Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 51/2013-T
Data da decisão: 2014-03-07  Selo  
Valor do pedido: € 265.469,90
Tema: IS – Verba 28.1 TGIS – Terrenos para construção
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DECISÃO ARBITRAL

 

CAAD: Arbitragem Tributária                        

Processo nº 51/2013 – T

Tema: IS – Verba nº28 da TGIS; arts.4º e 6º da Lei nº55-A/2012, de 29 de Outubro.

 

I – Relatório

 

1. No dia 20 de março de 2013, as entidades A, Fundo de Investimento Imobiliário Fechado (NIPC …), B – Fundo de Investimento Imobiliário Fechado (…), C – Fundo de Investimento Imobiliário Fechado (NIPC …), D – Fundo de Investimento Imobiliário Fechado (NIPC …), E – Fundo de Investimento Imobiliário Aberto (NIPC …) e F– Fundo de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional (NIPC …), representados por G – Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Mobiliário, S.A., na qualidade de sociedade gestora (NIPC …), e H, S. A. (NIPC ...), doravante os Requerentes,  requereram ao CAAD a constituição de tribunal arbitral coletivo, nos termos do art. 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante a Requerida  ou a AT, com vista à:

(i) Anulação das liquidações de imposto de selo abaixo identificadas, emitidas nos termos da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, por ilegais e inconstitucionais, com todas as consequências legais;

(ii) Reembolso aos Requerentes de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT, bem como dos custos com as garantias que venham a ser prestadas no âmbito dos processos de execução fiscal instaurados por falta de pagamento das liquidações objeto do pedido.

 

            2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmº. Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.

            Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do art. 6.º do RJAT, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foram designados árbitros os Exmºs Senhores Desembargador Manuel Macaísta Malheiros, o Dr. Marcolino Pisão Pedreiro e o Professor Doutor Jorge Bacelar Gouveia, que comunicaram ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente aplicável.

O Tribunal Arbitral foi constituído em 24 de Maio de 2013. 

 

            3. A reunião prevista no artigo 18º do RJAT teve lugar no dia  24 de setembro de 2013, pelas 14 horas.

 

II – A caracterização do litígio

 

4. As entidades requerentes formularam um pedido de pronúncia de decisão arbitral quanto às seguintes liquidações de imposto de selo:

      - nº 2012…

      - nº 2012…

      - nº 2012…

      - nº 2012…

      - nº 2012…

      - nº 2012…

      - nº 2012…

      - nº 2012…

      - nº 2012…

      - nº 2012…

      - nº 2012…

      - nº 2012…

      - nº 2012…

      - nº 2012…

      - nº 2012…

      - nº 2012…

      - nº 2012..

      - nº 2012…

      - nº 2012…

      - nº 2012…

      - nº 2012…

      - nº 2012…

 

 

5. Invocaram como causa de pedir simultaneamente a não aplicabilidade da norma que estabelece a verba nº 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo, aditada pela Lei nº 55-A/2012, de 29 de outubro, conjugada com a norma do art. 6º, nº 2, al. f) e i), do mesmo diploma, como também a sua ilegalidade e a sua inconstitucionalidade.

Estabelece esta nova disposição que fica sujeita a imposto do selo a propriedade de prédios com afetação habitacional com VPT igual ou superior a 1.000.000 euros, nos seguintes exatos termos:

“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a 1 000 000 euros – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 – Por prédio com afetação habitacional – 1%;

28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares, sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%”.

 

6. A Requerida, chamada pronunciar-se, contestou este pedido e defendeu-se por exceção e por impugnação:

- por exceção, afirmando não ser processualmente admissível a coligação de autores e a cumulação de pedidos;

- por impugnação, considerando não haver motivos para se considerar as liquidações do imposto de selo ilegais e inconstitucionais.

 

7. Os argumentos esgrimidos no pedido de pronúncia arbitral e na resposta da Requerida foram mantidos nas alegações escritas que posteriormente fizeram chegar ao Tribunal Arbitral.

 

II – Aspetos processuais da coligação dos autores e da cumulação de pedidos

 

8. No processo arbitral, as Requerentes solicitam a aceitação da coligação de autores e a cumulação dos pedidos, com base no art. 3º, nº 1, do RJAT, uma vez que, no seu entendimento, “...são idênticos os factos em causa, bem como os princípios e regras de direito cuja violação implica a ilegalidade das liquidações contestadas” (art. 20º do pedido de pronúncia das Requerentes).

 

9. A AT discorda deste entendimento, dizendo que no presente processo há uma diversidade de entidades requerentes – 6 entidades – e que os prédios em causa respeitam a “…uma multiplicidade de imóveis, sendo que as requerentes invocam as diferentes características dos mesmos para fundamentar os vícios de ilegalidade que invocam…” (nº 8 da resposta da requerida).

 

10. Cumpre preliminarmente decidir esta questão processual antes de o Tribunal Arbitral se pronunciar sobre o mérito da causa.

O invocado art. 3º, nº 1, do RJAT estabelece o seguinte: “A cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes atos e a coligação de autores são admissíveis quando a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito”.

É entendimento do Tribunal Arbitral que se encontram reunidos os pressupostos para aceitar a coligação de autores e a cumulação de pedidos.

Sendo embora factos que dizem respeito a entidades diferentes, os quais respeitam também a direitos reais distintos na sua materialidade, a questão fundamental de Direito é sempre a mesma, ou seja, a aplicação e a validade legal e constitucional do art. 4º da Lei nº 55-A/2012, de 29 de outubro, que acrescentou a verba nº 28 à Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS).

Como se verá na parte respeitante à matéria de Direito, a solução do presente litígio, não obstante a diversidade subjetiva e factual existente, está sempre centrada naquela disposição, coligação de autores e cumulação de pedidos, que além do mais se justifica em nome do princípio da economia processual e da simplificação processual, apanágio da justiça arbitral.

