Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 298/2023-T
Data da decisão: 2024-01-04   Outros 
Valor do pedido: € 437.486,80
Tema: CSR - Contribuição Serviço Rodoviário – Imposto - Conformidade com a Directiva 2008/118 – Repercussão de imposto
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SUMÁRIO

 

  1. A Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR), criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, é um imposto, pelo que o tribunal arbitral é competente, em razão da matéria, para a apreciação da ilegalidade dos respectivos actos de liquidação.
  2. As entidades que suportam o encargo tributário da CSR, por efeito da repercussão, têm legitimidade processual para impugnar judicialmente os actos de liquidação do imposto que incidam sobre combustíveis que tenham adquirido, como meio de reagirem contra a ilegalidade da repercussão.
  3. A CSR não prossegue “motivos específicos”, na acepção da Directiva 2008/118, na medida em que as suas receitas têm essencialmente como fim assegurar o financiamento da rede rodoviária nacional, não podendo considerar-se como suficiente, para estabelecer uma relação direta entre a utilização das receitas e um “motivo específico”, os objetivos genéricos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental que se encontram atribuídos à concessionária.
  4. A recusa do reembolso do imposto indevidamente liquidado, por violação do direito da União Europeia, apenas é admissível se a Administração Tributária provar que o imposto foi suportado, na íntegra ou parcialmente, por uma pessoa diferente do sujeito passivo e que, além disso, não se repercut,u negativamente nas margens de venda ou no volume de vendas do sujeito passivo, de modo a que o reembolso pudesse gerar um enriquecimento sem causa, o que não pode ser provado por meras presunções.

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

 

I – RELATÓRIO

 

1. A…, Lda., contribuinte n.º …, com sede na Rua …, n.º …, …, apresentou, em 20-04-2023, pedido de constituição do tribunal arbitral, nos termos dos artigos 2º e 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com o artigo 102º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada apenas por Requerida).

 

2. A Requerente pretende, com o seu pedido, a declaração de ilegalidade das liquidações de Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) e consequente anulação dos actos de repercussão consubstanciados nas facturas referentes ao período decorrido entre Novembro de 2018 e Outubro de 2022, com o reembolso de todas as quantias suportadas a esse título, acrescidas de juros indemnizatórios.

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 24-04-2023.

 

3.1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, os quais comunicaram a aceitação da designação dentro do respectivo prazo.

 

3.2. Em 12-06-2023 as partes foram notificadas da designação dos árbitros, não tendo sido arguido qualquer impedimento.

 

3.3. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o tribunal arbitral foi constituído em 30-06-2023.

 

3.4. Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.

 

3.5. Previamente à constituição do tribunal arbitral a Requerida apresentou requerimento solicitando que a Requerente identificasse o(s) acto(s) de liquidação cuja legalidade pretende ver sindicada.

 

3.6. Na sequência de despacho proferido em 03-07-2023, a Requerente apresentou resposta a tal solicitação.

 

3.7. A Requerente foi notificada, por despacho de 06-10-2023, para se pronunciar relativamente às excepções suscitadas na resposta, o que fez.

 

3.8. Por despacho de 06-11-2023 foi dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT.

 

3.9. As partes apresentaram alegações reiterando as posições anteriormente assumidas.

 

4. Com o pedido de pronúncia arbitral pretende a Requerente a intervenção do tribunal arbitral, tendo em vista a declaração de ilegalidade das liquidações de Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) e consequente anulação dos actos de repercussão consubstanciados em facturas referentes ao período decorrido entre Novembro de 2018 e Outubro de 2022,.

Sustenta, com tal fundamento, em suma:

- Adquiriu gasolina e gasóleo a fornecedoras de combustíveis que repercutiram nas respetivas facturas a CSR correspondente a cada um desses consumos, tendo suportado integralmente esse imposto.

- Apresentou, em 30-11-2022, dois pedidos de revisão oficiosa com vista à anulação das referidas liquidações de CSR e dos consequentes actos de repercussão consubstanciados nas faturas emitidas pelas fornecedoras de combustíveis, o qual não foi objeto de decisão no prazo legalmente previsto.

- O âmbito de incidência subjetiva da CSR, tal como consta do artigo 5º, n.º 1, 1.ª parte, da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, abrange os sujeitos passivos de imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, mas é sobre o consumidor de combustíveis, como é o caso da Requerente, que recai o encargo daquele tributo.

- A tributação dos produtos petrolíferos e energéticos é enquadrada pela Diretiva n.º 2008/118/CE, de 16-12-2008, que fixa a estrutura comum dos IEC harmonizados, sendo que a CSR configura um imposto não harmonizado cuja criação está sujeita a dupla condição de respeitar a estrutura essencial dos IEC e do IVA e de terem como fundamento um “motivo específico”.

- De acordo com a jurisprudência do TJUE, este “motivo específico” não pode corresponder a uma finalidade puramente orçamental de obtenção de receita, exigindo-se uma ligação directa entre a utilização da receita e a finalidade do imposto, o que não se verifica sempre que a receita gerada pelo imposto esteja afecta a despesas susceptíveis de serem financiadas pelo “produto de impostos de qualquer natureza”.

- As razões invocadas pelo legislador para a criação da CSR (Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto) estão na necessidade de encontrar receitas próprias para financiamento da EP – Estradas de Portugal, E.P.E., empresa pública concessionária da rede nacional de estradas, entretanto substituída pela Infraestruturas de Portugal, IP, S.A, não estando em causa qualquer objectivo de política ambiental, energética ou social.

- Daí que a CSR deva considerar‑se um imposto desconforme ao artigo 1º, n.º 2, da Diretiva 2008/118/CE, sendo ilegal por violação de Direito Europeu.

- Impunha-se à AT determinar, no âmbito dos procedimentos de revisão oficiosa, a anulação dos actos tributários em causa e, não o tendo feito, são os mesmos ilegais e devem ser objecto de anulação contenciosa.

 

5. A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, por excepção e impugnação, nos seguintes termos:

          - Suscita as excepções da ineptidão da petição inicial, intempestividade do pedido de revisão oficiosa, ilegitimidade da Requerente, incompetência material do tribunal e, para o caso de se entender, que a Requerente dispõe de legitimidade activa, requer a intervenção provocada de três das fornecedoras de combustíveis, na medida em que estas são os sujeitos passivos do tributo. E, considerando que a intervenção em processos arbitrais é facultativa, a sua não aceitação como interveniente principal conduz à impossibilidade do prosseguimento do processo.

          - Relativamente à CSR existe um vínculo entre o destino dado às suas receitas e o motivo específico que levou à sua criação, tendo em consideração que a Lei n.º 55/2007 atribui a concessão da rede rodoviária nacional à EP-Estradas de Portugal, EPE (actual Infraestruturas de Portugal, S.A.) e o Decreto-Lei n.º 380/2007, de 13 Novembro, que definiu as bases da concessão, prevê a CSR entre as fontes de financiamento da concessionária, pelo que os objectivos que lhe estão subjacentes devem ser analisados à luz desse diploma que prevê, no nº 4 da alínea b) da base 2 que cabe à concessionária “prosseguir os objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental”.

          - Relativamente ao pedido de reembolso das importâncias pagas a título de CSR, a Requerida alega que a instância arbitral constitui um contencioso de mera anulação e nas suas atribuições não se incluem competências no âmbito da execução de sentenças, não podendo pronunciar-se sobre a restituição de montantes em consequência da declaração de ilegalidade dos actos de liquidação.

          - Conclui, pois, a Requerida no sentido de se deverem manter os actos em causa.

