas C... e D...);
  4. Após a venda de electrodomésticos, a Requerente propõe aos seus clientes, além das extensões de garantia, serviços como aquisição a crédito, transporte, instalação/montagem e demonstração ao domicílio (depoimento da testemunha D...);
  5. Não existe formação específica dos funcionários para a venda de extensões de garantia, apenas assistindo os novos à prestação do serviço pelos funcionários mais antigos e utilizando um folheto que serve de apoio (depoimento da testemunha C...);
  6. A Requerente não vende extensões de garantia sem prévia venda de eletrodomésticos (depoimentos das testemunhas C... e D...);
  7. As garantias são asseguradas pelos respectivos fornecedores das marcas dos electrodomésticos que a Requerente vende, tendo esta actividade de intermediação, com base em contrato de agência na actividade de mediação de venda de apólices de seguro (depoimento da testemunha D... e documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  8. Só em relação a parte dos produtos que a Requerente vende, de natureza tecnológica, é possível vender extensões de garantia (depoimentos das testemunhas D... e E...);
  9. Só uma pequena parte dos clientes que entram nas lojas compra produtos e muitos não compram extensões de garantia (depoimento da testemunha D...);
  10. Em 2019, a Requerente não vendia extensões de bicicletas eléctricas e trotinetes, o que sucede actualmente (depoimento da testemunha D...);
  11. O tempo despendido pelos vendedores é muito baixo no total das horas de trabalho (depoimento da testemunha E...);
  12. A Requerente não faz publicidade a extensões de garantia (depoimento da testemunha E...);
  13. A Requerente faz publicidade a produtos e não sal passiveis de extensões de garantia, como drones, cartões Netflix, sacos para aspiradores, tinteiros para impressoras (depoimentos das testemunhas C... e D...);
  14. Os vendedores da Requerente desempenham também muitas outras tarefas, como limpeza reposição de produtos, exposição e contactos com fornecedores, colocação de preços, estar com atenção aos clientes e ao sistema de segurança, fazer inventários (depoimentos das testemunhas D..., C... e E...);
  15. Além das extensões de garantia, a Requerente vende seguros de danos acidentais (depoimento da testemunha C...);
  16. O tempo despendido pelos vendedores é muito baixo no total das horas de trabalho (depoimento da testemunha E...);
  17. Quando a venda é feita com intervenção de um vendedor, é este quem trata da extensão de garantia (depoimento da testemunha E...);
  18. Quando o cliente pega no produto e se dirige para a caixa, é apenas quem está nesta que intervém na venda de extensão da garantia (depoimento da testemunha E...);
  19. Após a venda de electrodomésticos, a Requerente propõe aos seus clientes, além das extensões de garantia, serviços como transporte, instalação/montagem e configuração (depoimento da testemunha D...);
  20. A Requerente contabiliza a venda do produto na conta 71-Vendas e a venda da extensão de garantia na conta 7816000007-Outros rendimentos suplementares -extgarantia  (RIT e depoimento da testemunha D...);
  21. A Requerente não contabiliza apenas a comissão relativamente às vendas de extensões de garantia porque o sistema informático que usa é obsoleto e não o permite (depoimento da testemunha D...);
  22. O custo da extensão de garantia que a Requerente paga à seguradora é contabilizado na conta 6228000006 -Outros trabalhos especializados (RIT e depoimento da testemunha D...);
  23. O preço da extensão de garantia é definido pela seguradora (depoimento da testemunha D...);
  24. O custo da publicidade efectuada pela Requerente não é considerado para determinar o preço das extensões de garantia pela seguradora (depoimento da testemunha D...);
  25. A Requerente encomendou à empresa F... o estudo que consta do documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se conclui o seguinte:

Com o intuito de compreender o perfil de vendas da A... e a forma como se relaciona com o nº de colaboradores, foi realizada uma análise agregada a alguns indicadores. Este estudo revelou que há uma elevada correlação entre vendas de garantias e vendas totais. Além disso, observa-se que o total de colaboradores da empresa segue a tendência de crescimento das vendas de extensões de garantia, existindo uma correlação significativa. No entanto, dado que correlação não implica causalidade, revelou-se a necessidade de estudar conjuntamente todos os fatores que influenciam a venda de extensões de garantia.