            Razão por que se indefere a pretensão da Requerida, tal como já se decidiu, para caso equivalente, no Acórdão Arbitral do CAAD do processo nº 53/2013.

 

III – A matéria de facto relevante

 

           

            11. A pluralidade de matéria factual obriga a deslindar as diversas situações, sendo de considerar relevantes para a presente decisão arbitral, as propriedades em causa, nas suas diversas características, bem como os respetivos atos de liquidação.

            Assim, consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1. A Requerente A – FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO era em 31.10.2012 proprietária do terreno para construção inscrito na matriz sob o artigo … da freguesia de …, concelho de …, com o valor patrimonial tributário de 1095.890 €.

 

  1. Em 7.11.2012 a Requerida efetuou a esta Requerente a liquidação de imposto de selo nº 2012… referente a este imóvel, com base  no art. 6º, nº 1, al. f), i), no valor de 28.642,40 €.

 

  1. A Requerente C – FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILÁRIO FECHADO era em 31.10.2012 proprietária do terreno para construção, inscrito na matriz sob o artigo … da freguesia de …, com o valor patrimonial tributário de 1.013.930 €.

 

  1. Em 6.11.2012 a Requerida efetuou a esta Requerente a liquidação de imposto de selo nº 2012… referente a este imóvel, com base no art. 6º, nº 1, al. f) e i), no valor de 5.069,65 €.

 

 

  1. A Requerente D – FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO era em 31.10.2012 proprietária do terreno para construção, inscrito na matriz sob o artigo … da freguesia de …, com o valor patrimonial tributário de 2.339.525,77 €.

 

  1.  Em 07.11.2012 a Requerida efetuou a esta Requerente a liquidação de imposto de selo nº 2012…, referente a este imóvel, com base  no art. 6º, nº 1, al. f), i), no valor de 11.697,63 €.

 

  1. A Requerente D – FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO era em 31.10.2012 proprietária do terreno para construção, inscrito na matriz sob o artigo … da freguesia de …, com o valor patrimonial tributário de 1.095.890 €.

 

  1. Em 7.11.2012 a Requerida efetuou a esta Requerente a liquidação de imposto de selo nº 2012…, referente a este imóvel, com base  no art. 6º, nº 1, al. f) e i), no valor de 5.479,45 €.

 

  1. A Requerente D – FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO era em 31.10.2012 proprietária do terreno para construção, inscrito na matriz sob o artigo … da freguesia de …, com o valor patrimonial tributário de 1.089.740,67 €.

 

  1.  Em 7.11.2012, a Requerida efetuou a esta Requerente a liquidação de imposto de selo nº 2012…, referente a este imóvel, com base no art. 6º, nº 1, al. f) e i), no valor de 5.448,70 €.

 

  1.  A Requerente D – FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO era em 31.10.2012 proprietária do terreno para construção, inscrito na matriz sob o artigo … da freguesia de …, com o valor patrimonial tributário de 2.265.910 €.

 

  1. Em 7.11.2012 a Requerida efetuou a esta Requerente a liquidação de imposto de selo nº 2012…, referente a este imóvel, com base no art. 6º, nº 1, al. f) e i), no valor de 11.329,55 €.

 

  1.  A Requerente E – FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO ABERTO era em 31.10.2012 proprietária do terreno para construção inscrito na matriz sob o artigo… da freguesia de …, com o valor patrimonial tributário de 4.247.880 €.

 

  1.  Em 07.11.2012 a Requerida efetuou a esta Requerente a liquidação de imposto de selo nº 2012…, referente a este imóvel, com base no art. 6º, nº 1, al. f) e i), no valor de 21.239,4  €.

 

  1.  A Requerente E – FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO ABERTO era em 31.10.2012 proprietária do terreno para construção inscrito na matriz sob o artigo … da freguesia de …, com o valor patrimonial tributário de 3.992.644,60 €.

 

  1.  Em 07.11.2012 a Requerida efetuou a esta Requerente a liquidação de imposto de selo nº 2012…, referente a este imóvel, com base no art. 6º, nº 1, al. f) e i), no valor de 19.963,22 €.

 

 

  1.  A Requerente F – FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO PARA ARRENDAMENTO HABITACIONAL era em 31.10.2012 proprietária do prédio destinado a habitação sem andares nem divisões suscetíveis de utilização independente, inscrito na matriz sob o artigo … da freguesia de … com o valor patrimonial tributário de 1.164.700 €.

 

  1.  Em 7.11.2012 a Requerida efetuou a esta Requerente a liquidação de imposto de selo nº 2012…, referente a este imóvel, com base  no art. 6º, nº 1, al. f) e i), no valor de 8.441,98 €.

 

  1.  A Requerente F – FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO PARA ARRENDAMENTO HABITACIONAL era em 31.10.2012 proprietária do prédio destinado a habitação sem andares nem divisões suscetíveis de utilização independente, inscrito na matriz sob o artigo … da freguesia de …, com o valor patrimonial tributário de 1.415.855,50 €

 

  1.  Em 7.11.2012 a Requerida efetuou a esta Requerente a liquidação de imposto de selo nº 2012…, referente a este imóvel, com base  no art. 6º, nº 1, al. f) e i), no valor de 7.079,28 €.

 

  1.  A Requerente F – FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO PARA ARRENDAMENTO HABITACIONAL era em 31.10.2012 proprietária do prédio destinado a habitação sem andares nem divisões suscetíveis de utilização independente, inscrito na matriz sob o artigo … da freguesia de …, com o valor patrimonial tributário de  1.611.216,75 €

 

  1.  Em 7.11.2012 a Requerida efetuou a esta Requerente a liquidação de imposto de selo nº2012..., referente a este imóvel, com base  no art. 6º, nº 1, al. f) e i), no valor de 8.056,08 €.