 

II – SANEAMENTO

 

6.1. O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.

6.2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4º e 10º, n.º 2, do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

6.3. O processo não enferma de nulidades.

6.4. A Requerente pronunciou-se relativamente às excepções deduzidas na resposta apresentada pela Requerida que se apreciarão à frente.

 

III – MATÉRIA DE FACTO E DE DIREITO

 

- Matéria de facto

 

A) Importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões de Direito.

Nesse enquadramento, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

  1. A Requerente, adquiriu, entre Novembro de 2018 e Outubro de 2022, gasolina e gasóleo, como se discrimina:

- À B..., no período compreendido entre Novembro 2018 e Setembro de 2022, 2.711,42 litros de gasolina e 4.509.670,02 litros de gasóleo rodoviário;

- À C..., no período compreendido entre Março de 2019 e Junho de 2021, 114.146,81 litros de gasóleo rodoviário;

- À D..., no período compreendido entre Novembro de 2020 e Setembro de 2022, 136.500,47 litros de gasóleo rodoviário;

- À E…, no período compreendido entre Julho de 2021 e Setembro de 2022, 1.579,48 litros de gasolina e 880.542,85 litros de gasóleo rodoviário;

- À F…, no período compreendido entre Novembro de 2018 e Outubro de 2020, 20.201,99 litros de gasóleo rodoviário.

b)   No contexto dessa actividade e com base nas declarações de introdução no consumo submetidas por tais empresas fornecedoras, a AT procedeu aos actos de liquidação conjunta de ISP e de CSR.

c)   As referidas empresas fornecedoras repercutiram nas facturas de venda de combustíveis a CSR correspondente a cada um desses consumos, com o que a Requerente suportou integralmente a quantia global de 628.751,20 €.

d)  A Requerente apresentou em 30-11-2022, junto da Alfândega do Jardim do Tabaco e da Alfândega do Freixeiro, dois pedidos de promoção de revisão oficiosa com vista à anulação das referidas liquidações de CSR e dos consequentes actos de repercussão consubstanciados nas facturas emitidas pelas fornecedoras referentes à gasolina e ao gasóleo rodoviário àquelas adquiridos, no referido período de Novembro de 2018 a Outubro de 2022.

e)   A AT não emitiu decisão quanto ao pedido de revisão oficiosa no prazo legalmente cominado para o efeito, designadamente até à data de apresentação do pedido arbitral.

 

B) Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

Fundamentação da matéria de facto:

 

A matéria de facto dada como provada assenta no exame crítico da prova documental apresentada e não contestada, que aqui se dá por reproduzida.

 

- Matéria de Direito

 

I – EXCEPÇÕES

A Requerida invoca na resposta que apresentou inúmeras excepções, fazendo também um ponto prévio ao seu articulado que, por não conter qualquer excepção ou questão de direito a solucionar, nenhum comentário nos merece.

Apreciando as excecpções suscitadas.

  1. Ineptidão da petição inicial

Alega a Requerida que a petição inicial padece de ineptidão por falta de objeto, por não terem sido identificados, no pedido de pronúncia arbitral, os actos tributários impugnados, aduzindo, em síntese, que não é possível estabelecer a correlação entre os actos de liquidação praticados a montante pelo fornecedor de combustíveis, sujeito passivo do imposto, e as facturas de compra elencadas pela Requerente.

Do pedido arbitral resulta que a Requerente vem requerer a declaração de ilegalidade dos actos de repercussão da CSR consubstanciados nas facturas referentes à gasolina e gasóleo rodoviário adquirido no período compreendido entre Novembro de 2018 e Outubro de 2022 e, bem assim, as liquidações de CSR praticadas pela Administração Tributária com base nas Declarações de Introdução no Consumo.

Por outro lado, a Requerente, remete para documentos juntos ao pedido arbitral onde, não só identifica as facturas emitidas pelos fornecedores de combustíveis em que houve lugar à repercussão da CSR, como indica a quantia global suportada a esse título.

Acresce que não se vislumbra onde vê a Requerida, no que respeita à B...; C... e D..., “uma absoluta falta de correspondência quer quanto às datas, quer quanto aos valores e, bem assim, quanto às quantidades de combustíveis declaradas para introdução no consumo pelos sujeitos passivos de imposto (ISP/CSR) e as correspondentes liquidações, referentes ao período das faturas de aquisição à B... – Comércio de Combustíveis e Lubrificantes S.A., à C... S.A. e à D... – …, S.A., indicadas pela Requerentes, que não permitem à AT identificar, os atos de liquidação”.

Mais invoca a Requerida que “apenas os sujeitos da liquidação, isto é, apenas os sujeitos passivos que declararam os produtos para consumo e efetuaram o pagamento das imposições correspondentes, podem solicitar a revisão das liquidações/reembolso da CSR junto da alfândega competente (única situação em que, de acordo com as regras aplicáveis, é possível identificar os atos de liquidação bem como as correspondentes alfândegas de liquidação competentes)”.

Há que recordar, a este propósito, o que dispõe o artigo 18º, n.º 4, a) da LGT quando dispõe que: não é sujeito passivo quem suporte o encargo do imposto por repercussão legal, sem prejuízo do direito de reclamação, recurso ou impugnação nos termos das leis tributárias.

Como daí se depreende, o preceito recusa a qualidade de sujeito passivo a quem não estiver sujeito directamente a uma obrigação fiscal, como é o caso do consumidor final de bens ou serviços, mas admite que da repercussão do imposto possa resultar a violação de um interesse legalmente protegido e, nesse sentido, confere ao repercutido o direito à impugnação administrativa ou judicial como meio adequado de reacção contra a repercussão ilegal do imposto, o que se justifica, no plano de política legislativa, por razões de similitude com a lesão que seja causada por um acto ilegal de liquidação (cfr. António Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária Anotada, Lisboa, 2001, págs. 116-117).

Quer isso dizer que nada obsta a que a Requerente possa deduzir um pedido de pronúncia arbitral contra os actos tributários de liquidação da CSR, sendo certo que esses actos se encontram identificados e documentados pelo único meio possível qual seja a emissão de facturas emitidas pelo fornecedor do combustível que consubstancia a repercussão do encargo tributário na esfera jurídica dos adquirentes, estando estes impossibilitados de obter elementos de informação que estão na posse de uma terceira entidade, por não serem eles o sujeito passivo do imposto.

Acresce que, independentemente do critério de repartição do ónus da prova ao caso aplicável, a Administração Tributária está vinculada, ao nível do procedimento, ao princípio da verdade material, pelo qual lhe cabe o poder-dever de realizar todas as diligências que entenda serem úteis para a descoberta da verdade, constituindo um afloramento deste princípio o disposto no artigo 58.º da LGT. Por outro lado, os órgãos da Administração Pública estão sujeitos a um princípio de colaboração, e, como tal, “devem actuar em estreita colaboração com os particulares, cumprindo-lhes, designadamente, prestar aos particulares as informações e os esclarecimentos de que careçam, apoiar e estimular as suas iniciativas e receber as suas sugestões e informações”, princípio esse igualmente consagrado nos artigos 11º, n.º 1, do CPA, 59º da LGT e 48º do CPPT.

No caso em apreço, os serviços da AT, no âmbito do procedimento de revisão oficiosa, omitiram quaisquer diligências que permitissem verificar a existência dos actos de liquidação de imposto e a sua correlação com as facturas onde o imposto se encontra repercutido. Isso, não obstante os serviços poderem obter tais informações juntos dos fornecedores do combustível e aceder, por via oficiosa, às declarações de introdução no consumo e aos correspondentes actos de liquidação.

Aliás, o contribuinte não pode ver agravada a sua situação fiscal pelo facto de não lhe ser possível apresentar uma prova documental específica a que não pode ter acesso, quando a Autoridade Tributária se absteve de obter essa mesma prova pelos seus próprios meios (cfr. acórdão no Proc. n.º 467/2020-T).