Para a análise de fatores significativos para venda de extensões de garantia, foi realizada uma regressão múltipla com todos os fatores considerados relevantes. A regressão destaca que o fator com maior impacto é a venda de artigos e que o total de colaboradores não é um fator significativo na venda de extensões de garantia.

Este facto fundamenta a utilização do método de afetação real face ao método pro-rata, motivando a realização do estudo do tempo despendido na venda de extensões de garantia.

Tendo por base a recolha de medições de tempos de venda de extensões de garantia realizada pela A..., foi desenvolvido um modelo que estima o tempo de venda de garantia para todos os artigos com venda efetiva de garantia. O modelo gerado considera que as variáveis mais importantes são a categoria do artigo, o preço do artigo e o preço total do talão.

A taxa de afetação foi calculada através da estimativa do tempo de venda efetiva de extensão de garantia para todos os artigos vendidos no período de 2018-2022 com uma venda de garantia associada, obtida pelo modelo descrito. Assim verificou-se que a taxa de afetação estimada é 1.480% em 2018, 1.349% em 2019, 1.473% em 2020, 1.537% em 2021 e 1.361% no ano de 2022;

 

(depoimentos das testemunhas G..., coordenador do estudo, e D...);

  1. O do autor do relatório do estudo referido, H..., é professor universitário da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (documento n.º 8 e (depoimento da testemunha G...);
  2. A recolha de tempos gastos pelos colaboradores da Requerente com as vendas que abrangeu mais de 1000 observações, a que foram aplicados modelos matemáticos (depoimento da testemunha G...);
  3. Para a recolha de tempos foram escolhidas lojas de forma a apanhar a sazonalidade e heterogeneidade dos estabelecimentos e trabalhadores da Requerente, designadamente tendo em conta os seguintes factores: situados no Norte, Sul e Centro do país; dias de semana e fins de semana; produtos com garantia e sem garantia; lojas de grande e pequena dimensão; tarefas efectuadas por trabalhadores experientes ou com pouca experiência; tempos gastos com eletrodomésticos grandes e pequenos (depoimento da testemunha G...);
  4.  O tipo de artigo que é objecto da venda é o factor mais relevante para influenciar o tempo de venda (depoimento da testemunha G...);
  5. A recolha de tempos foi realizada em 2023 e extrapolada para 2019, tendo sido entendido no estudo que a variação do ano em que se realizam as vendas não tem potencialidade para alterar significativamente os tempos, sendo antes relevantes aqueles outros factores (depoimento da testemunha G...);
  6. A recolha de dados foi feita em finais de Fevereiro e início de Março de 2023, tendo sido entendido pelos autores do estudo que não seria necessário fazer recolha de dados em períodos de pico, como Novembro ou Dezembro (depoimento da testemunha G...);
  7. Na realização do estudo foi utilizada a técnica estatística de regressão múltipla (depoimento da testemunha G...);
  8. O estudo foi feito detectando e rejeitando situações anormais (depoimento da testemunha G...);
  9. O estudo tem uma taxa de erro entre 20% e 30% (depoimento da testemunha G...);
  10. A Autoridade Tributária e Aduaneira, em inspecções anteriores entendeu que a publicidade era apenas para venda de produtos e não também para venda de extensões de garantia (depoimento da testemunha D... e RIT);
  11. Os funcionários da Requerente que estão na sede, também prestam serviços às lojas (depoimento da testemunha D...);
  12. Os únicos recursos que são gastos exclusivamente nas extensões de garantia são os necessários para a impressão, quando não são enviadas por email (depoimento da testemunha C...);
  13. Em 24-04-2023, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

2.2.1. Não se provou a percentagem exacta de recursos de utilização mista que foi afecta a cada uma das actividades da Requerente, em 2019.