 

  1.  A Requerente H, S.A. era em 31.10.2012 proprietária do terreno para construção  inscrito na matriz sob o artigo … da freguesia de …, com o valor patrimonial tributário de 1.002.490,00 €

 

  1.  Em 7.11.2012 a Requerida efetuou a esta Requerente a liquidação de imposto de selo nº 2012…, referente a este imóvel, com base  no art. 6º, nº 1, al. f) e i), no valor de 5.012,45  €.

 

  1.  A Requerente A, S.A. era em 31.10.2012 proprietária do terreno para construção inscrito na matriz sob o artigo … da freguesia de …, com o valor patrimonial tributário de 1.461.760 €

 

  1.  Em 7.11.2012 a Requerida efetuou a esta Requerente a liquidação de imposto de selo nº2012…, referente a este imóvel, com base  no art. 6º, nº 1, al. f) e i), no valor de 7.308,80  €.

 

  1.  A Requerente A, S.A. era em 31.10.2012 proprietária do terreno para construção  inscrito na matriz sob o artigo .. da freguesia de …, com o valor patrimonial tributário de 1.170.650,25 €.

 

  1.  Em 7.11.2012 a Requerida efetuou a esta Requerente a liquidação de imposto de selo nº 2012..., referente a este imóvel, com base no art. 6º, nº 1, al. f) e i), no valor de 5.853,25  €.

 

  1.  A Requerente A, S.A. era em 31.10.2012 proprietária do terreno para construção  inscrito na matriz sob o artigo … da freguesia de …, com o valor patrimonial tributário de 2.258.841,90 €.

 

  1.  Em 7.11.2012 a Requerida efetuou a esta Requerente a liquidação de imposto de selo nº2012…, referente a este imóvel, com base  no art. 6º, nº 1, al. f) e i), no valor de 11.294,21  €.

 

  1.  A Requerente A, S.A. era em 31.10.2012 proprietária do terreno para construção inscrito na matriz sob o artigo … da freguesia de …, com o valor patrimonial tributário de 2.542.940,00 €

 

  1.  Em 7.11.2012 a Requerida efetuou a esta Requerente a liquidação de imposto de selo nº 2012… referente a este imóvel, com base  no art. 6º, nº 1, al. f) e i), no valor de 12.714,70  €.

 

  1.  A Requerente A, S.A. era em 31.10.2012, proprietária do prédio em propriedade total com afetação habitacional sem divisões nem andares suscetíveis de utilização independente inscrito na matriz sob o artigo … da freguesia de …, com o valor patrimonial tributário de 1.164.700 €

 

  1.  Em 7.11.2012 a Requerida efetuou a esta Requerente a liquidação de imposto de selo nº 2012…, referente a este imóvel, com base no art. 6º, nº 1, al. f) e i), no valor de 5.823,50 €.

 

  1.  A Requerente A, S.A. era em 31.10.2012 proprietária o prédio em propriedade total com afetação habitacional sem divisões nem andares suscetíveis de utilização independente inscrito na matriz sob o artigo … da freguesia de …, com o valor patrimonial tributário de 1.655.645,92 €

 

  1.  Em 7.11.2012 a Requerida efetuou a esta Requerente a liquidação de imposto de selo nº 2012…, referente a este imóvel, com base no art. 6º, nº 1, al. f) e i), no valor de 8.278,23 €.

 

  1.  A Requerente B – FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO era em 31.10.2012 comproprietária, com a quota-parte de três quintos indivisos do terreno para construção, inscrito na matriz sob o artigo … da freguesia de …, com o valor patrimonial tributário de 2.177.390,88 €.

 

  1.  Em 7.11.2012 a Requerida efetuou a esta Requerente a liquidação de imposto de selo nº2012… referente à compropriedade da Requerente neste imóvel, com base  no art. 6º, nº 1, al. f) e i), no valor de 6.532,17   €.

 

  1.  A Requerente B – FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO era em 31.10.2012 comproprietária, com a quota-parte de três quintos indivisos do terreno para construção, inscrito na matriz sob o artigo … da freguesia da …, com o valor patrimonial tributário de 3.053.800,88 €.

 

  1.  Em 8.11.2012 Requerida efetuou a esta Requerente a liquidação de imposto de selo nº 2012… referente à compropriedade da requerente neste imóvel, com base na no art. 6º, nº 1, al. f) e i), no valor de 9.161,48 €.

 

  1.  A Requerente B – FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO era em 31.10.2012 proprietária do prédio destinado a habitação sem andares nem divisões suscetíveis de utilização independente,  inscrito na matriz sob o artigo … da freguesia de …, com o valor patrimonial tributário de 10.253.814,20.

 

  1.  Em 7.11.2012 a Requerida efetuou a esta Requerente a liquidação de imposto de selo nº 2012… referente a este imóvel, com base na no art. 6º, nº 1, al. f) e i), no valor de 51.269,07 €.

 

  1.  A Requerente B – FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO era em 31.10.2012 proprietária do prédio urbano destinado a garagem e serviços inscrito na matriz sob o artigo … da freguesia de …, com o valor patrimonial tributário de 1.202.861,27 €.

 

  1.  Em 7.11.2012 Requerida efetuou a esta Requerente a liquidação de imposto de selo nº 2012… referente a este imóvel, com base na no art. 6º, nº 1, al. f) e i), no valor de 9.622,89 €.

 

Não se provou que o prédio indicado no número 41 da matéria de facto, se destine na sua parte principal ou na maioria das suas partes, a escritórios.

 

A convicção do Tribunal quanto à decisão da matéria de facto alicerçou-se, por um lado, nos documentos juntos pelas Requerentes e pela Requerida e, ainda, das posições expressas pelas partes sobre os factos alegados pela contraparte, bem como da não impugnação dos documentos juntos aos autos.

 

Em particular, é de referir haver acordo das partes quanto à matéria de facto dado como provada, com exceção da destinação habitacional ou de serviços do prédio indicado no número 41 da matéria de facto.

 

Segundo a posição da Requerente que era sua proprietária, trata-se de um prédio não destinado exclusivamente a habitação, destinando a sua parte principal a escritórios.