Alega, ainda, a Requerente que a falta de identificação dos actos de liquidação impede a aferição da tempestividade do pedido de revisão oficiosa, na medida em que a contagem do prazo para a sua apresentação se inicia a partir do termo do prazo de pagamento do imposto, tendo por referência a data do acto de liquidação.

Como já se referiu, a alegada falta de identificação dos actos de liquidação não pode ser imputável à Requerente e esta não dispõe sequer de legitimidade processual para impugnar directamente esses actos tributários, pelo que não pode daí extrair-se a intempestividade do pedido de revisão oficiosa.

Por outro lado, como é jurisprudencialmente aceite, existindo um erro de direito numa liquidação efectuada pelos serviços da administração tributária e não decorrendo essa errada aplicação da lei de qualquer informação ou declaração do contribuinte, o erro em questão é sempre imputável aos serviços, em resultado da obrigação genérica de a administração tributária actuar em plena conformidade com a lei.

Aliás, a existência do erro que constitui fundamento do pedido de revisão não pode ser aferida a partir da posição jurídica que tenha sido assumida pela AT na apreciação desse pedido, mas com base nos vícios de ilegalidade que tenham sido arguidos pelo contribuinte na formulação do pedido de impugnação judicial. E não pode deixar de ter-se presente que o processo arbitral foi deduzido precisamente para discutir a validade do entendimento adoptado pela AT na decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa.

Acresce que, tendo sido invocado um erro imputável aos serviços e verificando-se que os pedidos de revisão oficiosa deram entrada em 30-11-2022 relativamente a actos de repercussão da CSR no período compreendido entre Novembro de 2018 a Outubro de 2022, no momento da apresentação dos pedidos de revisão oficiosa não tinha ainda decorrido o prazo de quatro anos a que se refere o artigo 78.º, n.º 1, da LGT (cf. entre outros, Acórdãos STA de 03-02-2021 – Proc. 02683/14.5BELRS e de 14-03-2012 – Proc. 01007/11).

Improcede, assim, a alegada ineptidão da petição inicial e intempestividade do pedido.

  1. ILEGITMIDADE

Alega a Requerida que, sendo a Requerente mera adquirente de parte dos combustíveis aos identificados sujeitos passivos, não diz se foi o consumidor final dos produtos ou, porventura, se os revendeu, nomeadamente a outras empresas, repercutindo, assim, a jusante, até ao consumidor final, a CSR que alega ter suportado.

Concluindo que “apenas, o sujeito passivo que declarou os produtos para consumo a quem foi liquidado o imposto e que efetuou o correspondente pagamento, reúne condições (e pode identificar os atos de liquidação), para solicitar em caso de erro, a revisão desses atos de liquidação com vista ao reembolso dos montantes cobrados (artigos 15.º e 16.º do CIEC)”.

Ora, conforme já referiu, resulta do disposto no artigo 18.º, n.º 4, a), da LGT, que quem suporte o encargo do imposto por repercussão legal, ainda que não seja sujeito passivo da relação jurídica tributária, mantém o direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias contra os actos de liquidação que geram a repercussão.

De qualquer modo, para além da legitimidade activa da Requerente se encontrar coberta pelo referido preceito, essa legitimidade é também reconhecida pela regra geral do artigo 9.º, n.º 1, do CPPT, segundo a qual “têm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido”.

A propósito da questão suscitada pela Requerida que, após a introdução no consumo dos combustíveis e a liquidação do imposto devido, poderão existir vários intervenientes na cadeia de abastecimento comercial até ao consumidor final, alega que duas das fornecedoras da Requerente (D... e G…) têm vindo elas próprias, enquanto sujeitos passivos de ISP/CSR, a requerer o reembolso da CSR no âmbito de pedidos de revisão oficiosa ou de impugnação judicial. Tal seria fundamento para concluir que a AT poderá vir a suportar o pagamento/reembolso repetido da quantia liquidada a título de CSR, quer aos sujeitos passivos do imposto, quer às entidades que suportam o encargo tributário por efeito da repercussão.

Como resposta a esta questão, remete-se para o despacho do TJUE de 7-02-2022, proferido em reenvio prejudicial, quando se diz que “a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos” (parágrafo 44).

Entendemos, à semelhança do que se decidiu nos processos arbitrais n.ºs 564/2020-T, 24/2023-T e 113/2023-T, que compete à AT demonstrar, nos procedimentos administrativos ou nas acções processuais instauradas pelos sujeitos passivos da CSR, que se verificou a repercussão efectiva do imposto nos utilizadores da rede rodoviária nacional para, desse modo, evitar o reembolso do imposto indevidamente liquidado com base na situação de enriquecimento sem justa causa por efeito da repercussão do imposto nos consumidores.

Improcede, assim, a excepção de ilegitimidade.

  1. INTERVENÇÃO PROVOCADA

Suscita a Requerida, em qualquer circunstância, para a hipótese de se considerar que a Requerente goza de legitimidade processual, o incidente de intervenção principal provocada das fornecedoras identificadas no pedido – a B... – Comércio de Combustíveis e Lubrificantes S.A., a C... S.A. e a D... – …, S.A., a coberto do artigo 57º do CPTA.

Sucede que, de acordo com a aplicação conjugada do disposto nos artigos 33º e 316º, n.º 1, do CPC, a não aceitação do chamamento à demanda, em incidente de intervenção provocada, por parte de quem tem legitimidade para intervir na causa, apenas pode constituir motivo de ilegitimidade em caso de preterição de litisconsórcio necessário.

E, como preceitua o referido artigo 33º do CPC, o litisconsórcio é necessário quando seja imposto por lei ou imposto pelas partes de um negócio jurídico (n.º 1) ou quando a intervenção de todos os interessados seja necessária, pela própria natureza da relação jurídica, para que a decisão a proferir produza o seu efeito útil normal, ou seja, quando sem a intervenção de todos os interessados não seja possível a composição definitiva dos interesses em causa (n.º 2).

Ora, como já se deixou dito, a empresa fornecedora de produtos petrolíferos e que procede à sua introdução no consumo, enquanto sujeito passivo do imposto, dispõe de legitimidade para impugnar os actos de liquidação, ao passo que a entidade sobre a qual é possível repercutir o imposto, não sendo sujeito passivo do tributo, mantém o direito de impugnar o encargo tributário que suporta por efeito da repercussão.

Desse modo, as entidades repercutentes e repercutidas têm diferentes interesses em demandar e quanto a elas não se verifica qualquer dos critérios legais que justificam o litisconsórcio necessário. O que equivale por dizer que não se torna obrigatória a intervenção provocada das fornecedoras de combustíveis, nem a falta de intervenção implica a preterição de litisconsórcio necessário ou constitui motivo de ilegitimidade.

  1. INCOMPETÊNCIA MATERIAL DO TRIBUNAL

Alega a Requerida que a CSR objecto do presente pedido arbitral é qualificada, não como um imposto, mas um tributo que tem a qualificação de contribuição financeira, pelo que a apreciação da sua legalidade está excluída da competência dos tribunais arbitrais, por força do disposto nos artigos 2º e 3º do RJAT e do artigo 2.º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, uma vez que a jurisdição dos tribunais arbitrais está limitada à apreciação de pretensões relativas a impostos, não abrangendo os tributos que devam ser qualificados como contribuição.

Esclareça-se, desde logo, que não é, por um lado, o facto de o tributo em causa ser designado por contribuição que lhe retira a possível qualificação como imposto, o que não é caso único no sistema fiscal português (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 539/2015 de 20-10-2015). E, por outro, também não é o facto de o mesmo ter a sua receita consignada que o mesmo tem necessariamente de ser qualificado como contribuição financeira (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 232/2022, de 31-03-2022).