O estudo apresentado pela Requerente, foi realizado com dados recolhidos em 2023 e, apesar de se afigurar bem elaborado, tem uma margem de erro de 20% a 30%, segundo o depoimento da testemunha G... .

 

2.2.2. Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e os que constam do processo administrativo e também, nos pontos indicados, com base na prova testemunhal.

A testemunha G... foi o coordenador do projecto subjacente ao estudo que consta do documento n.º 8, em que colaboraram mais duas pessoas. Patenteou grande competência técnica, tendo respondido de forma esclarecida e segura à generalidade das perguntas que lhe foram feitas.

A testemunha C... é colaborador da Requerente sendo, em 2019, gerente num estabelecimento a Requerente nas ... e sendo actualmente gerente regional da zona norte.

A testemunha D... é colaboradora da Requerente há mais de 30 anos, desempenha funções de directora executiva e contabilista certificada e é intermediária entre a Requerente e a seguradora que emite as extensões de garantia.

A testemunha E... trabalha para a Requerente desde 2006 já foi vendedor, foi gerente da loja da Requerente no ... e é actualmente gerente regional.

Todas as testemunhas aparentaram depor com isenção e com conhecimento directo dos factos que foram dados como provados com base nos seus depoimentos.

 

 

3. Matéria de direito

 

3.1. Posições das Partes

 

A Requerente vende extensões de garantia (EG) relativamente a produtos que vende, designadamente electrodomésticos, destinadas a proporcionar aos adquirentes uma garantia adicional, para além da que é atribuída pelo fornecedor da marca.

Há acordo das Partes quanto a que as EG são seguros, sendo, por isso, prestações de serviços estão isentas de IVA, nos termos do artigo 9.º, n.º 28 do CIVA.

 Também não há controvérsia entre as Partes no que concerne à não dedutibilidade do IVA suportado na aquisição de bens ou serviços relacionados com as EG, nos termos do artigo 20.º, n.º 1 do CIVA.

A AT referiu no RIT que «não há evidência de aquisição de bens e serviços exclusivamente afetos às extensões de garantia (cujo IVA suportado não seria objeto de dedução, na totalidade)», mas há gastos «designadamente os inerentes ao funcionamento das lojas, que são de utilização mista, isto é, afetos simultaneamente à realização de operações que conferem direito a dedução e às extensões de garantia».

A controvérsia, assim, limita-se à determinação da percentagem de dedução dos recursos de utilização mista a aplicar.

A Requerente procedeu desta forma, se suma, como se descreve no RIT:

– fez imputação directa dos gastos que considerou terem uma relação exclusiva com a atividade sujeita e não isenta, designadamente, entre outros, os transportes de mercadorias e os gastos das instalações unicamente afectas a armazém;

– nos casos em que não está associado um centro de custo, ou em que no mesmo centro de custo possam estar alguns encargos afetos só à atividade de venda de eletrodomésticos e outros afetos à atividade mista, a Requerente procedeu à imputação direta com base numa análise por documento contabilístico;

– para os gastos que a Requerente considerou de utilização comum em ambas as atividades, procedeu à afetação real de uma parte, com base nos critérios explicitados no Anexo 1 do RIT; designadamente os critérios utilizados relativamente aos gastos de funcionamento das lojas, incluem uma parte de armazém e outra de exposição para venda das mercadorias;

– para estes gastos, tais como água, eletricidade, limpeza, rendas, etc., foi feita a repartição com base na área de cada loja, tendo sido considerada a parte estritamente afecta a armazém como inerente à atividade sujeita e não isenta e a restante parte de utilização mista;

– a percentagem da área de cada loja, foi aplicada aos respetivos gastos, identificados na contabilidade analítica por centro de custo;

– os valores decorrentes da imputação direta e da afetação real foram indicados, no referido documento, na coluna designada por "Imputado diretamente a mercadorias";

– o remanescente foi considerado pela Requerente como sendo de utilização mista.