 

Segundo a Requerida, trata-se dum prédio com fim habitacional em propriedade total sem andares nem divisões suscetíveis de utilização independente.

Para prova do facto por si alegado, no que respeita à afetação do prédio a Requerente juntou uma licença de utilização emitida pela Câmara Municipal de …, datada de 25.02.1977.

 

 A Requerida invoca o conteúdo da caderneta predial, chamando a  atenção para que dela consta a destinação habitacional sem andares nem divisões suscetíveis de utilização independente e ainda que  da mesma caderneta predial decorre que estes elementos resultaram de declaração modelo 1 de IMI entregue pela Requerente em 27.11.2007 e alega ainda que o imóvel foi objeto de avaliação notificada ao contribuinte não havendo notícia de que a Requerente tenha reagido à mesma.

 

A Requerente não contestou os factos invocados pela Requerida, designadamente a circunstância do teor da caderneta predial resultar da declaração apresentada pela própria Requerente em 2007. Alega que ocorreu um  lapso matricial há quase 40 anos, não se pronunciando quanto à declaração que terá apresentado em 2007.

 

Na sequência de despacho do Tribunal, a Requerida juntou aos autos cópia de declaração modelo 1 de IMI datada de 27.11.2007, constando como apresentante da mesma a Requerente G, S. A., do qual consta a descrição do prédio como prédio destinado a habitação sem andares nem divisões suscetíveis de utilização independente, sendo esta a descrição que consta atualmente da matriz predial.

 

Devidamente notificada, a Requerente G, S. A., nada disse.

Nos termos do art. 75º, nº 1 da Lei Geral Tributária “Presumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuinte apresentadas nos termos da lei”.

 

É certo que, como escrevem Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa “(…)relativamente a informações oficiais relativas à existência e quantificação do facto tributário, não é necessário provar o contrário, mas apenas gerar dúvidas fundadas, para que a decisão sobre a matéria de facto  tenha de ser processualmente desfavorável à administração tributária (art. 346º do Código Civil)” (LEI GERAL TRIBUTÁRIA,  Comentada e Anotada, Ed. Encontro da escrita, 4ª Edição, 2012, p. 670).

 

No entanto, a licença de utilização apresentada   pela Requerente apenas prova que em  1977 foi emitida uma licença com a finalidade que dela consta e não impede que tenha ocorrido posteriormente uma alteração de afetação. Este documento, dada a sua data, não é suscetível, objetivamente, de gerar dúvidas fundadas sobre a informação constante da matriz predial, tanto mais que a própria Requerente em modelo 1 de IMI datado de 27.11.2007 declarou o prédio como destinado a habitação sem andares nem divisões suscetíveis de utilização independente, em sintonia com o que consta da matriz, não tendo a Requerente feito, nem proposto fazer, qualquer prova de que tal declaração fosse desconforme com a realidade, nem ainda que, posteriormente àquela data, tenha ocorrido qualquer alteração da destinação do imóvel.

 

 

 

 

IV – O Direito aplicável

 

A)    Preliminares

 

 Do ponto de vista do Direito aplicável, no presente litígio e no sentido de obter a procedência do seu pedido de anulação das mencionadas liquidações de imposto de selo, são pelas Requerentes apresentadas razões de Direito que se podem assim sintetizar:

- ilegalidade por violação do princípio da igualdade;

- ilegalidade por violação do princípio da proporcionalidade;

- ilegalidade por falta de autorização para a cobrança do Imposto do Selo sobre a propriedade de imóveis.

 

Mas a argumentação expendida pelas Requerentes em relação à matéria de facto que ficou atrás fixada, igualmente inclui o erro na aplicação da nova disposição que criou a verba nº 28 da TGIS, visto que no seu entendimento não se aplicaria aos prédios referidos nas ditas liquidações, os quais não preencheriam o conceito previsto naquela norma.

Vamos começar pelos argumentos referentes à validade legal e constitucional da norma que criou a verba nº 28 da TGIDS, para depois passarmos à apreciação da sua aplicação aos prédios que foram considerados para efeitos de liquidação do imposto do selo.

 

B)    A ilegalidade da verba nº 28, por violação do princípio da igualdade

 

i) A igualdade é um valor e um princípio inerente ao paradigma do Estado de Direito que premeia toda a Constituição material portuguesa, o qual acaba mesmo por ser uma parte componente da própria ideia de Direito ou de Ordem Jurídica como Cosmos Jurídico.

Mas o princípio da igualdade é diretamente enunciado pelo texto constitucional português no seu art. 13º, além da sua evidente refração no plano do princípio da capacidade contributiva, o qual traduz uma orientação especial da igualdade em matéria tributária.

É assim que importa referir esta central disposição constitucional do art. art. 13º da CRP:

- art. 13º, nº 1: “Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei”;

- art. 13º, nº 2: “Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão da ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual”.

 

ii) O mesmo se diga da LGT, que também formula o princípio da igualdade no contexto da legislação tributária portuguesa, como se pode observar no seu art. 5º:

- art. 5º, nº 1: “A tributação visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas e promove a justiça social, a igualdade de oportunidades e as necessárias correções das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento”;

- art. 5º, nº 2: “A tributação respeita os princípios da generalidade, da igualdade, da legalidade e da justiça material”.

 

iii) O princípio da igualdade, em Estado Social, é substancialmente diverso do princípio da igualdade que vigorou no período do Estado Liberal, com todo um conjunto de novas dimensões e modos de agir para se alcançar uma igualdade material e uma igualdade de oportunidades.

Mas em matéria de tributação do património – não cuidando agora de saber da questão teorética da natureza do imposto do selo na contraposição entre impostos sobre o consumo ou impostos sobre o património – a própria CRP estabelece uma orientação central no seu art. 104º, nº 3: “A tributação do património deve contribuir para a igualdade entre os cidadãos”.