Pelo contrário, como se diz no Acórdão do STA de 04-07-2018 – Proc. 01102/17: “quer os impostos, quer as contribuições, podem ter na sua origem prestações administrativas dirigidas a grupos mais ou menos alargados de sujeitos passivos, embora nenhum desses tributos tenha como pressuposto uma prestação administrativa de que o sujeito passivo seja efetivo e direto beneficiário; todavia, ao contrário dos impostos e, mesmo, das contribuições especiais, as contribuições financeiras têm como finalidade compensar prestações administrativas e realizadas, de que o sujeito passivo seja presumidamente beneficiário“. (sublinhado nosso).

Como se diz no Acórdão Arbitral 304/2022-T, a contribuição financeira pressupõe que “as prestações públicas que constituem a contrapartida colectiva do tributo beneficiem ou sejam causadas pelos respectivos sujeitos passivos”. E “o que distingue uma «contribuição financeira» de um imposto de receita consignada é a necessária circunstância, de, na primeira, a atividade da entidade pública titular da receita tributária ter um vínculo direto e especial com os sujeitos passivos da contribuição. Tal vínculo pode consistir no benefício que os sujeitos passivos, em particular, retiram da atividade da entidade pública, ou pode consistir num nexo de causalidade entre a atividade dos sujeitos passivos e a necessidade da atividade administrativa da entidade pública”.

Por seu turno, a propósito da apreciação da constitucionalidade da “Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético”, diz-se no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 43/2021, de 22-06-2021:

- “Afirmou este Tribunal, no Acórdão n.º 7/2019:

«7. Apesar de o legislador lhe ter chamado «Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético» (CESE), argumenta a requerente que o tributo em questão deve ser qualificado como um imposto, nessa qualificação sustentando, em parte, a sua posição de inconstitucionalidade das normas.

Ora, conforme tem vindo a afirmar este Tribunal, designadamente no Acórdão n.º 539/2015 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt, sítio da internet onde também podem ser encontrados os arestos deste Tribunal doravante citados), que analisou a «Taxa de Segurança Alimentar Mais»: «[…] a caracterização de um tributo, quando releve para efeito da determinação das regras aplicáveis de competência legislativa, há de resultar do regime jurídico concreto que se encontre legalmente definido, tornando-se irrelevante o ‘nomen juris’ atribuído pelo legislador ou a qualificação expressa do tributo como constituindo uma contrapartida de uma prestação provocada ou utilizada pelo sujeito passivo».

Também no caso em apreciação, a análise do Tribunal não será condicionada pela designação que o legislador consagrou para este tributo, antes relevando a caracterização que tenha por base o respetivo regime jurídico.

8. Haverá, assim sendo, que começar por distinguir entre os vários tributos – tarefa a que a jurisprudência do Tribunal Constitucional já se dedicou por diversas vezes –, para, depois, neles enquadrar o tributo em causa, já que de tal enquadramento poderá depender a solução da questão de constitucionalidade em apreço.

No citado Acórdão n.º 539/2015 estabeleceu-se sobre esta distinção:

«[…]

É conhecida e tem sido frequentemente sublinhada, mesmo na jurisprudência constitucional, a distinção entre taxa e imposto.

O imposto constitui uma prestação pecuniária, coativa e unilateral, exigida com o propósito de angariação de receitas que se destinam à satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas, e que, por isso, tem apenas a contrapartida genérica do funcionamento dos serviços estaduais. O que permite compreender que os impostos assentem essencialmente na capacidade contributiva dos sujeitos passivos, revelada através do rendimento ou da sua utilização e do património (artigo 4.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária). A taxa constitui uma prestação pecuniária e coativa, exigida por uma entidade pública, em contrapartida de prestação administrativa efetivamente provocada ou aproveitada pelo sujeito passivo, assumindo uma natureza sinalagmática. A taxa pressupõe a realização de uma contraprestação específica resultante de uma relação concreta entre o contribuinte e a Administração e que poderá traduzir-se na prestação de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares (artigo 4.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária).

A taxa tem igualmente a finalidade de angariação de receita. Mas enquanto que nos impostos esse propósito fiscal está dissociado de qualquer prestação pública, na medida em que as receitas se destinam a prover indistintamente às necessidades financeiras da comunidade, em cumprimento de um dever geral de solidariedade, nas taxas surge relacionado com a compensação de um custo ou valor das prestações de que o sujeito passivo é causador ou beneficiário. Assim, ‘a bilateralidade das taxas não passa apenas pelo seu pressuposto, constituído por dada prestação administrativa, mas também pela sua finalidade, que consiste na compensação dessa mesma prestação. Se a taxa constitui um tributo comutativo não é simplesmente porque seja exigida pela ocasião de uma prestação pública mas porque é exigida em função dessa prestação, dando corpo a uma relação de troca com o contribuinte’ (Sérgio Vasques, em ‘Manual de Direito Fiscal’, pág. 207, ed. de 2011, Almedina).

(…)

As contribuições distinguem-se especialmente das taxas porque não se dirigem à compensação de prestações efetivamente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, mas à compensação de prestações que apenas presumivelmente são provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, correspondendo a uma relação de bilateralidade genérica. Preenchem esse requisito as situações em que a prestação poderá beneficiar potencialmente um grupo homogéneo ou um conjunto diferenciável de destinatários e aquelas em que a responsabilidade pelo financiamento de uma tarefa administrativa é imputável a um determinado grupo que mantém alguma proximidade com as finalidades que através dessa atividade se pretendem atingir (sobre estes aspetos, Sérgio Vasques, ob. cit., pág. 221, e Suzana Tavares da Silva, em ‘As taxas e a coerência do sistema tributário’, pág. 89-91, 2.ª edição, Coimbra Editora).

[…]»

Em especial, sobre as contribuições financeiras, afirmou o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 80/2014, estando, então, em causa uma «penalização» por emissões excedentárias:

«[…]

No caso, sendo de reconhecer algumas dificuldades na qualificação deste tributo, não se podendo falar da existência de uma verdadeira relação comutativa, a não ser de forma difusa, afigura-se-nos que o mesmo não é reconduzível, atento o seu regime, quer à categoria unilateral do imposto, quer à categoria bilateral da taxa, aproximando-se antes de outras figuras acima referidas, designadas genericamente no texto constitucional por “demais contribuições financeiras a favor de entidades públicas” (sobre a natureza jurídica das receitas arrecadadas pelo Estado pela atribuição de licenças de emissão, cfr. Carlos Costa Pina, em “Mercado de Direitos de Emissão de CO2”, in “Estudos Jurídicos e Económicos em Homenagem ao Prof. Doutor António de Sousa Franco”, Vol. I, pp. 493-502).

(…)

«[E]sta esta linha divisória estabelece-se entre a existência ou não de um nexo de bilateralidade/causalidade entre o Estado e o sujeito passivo do tributo, ou seja, apenas se podem qualificar como contribuições financeiras a favor de entidades públicas os tributos que se possam reconduzir a uma prestação pecuniária coativa destinada a compensar prestações administrativas aproveitadas (bilateralidade) ou provocadas (causalidade) pelos respetivos sujeitos passivos, acabando por se reconduzir à categoria de impostos de receita consignada as prestações pecuniárias coativas cobradas com o intuito de financiar despesa pública – mesmo que se trate de despesa pública concretamente identificada no âmbito da consignação das receitas – sempre que essa despesa se não possa reconduzir ao suporte financeiro de medidas ou actividades administrativas provocadas pelos sujeitos passivos ou de que estes sejam beneficiários.