 

A AT, na inspecção não aceitou a posição da ora Requerente quanto a dois pontos:

 

– quanto aos critérios utilizados pela Requerente para a distribuição dos encargos entre atividade exclusivamente de venda de mercadorias e atividade mista apenas discordou da afectação exclusiva dos gastos com publicidade à venda de mercadorias, por entender, em suma, que «coexistindo as duas atividades e sendo desenvolvidas em conjunto, no mesmo espaço e pelas mesmas pessoas, a generalidade dos encargos da empresa vai ser comum a ambas as atividades», «sem ser possível distinguir, de forma objetiva, quanto é que a atividade de venda de eletrodomésticos vai usufruir desses gastos e quanto é que a atividade de venda de EG vai usufruir»;

– a opção pelo critério horas-homem para determinar o montante do IVA afecto à actividade de venda de EG, por falta de objectividade inerente ao cálculo do tempo gasto na venda de EG, resultante

  • do «facto de o tempo de venda ser muito relativo e variável, não podendo ser calculado com objetividade»;
  • ser reduzida amostra (representativa de apenas 0,01%) efectuada com vista a calcular esse tempo;
  • ainda que o tempo médio de venda fosse calculado de forma objectiva, não faz qualquer sentido compará-lo com o tempo total de trabalho, mas sim com o tempo efetivo de venda.

 

Assim, não tendo a Requerente apresentado qualquer outro critério, a AT optou por determinar o pro rata de dedução aplicando a fórmula de cálculo prevista no n.° 4 do artigo 23.º do CIVA, determinando a percentagem de dedução de 6%, correspondente à relação entre o valor de operações de intermediação na venda de seguros (EG) isentas o valor de € 13 490 726,76 e o volume total de negócios de € 211.193.303,14.

 

No presente processo, a Requerente discorda da posição da AT, pelo seguinte, em suma:

– os custos de publicidade devem ser afectos exclusivamente à venda de mercadorias, pois estão direta e imediatamente relacionados com a venda de equipamentos e são levados em linha de conta, entre outros fatores, na formação do preço dos equipamentos na medida em que a margem nas vendas dos equipamentos é calculada de forma a cobrir a integralidade destes custos, entre outros;

– é objectivo adoptar um critério de utilização destes encargos em função do tempo despendido para a realização das operações isentas;

– ainda que se admita que a aplicação do critério de cálculo do pro rata previsto no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA, a AT considerou o valor do prémio, que é uma receita própria da Seguradora, no volume de negócios por questões meramente formais; a Requerente entende que só deve estar incluído o que é sua receita própria: o valor da comissão de intermediação.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende no presente processo a posição assumida no RIT, dizendo o seguinte, em suma:

–  os custos de publicidade, por contribuírem para a angariação de clientes, quer no âmbito da actividade de venda de mercadorias, quer para a venda de extensões de garantia, se tem de haver como “inputs” de utilização mista;

– a prova testemunhal confirmou que não existe praticamente tempo de trabalho associado à venda do bem e, por outro lado, existe o tempo normal que é empregue na venda de extensões de garantia;

– as situações em que tal mais se verifica (a escolha do produto sem a ajuda do vendedor), são as correspondentes às alturas de maior afluência de clientes e às lojas maiores;

– os dados do estudo apresentado pela Requerente foram recolhidos no primeiro trimestre de 2023, pelo que não poderia ser preciso, no que fosse o apuramento do peso do tempo empregue na venda de extensões de garantia sobre o tempo despendido na totalidade das vendas (vendas de bens e de extensões de garantia);