Na sua singeleza, não deixa esta disposição constitucional, especificamente estabelecida para este tipo de tributação, de ser bem o exemplo de um princípio da igualdade fiscal que leva em consideração as novas dimensões do princípio social.

 

iv)  Estamos em crer que o preceito em questão, que aditou a verba nº 28 à TGIS, se encontra ferido de inconstitucionalidade material por violação do princípio da igualdade.

Importa referir que a configuração do facto tributário, que opera a distinção entre diversas utilizações e destinações dos prédios em causa, não se afigura justificada em nome da finalidade da medida fiscal adotada.

Se a preocupação é a da tributação dos patrimónios mais elevados, qual a razão de essa tributação, na espécie em causa de património real de que o contribuinte é titular, não tributar todas essas propriedades, nas suas múltiplas subdistinções?

Se bem se reparar, há diversas categorias de prédios que não logram submeter-se a esta nova tributação:

- os prédios não urbanos;

- os prédios urbanos que não correspondam às especificações das verbas nºs 28.1 e 28.2.

Não se vislumbra a racionalidade de nela não incluir todas essas utilizações e destinações, sendo certo que se todas elas fossem incluídas, a receita fiscal seria maior e igualaria os contribuintes com base num mesmo valor patrimonial referido.

Mesmo considerando a diferença no valor económico dos prédios rústicos e urbanos, ou dentro destes nas suas diversas utilizações e destinações, como o critério é remetido para o valor patrimonial do CIMI, por este mecanismo já se teria aferido objetivamente a riqueza em causa, sendo ela diversa conforme aquelas diferentes distinções que são tidas em conta na avaliação empreendida pelas normas pertinentes do CIMI. 

 

v) Com esta diferenciação, introduz-se mesmo uma perversão valorativa no sistema fiscal português, ao arrepio da orientação geral que se pode obter da Constituição, que é a do maior sacrifício imposto aos contribuintes que sejam proprietários de prédios com uma destinação ou utilização habitacional em detrimento de outras destinações ou utilizações que não são tão valiosas à luz dos valores e dos princípios constitucionais, sendo de invocar nesse sentido:

- não apenas a proeminência valorativa do direito à habitação, previsto no art. 65º da CRP, que mesmo sendo um direito económicos e social, oferecendo uma eficácia jurídica inferior à dos direitos, liberdades e garantias, não deixa de ter um lugar constitucional privilegiado que surge de diapasão para, pelo menos, evitar uma discriminação em relação a outras utilizações que não têm a mesma importância constitucional;

- como também não se pode esquecer a projeção do próprio princípio da dignidade da pessoa humana, princípio retor da ordem constitucional portuguesa e enunciado logo no art. 1º da CRP, que certamente implicará a especial valorização das utilizações que os cidadão levam a cabo nos seus âmbitos de vida, havendo aqui uma concretização desse valor na maior proteção que deve ter a propriedade afeta ou destinada à habitação – que é uma habitação humana – de propriedades que têm outras utilizações ou destinações.

 

vi)  Há uma outra razão para considerar que a verba nº 28 da TGIS infringe o princípio da igualdade tributária, neste caso considerando a proibição constitucional da dupla tributação jurídica, que também é aqui uma dupla tributação económica.

A dupla tributação jurídica significa que a mesma manifestação de riqueza, que se traduz no mesmo facto fiscal, é tributada duas vezes, tal significando uma discriminação negativa em relação a outros contribuintes cuja tributação apenas foi realizada uma única vez sobre o mesmo facto tributário.

Ainda que sem expressão literal no texto constitucional, a proibição da dupla tributação jurídica não só se deduz do princípio da capacidade contributiva, sendo expresso no plano do Direito Constitucional Penal através do princípio non bis in idem.

A mais autorizada doutrina fiscal portuguesa tem insistido nesta vertente do princípio da igualdade, como é o caso de JOSÉ CASALTA NABAIS: “…ao impor limites intra-sistemáticos, ou seja, coerência entre os diversos impostos e coerência do sistema fiscal no seu conjunto, o princípio em causa deve ser convocado para a solução de problemas tais como a dupla tributação interna, concretize-se esta numa dupla tributação (dupla tributação jurídica) ou numa sobreposição de impostos (dupla tributação económica), a tributação múltipla ou plural, que se traduz em os mesmos bens, por exemplo os imóveis, serem objeto de diversos impostos, a conversão de impostos, que se materializa na transformação de impostos sobre o rendimento em impostos sobre o património em virtude, por exemplo, da inércia do legislador face ao fenómeno da inflação, etc.” (JOSÉ CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 7ª ed., Coimbra, 2012, p. 164).

 

vii) Mas, afinal, em que consiste essa dupla tributação? Ela consiste no facto de a titularidade de direitos reais ser simultaneamente tributada em sede de CIMI e em sede de IS, a qual incide sobre a mesma realidade, o que fica por demais evidente quando os termos da tributação da verba nº 28 do IS são remetidos para as regras aplicáveis do CIMI.

            Temos assim duas tributações coincidentes em matéria de prédios urbanos, aos quais se aplicam dois impostos, com as suas taxas próprias:

            - a tributação estabelecida no art. 1º do CIMI; e

            - a tributação estabelecida na verba nº 28 da TGIS.

            Não se julga como argumento contrário pertinente o facto de o sujeito ativo da relação jurídica fiscal ser diverso, o Estado no IS e os municípios no IMI, uma vez que apenas aqui releva a posição do sujeito passivo.

 

viii) Já não nos parece pertinente para defender o resultado da inconstitucionalidade o facto de a norma em questão estabelecer um limite abaixo do qual manifestações de riqueza equivalentes, também atinentes a prédios com afetação habitacional, ficam por tributar, seja porque se aproximam do limiar do 1 000 000 de euros, seja porque no mesmo contribuinte se podem cumular diversos prédios que, em conjunto, ultrapassam aquele limiar, sendo a tributação prédio a prédio e não uma tributação global do prisma da situação tributária do contribuinte em termos patrimoniais.