Em outras palavras, a qualificação de um tributo como contribuição exige “uma clara conexão entre a origem das receitas [o pressuposto do tributo] e o destino [finalidade] que a lei lhes assinala”; conexão que possa ser reconduzida a uma ‘relação de troca’ ou a uma ‘relação causal’ entre o Estado e o sujeito passivo»”.

Ora, a Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR), criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, visa financiar a rede rodoviária nacional, a cargo hoje da Infraestruturas de Portugal, SA (artigo 1º), sendo que o financiamento da rede rodoviária nacional por aquela entidade é assegurado pelos respectivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável (artigo 2º).

Como resulta do artigo 3º, a CSR corresponde à contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional - tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis – e constitui uma fonte de financiamento da mesma no que respeita à respectiva concepção, projecto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento, ainda que a exigência da contribuição não prejudique a eventual aplicação de portagens em vias específicas ou o recurso da entidade concessionária a outras forma de financiamento.

A CSR incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos e dele não isentos (artigo 4º, n.º 1).

É devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento (artigo 5º, n.º 1).

O produto da CSR constitui receita própria da Infraestruturas de Portugal, SA (artigo 6º).

Como qualificar então, a CSR?

Temos presente o entendimento plasmado na decisão arbitral 31/2023 em que se considerou que “utilizando a Constituição e a Lei designações específicas para classificar os vários tipos de tributos, terá de se presumir também que, para efeito da definição das competências dos tribunais arbitrais, se pretendeu aludir à classificação que legislativamente foi adoptada em relação a cada tributo e não à que o intérprete poderá considerar-se mais apropriada, como base em considerações de natureza doutrinal. A classificação de tributos especiais, designadamente para apurar se devem ser ou não tratados constitucionalmente como impostos é, frequentemente, uma tarefa complexa, objecto de abundante jurisprudência do Tribunal Constitucional. Não há qualquer razão para crer, em termos de razoabilidade, que o legislador, que tem de se presumir que consagrou a solução mais acertada (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), tivesse optado por impor indagações com esse nível de dificuldade, incerteza de resultados e morosidade para definição da competência dos tribunais arbitrais, em vez de optar pela identificação clara e segura dos tributos a que pretendeu aludir através da designação que legislativamente foi considerada adequada que, além do mais, se compagina melhor com a celeridade de decisões que se visou atingir com a criação da arbitragem tributária”.

Com o qual não podemos concordar. Afigura-se-nos, aliás, que tal decisão arbitral não apreciou, sequer, o regime jurídico da CSR enquanto tributo, partindo do princípio de que a nomenclatura adoptada pela lei - como “contribuição” – seria adequada e suficiente para a desqualificar como imposto, desse modo afastando a competência dos tribunais arbitrais para apreciação da ilegalidade dos seus actos de liquidação.

Entendemos, pelo contrário, subscrevendo o decidido, entre outors, no já citado Acórdão  304/2022-T que:

- “A Contribuição de Serviço Rodoviário não cabe em nenhuma destas hipóteses. Desde logo, a CSR não tem como pressuposto uma prestação, a favor de um grupo de sujeitos passivos, por parte de uma pessoa coletiva. A contribuição é estabelecida a favor da EP — Estradas de Portugal, E. P. E. (art. 3º, nº 2 da Lei n.º 55/2007), sendo essa mesma entidade a titular da receita correspondente (art.º 6º). No entanto, os sujeitos passivos da contribuição (as empresas comercializadoras de produtos combustíveis rodoviários) não são os destinatários da atividade da EP — Estradas de Portugal, E. P. E., a qual consiste na “conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento” da rede de estradas (art. 3º, nº 2 da Lei n.º 55/2007).

Em segundo lugar, também não se encontra base legal alguma para afirmar que a responsabilidade pelo financiamento da tarefa administrativa em causa – que no caso será a “conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede de estradas” – é imputável aos sujeitos passivos da contribuição, que são as empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários. Pelo contrário, o art.º 2.º da Lei n.º 55/2007 diz expressamente que o “financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E.P. E., (...), é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável.”

Portanto, apesar de ser visível, de forma clara, o elemento de afetação da contribuição para financiar a atividade de uma entidade pública não territorial – a EP - Estradas de Portugal, E. P. E. – não é de modo algum evidente a existência, pelo contrário, afigura-se inexistir um “nexo de comutatividade coletiva” entre os sujeitos passivos e a responsabilidade pelo financiamento da respetiva atividade, ou entre os sujeitos passivos e os benefícios retirados dessa atividade.

A Contribuição de Serviço Rodoviário visa financiar a rede rodoviária nacional a cargo da EP — Estradas de Portugal, E. P. E. (art.º 1º da Lei 55/2007). O financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP — Estradas de Portugal, E. P. E., é assegurado pelos respetivos utilizadores (art.º 2º). São, estes, como se conclui, os sujeitos que têm um vínculo com a atividade da entidade titular da contribuição e com a atividade pública financiada pelo tributo; são eles os beneficiários, e são eles os responsáveis pelo seu financiamento.

No entanto, a contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, que, nos termos do art.º 4º n.º 1, al. a) do CIEC, são os “depositários autorizados” e os “destinatários registados”, não existindo qualquer nexo específico entre o benefício emanado da atividade da entidade pública titular da contribuição e o grupo dos respetivos sujeitos passivos.

Embora a Autoridade Tributária afirme que a posição dos revendedores de produtos petrolíferos é a de uma “espécie de substituição tributária”, não entendemos assim, pois tal entendimento não tem apoio na lei.

(…)

Ainda poderia acrescentar-se que o universo de entidades que beneficiam ou dão causa à atividade financiada pela CSR não é um grupo delimitado de pessoas, mas é toda a população de um modo geral. E que o efetivo sacrifício fiscal, suportado através de uma repercussão meramente económica, não é suportado apenas pelos que efetivamente utilizam a rede de estradas a cargo da Infraestruturas de Portugal S.A., mas também pelos que utilizam vias rodoviárias que não se incluem nessa rede.

Por conseguinte, conclui também este tribunal que a Contribuição de Serviço Rodoviário, apesar do seu nomen juris e de a sua receita se destinar a financiar uma atividade pública específica, não tem o caráter de comutatividade, bilateralidade ou sinalagmaticidade grupal ou coletiva que é necessária à contribuição financeira”.

Concluímos, por isso, ser a CSR um verdadeiro imposto

É também essa a posição do Tribunal de Contas, na “Conta Geral do Estado de 2008”, aí dizendo:

- “Face ao conteúdo normativo das disposições legais aplicáveis aos vários aspectos de que se reveste a problemática da contribuição de serviço rodoviário e tendo em conta os artigos 103.º, 105.º e 106.º da Constituição, a Lei de enquadramento orçamental e a legislação fiscal aplicável, o Tribunal de Contas considera que a contribuição de serviço rodoviário tem as características de um verdadeiro imposto ou, pelo menos, que dada a sua natureza não pode deixar de ser tratada como imposto pelo que, sendo considerada como receita do Estado, não pode deixar de estar inscrita no Orçamento do Estado, única forma de o Governo obter autorização anual para a sua cobrança.

Com efeito, a contribuição de serviço rodoviário é devida ao Estado, na medida em que é este o sujeito activo da respectiva relação jurídica tributária, pelo que os princípios constitucionais e legais da universalidade e da plenitude impõem a inscrição da previsão da cobrança da sua receita na Lei do Orçamento do Estado de cada ano.