– no referido estudo, não se apurou, nem se tentou apurar, qual o tempo de trabalho dos trabalhadores da Requerente, despendido na venda de produtos, mas limitou-se a (tentar) calcular o tempo de trabalho despendido na venda de extensões de garantia e, considerou tal parte como correspondendo à da parte isenta e, dividiu sobre o tempo total de trabalho dos trabalhadores da Requerente;

– a aceitar-se tal critério, o que não se concede, sempre se teria de calcular o tempo de trabalho despendido na venda de extensões de garantia por um lado, o tempo de trabalho despendido na venda de produtos propriamente dita (aconselhamento, registo, etc.) por outro, e, somando os dois, apurar o total de tempo empregue numa e noutra actividade, para se concluir o peso de uma componente no todo;

– as tarefas dos trabalhadores da Requerente, englobam inúmeras outras componentes que não a venda de bens, como por exemplo, contabilidade, transportes, reposições de stocks em loja, colocação de preços, tempos de espera a aguardar por clientes, limpeza das lojas;

– o tempo remanescente de trabalho, de todos os trabalhadores da Requerente, que não é empregue directamente na venda de extensões de garantia, não é na totalidade (nem provavelmente na maioria), empregue directamente na venda dos bens e serviços que correspondem à actividade que confere o direito à dedução;

– o estudo conclui a conclusão de que existe uma manifesta correlação entre a venda de bens e a venda das garantias;

– o critério mais objectivo para o apuramento da percentagem de dedução, será o do peso do valor das vendas de extensões de garantias nas vendas totais da Requerente, ou seja, o pro rata;

– para este efeito, em nada desvirtua tal critério, o facto de ser contabilizado na parte isenta da actividade, a totalidade do valor da venda da extensão de garantia e, não, a comissão obtida pela Requerente, porquanto, do lado da actividade que confere o direito à dedução da Requerente, também não se tem em conta apenas a margem da Requerente, mas antes e sim, a totalidade do volume de venda;

– se o tempo de trabalho não influencia as vendas, dificilmente se consegue compreender que se escolha esse mesmo como critério para apurar o peso de umas e outras vendas (de extensões de garantia e de bens em geral);

– tendo em conta que o factor mais influenciador de venda de extensões de garantias, é a venda de bens, não consegue a Requerida compreender, como alega a Requerente que a publicidade efectuada à venda de bens, não aproveita, de igual forma e, como uma taxa de correlação assinalável, à venda de extensões de garantia.

 

 

3.2. Questão da imputação das despesas de publicidade à actividade isenta de venda de EG

 

Os artigos 168.º, 173.º e 174.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, estabelecem as regras básicas do direito à dedução de IVA, a que correspondem os artigos 19.º, 20.º e 23.º do CIVA estabelecem o seguinte, no que aqui interessa:

 

Artigo 19.º

Direito à dedução

 

1 - Para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzem, nos termos dos artigos seguintes, ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram:

 

a) O imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos;

 

 

Artigo 20.º

Operações que conferem o direito à dedução

1 - Só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes:

 

a) Transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas;

 

Artigo 23.º

Métodos de dedução relativa a bens de utilização mista

1 - Quando o sujeito passivo, no exercício da sua actividade, efectuar operações que conferem direito a dedução e operações que não conferem esse direito, nos termos do artigo 20.º, a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações é determinada do seguinte modo:

a) Tratando-se de um bem ou serviço parcialmente afecto à realização de operações não decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, o imposto não dedutível em resultado dessa afectação parcial é determinado nos termos do n.º 2;

b) Sem prejuízo do disposto na alínea anterior, tratando-se de um bem ou serviço afecto à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, parte das quais não confira direito à dedução, o imposto é dedutível na percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução.

2 - Não obstante o disposto da alínea b) do número anterior, pode o sujeito passivo efectuar a dedução segundo a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação.