Obviamente que o legislador tem a necessidade de trabalhar com limites na quantificação da tributação, fenómeno que sucede em muitos outros ramos do Direito, como no limite da maioridade do Direito Civil ou no limite de velocidade no Direito Rodoviário.

Conquanto esses limites, que sempre dividem artificialmente a realidade subjacente à aplicação das normas, não sejam arbitrários e se imponham pela necessidade de regular as situações da vida, além da necessidade da segurança que o Direito igualmente pressupõe, devem os mesmos ser aceites e validados do ponto de vista da sua constitucionalidade e legalidade. Ora, é isso o que sucede no caso em apreço.

Por outro lado, este limite traduz a definição – dentro da liberdade conferida pela Constituição ao legislador ordinário – de um limite acima do qual se considera aceitável tributar mais ou até tributar de todo em nome de um princípio da capacidade contributiva que expressa uma preocupação de justiça social.

Quer isto dizer que o princípio da igualdade tem ínsita hoje a admissão de uma discriminação negativa contra aqueles grupos que, auferindo maiores rendimentos ou possuindo mais valiosos patrimónios, se podem submeter a uma maior tributação, em dois sentidos:

- quer através de uma tributação progressiva, tal como a mesma se realiza no impostos sobre o rendimento pessoal;

- quer através de uma tributação proporcional, neste caso só atingindo o património acima de 1 milhão de euros.

Não se considera inconstitucional esta disposição por violação do princípio da capacidade contributiva.

 

C)    A ilegalidade da verba nº 28 por violação do princípio da proporcionalidade

 

i) Outro princípio constitucional que é invocado é o da proporcionalidade, que genericamente se deduz do princípio do Estado de Direito e que aflora em alguns importantes preceitos constitucionais atinentes a limitações aos direitos, liberdades e garantias, como sucede nos arts. 18º e 19º da CRP.

Não julgamos que a tributação da verba nº 28 da TGIS ponha em crise o princípio da proporcionalidade, nas suas três supra-mencionadas vertentes, devendo considerar-se o objetivo anunciado pelo legislador na criação desta nova tributação:

            - princípio da adequação: a medida é adequada à captação da receita visada através da imposição de um sacrifício patrimonial no grupo definido de contribuintes, inserindo-se num conjunto de medidas imposta pelas circunstâncias de crise económico-financeira que se está a viver;  

            - princípio da necessidade: a medida é necessária em confronto com outras medidas possíveis, sendo certo que a adoção de medidas que tributassem menos teriam a consequência de diminuir a correspondente receita fiscal pretendida;

            - princípio da razoabilidade: a medida é razoável dado o facto de atingir um elevado patamar de valor patrimonial, o que pressupõe uma capacidade contributiva acima de um nível médio e em relação à qual o Estado-legislador tem o poder de tributação.

 

ii) É precisamente a este propósito que se poderia discutir a inconstitucionalidade desta disposição por violação de um qualquer limite máximo que se impusesse à tributação portuguesa, o qual nem sequer está constitucionalmente definido.

É verdade que se tem discutido no plano doutrinário e também no plano da Política Constitucional a proibição dos impostos confiscatórios, ou seja, a conclusão segundo a qual os impostos excessivamente elevados deveriam ser constitucionalmente proibidos porque subverteriam a sua função, que não é punitiva, transformando a natureza do verdadeiro imposto como meio de financiamento da atividade financeira pública num confisco da propriedade.  

Havendo decerto um lugar constitucional para a proibição dos impostos confiscatórios, não estaremos no caso sub judice perante tal realidade, por diversos motivos: 

            - pelo carácter limitado da tributação em causa, no tipo de facto tributário definido;

            - pelo carácter limitado da taxa que é aplicável;

      - pelo tipo de manifestação de riqueza em causa, que se relaciona com o património e não com o rendimento.

 

D)    Ilegalidade por violação do princípio da falta de autorização orçamental de cobrança do imposto correspondente à verba nº 28

 

i) A discussão acerca da validade das liquidações de imposto de selo no caso sub judice ainda remetem para a questão de saber se foi violado o princípio da autorização orçamental para a cobrança da respetiva receita.

A questão relaciona-se com o facto de adição da verba nº 28 não ter sido acompanhada de uma concomitante alteração na lei do orçamento de Estado prevendo a nova receita que assim seria gerada.

 

ii) O princípio em causa tem desde logo relevância constitucional, sendo objeto de uma alusão no texto da CRP no art. 105º, nº 1, o qual dispõe o seguinte: “O Orçamento do Estado contém: a discriminação das receitas e despesas do Estado, incluindo as dos fundos e serviços autónomos”.

A Lei de Enquadramento do Orçamento do Estado (Lei nº 91/2001, de 20 de agosto) igualmente estabelece essa regra da especificação das receitas, segundo o art. 8º, nº 1: “As receitas previstas devem ser suficientemente especificadas de acordo com uma classificação económica”, matéria que depois é concretizada em decreto-lei.

 

iii) Não parece que esta disposição tenha sido violada pela presente norma da verba nº 28 do imposto do selo pelo facto de tal orientação assumir uma natureza qualitativa, e não uma natureza quantitativa.

Do ponto de vista qualitativo, a consulta da lei do orçamento de Estado para 2013 permite confirmar a previsão desta receita, devidamente identificada em designação própria, segundo as classificações orçamentais aplicáveis.

Simplesmente, não se deduz deste princípio qualquer exigência quantitativa, neste caso havendo o acréscimo de receita por o facto tributário de onde nasce o crédito tributário ocorrer no decurso do ano fiscal, não tendo sido alterada, concomitantemente, a lei do orçamento do Estado para acomodar essa situação.

Não foi alterada, nem tinha de o ser, porque a exigência do Direito Orçamental é de natureza qualitativa, e não quantitativa, em matéria de receitas: nem sequer isso seria factível dado o facto de em cada ano fiscal que começa ser impossível ao Estado prever as receitas a cobrar com os impostos previstos.