(…)

Face ao exposto, não se antevê suporte legal bastante, face à Constituição e à lei, para a contribuição de serviço rodoviário ser paga directamente a uma sociedade anónima, sem passar pelo Orçamento do Estado. Para além disso, o Tribunal de Contas não pode deixar de assinalar que esta situação leva a uma saída de receitas e despesas da esfera orçamental e, por consequência, da sua execução, o que conduz à degradação, nesta sede, do âmbito do controlo das receitas e despesas públicas”.

Decorre do que se vem de referir que o Tribunal Arbitral é materialmente competente para apreciar o peticionado no presente pedido arbitral.

Invoca, ainda, a Requerida, a incompetência material do tribunal arbitral, fundada na circunstância de o teor do pedido arbitral, bem como da sua fundamentação, se pretender a apreciação da legalidade do regime da CSR, no seu todo, ou seja, a conformidade jurídico-constitucional do plasmado na Lei 55/2007.

Cremos que sem razão.

Com o pedido arbitral pretende a Requerente, na sequência da presunção de indeferimento tácito dos pedidos de promoção de revisão oficiosa - apresentados junto da Alfândega do Jardim do Tabaco e da Alfândega do Freixeiro - contestar, em primeiro lugar, a legalidade dos actos de repercussão da CSR (corporizados nas facturas que lhe foram emitidas pelas fornecedoras de combustível) e, em segundo lugar, em face da existente correlação causal, a legalidade dos antecedentes actos de liquidação de CSR praticados pela AT, actos que estão na origem daquelas repercussões e sem os quais as mesmas não existiriam.

É, pois, inequívoco que a Requerente não pede ao tribunal arbitral que declare a ilegalidade ou a conformidade constitucional da Lei 55/2007, como a Requerida alega. O que pretende é a declaração de ilegalidade dos identificados actos, por sustentar estarem em desconformidade com o direito comunitário.

Quer dizer, a Requerente pretende que o tribunal arbitral declare a ilegalidade de tais actos, sendo o fundamento da sua pretensão a ilegalidade abstracta dos mesmos, a qual cabe na competência material do tribunal arbitral.

Improcede, pois, também neste ponto, a excepção de incompetência material do tribunal arbitral.

II – VIOLAÇÃO DE LEI

- CONFORMIDA COM A DIRECTIVA 2008/118 CE

Defende a Requerente serem as liquidações ilegais por violarem o que determina a Directiva 2008/118 do Conselho, de 16 de Dezembro.

Com efeito, sustenta que a CSR constitui, à luz da Directiva 2008/118/CE, um imposto não harmonizado incidente sobre produtos sujeitos aos IEC harmonizados.

Ora, tal directiva, que estabelece o regime geral dos impostos especiais de consumo que incidem directa ou indirectamente sobre o consumo, entre outros, dos produtos energéticos, dispõe, no n.º 2 do artigo 1º:

- “Os Estados-Membros podem cobrar, por motivos específicos, outros impostos indirectos sobre os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, desde que esses impostos sejam conformes com as normas fiscais da Comunidade aplicáveis ao imposto especial de consumo e ao imposto sobre o valor acrescentado no que diz respeito à determinação da base tributável, à liquidação, à exigibilidade e ao controlo do imposto, regras estas que não incluem as disposições relativas às isenções”.

A propósito de um reenvio prejudicial requerido no âmbito do processo arbitral 564/2020-T, foi proferido pelo TJUE, no Proc. C-460/21, em 07-02-2002, despacho que considerou que:

- “Para se considerar que prossegue um motivo específico, na acepção da referida disposição, um imposto deve visar, por si só, assegurar a finalidade específica invocada, de tal forma que exista uma relação directa entre a utilização das receitas e a finalidade da imposição em causa”.

- Só se pode considerar que um imposto que incide sobre produtos sujeitos a impostos especiais de consumo quando prossegue um motivo específico, na acepção do artigo 1º, n.º 2 da Directiva 2008/118, se esse imposto for concebido, no que respeita à sua estrutura, nomeadamente, à matéria colectável ou à taxa de tributação, de modo a influenciar o comportamento dos contribuintes nem sentido que permita realizar o motivo específico invocado, por exemplo, através da tributação significativa dos produtos considerados para desencorajar o respectivo consumo.

- No caso em apreço, importa salientar, em primeiro lugar, como resulta da jurisprudência referida no n.° 26 do presente despacho, que, embora a afectação predeterminada do produto da CSR ao financiamento, pela concessionária da rede rodoviária nacional, das competências gerais que lhe são atribuídas possa constituir um elemento a tomar em consideração para identificar a existência de um motivo específico, na acepção do artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 2008/118, essa afectação não pode, enquanto tal, constituir um requisito suficiente.

- Em segundo lugar, para se considerar que prossegue um motivo específico, na acepção desta disposição, a CSR deveria destinar‑se, por si só, a assegurar os objectivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental que foram atribuídos à concessionária da rede rodoviária nacional. Seria esse o caso, nomeadamente, se o produto deste imposto devesse ser obrigatoriamente utilizado para reduzir os custos sociais e ambientais especificamente associados à utilização dessa rede que é onerada pelo referido imposto. Seria então estabelecida uma relação directa entre a utilização das receitas e a finalidade da imposição em causa (v., neste sentido, Acórdãos de 27 de fevereiro de 2014, Transportes Jordi Besora, C‑82/12, EU:C:2014:108, n.º 30, e de 25 de julho de 2018, Messer France, C‑103/17, EU:C:2018:587, n.° 38).

- Em terceiro lugar, como resulta do n.° 14 do presente despacho, é certo que a Autoridade Tributária sustenta que existe uma relação entre a afectação das receitas geradas pela CSR e o motivo específico que levou à instituição deste imposto, uma vez que o decreto‑lei que atribuiu a concessão da rede rodoviária nacional à IP impõe a esta última que trabalhe em prol, por um lado, da redução da sinistralidade nessa rede e, por outro, da sustentabilidade ambiental.

- Em quarto lugar, os dois objectivos atribuídos à concessionária da rede rodoviária nacional portuguesa estão enunciados em termos muito gerais e não deixam transparecer, à primeira vista, uma real vontade de desencorajar a utilização quer dessa rede quer dos principais combustíveis rodoviários, como a gasolina, o gasóleo rodoviário ou o gás de petróleo liquefeito (GPL) automóvel. A este respeito, é significativo que o órgão jurisdicional de reenvio destaque, na redacção da sua primeira questão prejudicial, que as receitas geradas pelo imposto são genericamente afectadas à concessionária da rede rodoviária nacional e que a estrutura deste imposto não atesta a intenção de desmotivar um qualquer consumo desses combustíveis.

- Em quinto lugar, o pedido de decisão prejudicial não contém nenhum elemento que permita considerar que a CSR, na medida em que incide sobre os utilizadores da rede rodoviária nacional, foi concebida, no que respeita à sua estrutura, de tal modo que dissuade os sujeitos passivos de utilizarem essa rede ou que os incentiva a adoptar um tipo de comportamento cujos efeitos seriam menos nocivos para o ambiente e que seria susceptível de reduzir os acidentes.

- Por conseguinte, sem prejuízo das verificações que caberá ao órgão jurisdicional de reenvio efectuar atendendo às indicações que figuram nos n.o 29 a 34 do presente despacho, as duas finalidades específicas invocadas pela Autoridade Tributária para demonstrar que a CSR prossegue um motivo específico, na acepção do artigo 1°, n.º 2, da Diretiva 2008/118, não se distinguem de uma finalidade puramente orçamental (v., por analogia, Acórdão de 27 de fevereiro de 2014, Transportes Jordi Besora, C‑82/12, EU:C:2014:108, n.º 31 a 35)”.