3 - A administração fiscal pode obrigar o sujeito passivo a proceder de acordo com o disposto no número anterior:

a) Quando o sujeito passivo exerça actividades económicas distintas;

b) Quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza a distorções significativas na tributação.

4 - A percentagem de dedução referida na alínea b) do n.º 1 resulta de uma fracção que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar a dedução nos termos do n.º 1 do artigo 20.º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, bem como as subvenções não tributadas que não sejam subsídios ao equipamento.

 

Interpretando o regime do direito à dedução, o TJUE tem vindo a entender, que

– para que o direito à dedução do IVA pago a montante seja reconhecido ao sujeito passivo e para determinar a extensão de tal direito, é, em princípio, necessária a existência de um nexo direto e imediato entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito à dedução;

– o direito à dedução do IVA que incidiu sobre a aquisição de bens ou serviços a montante pressupõe que as despesas efetuadas com a sua aquisição tenham feito parte dos elementos constitutivos do preço das operações tributadas a jusante com direito à dedução;

– na falta de tal nexo directo e imediato, é ainda reconhecido o direito à dedução, quando os custos dos serviços em causa fazem parte das suas despesas gerais e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens que fornece ou dos serviços que presta.

 

Assim, por exemplo, refere-se no Acórdão de 18-07-2013, processo n.º C-124/12, AES-3C Maritza East 1 EOOD, reafirmando jurisprudência adoptada no acórdão de 29-10-2009, processo n.º C-29/08, SKF:   

27 Segundo jurisprudência assente, a existência de um nexo direto e imediato entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito à dedução é, em princípio, necessária para que o direito à dedução do IVA pago a montante seja reconhecido ao sujeito passivo e para determinar a extensão de tal direito. O direito à dedução do IVA que incidiu sobre a aquisição de bens ou serviços a montante pressupõe que as despesas efetuadas com a sua aquisição tenham feito parte dos elementos constitutivos do preço das operações tributadas a jusante com direito à dedução (acórdão SKF, já referido, n.º 57 e jurisprudência referida).

 28 Porém, admite-se igualmente o direito à dedução a favor do sujeito passivo, mesmo na falta de um nexo direta e imediato entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito à dedução, quando os custos dos serviços em causa fazem parte das suas despesas gerais e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens que fornece ou dos serviços que presta. Estes custos têm, com efeito, um nexo direto e imediato com o conjunto da atividade económica do sujeito passivo (v., nomeadamente, acórdão SKF, já referido, n.º 58 e jurisprudência referida).

 

Na mesma linha refere-se no acórdão de 06-09-2012, processo n.º C-496/11, Portugal Telecom SGPS, SA:

36 Para o IVA ser dedutível, as operações efetuadas a montante devem apresentar um nexo direto e imediato com operações a jusante com direito a dedução. Assim, o direito a dedução do IVA que incide sobre a aquisição de bens ou de serviços a montante pressupõe que as despesas efetuadas com a sua aquisição façam parte dos elementos constitutivos do preço das operações tributadas a jusante com direito a dedução (v. acórdão Cibo Participation, já referido, n.° 31; acórdãos de 26 de maio de 2005, Kretztechnik, C-465/03, Colet., p. I-4357, n.° 35, de 8 de fevereiro de 2007, Investrand, C-435/05, Colet., p. I-1315, n.° 23; e acórdãos, já referidos, Securenta, n.° 27, e SKF, n.° 57).

 

37 Porém, admite-se igualmente um direito a dedução a favor do sujeito passivo, mesmo na falta de um nexo direto e imediato entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito a dedução, quando os custos dos serviços em causa fazem parte das suas despesas gerais e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens que fornece ou dos serviços que presta. Estes custos têm, com efeito, um nexo direto e imediato com o conjunto da atividade económica do sujeito passivo (v., designadamente, acórdãos, já referidos, Kretztechnik, n.° 36, Investrand, n.° 24, e SKF, n.° 58).