Naturalmente seria desajustado dizer que os impostos cobrados que excedessem o limite quantificado de receita não poderiam ser cobrados porque se teria ultrapassado o limite estabelecido no orçamento do Estado.

           

iv) E não é apenas de considerar esta impossibilidade prática: a própria teleologia do princípio assim o impõe, uma vez que ele se destina a proteger os cidadãos do abuso das receitas, e a identificar as receitas, mas não no seu montante exato.

Além do mais, recorde-se que esta orientação não pode ser desligada da natureza do orçamento de Estado, que na sua essência é uma previsão futura de receitas e despesas, com todas as limitações que se impõe reconhecer a um juízo de prognose sobre a evolução da atividade financeira pública.

 

E)    A violação do princípio da proteção da confiança

 

i) Estando evidentemente o Tribunal Arbitral submetido ao princípio do pedido, no sentido de o objeto processual ser forçosamente definido pelas partes, não está o mesmo vinculado, quanto ao Direito aplicável, aos argumentos jurídicos expendidos pelas partes.

Quer isto dizer que para o Tribunal Arbitral a norma da verba nº 28 da TGIS suscita uma outra questão de inconstitucionalidade, por violação de um princípio que não foi invocado pelas partes: o princípio da proteção da confiança.

 

ii) Não sendo literalmente consagrado no texto da CRP, nem por isso deixa este princípio de se afirmar na normatividade constitucional portuguesa por dedução da formulação geral do princípio do Estado de Direito, referida no art. 2º da CRP.

Por outro lado, têm sido abundantes – sobretudo nestes recentes acórdãos prolatados no contexto das medidas de combate à crise económico-financeira – as referências e aplicações que do mesmo o Tribunal Constitucional tem feito.

O princípio da proteção da confiança, em termos gerais, significa que o poder público – ou o poder legislativo em especial – está impedido de editar medidas jurídicas cujos efeitos signifiquem uma revogação ou limitação de interesses ou expectativas dos cidadãos, legitimamente construídos através dos regimes jurídicos precedentes, sem que para tanto haja um fundamento racional bastante.

 

iii) Uma das dimensões específicas do princípio da confiança é a da aplicação retroativa das leis, a qual se encontra expressamente proibida num conjunto de casos enunciados no texto constitucional.

Só que a operatividade deste princípio não está apenas conexa com a retroatividade, nem mesmo com a versão suave da retrospetividade, que tem uma aplicação específica no Direito Fiscal quando se está em face de impostos periódicos.

Este princípio também pode invalidar alterações futuras da legislação, se estas se apresentarem abruptas, surgindo como decisões-surpresa, com as quais os cidadãos não pudessem contar e tivessem a legítima expectativa de que não surgiriam nos moldes em que o decisor legislativo as modelou.

“O princípio da confiança, requerendo que o quadro normativo vigente não mude de modo a frustrar as expectativas geradas nos cidadãos acerca da sua continuidade, implica a proibição de uma intolerável retroatividade das leis, assim como a necessidade da sua alteração futura em conformidade com as expectativas que sejam constitucionalmente tuteladas” (JORGE BACELAR GOUVEIA, Manual de Direito Constitucional, II, 5ª ed., Coimbra, 2013, p. 726).

 

iv) A apreciação da norma da verba nº 28 da TGIS não suscita, a este propósito, um problema de retroatividade, nem sequer um problema de retrospetividade, sendo na verdade um imposto de prestação única: o novo facto tributário é construído para o futuro, mais exatamente, no dia seguinte ao da entrada em vigor da norma que o cria.

Suscita, sim, um problema de quebra na confiança que deve existir entre o Estado-Legislador e o Cidadão, que confiou na estabilidade das disposições fiscais sobre o imposto de selo, tendo sido “apanhado de surpresa” por uma medida legislativa que entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

Eis um facto que em si não teria um significado especial se se tratasse de uma medida economicamente neutra ou se se inserisse num contexto jurídico em que a vigência prospetiva dos atos legislativos se pudesse indistintamente estabelecer entre o dia seguinte ou qualquer outro dia seguinte ao da sua entrada em vigor.

Não é o caso porque a colocação da vigência desta nova norma no dia seguinte ao da sua publicação vem abalar profundamente a previsibilidade com que os contribuintes tinham o direito de contar na configuração do imposto de selo, cujo facto tributário é sempre aferido no dia 31 de dezembro.

De repente, surge uma alteração substancial do momento relevante desse facto tributário para o dia 31 de outubro, não lhes dando tempo de agirem em função da nova disposição fiscal criada. Esse é o propósito do art. 6º da Lei nº 55-A/2012, de 29 de outubro. 

 

v) O que mais impressiona é que nem sequer esta alteração assume outra racionalidade que não seja a de colher subitamente um aumento de receita, através da antecipação do facto tributário de 31 de dezembro para 31 de outubro: é que para o ano seguinte, o ano de 2013, visto que a norma do art. 6º apenas vigora para o ano de 2012, volta o facto tributário ser a 31 de dezembro.

Compreende-se porque a aceitação da regra geral do IMI: já não haveria no ano seguinte qualquer fator surpresa. Não se julga que em Estado de Direito seja legítimo, em termos de proteção da confiança, o legislador agir deste modo.

Um comportamento destes por parte do legislador fiscal viola a boa-fé que o cidadão depositou no Estado, confiando que da parte deste não haveria medidas-surpresa sem qualquer fundamento racional adequado. 

 

F)     A errada aplicação do conceito de “prédio com afetação habitacional” prevista na verba nº 28 da TGIS

 

i)Ainda que tivéssemos concluído pela inconstitucionalidade da norma que aditou a verba nº 28 à TGIS, pelas razões expostas, cumpre apreciar a outra questão de Direito que está em causa, que é a da aplicação às liquidações efetuados de imposto de selo do conceito de “prédio com afetação habitacional”.