Para concluir que:

- “O artigo 1°, nº 2, da Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo e que revoga a Directiva 92/12/CEE, deve ser interpretado no sentido de que não prossegue «motivos específicos», na acepção desta disposição, um imposto cujas receitas ficam genericamente afectadas a uma empresa pública concessionária da rede rodoviária nacional e cuja estrutura não atesta a intenção de desmotivar o consumo dos principais combustíveis rodoviários”.

Aderindo a tal entendimento, do mesmo modo que o decidido no processo arbitral 304/2022-T, concluímos que “a CSR não tem um «motivo específico», antes se destina ao financiamento de despesas de carácter geral que incumbem obrigatoriamente ao Estado e são susceptíveis de ser financiadas por quaisquer receitas fiscais, violando a lei que cria o tributo, com essa ausência de «motivo específico» o artigo 1°, n.° 2, da Diretiva 2008/118. Ao ser a lei que cria o tributo ilegal por violar a Diretiva 2008/118, as liquidações impugnadas padecem do vício de ilegalidade abstracta”.

 -  REEMBOLSO DA CONTRIBUIÇÃO

Outra questão controversa no presente pedido, reside no facto de saber se a obrigação de reembolso da CSR indevidamente liquidada, corolário do princípio da obrigatória restituição dos impostos indevidamente pagos, não existirá na medida em que o mesmo causaria na esfera da Requerente um enriquecimento sem causa, uma vez que o encargo do imposto não foi efectivamente suportado pela Requerente, tendo esta repercutido o imposto nos consumidores adquirentes dos combustíveis sobre os quais incidiu o imposto.

Fazendo apelo ao já citado Proc.  C-460/21 do TJUE:

- “Como resulta de jurisprudência constante, o direito de obter o reembolso dos impostos cobrados num Estado‑Membro em violação das disposições do direito da União é a consequência e o complemento dos direitos conferidos aos particulares por estas disposições, conforme foram interpretadas pelo Tribunal de Justiça. Assim, um Estado‑Membro está, em princípio, obrigado a reembolsar os impostos cobrados em violação do direito da União, ao abrigo das regras processuais nacionais aplicáveis e no respeito pelos princípios da equivalência e da efetividade (v., neste sentido, designadamente, Acórdãos de 9 de novembro de 1983, San Giorgio, 199/82, EU:C:1983:318, n.º 12 e de 1 de março de 2018, Petrotel‑Lukoil e Georgescu, C‑76/17, EU:C:2018:139, n.º 32).

- A obrigação de reembolsar os impostos cobrados num Estado‑Membro em violação das disposições da União conhece apenas uma excepção. Com efeito, sob pena de conduzir a um enriquecimento sem causa dos titulares do direito, a protecção dos direitos garantidos na matéria pela ordem jurídica da União exclui, em princípio, o reembolso dos impostos, direitos e taxas cobrados em violação do direito da União quando seja provado que o sujeito passivo responsável pelo pagamento desses direitos os repercutiu efetivamente noutras pessoas (v., neste sentido, Acórdãos de 14 de janeiro de 1997, Comateb e o C‑192/95 a C‑218/95, EU:C:1997:12, n.º 21, e de 1 de março de 2018, Petrotel‑Lukoil e Georgescu, C‑76/17, EU:C:2018:139, n.º 33).

- Por conseguinte, incumbe às autoridades e aos órgãos jurisdicionais nacionais assegurar o respeito pelo princípio da proibição do enriquecimento sem causa, incluindo quando nada conste a este respeito no direito nacional.

- Em condições como as que foram mencionadas no n.  39 do presente despacho, o ónus do imposto indevidamente cobrado não é suportado pelo operador que a ele está sujeito, mas pelo comprador sobre o qual foi repercutido. Assim, reembolsar ao operador o montante do imposto que já recebeu do comprador equivaleria para aquele a um duplo pagamento susceptível de ser qualificado de enriquecimento sem causa, sem que, porém, sejam remediadas as consequências da ilegalidade do imposto para o comprador (v., neste sentido, Acórdãos de 14 de janeiro de 1997, Comateb e o C‑192/95 a C‑218/95, EU:C:1997:12, n.  22, e de 1 de março de 2018, Petrotel‑Lukoil e Georgescu, C‑76/17, EU:C:2018:139, n.º 34).

- Por conseguinte, um Estado‑Membro só se pode opor ao reembolso de um imposto indevidamente cobrado à luz do direito da União quando as autoridades nacionais provarem que o imposto foi suportado na íntegra por uma pessoa diferente do sujeito passivo e quando o reembolso do imposto conduzisse, para este sujeito passivo, a um enriquecimento sem causa. Daqui resulta que, se só tiver sido repercutida uma parte do imposto, as autoridades nacionais só estão obrigadas a reembolsar o montante não repercutido (v., neste sentido, designadamente, Acórdãos de 9 de novembro de 1983, San Giorgio, 199/82, EU:C:1983:318, n.º 13; de 14 de janeiro de 1997, Comateb e o C‑192/95 a C‑218/95, EU:C:1997:12, n. 27 e 28; e de 2 de outubro de 2003, Weber’s Wine World e o C‑147/01, EU:C:2003:533, n.º 94).

- Constituindo esta excepção ao princípio do reembolso dos impostos incompatíveis com o direito da União uma restrição a um direito subjectivo resultante da ordem jurídica da União, há que interpretá‑la de forma restritiva, atendendo nomeadamente ao facto de que a repercussão de um imposto no consumidor não neutraliza necessariamente os efeitos económicos da tributação no sujeito passivo (v., neste sentido, Acórdãos de 2 de outubro de 2003, Weber’s Wine World e o C‑147/01, EU:C:2003:533, n.º 95, e de 1 de março de 2018, Petrotel‑Lukoil e Georgescu, C‑76/17, EU:C:2018:139, n.º35).

- Com efeito, ainda que, na legislação nacional, os impostos indiretos tenham sido concebidos de modo a serem repercutidos no consumidor final e que, habitualmente, no comércio, esses impostos indirectos sejam parcial ou totalmente repercutidos, não se pode afirmar de uma maneira geral que, em todos os casos, o imposto é efectivamente repercutido. A repercussão efectiva, parcial ou total, depende de vários factores próprios de cada transação comercial e que a diferenciam de outras situações, noutros contextos. Consequentemente, a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indirecto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos (v., neste sentido, Acórdãos de 25 de fevereiro de 1988, Les Fils de Jules Bianco e Girard, 331/85, 376/85 e 378/85, EU:C:1988:97, n.º17, e de 2 de outubro de 2003, Weber’s Wine World e o., C‑147/01, EU:C:2003:533, n.º 96).

- Não se pode no entanto admitir que, no caso dos impostos indiretos, exista uma presunção segundo a qual a repercussão teve lugar e que cabe ao contribuinte provar negativamente o contrário. Sucede o mesmo quando o contribuinte tenha sido obrigado, pela legislação nacional aplicável, a incorporar o imposto no preço de custo do produto em causa. Com efeito, essa obrigação legal não permite presumir que a totalidade do imposto tenha sido repercutida, mesmo no caso de a violação de essa obrigação conduzir a uma sanção (Acórdão de 14 de janeiro de 1997, Comateb e o C‑192/95 a C‑218/95, EU:C:1997:12, n.o 25 e 26.

- O direito da União exclui assim que se aplique toda e qualquer presunção ou regra em matéria de prova destinada a fazer recair sobre o operador em causa o ónus de provar que os impostos indevidamente pagos não foram repercutidos noutras pessoas e que visem impedir a apresentação de elementos de prova destinados a contestar uma pretensa repercussão (Acórdão de 21 de setembro de 2000, Michaïlidis, C‑441/98 e C‑442/98, EU:C:2000:479, n.° 42).