 

 

As normas internas sobre o direito à dedução de IVA têm de ser interpretadas em consonância com a jurisprudência do TJUE, com decorre da regra da primazia do Direito da União sobre as normas do Direito Nacional, enunciada no n.º 4 do artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa, em que se estabelece que «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».

Desta norma decorre a primazia do Direito da União Europeia sobre o Direito Nacional, quando não está em causa os princípios fundamentais do Estado de direito democrático.

Como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objecto questões de Direito da União Europeia ( [1] ).

Aplicando esta jurisprudência ao caso da Requerente conclui-se que, para o IVA suportado com as despesas com a publicidade ser imputado, para efeitos de dedução, às vendas de EG é necessário que essas despesas tenham nexo directo e imediato com estas vendas ou, então, façam parte das despesas gerais da Requerente e sejam, enquanto tais, elementos constitutivos do preço das EG.

No caso em apreço, resulta da prova produzida que as despesas de publicidade têm por objecto directo e imediato apenas as vendas de produtos, não tendo existido qualquer publicidade às EFG.

Assim, as vendas de EG poderão beneficiar das despesas com a publicidade apenas de forma indirecta e mediata, na medida que incrementam as vendas de produtos e destas podem advir vendas de EG.

Por isso, falta o nexo directo e imediato que permitiria afectar às EG parte das despesas de publicidade.

Por outro lado, também resulta da prova produzida que o preço das EG não é determinado tendo em conta as despesas de publicidade efectuadas pela Requerente, pois o preço é determinado pela seguradora, recebendo a Requerente apenas uma comissão.

Nestas condições, tem de se concluir que as despesas de publicidade apenas têm nexo directo e imediato e são consideradas para efeitos de formação dos preços dos produtos vendidos pela Requerente, pelo que têm de ser imputadas à actividade tributada da Requerente.

E, consequentemente, não há despesas de publicidade que possam ser conexionadas com a venda de EG.

Do exposto conclui-se que a liquidação impugnada enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, ao assentar no pressuposto de que as despesas com a publicidade efectuadas pela Requerente podem ser imputadas à actividade de venda de EG, para efeitos de determinação do pro rata de dedução de IVA.

Este vício justifica a anulação da liquidação impugnada, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT. 

A liquidação de juros compensatórios tem como pressuposto a liquidação de IVA, pelo que também se justifica a sua anulação.

 

3.3. Questões de conhecimento prejudicado

 

 

Resultando do exposto a declaração de ilegalidade das liquidações de IVA e juros compensatórios que são objecto do presente processo, por vício que impede a renovação do acto, fica prejudicado, por ser inútil (artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC), o conhecimento dos restantes vícios que lhes são imputados pela Requerente.

Na verdade, o artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT, ao estabelecer uma ordem de conhecimento de vícios, pressupõe que, julgado procedente um vício que assegura a eficaz tutela dos direitos dos impugnantes, não é necessário conhecer dos restantes, pois, se fosse sempre necessário apreciar todos os vícios imputados ao acto impugnado, seria indiferente a ordem do seu conhecimento.

Pelo exposto, não se toma conhecimento dos restantes vícios imputados pela Requerente.

 

            4. Decisão      

 

            De harmonia com o exposto acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
  2. Anular a liquidação de IVA n.º 2022..., no valor a pagar de € 215.891,56, e a liquidação de juros compensatórios n.º 2022..., no valor de € 24.061,14.

 

 

5. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 239 949,01, indicado pela Requerente e sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

6. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 4.284,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

Lisboa, 13-12-2023

 

Os Árbitros

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(Relator)

 

 

 

(António Cipriano da Silva)

 

 

 

(Jorge Carita)



[1] Neste sentido, podem ver-se, entre muitos, os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 25-10-2000, processo n.º 25128, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-1-2003, página 3757; de 7-11-2001, processo n.º 26432, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, página 2602; de 7-11-2001, processo n.º 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, página 2593.