A norma em causa refere textualmente que a verba nº 28.1 incide sobre “prédio com afetação habitacional”, mas em nenhum lugar se ocupa da explicitação desse conceito.

Metodologicamente, há dois caminhos a percorrer:

            - ou esse conceito se encontra remissivamente definido na legislação subsidiária, que é o Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), expressamente indicado como tal pela Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro, por diversas vezes referindo tal diploma legal;

            - ou esse conceito é autónomo, não estando definido em nenhum lugar, sendo necessário construí-lo a partir dos índices disponíveis, naturalmente também recorrendo àquilo que estabelece o CIMI.

 

ii) A leitura do CIMI, para começarmos pela primeira hipótese, não permite encontrar um qualquer preceito em que se utilize a expressão “prédio com afetação habitacional”.

Lá deparamos com a distinção fundamental entre prédios urbanos e prédios rústicos, além da categoria dos prédios mistos, depois se explicitando que os prédios urbanos podem subdividir-se em várias espécies, sendo uma delas os “prédios habitacionais”, conforme se estabelece no art. 6º, nº 1, al. a), do CIMI.

O ponto que importa decidir é este: há diferença entre a expressão que o CIMI utiliza de “prédio urbano habitacional” e a expressão usada pelo art. 4º da Lei nº 55-A/2012, ao aludir a “prédio com afetação habitacional”?

Estamos em crer que não, uma vez que prevalece, ainda que usando palavras um pouco diversas, o mesmo sentido fundamental de tributar a titularidade de prédios com um mesmo destino, a efetividade ou a possibilidade de o uso ser para efeitos de habitação humana, com todas as consequências que a legislação em geral e o CIMI em particular lhe dá.

Quer isto dizer que esta restrição não só afasta desde logo os prédios que sejam rústicos, ou nos prédios mistos a parte que não seja urbana, como também afasta os usos ou destinações dos prédios urbanos que não sejam habitacionais, como sucede com os destinos comerciais, industriais, terrenos para construção, nos termos das diversas categorias previstas no art. 6º, nº 1, als. b) a d), do CIMI.

 

iii) Aceite a primeira possibilidade de haver um conceito remissivo para interpretar a Lei nº 55-A/2012 a ser fornecido pelo CIMI, há ainda que saber se a destinação habitacional tem de ser efetiva – isto é, tratar-se de um prédio como tal licenciado – ou se basta essa destinação como destinação normal, sem haver ainda uma licença de utilização para fins habitacionais.

Uma vez mais a resposta pode ser encontrada no CIMI, o qual, pelo seu art. 6º, nº 2, admite que um prédio seja habitacional – o mesmo dizendo quanto a outros usos – mesmo não havendo a competente licença, bastando para o efeito ser esse o seu “destino normal”.

Julga-se que não há razões para prescindir deste critério no preenchimento do conceito equivalente de “afetação habitacional”, que incorpora um destino efetivo, porque já autorizado, como um destino potencial, em que essa probabilidade seja acentuada.

 

iv)  Em face do exposto, consideramos que os prédios indicados nos números …, …,…, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, … e … da matéria de facto dada como provada não se subsumem no conceito de prédio com afetação habitacional, previsto na verba 28 do Código do Imposto de Selo.

Assim, relativamente a estes prédios, as liquidações em causa são ilegais por não terem fundamentos face ao à verba 28 do CIS, mesmo abstraindo da desaplicação da mesma por violação dos princípios da igualdade e da proteção da confiança.

No que respeita aos prédios indicados nos números …, …, …, …, … e … da matéria de facto, subsumindo-se os mesmos na regra de incidência da aludida verba 28, as respetivas liquidações também não se poderão manter, dado que a norma de incidência em que se fundam viola os princípios constitucionais supra identificados, ilegalidade de que também padecem as liquidações respeitantes aos demais prédios.

 

 

V – Decisão

 

35. Pelos termos expostos, decide o Tribunal Arbitral:

 

 

a)      Declarar a ilegalidade, com a consequente anulação das liquidações identificadas sob os números …,…,…,…,…,…,…,…,…,…,…,…,…,…,… e … da matéria de facto provada, por as mesmas não se subsumirem na norma de incidência da verba 28 da Tabela Geral do Imposto de Selo, não se declarando a ilegalidade das demais liquidações com tal fundamento.

 

b)       Não aplicar a norma da verba nº 28 da Tabela Geral do Imposto de Selo, por infringir o princípio da igualdade e o princípio da proteção da confiança consagrados na Constituição da República, em obediência à norma consagrada no art. 204º da CRP, ficando as liquidações de imposto de selo efetuadas sem base legal, declarando-se, também, em consequência, a ilegalidade e a consequente anulação das liquidações identificadas sob os números …, …, …, …, … e … da matéria de facto provada, julgando-se, assim, totalmente procedente o pedido de pronuncia arbitral.

 

c)      Determinar o pagamento às Requerentes de juros indemnizatórios aplicáveis, nos termos do artigo 43.º da LGT, bem como dos custos com as garantias que venham a ser prestadas no âmbito dos processos de execução fiscal instaurados por falta de pagamento das liquidações objeto do pedido, como consequência da invalidade das liquidações de imposto de selo que foram praticadas pela Administração Tributária e Aduaneira

 

 

 

Valor da ação: €265 469, 90 (duzentos e sessenta e cinco mil, quatrocentos e sessenta e nove euros e noventa cêntimos)

 

Custas pela Requerida, no valor de € 4 896,00 (quatro mil, oitocentos e noventa e seis euros)

 

O Árbitro-Presidente

 

 

Manuel Macaísta Malheiros

 

 

O Árbitro-Vogal

 

 

Dr. Marcolino Pisão Pedreiro

 

 

O Árbitro-Vogal

 

Prof. Doutor Jorge Bacelar Gouveia

 

 

            Lisboa, CAAD, 7 de março de 2014.

 

 

***

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.