- Além disso, mesmo na hipótese de vir a ser provado que o imposto indevido foi repercutido sobre terceiros, o respectivo reembolso ao operador não implica necessariamente um enriquecimento sem causa por parte deste, visto que a integração do montante do referido imposto nos preços praticados pode dar origem a prejuízos associados à diminuição do volume das suas vendas (v., neste sentido, Acórdãos de 14 de janeiro de 1997, Comateb e o., C‑192/95 a C‑218/95, EU:C:1997:12, n.o 29 a 32, e de 6 de setembro de 2011, Lady & Kid e o C‑398/09, EU:C:2011:540, n.º 21)”.

Concluindo-se que “o direito da União deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que as autoridades nacionais possam fundamentar a sua recusa de reembolsar um imposto indireto contrário à Diretiva 2008/118 na presunção de que esse imposto foi repercutido sobre terceiros e, consequentemente, no enriquecimento sem causa do sujeito passivo”.

Resulta do acima exposto que, para que seja afastada a obrigação de reembolso, terá de existir prova evidente de uma efectiva repercussão do imposto que, desse modo, traduza uma situação de enriquecimento sem causa por parte do operador.

Acresce que mesmo que viesse a provar-se que o imposto indevidamente liquidado foi repercutido sobre terceiros, o respetivo reembolso ao operador não implica necessariamente um enriquecimento sem causa por parte deste, visto que a integração do montante do referido imposto nos preços praticados pode dar origem a prejuízos associados à diminuição do volume das suas vendas. Pelo que sempre seria necessário demonstrar que, nas condições de mercado resultantes do agravamento da tributação, o contribuinte teria beneficiado, ao menos parcialmente, por efeito da repercussão do imposto.

De qualquer modo, a obrigação legal de incorporação do imposto no preço do custo do produto não permite presumir que a totalidade do imposto tenha sido repercutido.

Seria ainda necessário demonstrar que, nas condições de mercado resultantes do agravamento da tributação, o sujeito passivo teria beneficiado, ainda que parcialmente, do efeito da repercussão do imposto nos consumidores.

Com efeito, “tal como também foi assinalado pelo Tribunal de Justiça, a repercussão de um imposto no consumidor não neutraliza necessariamente os efeitos económicos da tributação no sujeito passivo e mesmo que viesse  a provar-se que o imposto indevidamente liquidado foi repercutido sobre terceiros, o respectivo reembolso ao operador não implica necessariamente um enriquecimento sem causa por parte deste, visto que a integração do montante do referido imposto nos preços praticados pode dar origem a prejuízos associados à diminuição do volume das suas vendas” (Acórdão 113/2023-T).

Acresce que relativamente ao enriquecimento sem causa, que não resulta necessariamente da repercussão do imposto, nenhuma prova é efectuada.

Carece, pois, a Requerida de fundamento para se opor ao pedido formulado.

III – JUROS INDEMNIZATÓRIOS

Além da restituição das quantias indevidamente pagas, pretende a Requerente que seja declarado o direito ao pagamento de juros indemnizatórios.

Opõe-se a Requerida a tal pedido, invocando que “as atribuições dos tribunais arbitrais tributários não incluem competências no âmbito da execução de sentenças/decisões, não lhes competindo, por conseguinte, pronunciar-se sobre a restituição de valores/montantes, por conta da declaração de ilegalidade ou anulação de atos de liquidação, o que só pode ser determinado em sede de execução da decisão, em conformidade, aliás, com o já decidido pela instância arbitral nesse sentido”.

O que não se compreende.

Se é verdade que a competência dos tribunais arbitrais em matéria tributária apenas compreende as pretensões que envolvam a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de fixação da matéria coletável e de fixação de valores patrimoniais (alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 2º do RJAT), o certo é que constitui um efeito da decisão arbitral de procedência que a AT deva praticar o acto tributário legalmente devido em substituição do ato impugnado e restabelecer a situação que existiria se esse acto não tivesse sido praticado (artigo 24.º, n.º 1, do RJAT).

O que decorre também do artigo 100º, n.º 1 da LGT quando estabelece que “a Administração Tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei”.

Tal direito vem consagrado no art. 43º da LGT o qual tem como pressuposto que se apure, em reclamação graciosa ou impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida em montante superior ao legalmente devido.

O reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral, resulta do disposto no artigo 24º, n.º 5 do RJAT, quando estipula que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.

Mas, para que a AT possa ser condenada no pagamento de juros indemnizatórios, necessário é que, como se referiu, o mesmo resulte de erro imputável aos serviços.

In casu, a AT não fez mais do que actuar segundo a determinação legal.

Tal não obsta a que se entenda ter ocorrido erro imputável aos serviços, na esteira do que decidiu o STA, ao estabelecer no acórdão proferido em 19-11-2014, no processo 0886/14 que “.. tem desde há muito entendido este Supremo Tribunal de forma pacífica que «existindo um erro de direito numa liquidação efectuada pelos serviços da administração tributária, e não decorrendo essa errada aplicação da lei de qualquer informação ou declaração do contribuinte, o erro em questão é imputável aos serviços, pois tanto o n.º 2 do artigo 266° da Constituição como o artigo 55° da Lei Geral Tributária estabelecem a obrigação genérica de a administração tributária actuar em plena conformidade com a lei, razão por que qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável à própria Administração, sendo que esta imputabilidade aos serviços é independente da demonstração da culpa de qualquer um dos funcionários envolvidos na emissão do acto afectado pelo erro, conforme se deixou explicado, entre outros, no acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo em 12.12.2001, no recurso n.º 026233, pois “havendo erro de direito na liquidação, por aplicação de normas nacionais que violem o direito comunitário e sendo ela efectuada pelos serviços, é à administração tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte. Por outro lado, esta imputabilidade aos serviços é independente da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efectuar liquidação afectada por erro” já que “a administração tributária está genericamente obrigada a actuar em conformidade com a lei (arts. 266°, n.° 1 da CRP e 55° da LGT), pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviços”. - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 14 de Março de 2012, rec. n.º 1007/11, e numerosa jurisprudência aí citada”.

Quer dizer que tendo ocorrido, in casu, erro de direito na liquidação em causa, assiste à Requerente o direito ao pretendido pagamento de juros indemnizatórios relativamente ao imposto pago.

Todavia, como estabelece o Acórdão do Pleno do STA de 11-12-2019- Proc. n.º 51/19.1BALSB, pedida pelo sujeito passivo a revisão oficiosa do acto de liquidação (cf. artigo 78º, n.º 1, da LGT) e vindo a ser anulado, mesmo que em impugnação judicial do indeferimento daquela revisão, os juros indemnizatórios são devidos depois de decorrido um ano após a apresentação daquele pedido e não desde a data do pagamento da quantia liquidada, nos termos do disposto no artigo 43º, n.º 1 e 3, c) da LGT.

 

DECISÃO

 

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

 

  1. Julgar totalmente procedente o pedido arbitral formulado e declarar a ilegalidade dos actos de liquidação da Contribuição de Serviço Rodoviário impugnados, com a consequente anulação dos correspondentes atos de repercussão.
  2. Condenar a Requerida na restituição dos montantes indevidamente pagos, acrescido de juros indemnizatórios.
  3. Condenar a Requerida nas custas do processo.

 

V. VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em 437.486,80 € (quatrocentos e trinta e sete mil, quatrocentos e oitenta e seis euros e oitenta cêntimos) nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

 

VI. CUSTAS

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 7.038,00 €, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Lisboa, 4-1-2024

 

Os Árbitros

 

 

José Poças Falcão

(Presidente)

 

 

 

 

 

Maria Alexandra Mesquita

(Vogal)

 

 

 

António A. Franco

(Relator)